Anjo Amigo escrita por Drama Queen


Capítulo 1
O mais lindo dos troféus.




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A gente morou e cresceu na mesma rua
Como se fosse o sol e a lua dividindo o mesmo céu
Eu a vi desabrochar, ser desejada
Uma joia cobiçada, o mais lindo dos troféus

Não houve um único bruxo, uma única pessoa na face da Terra que soubesse sobre meu terrível vício em você, não. Muitos acreditavam que eu sequer a vira depois da Guerra, que eu sequer a notara enquanto cursávamos ambos nossos sétimos anos na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, depois que esta fora reconstruída. Tolos, sempre muito tolos. Não digo que não devesse tê-lo feito, mas essa é a verdade. Muito melhor seria se eu simplesmente tivesse aceitado que pertencíamos a mundos diferentes, em vez de passar noites em claro, numa tentativa falha de interligá-los.

Eu fui seu guardião, eu fui seu anjo amigo
Mas não sabia que comigo
Por ela carregava uma paixão

Eu me lembro de trocar os turnos das rondas noturnas com os outros monitores-chefes, apenas para meu horário calhar com o seu. Algo que admirava em você era sua inteligência, mas você nunca pareceu notar. Aliás, você era quem nunca pareceu me notar. Andávamos sempre pelos mesmos corredores, encontrávamos-nos sempre no mesmo salão, no mesmo campo, nas mesmas salas. Mas você nunca se dava ao menor trabalho de olhar para mim. Até o dia no qual falei com você.

“Hermione”, estremeci, no momento que seu nome saiu por entre meus lábios. Era doce. Eu tinha os olhos marejados, mas não permiti que você notasse. Aliás, a escuridão do castelo não o permitiu. “Draco”, respondeu de imediato. Não soube como você adivinhou que era eu, mas ouvi-la chamar-me pelo primeiro nome fez com que eu suasse frio. “Você foi muito corajoso. Eu queria ter sido corajosa como você foi.”. Aquilo me chocou. “Tudo o que fiz foi correr para os braços de quem sempre causou toda a dor. Não apenas minha, mas do mundo, Granger”.

“Qual foi o motivo pra ter feito isso, Malfoy?”, você se aproximou. Senti sua mão pegar meu braço esquerdo, seus dedos quentes percorrendo a marca negra que ali repousava. Durante muito tempo, não doera mais. Era uma sensação quase tranquilizante. Fechei os olhos, sentindo seu toque. Lembranças vieram-me à tona quando parei para refletir sobre a pergunta . “Fiz isso por amor”, respondi, por fim, inseguro. “Amor aos meus pais, à minha família, aos meus amigos. A mim mesmo. Isso não é corajoso. É egoísta.”. “Sentimentos são egoístas”, você comentou, baixo. “Mas ainda acho uma atitude de coragem. Você se sacrificou por sua família. O problema foi apenas o de sua família estar de um lado julgado covarde. Isso não faz de você um covarde.”. “Mas não faz de mim um corajoso, também.”.

Você mexeu o nariz, atitude típica de quando estava pensando. Era raro vê-la assim, uma vez que todas as respostas lhe apareciam automaticamente. “Mas você está aqui. Isso te faz corajoso.”. “Por que faria?”. Suspirei. você me encarou e revirou os olhos, numa expressão de obviedade. “Está enfrentando todos pelo simples fato de estar aqui. Pelo simples fato de querer mostrar que é diferente.”. Franzi o cenho. Como você sabia minhas razões de estar ali? “Não é só isso”, retruquei. “Eu sei que não”, você deu de ombros. “Mas talvez você devesse esquecer esses outros motivos.”. “Não vou. Já desisti deles uma vez, seria burrice deixá-los ir novamente”.

Você sorriu e me abraçou. Eu não sei porque diabos fizera aquilo, mas ajudou. Seu corpo era quente, e parecia aquecer também minha alma. O cheiro de seus cabelos, de sua pele. Eu havia sentido tudo isso antes, quando senti o cheiro de Amortencia, no sexto ano. Foi quando eu tive certeza. Tive a certeza de que faria tudo pra protegê-la. Mesmo que você não me quisesse.

Eu a vi se aconchegar em outros braços
E saí contando os passos, me sentindo tão sozinho

Os passeios em Hogsmade eram os piores. Eu simplesmente não conseguia parar de segui-la, parar de procurá-la em meio à multidão. Sempre com o cenoura e com o cicatriz. Não que eu tivesse algo contra eles, de verdade, mas eu não gostava de vê-los com você. Não, não eles. Ele. O Weasley. Mesmo que não tivesse ido estudar nesse último ano, ele ia ao seu encontro em todo passeio fora de Hogwarts. Era doloroso vê-los juntos. Era mais doloroso ainda quando você me encarava enquanto conversavam.

Mas dizem que a esperança é a última que morre. E por mais fraca que a minha estivesse, ela ainda existia. Existia pelo fato de eu ser capaz de flagrar seus olhos brilhando ao conversarem comigo. Éramos bons amigos, desde então. Existia pelo fato de eu ser capaz de flagrar as risadas que você dava de minha piadas sem graça. Sempre foram ruins, não é? Mas havia sempre minha visão realista de mundo que me dizia que você seria sempre dele. Quem estaria certo?

No corpo o sabor amargo do ciúme
A gente quando não se assume
Fica chorando sem carinho

Você sabia de minha angústia. Sabia que eu passava as noites em claro, porque você notava isso em minha olheiras, Hermione. Eu sei que você notava, porque você sempre me oferecia café. De algum modo, você sabia que eu ficava mais feliz com café, se tivesse tido uma noite insone. Mas acho que o café foi apenas um símbolo. Sabe, no fundo, eu sempre tive o conhecimento de que era você que me deixava feliz. Que eu não dormia pois estava ansioso apenas para tomar mais um pouco de meus quinze minutos de felicidade, os mesmos quinze minutos que conversávamos entre o café da manhã e as aulas.

Muitos diriam que fui infeliz no dia que te convidei pro baile de formatura. Muitos diriam que foi nele que selei o destino que estou tendo agora. Mas foi a noite mais feliz da minha vida, minha Mione, e você sabe disso. Você estava linda, como sempre estava. Eu me lembro de nossa aposta. Lembro-me de você usar um vestido prateado e joias em verde, enquanto eu usava uma gravata vermelha e relógio dourado. Nossa piadinha interna, não é? Você sempre tivera um pouco de Sonserina dentro de si, ainda que eu não tenha encontrado até hoje o Grifinório dentro de mim.

Eu lembro te ter dançado com você a noite toda, até estarmos tão cansados que não conseguíamos sequer suportar o peso de nossos próprios corpos. Seria cômico, se não fosse trágico. Eu não sei como tive forças pra te carregar no colo até a entrada do salão comunal de sua casa. Só sei que não te faria andar. Não depois de ter dançado comigo em um salto fino por mais de cinco horas. Eu não havia bebido uma gota sequer de álcool, e é por isso que fiz o que fiz. Se tivesse bêbado, não teria te beijado. “Eu te amo, morena.”, foi o que eu disse, ao notar que você não recuou de mim.

“Eu também te amo, loiro”. Foi isso o que me matou.

O tempo passou e eu sofri calado
Não deu pra tirar ela do pensamento
Eu ia dizer que estava apaixonado
Recebi o convite do seu casamento
Com letras douradas num papel bonito

Foi a última vez que nos vimos. Ou melhor, a última vez que me viu. Eu sempre te observava. Sempre a mesma rotina, Hermione Granger. Seria fácil para alguém lhe sequestrar, se quisessem. Acordava bem cedo, antes mesmo do sol nascer, porque gostava de vê-lo surgir no céu enquanto caminhava pelo mesmo parque trouxa em frente à casa trouxa para qual se mudara. Depois que corria, voltava para casa por quarenta minutos. Um banho e café da manhã. Então se sentava no mesmo parque e se afundava em livros, até as onze, hora na qual ia trabalhar no Ministério.

Eu alterei meus horários no St. Mungnus para que eles coincidissem com os seus. Onze às seis. Então você ia pra casa, onde encontrava o Weasley às terças e quintas-feiras. Você gostava de fugir para um café, na esquina de sua rua, nos restantes dias. Sempre o mesmo capuccino com chocolate duplo, não é? Mas em uma sexta-feira você não foi. Saiu três horas mais tarde de casa, já eram mais de dez. Lembro-me de ter entrado em seu carro – objeto que você raramente usava – e eu não pude te ver.

Só fui descobrir o que acontecera naquela noite dois meses depois. Quando seu convite apareceu lá em casa. Seu e do Weasley. O casamento seria em três meses.

Chorei de emoção quando acabei de ler
Num cantinho rabiscado no verso
Ela disse: "Meu amor, eu confesso
tô casando, mas o grande amor
da minha vida é você”.

Eu caí em prantos, não tenho vergonha de admitir isso, meu amor. Sua caligrafia perfeita, dizendo que me amava. Ah, como queria aparatar com você para outra dimensão, onde não poderiam nos encontrar. Você sabia que eu queria. E durante todos esses anos nos quais te vigiei, você continuou me amando. E eu achando que fora apenas um equívoco seu, naquela noite. Tive quatro anos, desde o baile até esse dia, para te convencer a deixar o cenoura e ficar comigo. Mas você achou que eu tinha superado. E eu achei que você tinha superado. Infeliz foi o destino em nossas vidas, Mione.

Eu a vi se aconchegar em outros braços
E saí contando os passos, me sentindo tão sozinho

Eu fui no seu casamento, é claro que fui. Eu era um dos padrinhos. Nos três meses que tive entre a notícia e o grande dia, encarreguei-me de encontrar alguém. Qualquer uma que fosse. Felizmente, para mim, Astória ainda tinha aquela paixão avassaladora que sentira durante toda minha estadia em Hogwarts. Eu a levei como acompanhante, e você parecia feliz. Feliz por eu ter achado alguém. Mas acho que no fundo você sempre soube que era – e ainda é – meu grande e único amor.

Acabou que eu e a Grengrass nos casamos. E você foi a madrinha. Estranho como sempre demos um jeito de ligar nossas famílias, não é?

No corpo o sabor amargo do ciúme
A gente quando não se assume
Fica chorando sem carinho

Ah, Mione, os anos não me caíram tão bem quanto em você. Apenas fui ficando velho, enquanto você ficava sábia. E doente. Comecei-me a preocupar-me cada vez mais quando suas visitas ao St. Mungus ficavam mais frequentes. Sempre foram doenças trouxas, mas eu sempre fiz questão de te tratar, e graças a Deus você nunca recusou minha ajuda. Muitos diriam que já era de se esperar, que sua segunda gravidez já havia causado problemas sérios demais e que havia sido um milagre você ter sobrevivido quinze anos após o nascimento de Hugo. Mas era pouco. Ao menos, pra mim. Eu não suportava a ideia de um dia sequer perder você.

Hoje estou aqui, ao lado de seu leito. Já temos quarenta anos. Um milagre eu ter chegado até aqui. Seus olhos estão fechados, seu rosto transborda serenidade. Você foi sempre tão serena, minha doce Mione. Seus cabelos estão enfeitado com lavanda. Só hoje notei que essa era a flor que dava aroma a seu shampoo. Só hoje notei o modo como suas sobrancelhas são tão delicadas. Sempre as achei tão geniosas que mal parecem ser as mesmas.

Mas não posso me deixar enganar. Elas não são as mesmas. Só eram suas porque suas expressões a faziam assim. Mas você já não se expressa mais. Nem nunca vai. Nunca mais verei seus olhos cor de avelã brilhando com minha palavras, bem como nunca mais ouvirei sua risada melodiosa ecoando pelo salão. Não verei nem em sonho, morena.

Porque não conseguirei dormir sabendo que nunca pude lhe ter, mesmo que pertencesse a mim todo esse tempo. Porque não conseguirei sonhar, já que estou vivendo um pesadelo. Eu nunca pude imaginá-la partindo antes de mim, porque nunca pude imaginar um mundo do qual você não fizesse parte. Não posso sonhar, porque nem ao menos pertenço a esse Universo. É apenas uma vastidão sem fim, e nada mais.

Vejo Rose e Scorpius no canto da sala. Ele será forte, eu sei que será. Rose precisa dele. Nunca trocaram um único beijo, ainda. Mas eles vão ficar juntos, no final. Eles já perceberam que pertencem um ao outro. Ou, ao menos, espero que tenham percebido. Porque eu não posso esperar mais. Se há uma vida após isso, ou se não há, não tenho tempo para questionar.

Só vou me juntar a você. Ou me perder pra sempre. Como lhe perdi.


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