O Príncipe Cinza escrita por Micaela Salvya


Capítulo 13
Fui Tirado da Lista dos Bonzinhos do Papai Noel


Notas iniciais do capítulo

Fui Tirado para Sempre da Lista dos Bonzinhos do Papai Noel*



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– Eu sinto muito pela sua escultura de cavalo.

Os pedaços ainda estavam espalhados pelo chão.

– Na verdade este era o meu pai.

Cordelia soltou um chiado entre um engasgo e uma risada.

– Não se preocupe, eu tambem não achava que parecia com ele. - disse ele como se estivesse contando um segredo. Seu sorriso era confortador. - Podemos começar então? Sentem-se.

Me voltei ao sofazinho e me acomodei ao lado de Alice. Arina me mandou um olhar reprovador. Alice ainda observava inquietamente o príncipe. Ícarus encontrou seu olhar por um momento e se eu não houvesse prestado atenção não teria visto os olhos dele mudarem do castanho para o dourado em segundos. Ela rapidamente desviou o olhar. Alice tinha os olhos verde reluzentes e seu cabelo era um tom entre o castanho e o laranja. Ela tinha pouquíssimas sardinhas e um belo sorriso.

Segurei minha risada inteior, isso era interessante.

– A verdade é que eu precisava conhecer a filha da Grande Caçadora que sua mãe foi e não havia oportunidade melhor. Sabia que sua mãe revelou um atentado contra mim? De qualquer maneira, quero que depois do Baile dos Laços você cumpra sua primeira missão para mim. Eu não podia arriscar te mandar uma mensagem, além do mais estava curioso para te conhecer. Pelo jeito até enfrentar Sombras é algo hereditário, seus pais eram bons nisso.

As mensagens em Core eram escritas no ar com uma caneta especial, porem só eram seguras dentro de uma determinada quilometragem.

– O que me dizem de passarem a noite aqui? Não é comum eu fazer convites, mas o castelo é grande e eu acredito que não possua muito tempo disponível para falar sobre essa tal missão. De qualquer maneira, vocês serão nossas convidadas, podem até mesmo treinar na sala de armas se sentirem entediadas. Ou visitar as alas do castelo, mas devo avisar de que estejam acompanhadas, este é um lugar muito grande para ficarem perambulando sozinhas. E não digo por cavalheirismo, temos muitas entradas secretas que não têm caminho de volta.

– Obrigada pela oferta Vossa Alteza.

– Ícarus. Só Ícarus está perfeito.

–---

Com o tempo restante que tivemos com a senhora de cabelos alaranjados e seu neto conversamos sobre eventualiades, nada muito importante, ele me perguntou se o Continente era muito diferente, se eu já sentia saudade, se eu estava gostando de Core, se tinha gostado da comida etc. Alice não conversou muito passou a maior parte do tempo quieta, o que era no mínimo estranho de sua parte. Ela fez algumas perguntas sobre o Conselho para a Mãe Cordélia e pareceu encantada de ter depassar anoite no castelo, mas recusou, já que sua irmã não poderia ficar tanto tempo sozinha. Cordelia então insistiu e Alice foi até a cidade para buscar as nossas coisas e Fliz.

–--

Depois de visitar algumas alas do castelo com a avó do príncipe, decidi que seria melhor abrir uma porta para o Continente. Arina concordou que seria uma boa ideia, mas disse que não viria comigo porque ela mesma precisava ir a um lugar pela sua própria porta. A visão ainda me encantava, a madeira esculpida, as flores subindo pelas laterais, o leve cheiro de maçãs, a semelhança de sua aparência com sua antiga dona me fez nostálgica. Passei pelo batente eacabei de volta a casa enorme quepertencia aos Chevalier.Eu estava exatamente perante a porta da biblioteca no primeiro andar.Abri a porta devagarzinho e espiei. Iria ser tão estranho se alguém mais além de Fin estivesse ali, pois eu teria de explicar muito mais do que o esperado. Eu estava pronta para contar toda a verdade a ela. Tudo que eu omitira delaem nossa ultima conversa. Serafina estava sentada no chãona fileira das estantes deFicção apoiadalendo um livro. Reconheci a outra metade arrancada do Livro dos Contos. Mas o que...?

– Fin? -perguntei num sussurro olhando ao redor, procurando por qualquer outra pessoa na sala.

Laura? Laura! Oh meu Deus, é você mesmo! O que está fazendo aqui? Pensei que estivesse viajando.

– Eu estou... é complicado.

– Eu tenho todo tempo do mundo. Pode começar do começo. - Fin levantou do chão e se sentou na poltrona já esperando pela minha historia.

– OK, tudo começou a algumas semanas atrás...

Contei tudo a ela. Cada detalhe, cada traço exuberante de Core. No começo elapareciaduvidosa. Provavelmente pensando que eu estava brincando com ela, mas depois ao percebera riqueza de detalhes, a coincidência comos acontecimentos que ela conhecia, ela soube que eu estava dizendo a verdade. Contei tambémsobre o assassinato, sobre aquele dia. Por incrível que pareça ela já parecia esperarpor algo assim. Não houvegrande surpresa. Quando eu terminei ela estavapensativa.

– Você pode me mostra a porta?

Em um segundo esta se materializou no ar.Seus olhos estavam brilhantes e eu soube que estava prestes a chorar.

–Prometa que nunca mais vai mentir para mim.

– Eu não irei mais mentir, eu prometo.

Nospegando de surpresa Tia Claudine entroupela porta da biblioteca. Como sempre, vestia-se impecavelmente. Seu vestido creme realçava sua influencia notada no ar ao seu redor. Essa imagem de poder e perfeição controlada era bem intimidante quando queria.

– Você não deveria estar na Academia? -perguntou Tia Cluo sem parecer surpresa com a minha presença.

– Você também sabe? Mas como...? -indaguei pasma.

– Meu bem, acha mesmo que eu deixaria você ir viajar por mundo afora sem me notificar primeiro de que estivesse segura e bem cuidada?

– Você sabia e não me contou? - perguntou Fin triste já sabendo a resposta para tal pergunta.

– Serafina, não fique triste, não era o seu tempo. Vejo porem, que agora com o que tem em mãos saiba mais do que antes, não? - disse a aristocrata referindo-se ao Livro dos Contos no colo de Serafina.

– Sim, acho que sim.

– Pois bem, boa sorte em abas as empreitadas que têm adiante.

Era minha impressão ou minha tia de repente estava com um sotaque diferente? Suas palavras também estavam mais difíceis.

– Talvez queiram finamente saber sobre a tal Profecia.

Tia Claudine caminhou até uma fileira mais escondida e pegou um livro velho. Ela abriu-o e dentro havia um espaço para guardar pertences. Era um esconderijo. Ela então tirou de lá um pergaminho velho e enrolado numa fita cor de bronze.

Fraqueza fora em vós a resistência

Por pura inocência e descrença perderam o arreio da tempestade

Do filho sombrio e do filho dourado,

soem pois, em alarde!

Uma faceta de ódio paira sobre criaturas nubladas

a Legítima retorna,

e o que era para ser puro uma farsa se mostra

Meio dia, três horas, seis e nove

a hora se aproxima, juntem exércitos em nome

Três erros, três acertos

Covardes, pois então enfrentem seus medos!

Pétalas congeladas, coração de bronze e uma faísca apagada,

cura para os corações solitários, do Continente já traga.

No caminho frágil encontrarão a Irmandade.

Três por três

Xeque-mate.

Depois de nos deixar dar mais uma estudada na escrita rabiscada, minha tia acrescentou:

– Não comentem sobre nada disso com meus filhos, não é chegada a hora deles.

E logo após dar um beijo no rosto de cada uma como costumava fazer a muito tempo atrás. Saiu da sala.

–--

O caminho estava escuro, mas não me importei. Eu conhecia aqueles túneis melhor que ninguém. Talvez fosse pelo simples motivo da falta do que fazer, ou talvez fosse o silencio. A paz que eu encontrava em me sentir sozinho. Continuei caminhando até que alcancei um setor, como uma câmara do tamanho de uma sala grande com no mínimo vinte pessoas. Poucos conheciam aquele lugar, já partindo do pressuposto que pouquíssimos conheciam os túneis em si que levavam a este lugar.

As paredes eram escuras e de algum metal, sistemas de ventilação zumbiam incessantemente, e o local era relativamente escuro. As luzes ficavam piscando e tudo parecia velho.

Com exceção da mesa com dez lugares que ocupava o centro do anexo. Somente pessoas de prestigio, como Sombras da Lua oficiais com altos cargos eram autorizados de se sentarem de fato. O resto se acomodava onde podia. Balcas estava sentado na cabeceira da mesa relaxadamente fitando o seu prato. Sua marca de Fumaça era uma das mais temidas. A maior parte das marcas poderiam ser encontradas em locais neutros do corpo, locais como a barriga, as costas, ou mesmo nas pernas. Porem quando a Fumaça se alojava em pontos quentes como os olhos, a cabeça, as mãos ou a coluna durante a cerimônia, o seu nível potencial na Irmandade aumentava drasticamente.

Balcas era um destes casos de prestigio. Sua marca se alojava no olho, em um deles, afetando não só o seu poder como também outras de suas habilidades como também sua visão. Ele era capaz de ver mais do que uma pessoa normal. Só nunca se soube o que. Ele não dizia e ninguém ousava perguntar.

Seu posto era um dos mais importantes depois dos Três Espectros. Em Core seu cargo era o mais alto. Sua capa além de ser negra possuía detalhes em volta da barra anunciando sua alta posição.

Comidas de diversos tipos estavam espalhadas pela mesa. Carnes, saladas, temperos, cozidos, caldos, molhos, sucos, doces e inclusive frutas fartavam a mesa. Apesar de tudo, pessoas como eu, príncipes amaldiçoados, traidores e bonitões não estavam na lista VIP, então eu não podia simplesmente chegar bater nas costas do chefão, me sentar na mesa e me fartar.

Na verdade eu poderia, mas só depois da cerimônia em que eu oficialmente me tornaria uma Sombra da Lua.

O problema era: eu precisava ter vinte e um.

Eu tinha dezenove.

Talvez isso fosse algo bom. Para a humanidade quero dizer, se eu com os meus meros dezenove já havia conseguido realizar todas as proezas que me tiraram para sempre da lista dos bonzinhos do Papai Noel, imagine com vinte e um.

É, o mundo estava melhor assim.

Cheguei mais perto e senti um cheiro maravilhoso em meio a tantas essências. No centro da mesa uma torta de massa folhada e creme doce de amêndoas me encantou. Não era aparência, era justamente o cheiro maravilhoso de algo suave, mas marcante. Como especiarias e canela.

Amêndoa era o tipo de semente que podia ser usado tanto para comidas salgadas quanto doces. Era justamente essa dinâmica que me atraia. Talvez não fosse realmente o cheiro em si, mas a recordação que me trazia de uma pessoa parecida com sua essência.

Argh! Meus pensamentos estavam indo para uma linha perigosa entre o sensato e o surreal.

Eu sou uma Sombra, lembra? E ela é definitivamente uma Caçadora que trabalha para proteger o reino, sem mencionar uma das Escolhidas da profecia.

OK. E qual era a chance dela ser a Caçadora predestinada a me enfrentar?

Na verdade muita alta, seu idiota.

Meu debate interno foi interrompido quando um grito muito desafinado para ser considerado soprano, e muito agudo para ser pertencente a um ser humano me ensurdeceu.

– Zane, amorzinho, você e eu nos encontramos finalmente.

Me virei devagar respirando para dentro, para fora. Ar dentro, ar fora. Meu estado emocional estava instável, meu equilíbrio e minha respiração estavam sendo altamente afetados por isso, eu não precisava de mais um fator estridente na soma.

Uma loira estonteante com um vestido quase transparente se encontrava conversando comigo. Meu tipo sempre foram as loiras. De preferência com vozes mais humanas, mas quem se importava com isso com uma garota como aquela? Até que eu reparei que ela era a única que não usava uma capa da Irmandade Nanquim e carregava o maior colar de esmeraldas já visto em toda minha vida. Eu estava surpreso em como sua postura estava reta. Mesmo.

Altamente surpreso.

Minha surpresa congelou em seu lugar e foi substituída por outra.

– VOCÊ?!– eu quase não a reconhecera.

– Ah, então você se lembra de mim?

– Sim, infelizmente. E para ser sincero eu preferia não tê-lo feito sua mágica de desconhecida estonteante estava sendo mais eficaz em mim.

– Eu estava pensando em oficializar o nosso compromisso. Uma petição formal e tudo.

– Ficou louca? Seu pai nunca vai te deixar casar com um desertor, e eu também não me oponho a esse argumento. – eu acrescentei baixinho com uma careta de nojo. Depois de me lembrar da megera que ela sempre fora, o seu encantamento acabou.

– Ele não pode dizer nada, ele também é um traidor.

– Eu sei disso, mas ele é uma figura ilustre, essa informação nunca vai vazar. Se eu casasse com você acabaria com o disfarce dele, e não queremos que isso aconteça, não é?

Ela fez um biquinho mal humorado. Alguns olhares foram atraídos para sua careta mimada muito bem maquiada. Eh, eu sabia sobre essas coisas porque passei muito tempo no Continente procurando pelas filhas da tal Caçadora e do Guarda Real da Coroa Celentina.

Cansei da conversa. E da loira também. Mandei um aceno de cabeça e fui comer. Ela poderia implorar por um tratamento verdadeiro da alta corte, que eu como ex príncipe poderia proporcionar perfeitamente, mas eu não daria. Se ela queria ser tratada do modo correto se envolveria com as pessoas corretas, não com a Irmandade. Fora do mundo dos lindos vestidos e das gigantes joias brilhantes ela não iria ter tratamento especial a não ser que ela se mostrasse uma Sombra eficaz. Enquanto isso ela não receberia nada mais.

–--

A verdadeira razão da reunião estava prestes a ser mostrada.

Eu sabia qual era essa razão principalmente porque ela tinha nome e um rosto.

Era um problema ambulante, para se assim dizer.

Balcas não disse uma palavra, se levantou e ergueu as mãos no ar pedindo silencio. Permaneci de pé enquanto assistia a maior parte dos membros que não estavam sentados na mesa, procurarem qualquer lugar para sentarem no chão mesmo. Preparei-me para o que estava por vir. Essa era a pior parte.

Sombras escureceram minha visão e pude ver o que Balcas vira na feira da rua principal de Core.

Laura.

Ou no caso, uma visão distorcida dela. Fumaça se erguia em todo redor, gritos e agonia, terror e risadas, o cheiro fétido e podre de carne morta quase me fez vomitar. Um serpentear frio como de um animal rastejante foi subindo pelas minhas pernas, se alimentando do calor do meu corpo.

Eu não deveria ter comido. Meu estomago despencou e meu coração triplicou de velocidade devido ao medo.

Puro, frio e horrendo medo.

E então vieram os sussurros.

Sussurros de todas as pessoas que eu já conhecera. Minha mãe, meu pai, meu irmão, meu primeiro professor de esgrima, minha avó, e ela.

Sua voz era de decepção.

Você acha que pode me derrotar? Me impedir de vencer? O que você tem além de uma capa idiota, um sobrenome real e um par de olhos assustadores? Sua risada seca me revirou por dentro. Você não é nada. Nada.

Eu tenho de ser sincero e dizer que não prestei muita atenção ao conjunto de imagens. O frio que subia pelas minhas pernas chegou aos meus joelhos e comecei a tremer, como se meus ossos fossem feitos de gelatina. Eu não conseguiria me manter de pé.

Por alguma razão algo nas imagens chamou minha atenção.

Uma capa verde grama estava jogada num beco. Balcas então não vira nada. Ele não me vira ajudar Laura.

Pude ver que ele abriu a mão. Sobre sua palma repousava um papel. Nele se lia.

Vicente Chevalier.

Essa era a verdadeira razão da reunião. Um aliado muito forte, dentro da casa dos Chevalier.


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