Nós Dissemos Para Sempre (HIATUS) escrita por Leonardo Henrique, MissBieber


Capítulo 4
Capítulo 3 - Um segredo obscuro


Notas iniciais do capítulo

´´A vida é feita de segredos. Quem nunca se perguntou o porque do céu ser azul? Ou o porque de estarmos todos aqui, presos neste planeta e não em outro. Nós vivemos e depois morremos e não sabemos o motivo de tudo isso. Mas com o tempo, os nossos segredos mas obscuros vão sendo revelados,pouco a pouco.´´



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Minha vida seguia uma rotina. Conrado me acordava de manhã,batendo uma panela e me arrastava do trailer amarelo que eu usava como quarto para o picadeiro. Ensaio com Gustavo (vamos no futuro,quando eu aprender a me equilibrar no trapézio, formar uma dupla) que começou a me ensinar como tudo funcionava. É divertido,porém tive medo de cair. Ele me balançava enquanto ficava de pé na plataforma, dando palavras de apoio e sorrindo como um idiota.

–Tá - falei.-Nem é algo tão sensacional assim,eu só sei balançar.

–Você balança bem para uma criança-disse, Gustavo. Da mesma forma que ele disse quando nos conhecemos, como se ele já fosse adulto.

–Você dá piruetas boas no ar,para um adulto-disse maliciosamente. Ele sorriu. Há algo de diferente em seu sorriso,pensei em quanto voava pelo trapézio. Olhei para trás para conferir uma outra vez. Foi um erro.

Enquanto eu caia para o centro do picadeiro, ouvi Gustavo gritar. O chão duro vai me esmagar,percebi. Nesse mesmo momento algo me fez subir de volta. Era a rede. Por três vezes eu quiquei,enquanto via a cara dissimulada de Gustavo,como se soubesse que a rede estava ali o tempo todo.

–Ei!-resmunguei.

–Foi mal,não resisti-murmurou.-É divertido... -Ele olhou pra baixo e então pulou da plataforma.

Quando cansamos de pular, deitamos,olhando para a lona azul do circo, decorado com estrelas amarelas e com o nome GRANDE CIRCO MISTÉRIO AZUL pintado.

O rosto do garoto-adulto estava a centímetros do meu, quando meus olhos se encontraram com os seus olhos escuros, voltei a olhar para a lona azul. Ficamos por algum tempo em silêncio. Então ele o quebrou.

–Seu cabelo é ruivo,certo?-Perguntou, enquanto colocava uma mecha souta atrás da orelha. Dei um sorriso enquanto via que a sensação era boa.

–Não, ele é cor de chocolate.

–Eu gosto de chocolate-disse,se pondo de pé. Ele estendeu a mão para que eu também ficasse.-Vem, quero te mostrar uma coisa.

–Espero que você esteja falando de picolé de chocolate-brinquei,saindo da rede.

*** ***

–Você acha que consegue descer,Alicia?-Gustavo perguntou.

Estávamos em um capo cheio de flores brancas e árvores grandes em volta. Esse campo se estendia até onde minha vista conseguia chegar. Abaixo de meus pés eu vi uma grande vala ir cada vez mais fundo pra dentro da terra. Pude perceber que havia uma escada de corda que levava a base do buraco. Era tão fundo que de cima a toalha quadriculada que forrava o chão na vala, pareceu minúscula. Olhei para os olhos escuros de Gustavo,ele tinha no rosto seu eterno sorriso encorajador.

Depois olhei para trás. O circo permanecia imóvel atrás de nós dois,como se ali nem fosse o lugar onde eu morava,pareceu-me apenas algo que completava a paisagem.


–Acho que sim... -Falei,mesmo que descer em um buraco tão fundo fosse assustador.



Gustavo foi o primeiro a usar a escada de corda. Ele era rápido,talvez pela experiência como trapezista. Em poucos minutos pude ver ele se tornar apenas um pontinho na no fundo da vala.


Ele fez sinal de O.K. com a mão,e gritou :

–Agora você!

Aquele buraco ia ficando cada vez maior a medida que eu descia,ou pelo menos tive a impressão de que ele se alargava. Temi cair enquanto a escada de corda balançava por causa do vendo,mas quando eu entrava para mais dentro da vala,ela ficou firme como uma rocha. Vi que Gustavo segurava a escada.

–Legal aqui-disse.-Com você...

–Tá-ele me interrompeu.-Não foi eu quem cavei isso. Deve ser algo do circo, toda cidade pra onde vamos,tem uma vala assim. Conrado sempre diz que é pra guardar o lixo.

–É tanto lixo assim?-Perguntei,sentando-me na toalha de piquenique. Encostei meus ombros na superfície fria da terra. Olhei para o céu azul pelo circulo redondo. Algumas nuvens escuras se ajuntavam,o que poderia anunciar uma torrente de chuva. Seria algo ruim,aposto.

–São muitas pessoas,Alicia,você sabe-Gustavo,arrumou a franja loira enquanto falava.-Conrado,a cada cidade consegue mais crianças pra aprender a ser artista. Ele fala que aqui é como uma escola.

Escolas,obviamente,são lugares tão ruins quanto o Circo Mistério Azul. É uma prisão de muitas formas,você não pode ser tirado de lá,ainda que sinta falta de sua família. Mas eu tinha certeza de que a escola de Conrado era a pior de todas,mesmo não sendo uma. E também tinha absoluta certeza de que nenhuma criança entrava no circo por vontade própria.

–Ele quer montar um segundo circo-ele continuou.-Conrado quer que eu seja o dono do segundo circo quando eu fizer 15 anos. Vai ser bom. A gente vai ganhar muito dinheiro.

–Vai sim -encorajei Gustavo.

A vontade de contar que o seu pai - ou Conrado,como Gustavo sempre o chamava - era um monstro foi suprimido. Agora eu via esperança no rosto dele. Algo que eu nunca teria. Eu não podia tirar isso dele.

–Seu pai parece ser gente boa-menti.

–Sim,ele é - suspirou. - Com você,a final te tirou das ruas,e com as outras crianças que ele trouxe, mas comigo... Bem. Ele me trata como se pudesse colocar nos meus ombros o peso do mundo. -Ele sorriu,mas não havia graça naquilo,garanto. As vezes sorrimos para enganar a nós mesmos,como se em meio ao mostrar de dentes houvesse um refugio para esconder os nossos medos. -Como era o seu pai?

Segurei o choro que queria rolar pela minha face. Como explicar para o garoto que estava a minha frente que meu pai era o cara mais incrível do mundo? O mais engraçado,o mais legal.

Quando levaram ele - quando Conrado o matou - toda a graça das coisas se foram junto com ele.

Fitei o cabelos ondulados de Gustavo,me esforçando pra dizer o que eu ia dizer.

–Ele era generoso... Hmm. Sempre me deixava fazer qualquer coisa. Tipo mal-criação. Ele odiava quando eu começava a chorar,ele chorava comigo,o que me fazia voltar a sorrir. Ele era engraçado,bobão, amigo,era doce,nisso você se parece com meu pai. Ele contava histórias toda noite. Meu pai nunca saia de casa sem fazer esse gesto - faço o desenho de coração com os indicadores sobre o peito.-Nunca vou conseguir,entretanto,colocar em palavras tudo o que ele era para mim. Mas se precisasse escolher quatro,seriam: Todo Amor do Mundo.

Gustavo ficou por um tempo pensando. Ele abriu uma cesta de piquenique e me passou um sanduíche feito por ele,imagino. Ele abriu a boca pra dar a primeira mordida,mas ao invés disso,ele me olhou profundamente e confessou:

–Queria que o Conrado fosse da mesma forma comigo que seu pai era com você .

Pude ver que ele também fazia um grande esforço para não chorar. Assim como sorrir pode nos esconder de nossos medos e nos proteger, segurar o choro poder ser uma boa arma contra qualquer tristeza.

Foi ai que eu percebi. Tínhamos algo em comum. Assim como eu,Gustavo não tinha um pai de verdade. Senti vontade de abraça-lo e foi o que eu realmente fiz. É bom ter com quem chorar,se você não pode chorar na frente das outras pessoas. Ficamos ali por horas: Gustavo derrubando as barreiras que tinha conseguido constituir contra a tristeza,eu tentando erguer as minhas.

Quando percebemos,já havia entardecido,então tivemos que correr, a apresentação seria à poucos minutos. Como Gustavo era quem realmente precisava ir para se apresentar, eu disse para ele ir na frente. Eu ficaria para retirar o forro e a cesta de piquenique.

Quando tirei do chão frio o pano,vi algo que fez minha alma gelar. Uma mão branca,com dedos com unhas enormes,estava ali - mal enterrada. Não precisei cavar nenhum centímetro a mais de terra dali para descobri qual segredo Conrado escondia naquela vala.

Não,não era apenas lixo. Eram corpos.

Lembrei do que Gustavo tinha dito: Conrado,a cada cidade, consegue mais crianças para aprender a ser artista. Era isso. Ele roubava crianças,em sua ambiciosidade... Matava seus pais e os enterravam em um buraco grande como aquele. Senti vontade de vomitar,enquanto escalava a longa escada de cordas.

Meus pais e minha irmã poderiam estar ali. Ou muitas outras famílias.

Ao chegar no campo atrás do circo,olhei uma última vez para baixo. Depois para as nuvens que estavam encobrindo o céu azul,eu não queria me molhar. A vida é feita de segredos. Quem nunca se perguntou o porque do céu ser azul? Ou o porque de estarmos todos aqui, presos neste planeta e não em outro. Nós vivemos e depois morremos e não sabemos o motivo de tudo isso. Mas com o tempo, os nossos segredos mas obscuros vão sendo revelados,pouco a pouco.


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Notas finais do capítulo

http://www.youtube.com/watch?v=lY1JOkg_JlM and http://www.youtube.com/watch?v=I8_Z2qVVHck kkk