Acordei assustada e com frio. Olhei ao redor, e me vi deitada ao lado de Percy, aninhando seu corpo que já estava quente, em comparação a antes de dormirmos. Não me lembrava de ter deitado, mas devo ter escorregado pela parede e me ajeitado inconscientemente enquanto dormia. Verifiquei a tira amarrada à cabeça de Percy, e parecia que o sangue já havia estancado.

Aproximei meu rosto ao dele, para checar sua respiração. Observei seu rosto vagarosamente enquanto sentia sua respiração em minha boca. Seus traços eram esculpidos nos angulos exatos: sua sobrancelha não era fina nem grossa, o desenho de seus olhos era bem definido, seu nariz era reto e anguloso, e sua boca era um pouco corada com lábios ligeiramente finos. Seu cabelo, mesmo bagunçado, finalizava perfeitamente seu rosto, mas não era o elemento principal. Percy ficaria bem com qualquer cabelo, mas pessoalmente, eu gostava mais daqueles cabelos negros e lisos, de comprimento médio, onde não era curto demais, e comprido demais.

Não sei quanto tempo demorei analisando suas feições, mas depois disso, sentei-me e olhei para fora da caverna. Ainda chovia e estava um pouco mais escuro que antes. Tive a sensação de que havia dormido pouco, no máximo uma hora.

Meu estômago roncou. Abri a mochila e encontrei uma única barra de chocolate. Lembrei que Percy deveria estar com tanta fome quanto eu, e que necessitava mais ainda de glicose para se manter razoavelmente bem, depois da pancada em sua cabeça.

Fiquei em dúvida se deveria acordá-lo, mas respirei e comecei a pensar racionalmente em todas as possibilidades que eu tinha: desde sair em busca da trilha principal, até esperar eternamente lá dentro.

De repente, dei-me conta de algo. Lembrei de duas semanas antes, quando eu estava saindo de casa, rumo ao acampamento. Eu achava que gostava de Luke, e achava que Luke gostava de mim. Eu era inocente em relação a Calipso, achava que éramos separadas por uma mancha acidental em seu tênis, causada por mim, e não tinha ideia de que ela realmente me odiava de qualquer maneira.

Eu não tinha noção de como cuidar de crianças, e até mesmo desaprovava a ideia de ser monitora. Eu não tinha ideia de que podia ter cãibra e me afogar. Não tinha ideia de que podia construir a melhor maquete e vencer uma prova crucial para a equipe. Não tinha ideia que que conheceria um garoto diferente. Não tinha ideia de que iria manter a calma em uma situação de risco, e que cuidaria bem de alguém que tivesse apenas eu como opção.

Foi então que percebi que aquelas duas semanas no acampamento talvez não tivessem me deixado mais madura, mas com certeza tinham revirado os meus sentimentos e transformado muitas coisas dentro de mim. Era como se eu tivesse crescido um pouco. Me sentia um pouco mais capaz, embora meus medos e dificuldades ainda continuassem lá, em algum lugar misterioso da minha cabeça.

Eu não me imaginava há duas semanas atrás cuidando da ferida de um garoto que abriu meu coração e depois despedaçou-o. Eu provavelmente estaria em pânico por causa de sua saúde, e com raiva por causa de suas ações. Mas agora, o que havia no meu coração era ternura e medo. Uma ternura que eu lutava para não ter, mas que me preenchia sempre que ele olhava ou tocava em mim. E dois medos que eu também não queria ter: ficar perto de Percy e me magoar mais, ou perdê-lo de vista e não tê-lo mais comigo.

Controverso, eu sei. Mas aqueles eram sentimentos, e sentimentos não tem lógica.

– Ei, acho que é por aqui. - uma voz masculina disse lá fora.

– Não - identifiquei a voz de Thalia - Eu tenho certeza que é para lá.

Arrastaei-me rapidamente para fora da caverna. Acabei me molhando no processo, mas minha alegria era maior que meu frio.

– THALIA! - eu gritei com todos os meus pulmões.

– Annie? - sua voz ecoou mais perto, e logo Thalia entrou em minha visão, ao lado de Leo - Pelos céus, Annabeth!

Thalia e Leo entraram na caverna e eu disparei tudo o que havia acontecido. Eles me ouviram boquiabertos e ficaram em silêncio por alguns instantes. Thalia me deu uma camiseta larga dela, e eu a vesti.

– Que absurdo. - Thalia disse - Vocês tem que contar ao diretor tudo isso. Calipso e Luke tem que pagar.

– Depois pensamos nisso. - eu disse.

– Também estamos perdidos. - Leo disse - Pegamos no sono encostados em uma árvore e perdemos nossa localização e nosso mapa.

– Graças a esse cabeçudo que quis ficar olhando as estrelas de noite e depois mal se aguentava em pé de dia. - Thalia disse enfezada.

– Vocês tem comida? - perguntei, esperançosa.

– Não. - Thalia falou mais nervosa - Leo comeu tudo hoje de manhã.

– Ei, eu estava morrendo de fome. - ele disse, dramaticamente.

Suspirei, desapontada. Meu estômago roncou novamente, e lembrei-me de Percy. Decidi acordá-lo, enquanto Leo e Thalia discutiam quem havia comido mais. Encostei em Percy lentamente e ele acordou. Ajudei-o a sentar encostado na parede da caverna e ele disse que estava um pouco tonto. Dei-lhe o chocolate e Percy devorou a metade em poucos segundos.

– Toma. - ele estendeu a outra metade.

– Esse é todo seu. - eu menti - Já comi o meu.

Percy assentiu e devorou o resto. Fiquei contente, mesmo estando com fome. Conversamos um pouco e a chuva deu uma trégua, mas o céu continuava ameaçador.

– O que faremos agora? - Leo perguntou.

– Podemos procurar a pista, Percy parece bem para caminhar. - Thalia disse.

– Na última pista estava escrito Íris. - eu comentei - A única coisa que pensei foi arco-íris.

– Há um lugar que sempre forma um arco-íris - Leo disse, sorrindo - É numa pequena queda d'água aqui perto, eu e Thalia passamos por ela ontem.

– Podemos tentar. - Percy disse.

– Você está bem para andar? - perguntei, receosa.

– Estou. - ele afirmou - Tive uma ótima enfermeira comigo.

Leo e Thalia deram risadinhas maliciosas, e eu ameacei bater neles, mas respirei fundo e tentei esquecer aqueles dois bobos.

– Então vamos. - eu disse, saindo da caverna e ajudando Percy - Ainda temos chances de ganhar essa competição.