Apocalipse escrita por Fran Marques


Capítulo 1
O começo




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07:00- Manhã - 26 de Maio - 2013

Minha cabeça tremia por estar encostada na janela úmida do ônibus escolar. Tentava pensar em uma desculpa suficientemente boa para não ter feito o trabalho de física, que seria a matéria do primeiro período. Eu poderia simplesmente não ir e ficar trancada no banheiro, sentindo o cheiro do cigarro das garotas que iam se olhar no espelho e fumar. Não, preferia mentir do que ficar enfurnada em um box sujo, sentada em um vaso. Desejei que qualquer coisa acontecesse. O ônibus se atrasasse, parássemos por causa de um engarrafamento ou alguém tivesse que parar para vomitar, mas nada disso parecia provável. Friccionei minhas mãos, esperando não deixar que meus dedos frios congelassem, apesar de minha palma estar protegida pelas luvas listradas de preto e branco. A voz do vocalista do Arctic Monkeys cantava alto pelos fones de ouvido. O ônibus parou e virei meus olhos semicerrados para a porta, esperando que Mattel entrasse. Ele caminhou pelo corredor, tentando se equilibrar nas curvas que o ônibus fazia na estrada, até o meu lado. "Bom dia" escutei vindo dele, mas não me dei o trabalho de mover meus lábios rachados. Olhei para fora e vi a densa neblina usual. Aquele ônibus passava por todas as casas que eram extremamente longe da escola, então era comum passarmos por campos e ver vacas pastando. O Sol tentava revelar sua luminosidade que se tornava opaca ao tentar atravessar as nuvens densas, mas seu trabalho não surtia efeito, fazendo com que eu quisesse cada vez mais voltar para a rua Chemaiel, casa 505 para minha cama no sótão. Desejei a qualquer um que estivesse disposto a escutar minhas preces quando o ônibus parou. Abri os olhos esperançosa, porque sabia que depois da casa de Mattel só restava a escola, aonde só chegaríamos depois de 30 minutos. Olhei para fora e só vi as árvores altas e o breu. Olhei para frente do ônibus e vi os prédios da cidade muito a frente. Virei meus olhos para trás procurando ver o motivo de nossa parada e nada. Olhei para o motorista. Ele abria a boca em um grande O, me fazendo fixar os olhos aonde ele olhava. O final da estrada, aonde estaria a entrada da cidade, tinha pessoas que corriam. Inúmeros corpos que corriam de um jeito quase animalesco. Cutuquei o ombro de Mattel, que deixava um fio de saliva cair pela boca, com o pescoço dependurado para trás, parecendo dormir tranquilamente. Apontei para a grande janela em frente ao motorista enquanto ele limpava a baba e esfregava os olhos.

–Deve ser um protesto contra as fazendas de vacas e abate. Nada preocupante. - ele voltou a se encostar na cadeira.

–Matt, eles estão correndo.

–Deve ser uma maratona, Maggie. Me deixa dormir.

Os adolescentes se acumulavam nas janelas, procurando uma visão melhor das pessoas. Alguém lá trás berrou.

–E agora, senhor Moure? - chamando o motorista.

–Esperamos - ele respondeu e desligou o motor.

Alguns minutos passaram, até que o bando de pessoas chegou mais e mais perto. Eram comuns, até envolverem o ônibus.

– SENHOR MOURE.

Uma garota da parte de trás do ônibus com óculos escuros desnecessários naquele dia nublado berrou.

O motorista que descansava a cabeça no encosto da cadeira piscou os olhos várias vezes, até se recobrar e berra, o que desencadeou o pânico. Agora eu conseguia ver claramente os rostos. Sacudi Mattel e ele agarrou meu braço com força. Um homem com ombros largos e pele extremamente clara nos encarava do lado de fora do ônibus. Eu sentia meu coração martelar tão alto que dava a impressão de que seria possível escutá-lo. Olhei em volta enquanto o ônibus chacoalhava. As coisas lá fora o sacudiam com uma força descomunal e animalesca que me fazia tremer. Algumas pessoas foram para debaixo dos bancos, outras choravam e gritavam, até que um vidro quebrou.

Uma das janelas do fundo se estilhaçou, enquanto a porta era forçada violentamente. A mulher que entrou pela janela se jogou em cima de uma garota e começou a morder seu pescoço violentamente, fazendo com que o chão se pintasse de vermelho. "Respire" uma voz na minha cabeça ordenou, mas como era possível escapar dali? Outros começaram a entrar. O ônibus era grande, mas eram poucas as crianças que moravam longe da cidade. Éramos 13 ao total, contando com o motorista, Mattel e eu. Agora deveríamos ser uns 9. A quantidade de pessoas que estavam sendo machucadas aumentava e meu coração batia, tentando fazer com que as engrenagens de minha mente tentassem trabalhar. As coisas que entravam pelas janelas pareciam fogo, consumindo o lugar e espaço; Estavam reunindo os restantes no meio do corredor e iriam matar um por vez.

Pensei mais uma vez, mas o sangue martelava em meus ouvidos. A saída de emergência. Ficava no centro do ônibus. Peguei no braço de Matt e o puxei, mas ele estava apavorado de mais para dizer qualquer coisa.

–Primeiro você. -Ele me olhou, mas eu encarava a porta que se encontrava no teto. - Sobre e me puxa. Tem força suficiente pra isso, não tem?

Ele me encarava incrédulo, mas eu não supria de tempo para isso. Empurrei e o ajudei à que alcançasse o topo. Ele abriu e outras duas pessoas se acumularam ao meu lado. Mattel subiu no teto com facilidade e rapidamente enxerguei sua mão procurando a minha para que eu pudesse subir. Me apoiei em um banco para ganhar impulso e fui. Meu amigo me envolveu nos braços enquanto eu tremia.

A saída que tinha nos salvado ainda permanecia aberta e agora, os monstros que tinham nos atacado tentavam sair por ela.

–ME AJUDE. - berrei apavorada.

Fechamos a porta e eu respirei, olhando para o céu pintado de cinza. Recobrei o fôlego esperando que minha energia voltasse. O ônibus sacudiu.Eles iriam subir. Tateei meu bolso a procura de uma pequena caixinha até a achar. Fósforos.

–Matt, me alcance os seus livros.

–Todos? - ele perguntou.

–É CLARO. - Peguei os livros rapidamente e joguei fogo sobre um livro de biologia, fazendo com que ele se espalhasse pelos outros. -Preciso que você abra essa porta de novo, quando eu disser três.

–O que vai fazer?? – sua voz era tomada por pânico.

–Você vai ver. - respondi de imediato.

–Um.

Minha respiração estava pesada.

–Dois.

O ônibus sacudiu novamente.

–TRÊS.

Mattel abriu a porta e eu deixei os objetos flamejantes caírem sobre os corpos. Escutei gritos de agonia. Eles iriam morrer queimados.

–PULA.

Mattel não me contestou, apenas pulou e em seguida correu. Corri com o cheiro do metal queimando e dos corpos tomados pelas chamas ardentes do fogo. Escutava os passos de Matt como um barulho que atrapalhava meus pensamentos e parei apenas quando tive certeza de que estávamos longe de qualquer pessoa que tinha nos atacado. Deitei no asfalto negro e quis chorar, mas sabia que não deveria.


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