Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 4
Salvo


Notas iniciais do capítulo

Boa noite galera! Como estão? Gostando da história? Bem, eu espero que vocês estejam, e também gostem desse capítulo, pois está repleto de ação!



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Marie Jean POV – Tarde de 30 de Setembro.

Cantarolava enquanto procurava algum livro que me interessasse. Lisa tinha passado boa parte da tarde comigo, mas teve de ir por causa da mãe. Então eu vim para a biblioteca sozinha. Tirei um livro e comecei a ler sua sinopse quando ouvi algo se espatifando no chão e me virei assustada. Lá estava o fantasma de Fletcher, diante de um dos vasos que ficava em cima das mesas espatifado no chão.

– Ops. – Disse ele, rindo. – Olá novamente, Marie!

– Me deixa em paz! - Exclamei. O fantasma riu com mais vontade.

– Nunca! Vou fazer da sua vida um inferno, queridinha!

Procurei a saída mais próxima e saí correndo, enquanto ele ria escandalosamente maquiavélico atrás. Desci as escadas praticamente pulando de cinco em cinco degraus, até me ver fora do prédio, ao ar livre. Minha casa estava extremamente longe para que eu pudesse chegar até lá em segurança e ficar livre de Fletcher. Mas havia outro lugar bem mais próximo da qual eu me veria livre dele. A caverna.

Desatei a correr pelo terreno do colégio, vendo vislumbres de Fletcher em todos os cantos. Vez ou outra algo como galhos, latas de lixo e carros inesperadamente em movimento tentavam me atingir, mas eu dava um jeito de desvencilhar-me. Agradecendo pelo muro do colégio ser baixo, pulei-o e corri mata adentro, como se tivesse passado minha vida toda lá. Agora eu estava infinitamente agradecendo todo o treinamento que tivera com os rapazes, pois graças a ele conhecia a floresta como se fosse a palma da minha mão, e sabia exatamente para onde estava indo. Só precisaria correr mais alguns metros e estaria na clareira, e logo mais na caverna.

Galhos grossos se moviam e tentavam me acertar. Alguns era fácil desviar, outros não. Várias vezes tive que saltar ou me jogar repentinamente no chão para desviar. E nem sempre conseguia fazê-lo: um galho grosso atingiu meu abdômen, fazendo com que eu caísse alguns metros para trás e perdesse o fôlego. Uma risada maquiavélica ressoou e senti algo prender meu pé: uma raiz começava a se enroscar em minha perna, e eu a cortei com magia. Levantei-me rapidamente e continuei correndo, sentindo ser arranhada por galhos, ataques repentinos de passarinhos possuídos e insetos enraivecidos.

Eu já podia ver a clareira. Mais cem metros e eu estaria lá. Apenas cem metros!

– Onde você vai, querida? Não está meio longe para Ethan vir te salvar? – Fletcher disse assim que entrei na clareira e parei de correr. Olhei para o chão, onde havia um buraco cavado na terra parecendo uma cova rasa, onde uma adaga prateada estava deitada, e ao redor, uma pilha de terra remexida e velas vermelhas e negras acesas. O fantasma se materializou a minha frente, parecendo ignorar a existência da cova. – Aqui não há ninguém para te salvar, Marie... E você vai morrer!

– É aí que você se engana, Fletcher! – Exclamei, e pessoas surgiram de cantos da clareira, formando um pentágono ao meu redor e do fantasma. Minha mãe e os rapazes seguravam cada um uma vela na mão, murmurando palavras em latim que faziam parte de um feitiço. Fletcher olhou confuso para eles, tentando entender o que estava acontecendo; em seguida um brilho de compreensão iluminou seus olhos fantasmagóricos. – É isso mesmo, Fletcher. E agora você que não poderá fugir. Você que não poderá ser salvo!

O fantasma começou a se contorcer, como se sentisse dor. A adaga na cova começou a se sacudir, brilhando em uma aura dourada enquanto pequenas faíscas surgiam do metal. Aquela adaga pertencera a Fletcher, e usaríamos para prender sua alma dentro dela, e deixá-la aprisionada embaixo da terra, sob efeito do poderoso feitiço, para nunca mais sair.

Os olhos de minha mãe e os rapazes estavam em um tom dourado que chegava a ser assustador. Uma ventania sobrenatural atingiu a clareira, bagunçando o cabelo de todos e não estava apagando as chamas das velas. O pentágono se fechava ao redor, e o fantasma estava mais rente ao chão, com pequenas formas semelhantes a queimaduras se formando em seu espectro. Fletcher gritou.

A adaga irrompeu em chamas negras, e a aura dourada ainda a envolvia. Fletcher estava se dissolvendo em minha frente. Assim como quando ele morrera, se dissolvendo lentamente em uma dor infindável e excruciante. Tirei um canivete do bolso, estendi minha mão exatamente sobre a adaga e cortei minha própria palma, fazendo meu sangue escorrer e gotejar em cima da arma prateada. Fletcher gritou com mais força, e manchas semelhantes às gotas de sangue surgiram em seu espectro, se alastrando, tomando conta do que restava de si. E, de repente, ele sumiu, mas a adaga se sacudia com mais violência, ainda inflamada. Eu ainda podia ouvir os gritos dele. As velas ao redor, inclusive as que estavam nas mãos dos outros, apagaram.

– Ad lucem spiritus nequam! Nos imperio! – Eles gritaram em uníssono, e as chamas negras da adaga se tornaram douradas, finalizando o feitiço. Ethan jogou a terra por cima da adaga, e a ventania parou. E então eu respirei fundo – até então não havia notado que estava sem fôlego. Tudo estava acabado.

– Isso foi mais fácil do que eu imaginava. – Disse Fred. – Achei que ele tentaria resistir, se tocaria que era uma cilada quando Marie correu pro mato, mas não... Esse cara ou era burro demais, ou estava cego pela vingança.

– De qualquer forma, agora acabou. – Ethan disse. – Interessante, eu não sabia que humanos normais poderiam participar de ritos como esse.

– Como você acha que surgiram os ritos de macumba? – Perguntou minha mãe. – Os criadores são todos humanos que participaram de ritos mágicos e acham que podem reproduzi-los sozinhos.

– Ah. – Disse ele, somente. – Marie, você está bem?

– Sim, só um pouco arranhada.

– Gente, nós temos problemas. De novo. – Disse Andrew, e apontou para a orla da clareira.

Havia uma matilha de cães infernais rosnando para nós.

Ethan Williams POV – Noite de 30 de Setembro.

– Como eles vieram parar aqui? – Perguntou Marie, confusa, segurando seu canivete com firmeza, em posição de ataque. Com um feitiço rápido de mente, atraí nossas espadas e adagas para a clareira, e em alguns minutos deveriam estar ali.

O problema é: talvez não tivéssemos minutos.

– Fletcher deve tê-los convocado do inferno. – Disse Amelia. – Fantasmas podem fazer esse tipo de coisa. Ele deveria estar contando com isso quando entrou na floresta perseguindo Marie.

– Bom, ele queria trazer problemas. E conseguiu. – Disse Fred. – E estamos desarmados.

A matilha de uns dez cães estava cada vez mais próxima.

– O que nós vamos fazer? – Perguntou Andrew.

– O óbvio: lutar. – Eu disse, quando vi as armas voarem direto para as mãos dos seus respectivos donos. O feitiço, por sorte, funcionara mais rápido do que o esperado.

Os cães atacaram na hora em que viram as armas, e nós nos espalhamos. Seis pessoas para dez cães infernais. Injusto. Dois cães vieram em minha direção, e por sorte, eu estava segurando duas espadas curtas de dois gumes, e pude atacar com ambas as mãos. Um dos cães pulou para cima de mim e fiz um ferimento fundo semireto em seu peito, e ele ganiu de dor, parando de me atacar por um segundo, o que foi suficiente para que eu pulasse para cima do segundo e fincasse uma das espadas em sua cabeçorra monstruosa. Assim que o monstro parou de espernear e morreu sob meu corpo, pulei dele e ataquei o outro, que já estava se recuperando do choque inicial e partia para o ataque em direção a Marie Jean.

– Ah, não vai não, desgraçado... – Grunhi, pulando em suas costas, cruzando as duas espadas diante de seu pescoço grosso como um tronco de árvore e puxando-as para mim, decapitando o bicho. Sua cabeça pendeu presa apenas por um pedaço de pele, e o corpo despencou no chão. Marie estava enfrentando um cão apenas, e estava indo bem. Fred não estava nada bem: lutava com três cães ao mesmo tempo.

Corri em sua direção e pulei nas costas do mais próximo de mim, fincando uma espada na sua cabeça e passando a outra pelo seu pescoço, cortando sua jugular. Enquanto o cão desfalecia, ainda sem ter despencado ao chão, fiquei de pé em suas costas e pulei na do outro próximo, no momento em que ele se empinava para atacar Fred. Minha espada rasgou sua pele e desceu por toda a extensão de suas costas, fazendo com que as vísceras do bicho se tornassem visíveis e jorrasse sangue para todos os cantos, inclusive em mim. O monstro morreu quase que instantaneamente.

Mas nem eu e nem Fred fomos suficientemente capazes de parar o maior e último. O bicho ficou sobre as duas patas traseiras, e com suas garras pontudas, rosnando, arranhou o ombro de Fred, que caiu berrando de dor. Não contei um segundo antes de fincar as espadas do jeito que consegui no bicho, acertando a lateral de seu corpo e a lateral da cabeça; ele ganiu uma última vez e caiu.

Olhei rapidamente ao redor. O cão que atacou Amelia estava morto no chão e ela corria em minha direção. Andrew havia acabado de matar um, e se preparava para matar outro, que encurralava Marie Jean. Harry, com agilidade, matou dois de uma vez só, lutando com duas espadas como eu. Em seguida, correu em direção a Andrew, mesmo que o outro não precisasse de ajuda: Marie fincou sua espada no peito do bicho, enquanto Andrew fincava a dele nas costas; o monstro foi empalado.

E Fred berrava de dor.

Ajoelhei-me ao seu lado e vi três arranhões gigantescos descendo de seu ombro esquerdo até seu abdômen, sangrando.

– O que nós faremos? – Perguntei quando Amelia se ajoelhou ao meu lado.

– Pegue-o e carregue-o até a caverna, lá prepararei um remédio para aliviar sua dor.

– Aliviar a dor? E se o veneno o matar? Que eu saiba, cães infernais são letais! – Exclamei.

– Isso não vai matá-lo! Confie em mim! – Ela exclamou. Levitei Fred com magia, e logo senti o peso aliviar com Marie me ajudando a fazer o feitiço. Juntos, todos corremos para a caverna, deixando um rastro de gotas de sangue no chão. Logo estávamos dentro da caverna, e Amelia a iluminou com magia, apontando para que deixássemos Fred na cama de madeira, enquanto ela corria para as prateleiras e mesas, pegando frascos e ervas aqui e ali e começando a trabalhar freneticamente.

– Harry, eu quero que limpe os ferimentos de Fred com estes frascos aqui. Você já sabe o que fazer. – Ordenou Amelia, apontando para dois pequenos frascos contento líquidos roxos e brancos. – Ethan, Marie, verifiquem se vocês e os outros não possuem ferimentos, e se tiverem, se curem com magia.

– E Fred? – Perguntou Marie.

– Eu vou salvá-lo. – Disse Amelia. – Arranhões podem matá-lo, dependendo da profundidade, mas aparentemente os ferimentos dele não são letais. Apenas trarão efeitos colaterais para ele.

– Que tipos de efeitos?

– Eu não faço ideia. É algo imprevisível. Vamos rezar para que eu consiga conter o veneno para não afetar nada sério em seu organismo. – Disse Amelia, ficando em silêncio e trabalhando o mais rápido possível. Curei meus arranhões e os de Andrew, e Marie curou os dela e observou Harry trabalhando com sua frieza de médico, cheio de hematomas e arranhões, e o curou também.

E nós não tínhamos mais o que fazer, a não ser esperar e observar. Ouvir Fred berrando de dor enquanto suas forças se esvaíam era o pior. Não fazia ideia de como ele ainda estava aguentando aquilo tudo consciente. Deve ser efeito do veneno infernal dos cães: causar extrema dor a vítima, mas de uma forma que a deixe consciente e não alivie um segundo sequer, a não ser que ela morra. É cruel.

Uns dez minutos depois, o que pareceu uma eternidade, Amelia corria para Fred e o fazia beber grande parte de uma poção, e o resto pingou nos arranhões. Instantaneamente Fred parou de gritar, mas murmurava coisas sem sentido e se mexia de um lado para o outro, transpirando excessivamente.

– É o melhor que eu posso fazer. Fred vai passar uma noite difícil. Pela manhã, poderemos ver o que o veneno causou nele. Sugiro levá-lo para a casa de vocês, para que ele tenha mais conforto, e vocês possam dormir mais um pouco. Marie também irá para casa, descansar.

– Eu não vou conseguir descansar. Ficarei ao lado de Fred durante a noite, caso ele precise de algo. – Disse Ethan.

– Digo o mesmo por mim, mãe. Não vou conseguir dormir. Não enquanto não ver Fred bem.

Amelia suspirou.

– Tudo bem. Não vou conseguir discutir com vocês dois mesmo... Que seja. Levem-no para lá e cuidem dele. Qualquer coisa, vocês me chamam em casa. Eu vou tentar dormir.

Assentimos e voltamos para casa, ouvindo os murmúrios débeis de Fred.

Aquela seria uma noite muito longa.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?