As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 02 :)
Eu disse que ia ser mais longo.



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    Capítulo 02

    Aquele no qual Rin conhece a cidade e faz amigos valiosos.

   Após andar por mais duas horas, pedir informações à um velho que ela depois descobriu que estava bêbado e atravesar uma ponte que ligava a cidade a uma das margens de um grande rio que a rodeava, Rin encontrou-se frente a frente com os portões principais da Cidade dos Peixes do Sul.

   A cidade foi construída no meio de um rio (um daqueles rios bastante largos, possibilitando a entrada de navios que vinham do mar), e as pontes que ligavam a margem e a cidade eram levadiças. Rin imaginava que o motivo era que, caso a cidade fosse atacada, bastava levantar as pontes e ela estaria protegida de qualquer ataque que não viesse de barcos.

   Como a maioria das cidades acostumadas com turistas, próximo aos portões havia um grupo de homens e mulheres propositalmente atraentes, vestindo uniformes azuis com o slogan de uma agência de turismo qualquer no ombro. Eles estavam distribuindo panfletos a qualquer um que atravesasse os portões.

   Um dos rapazes, com cabelos encaracolados e olhos verdes, aproximou-se de Rin e a entregou um dos panfletos, abaixando um pouco a cabeça e sorrindo largamente. Ela aceitou o pedaço de papel meio corada, sabendo que caía em um truque de marketing mais velho que o próprio mundo.

   Entrou na cidade superlotada. Parecia que tudo lá girava em torno da pescaria. Todos os restaurantes ao redor serviam frutos do mar, e as lojas de souvenir vendiam estatuetas de peixes. As ruas principais eram largas, e as menos famosas, um tanto estreitas.

   O chão da cidade era de pedra e os estabelecimentos, de madeira pintada de azul com telhados vermelhos, nenhum chegando a ter mais de três andares de altura. Rin procurava por qualquer placa que anunciava “há vagas”, mas logo percebeu que estava na área de restaurantes e lojas e que não encontraria nenhum hotel por lá.

   Felizmente, o planfleto que recebera exibia um mapa da cidade e, mesmo que fosse muito simples, indicava os bairros que tinham hotéis.

   Rin passou por uma padaria, por um teatro, por um restaurante cujas mesas invadiam a calçada e por uma loja de animais (que vendia várias espécies de peixes).

   Ela parou de andar quando ouviu uma gritaria dentro de uma farmácia. A farmácia, ao contrário dos outros lugares da cidade, tinha um acabamento mais elegante, com azulejos brancos por fora e estantes de vidro por dentro, cheias de frascos rotulados. Mas o que realmente chamou a atenção de Rin foi o homem de casaco vermelho e cabelos castanhos escuros que gritava com o balconista. Ela se posicionou perto da porta e concentrou-se em escutar a conversa.

   - Já disse que preciso do remédio! – urrou o homem. – Minha filha está muito doente!

   - Você, seu rato do mar, não tem filha! – cuspiu o balconista. – Não tem família nenhuma!

   - Eu posso pagar! – o homem do casaco tirou uma seda fina do bolso e depositou no balcão – Viu? Me dê o remédio!

   - Eu não faço negócios com piratas!

   O homem apertou os punhos, irritado, estava pronto para dar uma lição naquele porco ignorante quando uma menina, trajando um casaco demasiado grande para ela e um vestido branco um pouco sujo entrou na farmácia, cambaleando e tossindo alto.

   - Papai! – ela exclamou com voz rouca e fraca – Você estava demorando muito!

   O homem olhou fixamente para ela com uma sobrancelha erguida, confuso. Mas logo depois sorriu, entendendo que ela tentava ajudá-lo.

   - Ann! – ele falou o primeiro nome feminino que lhe veio a cabeça e abraçou Rin carinhosamente, ela tossiu mais algumas vezes – O que você está fazendo aqui fora? Sua mãe sabe disso?

   - Não. Ela teve que sair para comprar leite e ovos – Rin apoiava seu peso no estranho e se encolhia no próprio casaco, fingindo estar com muito frio – Eu achei que você estava demorando, então vim procurá-lo

   O homem do casaco vermelho limpou a garganta e fitou o balconista.

   - Acho que não preciso mais tentar convencê-lo de que tenho uma filha e que preciso do remédio.

   O balconista rosnou e colocou o pano de seda no bolso. Virou-se e pegou um frasco numa estante atrás de si.

   – Desculpe o transtorno e tenha uma boa noite, senhor – entregou o frasco ao homem.

   Rin e o homem sairam da farmácia, ela continuou apoiada nele até que não estivessem mais no campo de visão do balconista, abaixando-se apenas para pegar a mala que deixou no chão.

   Eles dobraram uma esquina e puseram-se a rir. Riram por um bom tempo, até que se acalmaram.

   - Garota, estou em dívida com você – o homem colocou as mãos na cintura e balançou a cabeça – Meu nome é Big Al. Big Al Destruidor de Navios.

   - Sou Rin Casaco Marrom, prazer – Rin apertou a mão de Big Al.

   Os dois continuaram andando pelas ruas movimentadas. Rin percebeu que Big Al tinha alguns fios de cabelos grisalhos, mas não parecia velho. Tinha também uma grande cicatriz na testa. Ele parecia o tipo de pessoa que você nunca iria querer ter como adversário em uma briga. Ela pensou no balconista, ele com certeza era muito corajoso por responder o homem daquela maneira.

   Muito corajoso ou muito tolo, ela não havia decidido ainda.

   - Então você é mesmo um pirata – constatou. Com um nome daqueles, era difícil ser outra coisa.

   - Não só um pirata, mas o capitão de um navio – Big Al afirmou, orgulhoso.

   - Então, por que precisa do remédio? Você realmente tem uma filha doente?

   - Um dos meus melhores homens adoeceu. E sabe, não é bom ter um homem doente no navio. Eles ficam inúteis, sem falar que ficam irritantes, também. Sempre tossindo, gemendo e reclamando.

   - ah...

   Eles continuaram andando em silêncio. Rin não sabia bem o porquê de acompanhar Big Al, mas ele não parecia se importar.

   - Eu também tenho mulher e filho, eles viajam comigo – Big Al tentou quebrar o silêncio.

   - Sua esposa viaja com você? – Rin estranhou, normalmente mulheres preferem viajar por terra. Enjoava menos, a vista era melhor, e diminuia drasticamente o risco de escorbuto.

   - Ela também é uma pirata. Antes de me conhecer ela viajava em um navio só de mulheres. Só que a marinha capturou o barco e só ela escapou da forca. Ela encontrou meu navio duas semanas depois de tudo isso.

   - Bem, ela parece o tipo certo para você – Rin riu-se.

   - Sem dúvida, Rin, sem dúvida – disse ele, perdido em outro mundo por alguns segundos, com um sorriso bobo no rosto.

                  

                                        .   .   .

   - Veja, aquele é o nosso navio - Big Al apontou para um navio preto com velas vermelhas, que fazia os barcos ancorados próximos a ele parecerem pequenos e frágeis.

   - Pelos deuses e pelo palácio, Big Al! – Rin estava boquiaberta – Você não tem medo que seu barco seja alvo fácil para a marinha?

   - Menina, se a marinha algum dia se deparar com o nosso navio, não haverá nada que ela possa fazer além de se ajoelhar e implorar por misericórdia.

   Os dois haviam andado por vinte minutos para chegar ao porto da cidade. O lugar cheirava a peixe (naturalmente), mas a falta de maresia, devido ao fato de a água ser doce, tornava as coisas menos desagradáveis.

   Eles andaram até o navio. Vários homens carregavam caixotes e sacos cheios de comida para dentro dele. Um rapaz dava ordens aos marujos, mas parou tudo o que estava fazendo quando avistou Big Al. O jovem correu até ele.

   - Você conseguiu o remédio? Ele está piorando. – ele falava depressa – Ele precisa logo se tratar, pode até passar a doença para os outros marujos.

   - Aqui está o remédio, Oliver. – Big Al entregou o frasco para o rapaz que aparentemente se chamava Oliver – Mas eu não teria conseguido sem esta menina – ele colocou uma pesada mão no ombro de Rin e a empurrou de leve para frente.

   Oliver ergueu as sobrancelhas, abrindo a boca para falar alguma coisa, mas desistindo depois.

   - Ah, perdão, nem havia notado você aí – ele tirou o chapéu, sorrindo – Mas veja, meu pai é uma baleia gorda, e você ainda se esconde atrás dele, não pode me culpar, certo?

   Rin riu um pouco.

   – Meu nome é Rin Casaco Marrom. Então você é o filho do Big Al?

   - Sou, sim. Eu sou Oliver Olho Dourado. Não importa o que meu pai falou sobre mim, é tudo mentira.

   - Eu não falei nada sobre você – Big Al se defendeu, cruzando os braços – E quem você está chamando de baleia gorda?

   - Você sabe que eu estava brincando. Vamos logo entregar o remédio para o médico – Oliver obviamente estava evitando uma discussão.

   - Ótimo, assim eu posso mostrar o navio à nossa convidada.

   O nome de Oliver era apropriado para ele. O rapaz tinha um dos olhos enfaixado, e o que estava à mostra tinha uma coloração encontrada somente em pedras de ouro. Ele andava descalço, e um dos pés também estava enfaixado. Rin imaginava o que teria acontecido, mas não ousava perguntá-lo, por mais gentil que ele parecesse.

   Eles embarcaram no navio, Oliver correu para dentro de um dos quartos para entregar o frasco. Big Al mostrou a Rin seu escritório, os canhões, a cozinha e incontáveis outros cômodos, também a apresentou vários marinheiros. Oliver juntou-se a eles assim que resolveu um problema nas velas, agora levando no ombro um passarinho que ele disse se chamar James.

   - Oliver está treinando para se tornar o capitão deste navio algum dia – falou uma voz desconhecida para Rin –, por isso ele anda tão ocupado.

   Rin virou-se em direção a voz e deu de cara com uma moça de cabelos louros, levemente cacheados.

   - Rin, essa é Sweet Ann Caçadora de Tesouros, minha mãe – Oliver a apresentou.

   Rin sorriu educadamente e apresentou-se pela terceira vez no mesmo dia. Tentou o máximo possível não olhar para uma grande cicatriz no pescoço da mulher enquanto ela lhe dava um aperto de mão caloroso.

   - Foi um tubarão vampiro que fez isso – Parecia que Sweet Ann havia lido sua mente – São criaturas inacreditávelmente feias, mas, felizmente, raras. Pode olhar, eu não me importo.

   - Não são tão raros assim nos mares do oeste – corrigiu Big All –, jogue uma isca na água e verá vários dele tentando sugar seu sangue.

   Sweet Ann o lançou um dos olhares mais frios que Rin já havia visto (quase pior que aquele que um policial lhe havia lançado na Cidade da Calçada de Ouro, quase) e sussurou asperamente algo que lhe pareceu “quer traumatizar a garota?”

   - Pois bem – Sweet Ann tentou mudar de assunto – O que uma jovem tão adorável faz aqui neste barco cheio de foras-da-lei?

   Rin explicou a ela todo o incidente da farmácia, e como Big Al estava tentando mostrar sua gratidão, deixando que ela conhecesse o navio e a tripulação. Sweet Ann balançava a cabeça de vez em quando para mostrar que prestava atenção na narrativa, rindo em alguns momentos.

   - Bem, “filha”, só o que posso dizer é obrigada – disse –, se não fosse por você nós não teríamos o remédio agora. As pessoas desta cidade são um tanto... grossas com piratas, sabe. Ela passou quinze anos dominada por eles. Até hoje a população guarda ressentimentos.

   Eles sentaram-se em barris de vinho e os piratas começaram a falar sobre as aventuras que tiveram nos mares, ao passo que Rin contava suas próprias experiências. Ela gostou de relembrar suas antigas viagens e de ouvir as histórias que Sweet Ann e Big All contavam, mesmo que eles exagerassem em alguns pontos.

  Oliver não ficou muito tempo com eles, parecia que ele sempre tinha algo para fazer. Mas de vez em quando sentava-se e relatava algum acontecimento. Diferentemente do pai e da mãe, ele era muito mais realista. As vezes até diminuia os fatos, fazendo as coisas parecerem mais simples do que realmente foram.

   - O sol está quase sumindo – observou, falando mais consigo mesmo que com os outros – Eu vou ajudar os marujos a colocarem os caixotes restantes dentro do navio.

   Rin tomou um susto. Já era tão tarde assim? Ela perdeu mesmo a noção do tempo.

   - Big Al, obrigada por me mostrar seu barco, mas eu preciso ir – havia um tom de urgência em sua voz – Se eu demorar muito, não vou encontrar nenhum hotel com um quarto sobrando.

   - Quer dizer que você ainda não fez uma reserva? – Big Al questionou, e ela negou com a cabeça – Pelos deuses, garota, se você tivesse me dito isso antes não teria ocupado tanto seu tempo! Este lugar está recheado de turistas, os hotéis devem estar lotados!

   - Espere, eu conheço um lugar que definitivamente terá um quarto vago – Sweet Ann interrompeu as previsões do marido – O dono do hotel é um feiticeiro aposentado. Ele consegue criar quartos novos, mas você tem que pagar bem.

   Rin concordou desanimada, não queria pagar muito, mas era melhor que dormir no chão de novo.

   - Vá até a praça principal, lá haverá uma estátua de um pescador apontando para uma rua – a pirata continuou – entre nessa rua e ande até chegar na Livraria dos Livros Velhos, o hotel estará ao lado dela. Se você se perder, pergunte pela livraria, todos a conhecem.

   - Obrigada por tudo! – Rin saltou de volta para o pier

   - Rin, espere! – Big Al exclamou – Se você algum dia tiver problemas, pode contar com a gente!

   - E mais uma coisa! – dessa vez foi Sweet Ann quem falou – Não entre na livraria! Use-a apenas como ponto de referência, não entre nela. O dono é maluco, completamente louco, todos sabem disso!

   Rin concordou e começou a correr em direção a praça, sem tempo para prestar atenção nas casas ou lojas. Ela primeiramente reservaria um quarto no hotel, depois comeria alguma coisa, e depois faria uma visita a Livraria dos Livros Velhos.

   Porque todo mundo sabe que gente louca vende as melhores coisas.


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Notas finais do capítulo

É no capítulo 03 que a história de fato começa.