Não prolongamos demais o encontro, até porque tanto nós, quando o grupo de Nate, tínhamos coisas mais importantes para fazer. No nosso caso, buscar suprimentos para no mínimo duas semanas. O susto de pensar que os nossos novos amigos poderiam ser buscadores, havia passado e o clima dentro do carro estava mais leve do que nunca.

Melanie ainda tagarelava sobre como ficara assustada quando vira nosso carro ser cercado, enquanto Jared lhe dava corda para continuar o assunto e Ian resmungava sobre não ter gostado da forma que Cal me olhou. Era difícil convencê-lo de que eu não tinha olhos para nenhum outro homem. Humano ou não. Eu tinha plena certeza de que ele sabia que eu o amava, mas a dúvida parecia ser uma coisa comum entre os humanos, a espécie com sentimentos mais complexos, em que eu já tinha me hospedado.

Quando Jared estacionou o carro em um beco, onde não chamaria tanta atenção, eu pude finalmente sair do mesmo e esticar minhas pernas depois de mais de três horas de viagem.

Ian, Jared e Mel permaneceram no carro, enquanto eu me dirigia para o supermercado, exatamente como eu havia feito messes atrás.

O supermercado não estava tão cheio como estava na primeira vez que eu estivera ali, apenas algumas almas conversavam umas com as outras, pegando vez ou outra algo para colocar em seus carrinhos de compras. Imitei seus gestos, tentando ser o mais discreta possível, principalmente quando notei que meu carrinho estava ficando cheio rapidamente. Mas nós não eramos desconfiados, ninguém nunca saberia que eu estava ali, pegando alimentos para que meus amigos humanos não corressem risco enquanto assaltavam alguns de nossos lotes.

Quando finalmente terminei de pegar o necessário, atravessei a porta de saída, cumprimentando rapidamente com a cabeça os seguranças posicionados devidamente em seus lugares. Eu mal respirava devido ao que acontecera horas antes, mesmo sabendo que estava tudo bem e que as pessoas que nos cercaram não eram Buscadores. Mesmo assim não estava completamente segura e não ficaria até Ian estar sã e salvo na caverna.

Me aproximei do furgão, ainda empurrando o carrinho discretamente, quando Jared pulou para fora do mesmo e me ajudou com as coisas. Suas mãos eram rápidas e ele parecia ser extremamente experiente em fazer isso. Quando terminamos de colocar as coisas no porta malas e eu pude voltar para dentro do carro e voltar a respirar, apertei a mão de Ian enquanto escutava ele dizer que eu estava ficando boa naquilo.

– Ainda insisto em dizer, que a Peg deixa isso sem graça. - Jared murmurou enquanto ligava o motor, levando um tapa no ombro de Melanie que olhou para trás enquanto ria do comentário do namorado.

– Ele está brincando não está, Jared? - Jared assentiu ainda rindo. - Tenho que concordar com o Ian, você é ótima nisso!

– Obrigada, Mel. - Devolvi seu sorriso completamente envergonhada.

A viagem de volta foi completamente tranquila, mas ainda assim meu coração se apertava e se aliviava à cada quilometro que ultrapassávamos. Uma música antiga escapava pelos auto falantes do rádio e Ian parecia sabê-la de cor. Seu jeito desafinado fazia com que Melanie e eu rissemos, afastando quase que de vez aquela sensação de insegurança.

Mas ainda assim, coração só se aliviou completamente quando Jared estacionou o carro perto das rochas. Estávamos em casa. Na nossa casa.

Em todos esses anos que eu peregrinei por vários planetas, nunca tinha encontrado um lugar para chamar de lar. Até chegar à Terra. Aquela pequena figura oval que planava pelo universo e que nós, almas, tínhamos tanta curiosidade em conhecer. Mas nenhum de nós imaginou que íamos nos envolver tanto e amar tanto um lugar como esse, com hospedeiros rebeldes e cobertos de fúria. Nunca fora nossa intenção mudá-lo, queríamos melhorá-lo, conhecê-lo, mas só agora eu pude notar que não havia o que melhorar. A terra não era mais apenas aquela figura perdida no universo, da qual nós só sabíamos uma coisa: que aquela espécie seria a mais complicada para se adaptar à nós, ela ia muito além disso. Era uma vastidão de sentimentos nunca imaginados por nós. Sentimentos puros e verdadeiros, que iam muito além da guerra da qual ouvíamos falar, sentimentos que nem todos eram merecedores, mas os que os tinham eram imensamente felizes. E eu, a alma rebelde, fora uma das presenteadas. Eu estava apaixonada.

Sem ajuda de Melanie eu não saberia o que eu estava sentindo. Era uma mistura de dor de estomago com dor de cabeça. Intenso demais.

Ian pegou minha mão no momento em que descemos do carro, afastando meus pensamentos, exatamente como fazia praticamente o tempo todo, mas eu não reclamava, gostava de sentir seu toque.

Jared e Melanie ficaram um pouco distantes de nós, no caminho para a caverna. A caminhada foi silenciosa, estávamos cansados demais. Tudo o que precisávamos, era de uma boa noite de sono.

Jared reclamava baixo para Melanie sobre o peso da sacola o que a fazia rir e chamá-lo de algo parecido com viado. Eu não sabia muito bem o que isso significava, mas parecia um xingamento pela forma que ele respondeu. Algo como "mais tarde vou deixar de ser". Era algo malicioso, porque vi o rosto de minha amiga corar, por cima de meus ombros. Ian também notou o rumo da conversa, e comentou baixo em meu ouvido.

– A noite vai ser boa.

Outro comentário malicioso e eu não pude fazer nada além de rir. Eu estava confusa, mas não era tão boba à ponto de não saber do que ele estava falando. Me lembrava bem das imagens que Melanie mostrou quando eu estava na cabeça dela. E eu sabia também que era algo como aquilo que iria acontecer essa noite.

Jeb estava esperando na porta da caverna e acenou sorrindo quando nós nos aproximamos. Jamie notou a agitação do tio e parou ao seu lado, imitando o mesmo sorriso do mesmo enquanto gritava o nome de Melanie, que correu para alcançá-lo, deixando um Jared resmungão para trás. Em seguida, a próxima vitima do abraço esmagador de Jamie, fui eu. Ele passou os braços sobre meu pescoço, logo depois de empurrar Ian para o lado de uma forma brincalhona, e me deu um beijo na bochecha. Sorri com o seu ato, como eu poderia estar tão feliz?

Entramos na caverna lentamente, praticamente arrastando nossos corpos. Na primeira ala, Kyle se aproximou pegando algumas sacolas das mãos de Ian e Jared, ainda meio incomodado com a minha presença, porém, o clima entre nós não era mais tão tenso. Um fato que eu agradecia imensamente.

Jared comentava com Jeb sobre a abordagem que sofremos mais cedo, o que o deixou apreensivo antes que Ian o acalmasse dizendo que eram apenas mais um grupo de fugitivos. A frase de Ian fez um sorriso brotar nos lábios de Jeb, um sorriso que não víamos com muita frequência.

Um sorriso de esperança.