Híbrido escrita por Musa, Moon and Stars


Capítulo 76
Old stories and memories


Notas iniciais do capítulo

Olá, meu povo! Eu sei, demorou... MAS NASCEU! Eu confesso que estou nervosa com isso, dizer adeus é difícil, mas eu devo isso a vocês, leitores lindos e fieis. Por favor gente, leiam as notas finais! Boa leitura :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/369857/chapter/76

“Mas que— Por que você fez isso?” perguntou, passando a mão onde eu o havia estapeado.

“Você é real” Balbuciei, ainda sem conseguir acreditar que James estava bem na minha frente. “Está vivo! Como pode estar vivo? Eu vi você morrer”.

Ele abriu a boca para começar a se explicar, mas eu o interrompi.

Seu infeliz! Sabe o quanto eu me culpei pela sua morte, desgraçado?” continuei a gritar com ele. “Se estava vivo, por que não voltou pra mim? Eu mesma teria morrido se não fosse pelo...” minha voz morreu nesse momento, não querendo pronunciar aquele nome. Engoli o nome e me entreguei à minha raiva. Como as coisas foram chegar àquele nível?

Bati o pé, por pura frustração e birra, e marchei de volta para a casa em passos firmes. Mesmo sem olhar para trás, eu soube que James vinha atrás de mim.

“Kate me desculpa! Eu não teria te abandonado se não tivesse recebido ordens para isso.” Ele disse enquanto me seguia. Comecei a andar de um lado para o outro, sentindo-me nervosa e inconformada. James apenas fechou a porta atrás de si enquanto me observava. “E mais... Pouco tempo depois do incidente, fui informado de que você havia morrido.”

Parei de caminhar de repente e o encarei, avaliando-o. Ele parecia estar falando a verdade, mas eu ainda não conseguia aceitar aquilo.

“Eu fui mandado para te proteger, te manter longe do Vero.” ele prosseguiu. “Quando fomos atacados, eu fui para a base de recuperação e me informaram que você estava morta.”.

James se aproximou de mim, ficando cara a cara comigo. Não me movi. Ainda era estranho ficar na presença dele depois de ter lidado com todo o luto.

“Eu nunca a teria deixado nas mãos de demônios ou de qualquer coisa que te fosse fazer mal, Kate” disse ele, olhando bem no fundo dos meus olhos. Ele segurou uma das minhas mãos e senti um frio na barriga. “Mas infelizmente, eu tive que te deixar e estou te dizendo que não foi minha culpa. Você não tem noção do quanto eu fiquei surpreso ao saber que você estava viva” ele abriu um sorriso e balançou a cabeça. “Cara, agora tudo faz sentido!”

“O quê?” perguntei franzindo o cenho, sem entender. “O que faz sentido?”

Ele me encarou de um jeito diferente, com um brilho no olhar e seu sorriso se alargou, como se ele estivesse conversando consigo mesmo em pensamento. Aquilo me incomodou profundamente.

“Você está tão linda.” Comentou ele, balançando a cabeça distraidamente. “Mas tem algo diferente em você.” Continuou a me avaliar, o que me incomodou ainda mais, pois me senti como uma peça em exposição no museu. “Acho que são seu olhos, eles estão meio... Eu não sei. Não tem mais aquela vivacidade de antes. Tem alguma coisa errada?”

Na mesma hora, eu entendi o que ele quis dizer. Algo se apertou em meu peito.

“Eu não quero falar sobre isso.” Respondi secamente. “James, vamos parar por aqui e—” ele me interrompeu antes que eu pudesse concluir.

“Na verdade, meu nome é Nathaniel.” Ele disse, pegando-me completamente de surpresa. “Mas pode me chamar de Nathan” ele sorriu.

“Eu cheguei mesmo a te conhecer?” Passei a mão pelo cabelo e soltei o ar pela boca lentamente. “Tenho a impressão de que tudo relacionado a você foi uma farsa. Na verdade, tudo tem sido uma grande mentira na minha vida, eu não sei mais em quem acreditar. Não. Eu não sei nem se devo acreditar em alguém. Minha própria mãe mentiu pra mim! Será que existe alguém nesse mundo que não tenha mentido pra mim?” desabafei de repente.

A expressão no rosto dele foi de compaixão e arrependimento, mas eu não dei a mínima para aquilo. Ele nem sequer negou, porque ele sabia que era verdade.

“Eu posso ter mentido pra você, Kate, mas eu nunca fui falso.” Disse ele, quando achou oportuno.

“Dá no mesmo.” Eu disse, com um aceno de mão desdenhoso.

“Não, não dá.” Ele segurou meu queixo com delicadeza, fazendo-me encara-lo. Estava sério. “Eu nunca fui falso com você.”

Tirei sua mão do meu rosto, afastando-o sem querer ser muito rude, mas eu não aguentava mais tudo aquilo.

“Me desculpa, Jam—Nathaniel, ou seja lá o que for.” Falei com seriedade, balançando a cabeça. “Mas eu não consigo mais acreditar em ninguém. Estou feliz que esteja vivo, de verdade, mas não espere nada além disso por enquanto, está bem? Eu só... Preciso de um tempo pra mim.”

Ele me encarou e soltou um suspiro, crispando um pouco os lábios antes de assentir.

“Eu entendo.” Declarou. Dei um único aceno de cabeça em resposta.

“Obrigada.”

Quando me virei para ir para o meu quarto, ele segurou meu braço e me soltou imediatamente, apenas fazendo-me parar. Olhei para ele e vi que ele sorria de canto, um sorriso gentil e complacente.

“Se não se importa...” começou ele a dizer. “Eu gostaria muito de saber um pouco mais sobre você.”

Franzi o cenho, sem entender o que ele quis dizer com aquilo.

“Já que somos completos estranhos agora, seria legal se a gente conversasse um pouco.” Prosseguiu. Ele ergueu uma sobrancelha, desafiando-me a dar a ele uma chance e entrar na brincadeira.

“É, acho que seria legal.” Por fim, acabei relaxando e sorri. Estendi a mão para ele. “Meu nome é Katherine Savage.”

Ele sorriu e beijou o dorso na minha mão, com excesso de cavalheirismo, quase teatralmente.

“Eu sou Nathaniel Dane. É um prazer conhece-la, senhorita Savage.”

“O prazer é todo meu, senhor Dane.” Respondi, rindo daquela brincadeira.

“Então...” prosseguiu ele. “Me fala sobre você. O que tem feito?”

“É melhor a gente se sentar.” Declarei, apontando para o sofá. “Essa vai ser uma longa história...”.

***

Após algumas semanas, passei a me acostumar com a presença de Nathan. Acostumei-me até mesmo com seu nome, o que eu achei que seria difícil. Passávamos muito tempo juntos, ele seria a melhor companhia que eu poderia ter se Emma não estivesse lá. No começo, eu resistia às tentativas dele de me beijar, mas eu acabei me permitindo um carinho ou uns amassos de vez em quando. Eu não tinha nada a perder e já estava na hora de seguir em frente. Dei graças por ele não ter mencionado a palavra “namoro” em momento algum, pois isso teria me aterrorizado. No fim das contas, depois de tanto caos na minha vida, tudo parecia ter caído num mar de calmarias.

Era cedo, de manhã, eu havia acabado de ler um livro de feitiço e estava me sentindo sonolenta, com as pálpebras pesadas. Quase peguei no sono, mas Emma não me permitiu, pois entrou no quarto aos pulos, fazendo-me despertar.

“Ai, Emma. O que houve?” perguntei com um misto de curiosidade e estranheza.

“Amiga, ficou sabendo do baile? Ai meu Deus, precisamos ir!” gritou ela, batendo palminhas em uma crise de euforia. Ela se jogou na minha cama e ficou me encarando com seus olhinhos brilhantes, esperando pela minha resposta.

“Desculpa Em, mas acho que dessa vez eu passo.” Respondi, forçando uma expressão de pesar.

“Ah, para Kate! Vai ser uma boa pra você dar uns pegas no Nathan.” Rebateu ela, rindo. “O cara é um gato, você precisa exibi-lo por aí, sua vadia sortuda!”

“Emma, eu não sei—”.

“Shiu!” ela sibilou, interrompendo-me. “Sem argumentos!”

“O baile será um dia antes do seu aniversário e nós precisamos comemorar.” Fleur entrou no quarto, cantarolando suas palavras, como se fosse a ideia mais brilhante do mundo.

Emma deu um gritinho de animação e as duas bateram um high-five.

“Acho que o Nathan não ia querer ir.” Tentei outra vez, mas foi um tiro no escuro. É claro que ele iria, se fosse para o meu aniversário.

“Deixa de bobagem, é óbvio que ele vai.” Disse Fleur.

“Como assim ele vai?” perguntei, franzindo o cenho.

“A gente falou com ele ali em baixo.” Emma respondeu, ainda sorrindo abertamente.

Vocês duas me pagam, suas cadelas fogosas.

“Tudo bem.” Joguei minhas mãos para o alto em rendição e as duas começaram a comemorar. “Mas tem um problema.”

Elas se calaram imediatamente e me fizeram uma careta.

“O que foi agora, Katherine?” Emma indagou, revirando os olhos.

Levantei-me da cama, pondo o livro do lado e tentei esconder o sorriso que florescia em meus lábios.

“Nós estamos atrasadas.” Respondi.

“Atrasadas?” perguntou Fleur, confusa. “Mas o baile é na semana que vem.”

“Atrasadas pra fazer compras, sua poia! Não temos roupas e eu não vou usar nenhum desses trapos que eu tenho nesse guarda-roupa.” Comecei a rir e as duas me acompanharam em um coro de risos.

Fomos às compras naquela tarde e depois de muita discussão e de uma busca cansativa, consegui encontrar um vestido que me agradasse. Escolhi um lilás—que de acordo com Emma, contrastava perfeitamente com a cor dos meus olhos—de cetim, longo e com delicados bordados chineses na cor azul. Eu precisava admitir: o vestido era incrível! Enquanto fazíamos compras, começamos a fantasiar nossas entradas like a diva no baile. Fizemos poses, caretas e quase fomos expulsas de uma loja quando Fleur tropeçou na barra de um vestido e fez um belo rasgo na peça. Nós rimos bastante antes de descobrirmos o preço do vestido estragado. Por fim, Emma conseguiu um vestido preto super sexy, que ia até um pouco acima dos joelhos e que tinha um decote bem cavado. Sempre achei que Emma ficava bem de preto e eu adorava o jeito como ela nunca temia ousar com suas roupas. Para minha surpresa, Fleur escolheu um rosa-bebê, que a deixou extremamente feminina. Ela já estava contando as horas pra descobrir quantos corações ela conseguiria partir naquela noite, pois até os caras ficariam babando.

Encarei novamente meu reflexo no espelho, apenas para dar uma última admirada no meu vestido, mas o que eu vi quando olhei, com certeza não era o que eu esperava ver. Dei um grito tão alto que poderia ter rachado o espelho. Devia ter rachado. Eu queria aquele espelho em pedaços. Por um momento, achei que eu tinha visto o reflexo de Jared, observando-me atentamente.

Mas que diabos foi isso?

Respirei fundo, ofegante após um mini-infarto. Cerrei minhas pálpebras, me perguntando por quê ele não saía da minha cabeça de uma vez por todas! Eu estaria condenada a viver com aquele fardo para o resto da vida? Eu teria que viver meu próprio inferno? Minha cabeça começou a girar, latejar e de repente senti-me tão cansada. As meninas ficaram preocupadas, mas não sabiam como me ajudar. Eu não contei a elas o que eu tinha visto, pois não queria assumir que aquilo havia acontecido então elas simplesmente ficaram de mãos atadas. Liguei para Nathan, pedindo que ele me buscasse na loja; eu não queria estragar o resto do dia das meninas.

“O que aconteceu?” ele perguntou quando chegamos em casa. Estávamos no sofá, ele acariciava meu cabelo enquanto eu descansava minha cabeça em seu colo.

“Eu não sei... Não tenho conseguido dormir, minha cabeça dói.” Esclareci.

“Já tomou algum remédio? Essa dor de cabeça deve ser pela falta de sono.” Ele explicou, paciente e calmamente.

“Já tomei todos os remédios possíveis, mas não deu muito certo.” Grunhi e me aninhei um pouco mais em seu colo. “Eu só queria dormir um pouco, mas toda vez que fecho os olhos...” estremeci.

“Kate, eu sei que você não quer falar sobre isso, mas eu sei que tem alguma coisa te incomodando.” Ele esperou que eu dissesse alguma coisa em resposta, mas fiquei em silêncio.

As palavras pairavam na minha cabeça, mas sempre que eu tomava coragem para falar, um nó se formava em minha garganta. Eu realmente não queria falar sobre aquilo, lembrar e reviver todo aquele horror. Eu só queria esquecer... Nathan suspirou, sabendo que não conseguiria arrancar nada de mim naquele momento e fiquei feliz quando ele não insistiu; apenas ficou ali, em silêncio, me fazendo carinho, até que finalmente consegui dormir.

Horas depois, acordei sentindo-me um pouco mais relaxada. A dor de cabeça não havia me deixado, mas não estava tão forte quanto antes, o que já era um progresso. Olhei o relógio e... Droga! São onze da noite! Eu ainda estava no colo de Nathan, que dormia tranquilamente no sofá comigo. Respirei fundo, aproveitando os últimos segundos do conforto dos braços de Nathaniel, e me levantei com cuidado para não acordá-lo. Fui até a cozinha, procurei alguma coisa para comer e depois fui até o lado de fora da casa, para pensar. Chegando lá, fiquei surpresa quando encontrei Harahel. Sem querer atrapalhá-lo, simplesmente me virei para ir embora.

“Kate.” Ele me chamou, percebendo minha presença. “Não precisa sair.”

Virei-me para ele novamente, sentindo-me um pouco sem jeito. Harahel apenas sorriu gentilmente para mim e acenou para que eu me aproximasse.

“Eu posso ter criado um monstro, Katherine, mas eu não sou um.” Disse ele, em tom de brincadeira.

A noite estava fria, mas foi alguma coisa em sua voz que me provocou um arrepio. Sem conseguir dizer não para ele, sentei-me ao seu lado, em silêncio.

“Está sem sono?” tomei coragem para perguntar e quebrar o silêncio que me incomodava.

Ele assentiu lentamente.

“Vejo que você também.” Comentou ele.

“Sim, eu tenho tido dificuldades com o sono ultimamente.” Suspirei. “Mas eu consegui dormir um pouco hoje à tarde. Na verdade, acabei de acordar.”

“E o que veio fazer aqui fora?” ele quis saber.

“Sei lá, eu...” Dei de ombros. “Eu só queria pensar um pouco.”

“Entendo.” O silêncio retornou e ficou ainda mais estranho. Dessa vez, eu não consegui pensar em nada para dizer. “Olha, eu sei que você está tão decepcionada quanto eu.” Harahel prosseguiu. “Talvez até mais.”

Merda. Ele não vai começar a falar sobre isso, vai? Fui tomada por uma sensação de pânico. Eu queria correr, me esconder.

“Por favor, Harahel, não vamos falar sobre isso.” Eu podia sentir o choro se formando no meu peito. Aquilo estava me matando.

“Ah, Katherine...” ele me encarou com seus olhos cinzentos com compaixão, depois desviou o olhar para o horizonte à nossa frente. “Eu sei que dói, mas manter isso guardado aí dentro só vai te consumir aos poucos.”

Balancei a cabeça, sentindo-me sufocada de repente.

“Eu não consigo, Harahel.” Choraminguei. “Eu não consigo lidar com isso.”

“Ei, tudo bem.” Disse ele, acariciando meu cabelo na tentativa de me acalmar. “Você não precisa falar nada, eu sei exatamente como você se sente.”

Olhei para ele, esperando uma explicação.

“Sabe, ninguém nunca entendeu por que eu peguei o filho de um demônio para criar.” Ele começou a dizer. “Principalmente porque ao fazer isso, tive que abrir mão do meu próprio filho. Acho que as pessoas nunca vão entender, assim como você não entende por que o seguiu, por que confiou nele.”

Senti um aperto em meu peito, mas permaneci em silêncio.

“A verdade, Katherine, é que eu deveria tê-lo matado. Eu ia mata-lo.” Eu o encarei novamente, sentindo o peso de suas palavras. Eu podia ver em seus olhos o quanto era doloroso. “Dambiah era a criatura mais linda que eu já tinha visto e me senti desolado quando ela morreu após dar a luz aos gêmeos. Eu a amava tanto... Cheguei a odiar os bebês, principalmente o que derivava de Asmodeus. Meu papel era tirar-lhe a vida, mas eu percebi que eu estava cego e não podia dar vazão àquilo. Era um veneno para mim. Escolhi leva-lo comigo, pois eu acreditava que este seria o melhor a ser feito. Se ele fosse viver, seria mais seguro que ficasse comigo, que fosse criado por mim e aprendesse a controlar a própria natureza. Se ele crescesse no Inferno, o mundo provavelmente seria um caos, pois ele não tem restrições ou limites nesse plano.”

Harahel não parecia arrependido de nada do que tinha feito e naquele momento, eu pude imaginar o motivo.

“Lembro-me da primeira vez que o segurei nos braços...” ele se deixou levar na lembrança. “Eu podia sentir na pele toda a maldade que emanava daquela criança. Uma energia forte, sombria, impura.”

“Owen podia ter morrido.” Eu me peguei falando, sem perceber.

“Eu sei.” Ele olhou para mim, um olhar sério, com um brilho de ressentimento. “Foi a escolha mais difícil que tive fazer em toda a minha vida. Naquele momento, a profecia foi selada, graças à minha escolha. Levaram Owen para o terceiro plano, pois também se achavam no direito que criar um Híbrido forte e poderoso, não se importando com qual fosse. Meu filho cresceu aprendendo as artes malignas, lutando contra a própria essência, a própria natureza, assim como o meu escolhido Tomás aprendeu a dominar as artes celestiais.”

Por um momento, achei ter visto um sorriso no canto de seus lábios, mas era difícil ter certeza.

“Lembro-me de uma vez em que o encontrei esganando um esquilo. Ele tinha cerca de dois anos e meio de idade...” os olhos de Harahel vagaram, profundos na própria memória. “A criança tinha um brilho no olhar, sentia prazer em matar. Percebi logo que eu teria muito trabalho pela frente. Aos quatro anos, ele rasgou um coelho ao meio, com as próprias mãos. Ele parecia entretido com todo aquele sangue em seus dedos e quis provar o gosto, pois chupou dedo por dedo.”

Olhei para ele com nojo e horror.

“Você não fez nada?” perguntei.

“É claro que eu fiz.” Disse ele. “Pelo menos, tentei. Disse a ele que aquilo era errado, tentei educá-lo, mas suas ações eram tão inocentes. Eu sabia que aquela era a natureza dele falando mais alto, não podia culpá-lo.”

“Ele nunca parou de fazer essas coisas?”

“Bom, foi difícil fazê-lo parar, principalmente numa idade onde ele agia por impulsos e instintos. Mas conforme ele foi crescendo, foi passando a compreender. Mas acho que Jared sempre gostou de ser um espírito livre. Ele não se conformava em ser domado, sempre achava um jeito de quebrar as regras e ir contra tudo o que eu o ensinava. Tive que ser muito paciente para conseguir controlá-lo.” Esclareceu. “O maior desafio foi conseguir ficar em um lugar por muito tempo. Aos nove anos, Jared descobriu que podia atormentar as outras crianças, tanto com palavras quanto com a mente. Você deve se lembrar disso, Katherine. Ele já era assim quando vocês se conheceram. Todas as crianças o temiam e fugiam dele.”

Pensar naquilo me fez lembrar da Romênia. Certa vez, estávamos sentados no parque, eu brincava com minha boneca, tagarelando sem parar enquanto ele me observava, silencioso como sempre. Naquele dia, ele havia falado comigo, perguntando-me coisas estranhas como quais eram os meus medos, meus pesadelos, e depois os repetia tentando fazer tudo aquilo três vezes pior. Eu achava estranho e sentia um pouco de medo, é claro, mas por outro lado, eu ficava maravilhada com a forma como ele conseguia usar “palavras de adultos”. Eu acabava achando engraçado, e isso o enfurecia.

“Você riu dele quando ele tentou fazer isso com você, não foi?” Harahel perguntou, como se lesse meus pensamentos. Olhei para ele, desconfiada. Ele sorriu. “Lembro-me dele chegando em casa, reclamando de uma garotinha que riu da cara dele. Ele quis te matar naquele dia, tive que trancá-lo no porão, pois eu temia que ele o fizesse.”

Engoli em seco, mas Harahel apenas riu.

“Quando fui até ele naquela noite, para ver se estava tudo bem, ele reclamou de algo estranho. Ele estava incomodado, sentindo dores fortes desde que chegara. Estava eufórico, nervoso e muito agitado. A princípio ele não quis dizer o que o incomodava tanto, talvez ele nem soubesse, até que ele falou seu nome.”

Novamente, aquele aperto no meu peito. Apertei minhas mãos sobre o meu colo, para esconder a tremedeira.

“Depois disso, ele passou a se sair bem melhor no treinamento que eu passava, sua natureza angelical conseguiu ser ressaltada, embora ele reclamasse de dores absurdas. Ele conseguiu aprender a controlar as dores, mas elas sempre estavam lá. Foi uma luta interna, a qual ele queria dar um fim, mas por conta do treinamento, eu o convenci a ficar perto de você. Foi assim que descobrimos que a fraqueza natural de Jared era o amor. E eu vou te contar, Katherine... Ele não gostava disso nem um pouco.” Ele riu, mas eu não consegui achar graça.

O pensamento de que Jared me amou um dia, era simplesmente incabível agora. Há algum tempo, eu teria ficado feliz com essa história, até mesmo esperançosa, mas eu não conseguia mais. Era como se eu estivesse ouvindo o mais absurdo dos absurdos. Mesmo se eu quisesse, eu duvidava que eu pudesse acreditar.

“Tudo começou a funcionar muito bem, agora que sabíamos qual era a fraqueza dele e como lidar com ela, até que descobri o que você e sua mãe eram.” Seu olhar se tornou sério de repente. “Nós não iríamos entrar nesse âmbito, mas mesmo assim eu o alertei a tomar cuidado. Infelizmente, Jared era uma criança difícil de controlar, e como eu já esperava, sua mãe descobriu quem e o que ele era. Você provavelmente não sabe disso, mas ela tentou matá-lo. E teria conseguido, se não fosse por mim.”

Fiquei curiosa de repente e não tentei esconder.

“Naquela noite, nós conversamos e foi difícil convencê-la a poupar a vida do garoto. Mas no fundo, ela sabia que você o amava também e ela não conseguiu cumprir o seu dever. A solução foi partir. Foi aí que ela decidiu partir com você, tanto para sua segurança, quanto para a dela, pois ela seria punida caso descobrissem que ela poupou a vida de Tomás.” Ele explicou. “Depois que você foi embora, as coisas ficaram extremamente difíceis. Ele não só voltou a matar, como passou a matar muito mais do que costumava. Foi tomado por uma ira insana que só alimentou o lado dele que eu tentava enfraquecer. Conforme ele foi amadurecendo, consegui educá-lo com mais que o dobro dos meus esforços. Aos quatorze anos, quando fomos achados, eu o deixei matar aqueles que nos ameaçavam, mostrando-o que somente esses podiam ser mortos sem clemência. Aos quinze, ele descobriu uma coisa que ele não sabia que tinha... Algo que se tornou ainda mais perigoso que o prazer da morte: O simples prazer. Jared descobriu a luxúria. Sendo filho de Asmodeus, o demônio da luxúria, eu já esperava que isso fosse acontecer.” Ele suspirou. “Nesse ponto, foi impossível controlá-lo, mas eu fiz o que pude. Consegui amansá-lo um pouco, mas você sabe exatamente como ele é e o que se tornou. Infelizmente, ele não suportou a intensidade que Xibalbá tinha sobre ele. Pelo que Owen me passou, ele resistiu bem até o último momento, mas o que aconteceu foi inevitável.”

“Não.” Balancei a cabeça. O aperto em meu peito deu lugar a uma raiva ardente e eu precisei me esforçar para mantê-la sob controle. “Ele nos traiu, Harahel. Ele planejou isso. Ele queria estar lá desde o começo.”

Harahel balançou a cabeça com o cenho franzido.

“Isso é tão difícil de acreditar, mas ao mesmo tempo tão plausível.” Disse ele, pensativo. “Eu temia que ele fosse me procurar. Esse era o plano dos demônios e agora que eles o têm no terceiro plano, conseguiram o que queriam. Globe está próximo e sinto que o final da profecia foi alterado novamente.”

“O que quer dizer?”

“Jared nunca te contou?” ele quis saber, parecendo confuso. Fiz que não com a cabeça. Harahel ficou em silêncio durante certo tempo, observando-me com cuidado. Para minha surpresa, um leve sorriso surgiu em seus lábios. “Isso quer dizer que... Acho que nem tudo está perdido, Katherine Savage.”

“O que?” indaguei. “Harahel, é sério. Eu não sei o que você quer dizer.”

“Você não vê, Kate?” ele pareceu subitamente eufórico, seus olhos tinham um brilho diferente, algo que eu nunca tinha visto. “O amor de vocês nasceu na infância, foi puro demais. Essa é a única coisa que Jared não pode controlar, evitar ou fugir. Ele sempre procurou por você, mesmo sem perceber. Jared se obrigou a apagar você da própria mente, esqueceu-se do seu nome, mas jamais se esqueceu de você. Eu sinto aqui dentro” ele apontou para o próprio peito “que eu sei o que ele teme.”

Senti um frio na barriga.

“E o que ele teme, Harahel?”

Ele sorriu.

“Jared teme você.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hey! Galera, e aí? O que acharam? Quem não votou ainda no capítulo Bônus, não se preocupe, dá tempo! Vocês têm até o capítulo 79 para votar, a votação encerra lá, então não deixem de escolher um dos três capítulos para serem reescritos no ponto de vista do Jaredemônio