Apocalipse escrita por Fran Marques


Capítulo 3
Os Outros




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Eu não sabia como estaria a cidade. Passamos pela rodoviária. Meu coração palpitava porque eu sabia que era impossível não encontrar ninguém vivo. Vimos ônibus estacionados em fileiras sem seus motoristas, moedas jogadas no chão e todas as bancas em que conseguiríamos comprar alguma passagem estavam com lonas cerradas. Mulheres segurando malas e ao seu lado os filhos aguardando ônibus que nunca chegariam. Talvez essa doença tivesse se espalhado e a minha cidade não fosse dos únicos contaminados. Meu corpo estremeceu. Um homem no chão com os braços envoltos em seus joelhos magros me encarava, mas eu não ousei virar o rosto. Uma criança passou correndo, deveria ter uns 7 anos. Adolescentes sozinhos em diferentes pontos e velhos caminhando sem rumo. Todos que cruzavam nosso caminho lançavam-nos os mesmos olhares que víamos eles. Pena. Provavelmente ali, todos iriam morrer, inclusive nós.

–O que acha que eles são? - perguntou Matt.

–São como nós. O resto, por enquanto. - encarei as outras pessoas. Era apenas a entrada da cidade e eu sabia que iria piorar daqui para frente. - Vamos pegar uma rua lateral. Ok?

Matt afirmou com a cabeça e caminhamos até uma a rua Yoorn. Prosseguimos por muito tempo. As casas estavam trancadas com as venezianas baixadas e sem nenhum barulho. A única coisa que produzia algum som era o soprar do vento que atravessava os vidros estilhaçados dos prédios que pareciam ser grandes colméias abandonadas. A cidade estava morta. Esperei escutar qualquer correr ou arrastar de passos. Qualquer vulto dos humanos doentes que tinham nos atacado no ônibus, mas nada. Estávamos nos aproximando do centro quando comecei a me questionar como me protegeria se um daqueles monstros corresse em nossa direção.

Algumas vezes tivemos que entrar nas construções abandonadas com medo dos ruídos que vinham de longe. Passávamos pelos corpos mortos no chão, os quais o rosto eu não tinha coragem de ver. Matt andava ser olhar para o solo, sem ver os corpos, sem querer perceber qualquer imagem mórbida conhecida.

Chegamos em uma rua que se cruzava com a Avenida Queteq.

–Depois daqui só temos que andar umas sete quadras e chegamos na Billy e Hilly. – me informou Matt.

Não respondi. Estava absorta em pensamentos, como os mesmos que tinham ocupado minha mente nas ultimas horas, quando um barulho cortou minha linha de ideias.

Empurrei minhas costas conta a parede do grande prédio de ferro e puxei Matt para junto a mim. Pareciam pessoas. Um grande aglomerado delas, portas batendo e fechando.

–Não são eles. - Matt disse esticando o pescoço. - Olhe.

Seu braço se levantou e seu dedo indicador apontou para uma antiga construção da cidade.

–É o hospital St. Thomas.

Era o hospital aonde a irmã mais velha de Matt trabalhava. Ela era enfermeira e eu só tinha a visto uma vez, que foi suficiente para marcar o seu gênio seco em minha memória. Ninguém da família de Matt era como ele. Quando eu olhava para meu amigo entendia que mesmo por ele ter sofrido no passado, não deixava que essas coisas destruíssem o seu futuro. Ele dizia que eu era como ele. Esperava que ele estivesse certo.

Atravessamos a Avenida e paramos em frente ao St.Thomas. As tintas em suas paredes cinzentas estavam lascadas formando grandes línguas sujas que percorriam a construção. Era um grande bloco que deveria ser originalmente azul, com pequenas janelas que marcavam cada quarto. Olhei para o resto da Avenida. Corpos estavam caídos aqui e ali, em maioria parecendo ser os doentes que nos atacaram no ônibus, atingidos na cabeça ou desmembrados. Outros eram humanos. Crianças, mulheres, homens e adolescentes estavam deitados como imensos bonecos de pano no chão, com manchas avermelhadas no corpo.

–Vamos entrar. - declarou Matt, mas algo não me fazia gostar daquele lugar, apesar de que ele aparentava tentar ser hospitaleiro.

Segurei sua mão, antes que ele empurrasse as portas e entrasse no grande bloco cinza.

–Tem ideia do que vamos encontrar aí dentro? - era algo que eu realmente gostaria de saber. Pessoas, mendigos, esfarrapados, sem casas e sem família. Tristeza e nada que fosse nos ajudar.

–Eu sei Maggie, sei o que você está pensando. Dê-me 15 minutos. Se eu encontrar Angie, descobrimos o que está acontecendo. Ok? Alguém aí dentro deve saber.

Assenti com a cabeça e segui Matt assim que ele abriu as portas. Meus maxilares apertaram. Um cheiro horrível vinha dali de dentro. Algo como chorume, fezes, animais mortos e mofos de tipos variados. Aonde seria uma sala de recepção se encontravam várias pessoas, algumas sentadas e outras deitadas sobre lençóis que seriam suas camas improvisadas. Mães que tentavam fazer seus bebês dormirem e pais que procuravam suas mulheres. Nomes sendo berrados, tosses e os alto-falantes estalados na parede fazendo declarações que eu não conseguia escutar. Malas, objetos pessoais e roupas estavam inutilmente empilhadas aqui e ali no salão, mas em meio aquela confusão, nada parecia organizado. As televisões estavam todas desligadas e por um momento me perguntei por que não procuravam notícias. Talvez não tivessem notícias para receber e muito menos pessoas para espalhá-las. Matt abriu caminho até a recepção, aonde estavam três homens com roupas brancas e crachás com letras em azul escuro. O primeiro tinha a pele clara e os cabelos cor de fogo, tentava organizar uma papelada imensa. O segundo escrevia uma lista de números e nomes que eu não conhecia e nem ao menos me forçava para entender. O terceiro se virou em nossa direção, mas não parecia nos ver ali, como se fossemos apenas átomos no ar, invisíveis a seus glóbulos.

–Estou procurando Angie. - declarou Matt.

–Me desculpe senhor, nós não conseguimos atualizar a nossa lista de paci...

–Ela não é uma paciente. É enfermeira e trabalha aqui. Se poder me dizer aonde ela está, saio do seu caminho e facilito a sua vida.

–Senhor, nós não estamos com tempo de...

–AQUI. - disse o outro homem ruivo que mexia na papelada. - A Angie está trabalhando na sala número 187, mas se eu fosse você não entraria lá, garoto.

Eu me virei para Matt e esperei que ele seguisse, porque sabia com cada célula de meu corpo que ele só desistiria quando entendesse o que estava acontecendo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado gente ;D Posso demorar um pouco para colocar o próximo porque estou com alguns trabalhos pra fazer, mas quando tiver tempo vou atualizar :3 Deixeemmmm reviewwsss. Obrigada.
—A.D