As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 04 :D
Jackalopes são aqueles coelhos mitológicos com chifres



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Capítulo 04.

Aquele com um pedido, duas mortes e três monstros.


Rin trancou a porta do quarto do hotel apressada. Tirou o não livro do casaco, o jogou na cama e ficou o mais longe possível dele, colada na parede, coração martelando no peito.

As páginas do não livro se moviam violentamente como se houvesse um ventilador em sua frente ligado na potência máxima.

No momento em que ela deixou a livraria, sentiu o objeto roubado começar a esquentar. No inicio ela não se importou, mas a medida que se aproximava do hotel o calor se tornava mais incômodo. E foi quando ela chegou na porta do quarto que as páginas enlouqueceram.

E lá estava ela agora, encostada em uma parede, morrendo de medo e indagando se deveria gritar ou não. Mas antes que ela pudesse abrir a boca, o não livro voltou ao normal.

Rin se aproximou lentamente do objeto. Lá estava ele, parado na cama, como se fosse um livro normal. Ela passou os olhos por todo o quarto, a procura de alguma coisa para cutucá-lo, uma vassoura, por exemplo. Como não haviam vassouras ali, ela decidiu usar o abajur.

Cutucou uma, duas, três vezes, com medo de que ele fosse pular nela e devorar seu rosto. No entanto, não deu sinal de que tornaria a se mover.

Ela sentou-se na cama e tomou o não livro nas mãos. Ele ainda estava um pouco quente. Tentou imaginar o que havia acabado de acontecer. Será que sua mente cansada imaginou tudo? Será que estava sonhando?

Rin deu um forte puxão na própria bochecha, mas não acordou de sonho nenhum. Massageou as têmporas, olhos fechados com força. Encarou o não livro em seu colo e decidiu folheá-lo mais uma vez.

Encontrou exatamente o que suspeitava (ou até mesmo temia) encontrar; mais uma mensagem, dessa vez, muito mais longa que a primeira.


“Parabéns, Rin, você me roubou.

E o primeiro pedido,

Você realizou.



Vou logo avisando,

Se quiser continuar,

Os outros pedidos

Terá que realizar.



Ao poder absoluto,

Posso te levar,

Poder que pode a Terra destruir

Ou a Terra salvar.



Enquanto você parada fica,

Outras pessoas estão à minha busca

Cruéis como demônios,

Poderosas como bruxas.



Melhor procurar,

Procurar a fundo

Como segundo pedido,

Quero o melhor vinho do mundo.”


Rin leu a mensagem de novo, e de novo, e de novo, como se uma hora fosse dar-se conta de que não tinha nada lá, que a água quente que tomara mexeu com sua cabeça e que só precisava dormir um pouco. Deu outro beliscão inútil na bochecha.

Levantou-se e se pôs a andar em circulos e roer as unhas, como sempre fazia quando estava nervosa. Ela estava com frio na barriga, e esperou que passasse para que pudesse tirar o casaco.

Cavou quase todos os bolsos da roupa, a procura de um objeto em especial. Sentiu um tecido macio na pontas dos dedos trêmulos, e tirou um pequeno bichinho de pelúcia de sua prisão.

Era um velho jackalope de pelúcia, com o pelo marrom claro, olhos de botão e lenço vermelho no pescoço. O nome de Rin estava costurado no pé direito do coelho de chifres, que esteve com ela desde sempre (assim como o casaco). Foi com ele que as moças do orfanato descobriram seu nome.

Rin abraçou o bichinho (outra coisa que sempre fazia quando estava nervosa). O não livro continuava largado ao seu lado.

Respirou fundo e resolveu organizar seus pensamentos. Como o não livro sabia seu nome? O que ele quis dizer com “poder absoluto”? Quem estava procurando por ele?

Ela deitou a cabeça no travesseiro. Suas pálpebras pesavam e sua visão ficava turva e, mesmo que sua cabeça estivesse fervilhando com perguntas, Rin dormiu como uma pedra.

A única coisa que sabia era que o não livro, fosse o que fosse, não era uma farsa.


. . .


Rin saía do hotel, dessa vez carregando tudo o que tinha, o casaco, a mala com o acordeom e o não livro. Antes de sair, tomou mais um banho e um gordo café da manhã, com ovos mexidos, torrada com geleia e várias laranjas.

Melhor procurar, procurar a fundo. Como segundo pedido, quero o melhor vinho do mundo. Ela havia memorizado o pedido e agora o repetia centenas de vezes na cabeça. Em que lugar se vende bons vinhos?

A cidade também havia acordado. Pessoas de todo tipo andavam apressadas pelas ruas, entrando e saindo de casas, lojas ou restaurantes. Rin sentiu que era a única naquele mar de gente que não estava correndo ou gritando com alguém.

Terra dos Ursos? Campos do Sol? Ela tentava lembrar dos lugares em que havia tomado vinho, mas logo viu que era inútil. Não entendia nada da bebida, e, quando tomou, fora só um golezinho insignificante.

Sentou-se em um banco próximo, incerta sobre o que fazer. Ela não tinha certeza se queria ficar realizando os tais “pedidos” do não livro. Ainda assim, sua mente sempre parecia voltar para o mesmo tópico: onde encontrar o vinho.

Lembrou-se do que o não livro disse sobre “pessoas cruéis como demônios e poderosas como bruxas”. Será que elas existiam mesmo? E se existiam, iriam atrás dela?

Se o objeto realmente poderia levar alguém até o poder absoluto, não seria uma surpresa se mais pessoas estivessem interessadas nele. A questão é o que essas pessoas fariam com o poder que obteriam.

Ela mordeu os lábios. Realizar mais um pedido do não livro não ia fazer nenhum mal. Ela o esconderia. O manteria no casaco o tempo todo e, se precisasse lê-lo, o faria em locais onde ninguém pudesse estar à espreita. Desse modo, ninguém desconfiaria que ela estava com ele.

Levantou-se e se dirigiu aos limites da cidade, preparada para mais uma viagem.

Se fosse para alguém conquistar poder (absoluto ou não), era melhor que fosse ela do que alguém cruel.

Ela não sabia que estava se metendo em um jogo perigoso.


. . .


Era noite.

Uma figura escondida em um manto negro andava pela cidade, tudo ao seu redor lhe desagradava. Cidadezinha horrenda, pensou. Mas felizmente não estava ali para apreciar a paisagem.

Chovia. Forte.

A mãe natureza sabe quando é conveniente dar as pessoas um motivo para ficar em casa.

A figura do manto segurava duas correntes que se prendiam às coleiras de duas criaturas que puxavam em mordiam, tentando se libertar. Não era possível descobrir se os monstros eram humanos e foram vítimas de algum tipo de acidente que os deixou vazios de coração e mente, ou se nasceram assim, uma brincadeira cruel dos deuses do inferno.

E isso valia para os três.

A única diferença entre eles era que os que estavam presos na coleira tinham bocas e presas enormes, impedindo que os lábios os cobrissem, olhos esbugalhados e brancos que nunca fechavam, costas espinhentas e curvadas como as de ratos, garras afiadas e quase nenhum cabelo. Já aquele que os segurava podia muito bem se passar por humano.

Eles marcharam até um lugar em especial, vez ou outra a figura da capa puxava os bichos, impedindo que comessem um gato ou cachorro escondidos em latas de lixo.

Isso estragaria o apetite deles.

Chegaram até a Livraria dos Livros Velhos. A figura bateu na porta de vidro, mesmo que a plaquinha pendurada informasse que a loja estava fechada. Bateu mais algumas vezes, perdendo a paciência com a falta de resposta.

Chutou a porta com o pé esquerdo, espalhando pedacinhos de vidro pelo chão. Libertou as duas criaturas das coleiras, elas entraram apressadas na loja, farejando o ar.

- Não matem – o encapuzado pediu.

Olhou ao redor da loja, cantarolando uma melódia alegre. Deu uma olhada em algumas biografias distraídamente, como se não tivesse nenhuma preocupação no mundo.

Um grito estridente soou detrás do balcão, um velho com um fantoche na mão estava sendo arrastado pelos monstros que, só para se divertir, roçavam seus dentes afiados na pele dele de vez em quando.

As feras o puseram na frente do encapuzado.

- O não livro não está mais aqui – ele foi curto e grosso.

A figura riu. Uma risada tão bela e espontânea que quem a escutasse pensaria que o senhor havia contado uma piada.

- Ah, meu senhor, sei que não – esclareceu – Eu não vim aqui em busca do não livro. Vim aqui para fazer perguntas.

O velho apertou os lábios e virou o rosto, mostrando-se teimoso. Porém, a figura estalou os dedos e um dos montros tomou a boneca da mão dele, fazendo-o virar o rosto novamente, desesperado.

- Vai responder? – a criatura usou uma das garras para rasgar um pouco do tecido.

- Vou responder! Vou responder! – choramingou – mas, pelo palácio, devolva minha esposa!

O monstro fez o que foi pedido, e o velho abraçou o boneco agora danificado.

- Quem levou o não livro?

- Um guerreiro.

- Um guerreiro?

- Sim, o mais valoroso de toda a Terra.

- Qual era seu nome?

- Eu não perguntei.

- Como ele era?

- Era enorme, cheio de cicatrizes de batalha e medalhas de honra. Trazia consigo uma fera de olhos azuis, três companheiros, os mais poderosos e fiéis que já vi na vida, e uma espada feita de ouro com diamântes no punho - o velho olhava fixamente para o encapuzado, olhos fumegando de ódio - Ele andou por toda a terra e navegou por todos o mares. Derrotou mais monstros e salvou mais pessoas do que você consegue contar. É melhor vocês e seu mestre desistirem, não chegam nem aos seus pés. Ele faria picadinho de vocês e daria de comer aos porcos antes que tivessem tempo de dizer “opa!”.

A figura cruzou os braços, a capa sombreando seu rosto, tornando impossível descobrir o que estava pensando.

- Nesse caso – ele olhou para o senhor – As coisas ficam muito mais divertidas, não?

Tirou de um dos bolsos da capa uma pedrinha vermelha. Tomou as correntes em uma das mãos novamente.

- Sabe o que é isso? – ele exibiu a pedra – É uma pedra do fogo. As chamas não apagam com água nem com qualquer outra coisa. Elas só apagam quando transformam o alvo em cinzas. Boa sorte com ela.

A figura jogou a pedra no velho. As chamas se iniciaram em suas roupas e depois partiram para a pele.

- Ah, e se não se importa – levantou um livro que estava lendo alguns minutos atrás – Vou levar este livro. Adoro biografias.

O encapuzado saiu da livraria que começava a pegar fogo também. As chamas e os gritos do senhor atraíam as pessoas para fora de casa, curiosas.

Um homenzinho em especial saiu do hotel ao lado, alarmado com as chamas. A figura aproximou-se dele e, antes que pudesse fazer qualquer coisa, agarrou seu pescoço e o levou para um beco.

- Você viu alguém com um livro azul escuro nas mãos passar pelo seu hotel? – perguntou, olhos fixos nos do homem.

- O que? – Mago perguntou de forma quase inaudível, devido a falta de ar.

- Você viu alguém com um livro azul escuro nas mãos passar pelo seu hotel? – repetiu, afrouxando um pouco o aperto no pescoço dele. O não livro passou pelo hotel, disso o encapuzado tinha certeza, queria apenas descobrir se a história que o velho contou condizia com a realidade.

- Ãh... – Mago tentava desesperadamente lembrar-se de algo que se encaixasse com a descrição – Não, não me lembro. Mas entenda, recebo tantas pessoas todos os dias, e essas pessoas carregam tantas coisas, que você não pode esperar que eu me lembre de um livro, não é mesmo? Afinal o objeto poderia estar em malas ou mochilas – Mago fez uma pausa, segurando as lágrimas, o sorriso em seu rosto era forçado e trêmulo – Você tem lugar para ficar? Eu posso lhe oferecer um quarto de graça. Você pode até trazer seus amigos – ele olhou de relance para as criaturas.

A figura soltou o homem do aperto, e o mesmo caiu no chão, tremendo de frio e de medo.

Virou-se, indo embora.

- Não são meus amigos – corrigiu – são cães de caça.

Com um sinal, as feras começaram a desmembrar o homem, abrir buracos em sua carne e comer os órgãos. A chuva arrastava o sangue para bueiros próximo, e o vento arrastava os gritos

O encapuzado esperou que terminassem. Eles saíram do beco com as mão e as bocas cobertas de sangue.

- Vamos, minhas criaturinhas – chamou -, vamos achar o não livro.

E eles deixaram a cidade, ainda escutando o crepitar das chamas.


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Notas finais do capítulo

É, a Rin está ferrada.