Ad Limina Portis escrita por Karla Vieira


Capítulo 12
Tortura


Notas iniciais do capítulo

MEU DEUS! Mil perdões! Eu me perdi e acabei postando os capítulos errados! Me perdoem!



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Andrew Cooper POV – Entardecer de 08 de Novembro.

Observei as prateleiras novamente. Meu corpo inteiro tremia ainda fraco e agora nervoso. Agora eu sabia que deveria desconfiar do que parecesse bom. Um frasco chamou minha atenção. Era largo, mas baixo, e redondo. O líquido dentro era escuro, quase negro. Segurei-o na mão, e era morno, e não cheirava muito bem. O cheiro parecia daqueles remédios terríveis caseiros que mãe faz quando o filho está doente. Resolvi testar. Tomei tudo de um gole só, sem parar para respirar.

Fiquei zonzo na hora, e me apoiei na mesa.

- Andrew... Andrew... – Uma voz chamou. Uma mulher baixa, de cabelos lisos e escuros surgiu. Tinha um rosto sereno, carinhoso. Ela sorria para mim. Minha mãe. – Venha, querido, o jantar está pronto!

E então seus olhos ficaram vermelhos, seus dentes se alongaram e suas unhas viraram garras. Sua voz engrossou.

- Hoje o jantar será você! – Ela rosnou, avançando para cima de mim, porém seu corpo atravessou o meu e sumiu.

- Andrew! Andrew!

- Pai? – Chamei, virando-me. Lá estava ele, uma versão mais velha de mim mesmo, de braços cruzados me olhando. Ao lado dele, estava minha irmã mais velha, Doniya, que havia morrido em uma missão. Ele sorriu, e de repente virou um demônio como minha mãe havia virado, estrangulando Doniya e rasgando-a com suas garras. Em seguida, ele avançou para cima de mim, desaparecendo como minha mãe havia desaparecido.

- Hey, Andrew! – A voz de Harry chamou. Virei-me na direção de sua voz, e ele estava abraçado a Kensi. – Você é corno! Ela me prefere!

E os dois começaram a se beijar, arrancando suas roupas na minha frente. Avancei para cima dos dois, berrando, e eles desapareceram, e bati com força na parede, fechando os olhos e desabando no chão. A textura do chão estava diferente, molhada, e abri os olhos para me deparar com o chão coberto de sangue, e todos os meus amigos e minha família, todos mortos numa pilha no canto, com seu sangue escorrendo por tudo. Levantei-me, correndo, procurando uma porta, mas deslizei no sangue e caí novamente, chorando.

- Levante-se, Cooper! Ou você é fraco demais para se levantar? Seu fraco! Inútil! – A voz do Mestre começou a gritar. Olhei para cima e lá estava ele, com aquele rosto cruel virado em um demônio como os outros, gritando comigo. A boca dele se escancarou, e aranhas começaram a sair de dentro dela, caindo para cima de mim. Gritei de terror, tentando me levantar, tentando fugir das aranhas, dos corpos mortos, mas apenas escorregando no sangue e caindo de volta no chão. O cômodo começou a girar, as paredes pareciam cada vez ficarem mais próximas de mim, e as vozes desdenhosas e malignas de todos eles não saíam dos meus ouvidos. “Corno!” “Inútil!” “Fraco!” “Eu vou matar você!”. E, além de todos os gritos, ouvi uma badalada de sino.

- Parem... Por favor, parem... – Murmurei, querendo morrer. Querendo acabar com todo aquele sofrimento. As aranhas subiam pelo meu corpo, entravam por baixo da minha roupa, me mordiam. Gritei, e pela minha boca escancarada elas começaram a entrar. Levei a mão ao cinto, onde a adaga estava, e a peguei, chorando e gritando, querendo acabar com aquilo de uma vez. Levantei a adaga, na direção do meu coração, e a baixei com força, perfurando meu peito. Berrei.

E tudo acabou. As aranhas sumiram. Os corpos mortos, o sangue, as vozes. Todos sumiram. Eu encarava o teto, respirando rapidamente, com o coração acelerado. Olhei para o meu peito e não havia ferida alguma. A adaga estava presa ao cinto. Nada daquilo havia acontecido.

E uma badalada soou. Era a terceira, provavelmente a quarta. Eu não tinha muito tempo.

Seguei as minhas lágrimas com as costas da mão, e me coloquei de pé, percebendo que estava trêmulo e fraco demais para me manter daquele jeito. Cambaleei, quase voltando ao chão. Apoiei-me na mesa e respirei fundo uma, duas, três vezes. Fechei os olhos, tentando me concentrar, e a imagem de Kensi, sorrindo, surgiu na minha mente. Eu precisava ficar forte. Por ela.

“Vamos lá, tigrão. Mostre-me tudo o que você pode fazer”. A voz dela surgiu na minha mente, provocativa, de uma das minhas lembranças. Eu havia respondido “A tigresa pode se assustar... De tigresa vai virar gatinha!”.

Olhei para as prateleiras e um frasco me chamou a atenção. Estava escondido entre dois frascos maiores e idênticos. Este em questão era minúsculo, devia ter cinco centímetros de altura por dois de largura. O líquido era alaranjado, mas tinha manchas negras. Como um tigre.

Levantei-me e estiquei o braço para pegá-lo. Estava em uma das prateleiras mais altas. Na minha mão, senti que era morno, e tinha o cheiro dela. O cheiro de Kensi. E eu soube que era aquele que eu estava procurando. Tomei-o de um só gole, e esperei.

Um brilho alaranjado surgiu ao meu lado esquerdo, e uma porta de madeira, com aparência de nova, surgiu.

Eu conseguira.

- Estou indo buscar você, tigresa. – Eu disse alto, e sorrindo, abrindo a porta e entrando. A porta se fechou atrás de mim, sumindo, e eu quase morri queimado.

Porque um dragão soltou um jato de fogo direto na minha cara.

Abaixei-me rapidamente, mas as chamas atingiram as pontas do meu cabelo. Apaguei o fogo apalpando o cabelo, e saquei a adaga. Era tudo o que eu tinha para lutar contra aquele dragão. Tinha uns três metros de altura, e um três de comprimento. Era todo e completamente cheio de escamas esverdeadas. Sua boca era gigante, cheia de presas afiadas e seus olhos eram ferozes, de um tom de verde intenso. No seu dorso havia espinhas grandes e pontudas, do tamanho de uma vassoura, também verdes intensas.

Eurídice, a ninfa, havia caprichado na minha tortura.

O dragão rugiu e eu me joguei para o lado, sabendo que ele lançaria mais chamas. Por todo o cômodo gigantesco haviam esqueletos tanto humanos como de outros animais. Havia espadas, maças, escudos e lanças jogados por todo o canto, quebrados e/ou enferrujados. Aquele dragão devia ter, no mínimo, quinhentos anos. E lutava contra um cara de vinte. Legal.

Peguei uma espada que estava no chão, próxima a mim, e me levantei. O Dragão avançou para cima de mim, e eu me joguei para debaixo do seu corpo, para seu abdômen, a única parte que não era protegida por escamas. Brandi a espada, mas tudo o que ela fez foi arranhar o réptil gigante de leve, irritando-o. Ele colocou a cabeça para baixo do corpo e soltou fogo na minha direção. Desviei, mas a barra da minha calça começou a pegar fogo, queimando minha pele. Rasguei com a adaga a parte em chamas e a joguei longe, sentindo a panturrilha arder insuportavelmente por causa do ferimento. Mas, se eu não me mexesse, não seria apenas a panturrilha a ficar queimada.

Eu estava à beira da exaustão total, tanto física quanto psicológica. O que não me deixava desistir e deixar ser devorado por aquele dragão era o fato de Kensi estar me esperando. Estar precisando de mim.

- Vamos lá, grandão, mostre o que você é capaz. – Eu disse pra fera. Girei a espada na mão e me posicionei. O dragão podia ser grande, forte e soltar fogo, mas era lento para se virar naquele cômodo um tanto quanto pequeno para ele. Eu tinha essa vantagem.

Comecei a correr e subi pelo rabo do bicho, equilibrando-me e apoiando em suas espinhas dorsais gigantes. Ele pinoteou e eu segurei em uma espinha, porém deixei a adaga cair, ficando só com aquela espada velha, meio enferrujada. Voltei a me locomover acima dele, até chegar ao seu pescoço. Abaixei a espada com força, golpeando seu pescoço, mas a espada apenas riscou as escamas, produzindo faíscas. Ele pinoteou de novo, e sem ter onde me apoiar, despenquei de seu pescoço, caindo de uma altura de mais ou menos dois metros e meio. Bati com as costas no chão, deixando a espada escapar para longe, e berrei de dor, chamando sua atenção.

O dragão se virou para mim, e abriu sua boca gigante, exibindo seus dentes do tamanho do meu braço e afiadíssimos. Olhei para o lado, entrando em desespero, e encontrei uma lança no alcance da minha mão. Peguei-a e golpeei sua boca aberta, ficando a lança no céu da boca. A besta rugiu e virou-se para o lado, contorcendo-se. Levantei-me rapidamente e corri, tendo que desviar subitamente de seus pés gigantescos que pisoteavam tudo no seu desespero, e do rabo.

Consegui alcançar uma espada e observei o monstro, pensando rapidamente. Se conseguisse golpear seus olhos, eu poderia ter uma vantagem, tendo apenas que andar mais em silêncio para não atrair sua atenção. Respirei fundo, tomando ar, e pulei nas suas costas novamente, segurando uma espinha dorsal. Consegui me estabilizar mesmo com os pinotes dele, e fui me agarrando em suas espinhas e caminhando lentamente até seu pescoço. Lá, consegui mirar e abaixar a espada em um dos olhos. A criatura berrou e pinoteou, e me agarrei em seu pescoço para não cair. As escamas afiadas rasgaram a manga da minha camiseta, e perfuraram a pele. Senti arder e o sangue escorrer, mas isso não me faria largar do pescoço daquele bicho.

Por sorte, consegui manter a espada na mão. Levantei-a e golpeei o outro olho, e desta vez, não consegui me segurar. Despenquei de novo, caindo de lado e rolando no chão, a espada novamente fora do meu alcance. Mantive-me no canto da sala, quieto, tentando recuperar o fôlego enquanto a criatura rugia, rosnava, pinoteava e pisoteava tudo sem enxergar nada.

Segurei uma lança e uma espada que estavam por ali, e esperei a criatura se acalmar. Assim que ela parou, passou a fazer um som estranho. Era agudo, estridente, e por alguma razão apertava meu peito. A criatura estava... Chorando?

Não podia me abalar com aquilo. Fora que, se eu o matasse, eu estaria lhe fazendo um favor, provavelmente. Eurídice obviamente não cuidava da criatura, que devia estar morrendo de fome há muito tempo. E também se via os maus tratos que ela sofria, pois havia uma corrente machucando as suas patas traseiras, e as paredes estavam todas cheias de marcas de garras. Acho que o dragão tentou fugir. Não é para menos. Seu lugar não é preso dentro de um cômodo gigante, sem poder voar nem nada. Ele devia estar solto.

Aproximei-me lentamente, tentando não fazer barulho. O dragão ainda emitia aquele barulho, e eu pude jurar que vi lágrimas caindo de seus olhos enormes. Parei bem debaixo de onde eu achava que era seu coração – eu podia ouvir o barulho. Respirei fundo.

- Desculpe-me, grandão, mas eu preciso fazer isso. – Eu disse, e finquei a lança e a espada ao mesmo tempo em seu peito. Desta vez, as lâminas perfuraram sua pele, e ele guinchou. Tentei correr, desviando de suas patas enormes, enquanto ele rugia e cambaleava, morrendo. Comecei a chorar de pena e remorso. Seu rabo me atingiu, e eu caí no chão, protegendo minha cabeça quando a criatura desabava no chão, fazendo o cômodo inteiro tremer. Esperei alguns segundos e me levantei, ainda chorando.

O dragão estava morto, caído de lado, com a lança e a espada em seu peito, e alguns arranhões feitos pela sua pata. Ele havia tentado tirar as armas dali. Havia tentado sobreviver. E eu havia matado a criatura mais bela e mortífera que eu já havia visto por causa daquela maldita ninfa. Encostei-me a parede, procurando recuperar meu fôlego e minhas forças, pois sabe-se lá o que mais Eurídice queria que eu fizesse.

Uma porta se abriu em uma parede, e eu andei até ela. Acabei saindo no corredor, onde me sentei no chão, tentando parar de chorar. Tentei respirar fundo e me acalmar, usando as tiras que restavam das mangas da camiseta para secar e limpar meu rosto sujo de poeira. Um brilho dourado iluminou o corredor, e pude ver uma porta se materializar no final. Junto com a porta, a ninfa Eurídice surgiu.

- Só falta uma prova, jovem Orfeu. Uma prova e terás a sua Eurídice de volta. Quer desistir agora? – Perguntou suavemente. Olhei-a com raiva e desprezo.

- Nunca.

Levantei-me e caminhei até onde a ninfa estava, encarando-a, e ela desapareceu.

- E depois eu que sou covarde... – Resmunguei, abrindo a porta.

Era um cômodo comum. Era limpo e bem iluminado, ao contrário do restante da mansão. Havia tapeçarias nas paredes, com cenas de mitos gregos. Minotauro e Teseu, Medusa e Perseu... Eurídice e Orfeu. O chão estava coberto por um carpete vermelho escuro, e no teto pendiam três lustres totalmente acesos e limpos. Havia plantas vivas e bem cuidadas espalhadas por todo o salão, e no centro deste, uma mesa com duas cadeiras. Sobre a mesa, havia dois cálices. E em uma cadeira, estava sentada Kensi, chorando.

- Kensi! – Corri para ela, mas fui impedido na metade do salão. Ela se levantou e tentou correr, mas foi impedida pela mesma razão. Uma parede invisível separava a nós dois. – Você está bem?

- Estou. Eurídice me submeteu a algumas provas, mas eu suportei por você! E você, tigrão? Está bem? Ai meu Deus, você está ferido! O que você fez com ele, sua ninfa desgraçada? – Gritou Kensi. Eurídice apareceu.

- Eu? Não fiz nada. Estas foram as consequências dos testes dele. – A ninfa respondeu, inocentemente.

- Deixe a gente ir! – Kensi implorou. – O que você ainda pode querer de nós?

- Apenas mais uma prova. Mais uma, e vocês estarão livres. – Disse ela, sorrindo. – Sentem-se, por favor.

Relutante, sentei em uma cadeira, enquanto Kensi sentou-se na outra.

- É o seguinte: em um cálice há veneno. No outro, há água. Os dois cálices devem ficar vazios, mas cada um só pode beber de um cálice. Entenderam?

- O quê? Enfrentamos tudo isso para no final, você matar um de nós dois? – Berrei. Eurídice sorriu.

- Cumpram a prova e verão. – Ela sorriu, e desapareceu.

Olhei para Kensi, desesperado.

- O que nós vamos fazer? – Perguntou baixinho, a beira de lágrimas. – Não sabemos qual cálice é qual...

- Eu vou beber o meu. Se não for o veneno, eu bebo o seu.

- Ela disse que nós podemos tomar de um cálice só. – Disse Kensi. E de repente, ela pareceu entender. – Esses cálices estão pela metade. Um de nós pode colocar os dois conteúdos em um cálice só e tomá-los.

- Ainda assim não resolve o problema de que um de nós morrerá. – Retruquei. – E eu não vou deixar você morrer.

- E eu não vou deixar você morrer. – Ela retrucou. Ficamos em silêncio, e eu estiquei minha mão até a dela, conseguindo segurá-la. Kensi chorava.

- ANDREW! OLHA! – Ela apontou para frente, desesperada. Virei-me assustado, mas não havia nada. Virei-me rapidamente, apenas para encontrá-la virando o conteúdo do meu cálice no seu e tomando-o rapidamente.

- KENSI! NÃO! – Berrei, mas era tarde demais. Ela havia engolido o conteúdo inteiro.

- Desculpe, tigrão. Mas ver você morto é algo que eu não poderia suportar. – Kensi sorriu. – Eu amo você.

Ela fechou os olhos e caiu da cadeira.


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