Masked Archer escrita por Jessie Wisets


Capítulo 18
Estrela de oito pontas


Notas iniciais do capítulo

Eu prometi que completaria, não prometi?



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Na manhã seguinte, após cuidar de minha higiene pessoal, estava me direcionando ao pavilhão de refeições quando encontrei Rick e Gillian conversando. O rapaz nunca me pareceu tão bem e saudável, a conversa com a irmã com certeza foi muito boa e minha ansiedade deu um pico. Não me considero uma pessoa fofoqueira, mas definitivamente sou curioso, principalmente se tratando dela. Com toda certeza meu dia demoraria a passar e as atividades seriam excruciantes até o momento em que eu finalmente poderia conversar com Wisets.

Rick já usava a sua nova manopla e, aparentemente, sua conversa com a filha de Afrodite era justamente sobre o novo ornamento. Ao observar melhor, notei gotas de suor se agarrando a testa do semideus e sua face estava contorcida no que eu só poderia chamar de concentração absoluta. Ao me aproximar, ouvi Gillian falando frases encorajadoras, estimulando Rick a... fechar os dedos?

—  Parece que alguém precisa de uma mãozinha. – Disse brincando. O que me rendeu uma careta e um “cale a boca”.

— Eu perguntaria o que mais essa mão sabe fazer, mas chegamos à conclusão de que não muita coisa. – Disse Gillian, arrancando uma gargalhada minha e um rosto vermelho do garoto.

Após tantas provocações, Rick conseguiu fechar os dedos da manopla e dar um soco em meu ombro. Ainda rindo, nós três nos dirigimos para o café da manhã, seguimos cada um para sua fila e ao olhar de soslaio para a fila de Nike, vi o garoto rindo das provocações das irmãs Victor. Não consegui deixar de imaginar Wisets ali, junto dos demais filhos da vitória, aguardando em fila, como uma verdadeira campista. Peguei meu café da manhã, joguei a parte mais saborosa nas chamas e sentei-me em minha mesa para desfrutar da refeição. Quando o café da manhã se encerrou e estávamos nos levantando para nos encaminhar as respectivas atividades, Quíron chamou meu nome e solicitou uma conversa particular.

— Bom dia, Marshall – Disse o centauro – Primeiramente, gostaria de registrar que fico contente com seu respeito ao meu pedido de visitas limitadas a senhorita Wisets. Entendo que não foi exatamente do seu desejo, mas espero que hoje você entenda minha posição e fico feliz que tenha percebido que o rapaz Wisets também precisava de sua atenção.

Eu pisquei, meu queixo involuntariamente abrindo. O centauro sorriu, percebendo as peças em minha mente se encaixando. Quíron sabia que se eu tivesse acesso irrestrito a Wisets, eu não teria tipo tempo para convencer Rick a ficar, muito menos feito ele ir conversar com a irmã. As vezes esquecia o quão sábio é o nosso diretor de atividades, mas ele sempre faz questão de nos lembrar de tempos em tempos.

— Continuando, gostaria de informá-lo de que, por hoje, – disse ele frisando bem a última palavra – O senhor está dispensado de suas atividades rotineiras. Chegou a meu conhecimento que uma certa semideusa recebeu alta e precisa de um guia pelo acampamento. Isso é claro se...

— Eu vou! – Disse interrompendo o centauro. Meu sorriso tão largo que chegava a doer – Eu com certeza quero! Obrigado, Quíron.

Nem aguardei a dispensa, quando vi já estava correndo a toda velocidade em direção a enfermaria. Durante todo o percurso, semideuses me cumprimentavam sorrindo, outros faziam provocações. Aparentemente todos já sabiam exatamente para onde eu ia com tanta pressa. Não desacelerei em nenhum momento, o que quase me garantiu uma belíssima queda em uma das diversas colinas do acampamento. Meus pulmões ardiam no ar frio e minha pele parecia estar sendo perfurada por milhares de pequenas agulhas, mas eu não conseguia parar de correr. Ela estava finalmente liberada, poderia conhecer o acampamento e poder viver sem preocupações.

Cheguei em frente ao prédio da enfermaria e parei, meu peito arfando com toda a corrida. Apesar do frio, podia sentir suor escorrendo pelas minhas costas. Olhei para as grandes portas e por algum motivo eu já sabia que ela não estava mais lá dentro. Meu rosto se voltou para a esquerda, para o lago brilhando a luz do sol de inverno e lá, bem próxima a margem estava ela. Com suas costas voltadas para mim, pude ver os cabelos castanhos refletindo a luz, os cachos limpos e caindo por seus ombros. Ela vestia uma calça jeans, tênis e o casaco verde de sempre. Ela estava concentrada nas águas claras e a margem além. Como se sentindo que alguém a observava, ela virou em minha direção. Wisets abriu um sorriso e começou a correr em minha direção. Quando chegou perto o suficiente, Jessie se lançou e me agarrou pelo pescoço em um abraço apertado. Meu coração estava acelerado, mas definitivamente não era mais pela corrida até a enfermaria. Tudo o que passamos, todos os dias dormindo sob o chão duro, todos os monstros que enfrentamos e principalmente a última batalha na fábrica de janelas, passaram por minha cabeça como em um filme. Eu estava tão aliviado por ela estar de pé, por estar viva.

—  Oi, Marshall. – Disse ela enterrando o rosto em meu pescoço.

— Oi, Jessie. – Respondi, apertando os meus braços ao redor da cintura de Wisets, tomando cuidado para não a apertar demais. – Bom te ver sob o sol novamente, mas ainda está frio para um mergulho no lago.

Wisets riu e soltou meu pescoço. Nos encaramos sorrindo por alguns segundos. Seu olhar desviou para o nosso redor, onde alguns campistas haviam parado o que estavam fazendo para nos encarar, sorrindo. Eu não ligava, a única reação com a qual eu me importava era da pessoa bem a minha frente. Seus olhos vagaram pelo lago novamente, as árvores ao redor, os chalés a distância e então voltaram-se para mim novamente.

— Bom dia, senhorita. Meu nome é Marshall Magnox – disse enquanto estendia o braço a ela, de maneira pomposa – e serei seu guia hoje pelo incrível acampamento meio-sangue.

— Seria uma honra. – disse ela rindo de toda a cena, mas segurou meu braço ainda assim. – Qual nossa primeira parada, senhor guia turístico?

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Eu e Wisets caminhamos por todo o acampamento, começando pelo que eu sabia que seria um de seus locais favoritos: o campo de arco e flecha. Seus olhos brilharam com interesse e ela chegou a atirar algumas vezes contra o alvo móvel, sempre acertando bem no centro. Os semideuses ao redor ficaram impressionados e todos interagiam com muita empolgação. Durante nosso trajeto pelos diversos pontos do acampamento, Wisets me contou sobre sua conversa com Rick. Os gêmeos fizeram as pazes oficialmente e muitas lágrimas rolaram. No caminho cruzamos com Gillian e as meninas se cumprimentaram como velhas amigas, me arrancando mais um sorriso. O que posso fazer? As vezes a vida é bela. Fizemos uma pausa para o almoço e Wisets conheceu as suas outras irmãs. Rick estava visivelmente aliviado por não estar mais sozinho com as gêmeas do terror.

Após a refeição, levei Wisets para conhecer o seu chalé e graças as atividades diárias, o lugar estava vazio. A construção era feita de granito branco, com veios dourados serpenteando pelas paredes, criando um belo padrão na pedra. As duas pilastras na entrada, do mesmo material das paredes, sustentavam em seu centro o símbolo da deusa encrustado dentro de uma coroa de louros que parecia de ouro maciço. Ninguém sabia como não tinha sido roubado ainda, até que um dia uma campista de Hermes apareceu com a pele pintada de prata e entendemos que o ornamento tinha sua própria proteção contra mãos mal-intencionadas. Por dentro o chalé era parecido com os demais, com beliches alinhadas nas paredes. No centro, uma grande mesa circular de madeira, coberta com veludo vermelho e na parede mais a frente encontrava-se uma estante abarrotada de jogos de tabuleiro. Olhando rápido, foi possível notar que nenhum jogo permitia apenas um jogador, ou seja, sempre uma competição. Exatamente acima da mesa de jogos, o teto possuía uma abóboda de vidro, permitindo bastante luz natural. O chalé contava também com um mezanino e do ângulo em que estávamos, deu para notar diversas armas alinhadas a parede, apoiadas em armários e expostas em mesas especiais.

Apenas três camas apresentavam sinais de ter um ocupante, todos na parte de baixo do beliche. Wisets circulava pelo ambiente, passando a mão em diversas superfícies e notando cada detalhe com aqueles olhos brilhantes. Em uma cama próxima a uma das janelas anguladas, encontrava-se uma mala, uma blusa do acampamento meio-sangue e o arco de Wisets apoiado na cabeceira da cama. Sua atenção voltou-se para a cama e ela caminhou em sua direção, acariciando o arco apoiado.

— Eu escolhi essa cama por causa da janela.  – Disse, confirmando a suspeita de Wisets de que esta era de fato sua nova cama. Wisets então pegou a blusa do acampamento nas suas mãos.  – Achei que você iria gostar de conseguir olhar para fora antes de dormir. Mas se preferir, pode trocar de beliche, o que não falta é opção.

— Esta está perfeita. – Ela disse encarando a camiseta.  – Mas essa mala...

— É sua. – Disse interrompendo e ela me olhou franzindo a testa. – Você pediu para que eu usasse o dinheiro que juntou para ajudar semideuses e foi o que eu fiz. Gillian fez as compras para você e Rick, tem tudo o que vocês precisarem e, conhecendo-a, mais um pouco.

                – Muito esperto, senhor Marshall. – Disse ela rindo. – Muito obrigada. Assim posso devolver a blusa de Gillian.

                Quando Wisets abriu o casaco, precisei me apoiar na parede mais próxima para não cair no chão de tanto rir. A blusa era simplesmente horrenda. Três ursinhos carinhosos estavam abraçados na blusa cor de rosa e logo acima estava escrito “união” em um verde vibrante. Não combinava em nada com a menina. Nesse momento eu pensei em tudo o que Gillian comprou para os gêmeos. Que tipo de roupas ela comprou se aquela era uma de suas peças sobressalentes.

                – Era a única que cabia em mim. Não temos exatamente a mesma altura e ela tem muito mais busto do que eu! – ela disse fingindo uma ofensa e me acertando com a primeira coisa que viu: o travesseiro– Você não presta. Agora por favor vire-se para que eu possa me trocar.

                Ainda rindo eu me virei de costas e aguardei o sinal para que eu pudesse me virar novamente. Ponderei sobre nossa nova dinâmica, consideravelmente mais leve agora que não estávamos temendo por nossas vidas. Poderíamos nos provocar, rir e até mesmo treinar juntos agora que ela estava oficialmente no acampamento. Fiquei um tempo virado para dar privacidade a Wisets, um tempo considerável... mais até do que o necessário.

— Olha, se quiser me manter aqui parado pela eternidade como punição pela risada, poderia pelo menos me convidar para sentar. – Disse com bom humor. Mas a única resposta que recebi foi o completo silêncio. – Wisets?

Virei-me sem aguardar autorização, mantendo os olhos semicerrados para evitar ver mais do que deveria. Assim que me virei, percebi que ela ainda usava a blusa de Gillian, apenas a barra da camisa estava erguida, deixando a cicatriz em sua barriga amostra. Wisets encarava a cicatriz no espelho com um olhar vazio. A marca não era nada perturbadora, mas é assustador pensar que mesmo com tanto néctar e o próprio ouro da lira de Apolo, o ferimento havia deixado uma cicatriz tão proeminente. Os dedos trêmulos da menina passavam pela cicatriz, que de alguma forma lembrava uma estrela de oito pontas.  Wisets deu um pequeno salto quando a chamei novamente e seus olhos encontraram os meus através do espelho.

— Foi por pouco, não foi? – Ela disse com um sorriso que não chegava a seus olhos – Eu detestaria ter desperdiçado todo o seu trabalho.

— Não faça isso. – Respondi chegando perto e apoiando a mão em seu ombro, sem cortar nosso contato visual – Não precisa esconder o que está sentindo. O que aconteceu com você foi traumático e está tudo bem você estar digerindo tudo agora. Não precisa se esconder, não de mim. Pode lançar o que quiser, eu aguento.

— Marshall... – Wisets respondeu com os olhos marejados, colocando sua mão por cima da minha. Fechando os olhos e respirando fundo ela continuou: – A dor... eu não consigo descrever o quanto doía. E eu quase... cedi, seria tão mais fácil ceder e fazer a dor parar. Eu fiquei apavorada.

Wisets se virou para mim e segurou minha mão, olhando bem no fundo dos meus olhos. Os olhos brilhando tentando segurar as lágrimas em vão. Com minha mão livre, limpava as lágrimas que escorriam por seu rosto. Quando um soluço ameaçou tomar conta, ela encostou a cabeça em meu ombro e eu a abracei, acariciando os seus cachos.

— E mesmo através da dor, eu senti tanto alívio quando você apareceu. – Ela disse, com a voz abafada pela minha camiseta - Todo sujo e ensanguentado, mas bem, tão bem. Se fosse para que eu partisse, se fosse para que eu deixasse esse mundo, eu estava feliz em saber que você estava bem e que pude te ver uma última vez.

                – Eu também fiquei apavorado. Quando te vi... não quero nem lembrar. – Respondi após um longo período de silêncio. Apoiei meu queixo no topo dos cabelos macios de Wisets e acariciei suas costas. – Você está aqui agora. Viva, segura e eu não poderia estar mais feliz por isso. Vamos passar por isso juntos, nunca mais você estará sozinha. E olha, eu até achei sua cicatriz charmosa, pelo menos alguma coisa em você não é a pura definição de perfeição.

                Wisets se afastou de meu ombro e olhou no fundo dos meus olhos, as lágrimas agora apenas um brilho aquoso. Ela não sorria, apenas esboçava uma expressão de surpresa pura. Quando eu finalmente entendi o porquê da reação, senti meu rosto ficar vermelho. Wisets abriu um sorriso e perguntou:

                – Você me acha perfeita?


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Notas finais do capítulo

Já estou escrevendo o próximo!



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