Suteki da Nee escrita por Yoruki Hiiragizawa


Capítulo 18
Se os olhos pudessem falar, um olhar diria tudo…


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: "If eyes could speak", interpretada por Devon Werkheiser.
Boa Leitura!



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SUTEKI DA NEE
por Yoruki Hiiragizawa

Capítulo Dezoito
Se os olhos pudessem falar, um olhar diria tudo…

 

Yelan abaixou os olhos do livro que lia ao ouvir o interfone tocar. Quem poderia ser? Não fazia nem quinze minutos que o filho saíra para ir à festa de aniversário que os amigos haviam organizado.

Ajeitou-se na poltrona, ao ouvir Wei dizer que 'quem quer que fosse' poderia subir e viu-o adentrar a sala.

"É a jovem Sakura, Senhora!"— informou, fazendo a mulher erguer as sobrancelhas.

"Pode deixar que eu a atenderei..."— levantou-se, deixando o livro sobre a mesa de centro e aguardou a chegada da jovem junto à porta.

"Ahm... Boa noite, senhora Yelan!" – foi cumprimentada por uma jovem um tanto sem graça.

"Boa noite, florzinha!" – indicou o interior do apartamento com a mão, pedindo à jovem que entrasse. – "Gostaria de entrar?".

"E-eu não quero incomodar...".

"Besteira! Você nunca incomoda..." – sorriu levemente, notando como a jovem olhava desconfiada para o interior do apartamento. – "Mas suponho que esteja com pressa para ir à festa, não é? Xiao Lang não comentou que você viria. Ele saiu não faz muito tempo...".

"Ahm... e-eu não..." – começou, vendo a mulher erguer levemente uma sobrancelha. Sentindo-se desconfortável, Sakura então se lembrou do por que estava ali. – "Eu só passei aqui para entregar isso..." – mostrou uma caixa. – "Eu havia prometido ao... ao Shaoran que faria a torta de chocolate do papai para ele hoje e..." – interrompeu-se, quando Yelan pegou o pacote de suas mãos.

"Ainda não fizeram as pazes, não é?" – o tom na voz de Yelan era um tanto aflito, mas ao mesmo tempo, parecia compreender a situação. – "Bem, tenho certeza que ele irá adorar o presente..." – após um breve instante de silêncio constrangedor, Yelan abriu um sorriso. – "Se não estiver com pressa, por que não entra para podermos conversar um pouco?".

Sakura hesitou brevemente, mas acabou aceitando o convite.

"Jovem Sakura, é um prazer revê-la!" – Wei cumprimentou-a ao entrar na sala carregando uma bandeja de chá, pães doces e biscoitos caseiros amanteigados.

"É muito bom ver o senhor também..." – a garota sorriu.

"Obrigada, Wei. Pode deixar..." – Yelan entregou a caixa ao mordomo. – "Sakura fez a famosa 'torta de chocolate do Sr. Kinomoto' para Xiao Lang..." – comentou em tom de brincadeira e voltou-se para Sakura sorrindo. – "Wei fez uma torta de chocolate semana passada, mas Xiao Lang ficava dizendo que não era tão boa quanto a do seu pai... Wei ficou bastante enciumado...".

Sakura riu, meneando a cabeça. Sabia muito bem o quanto ele adorava aquela torta.

"Receio que não será a mesma coisa, porque essa não foi meu pai quem fez..." – encolheu os ombros levemente.

"Tenho certeza que o jovem Xiao Lang gostará muito, de qualquer forma..." – o homem disse. – "Colocarei na geladeira, assim ele poderá comê-la amanhã..." – disse retirando-se. Yelan serviu o chá e entregou à Sakura algumas guloseimas.

"Sabe, eu estava mesmo querendo falar com você..." – Yelan disse, tomando um gole de seu chá. – "Eu prometi às meninas que levaria algumas fotos de Xiao Lang..." – ergueu uma sobrancelha conspiratoriamente. – "E que seriam, preferencialmente, constrangedoras..." – viu Sakura rir.

"Eu posso garantir que isso é o que não falta..." – a garota comentou divertida.

"O problema é que ele é muito teimoso e se recusa a me mostrar qualquer coisa de todo este tempo em que ele esteve em Tomoeda e eu já procurei em vários lugares, mas não consegui achar nada..." – mostrava-se indignada. –"Você, por acaso, não saberia onde ele as esconde, saberia?" – perguntou, vendo a jovem desviar o olhar.

"Eu não sei se..." – foi interrompida.

"Você sabe!" – viu a garota morder levemente os lábios, antes de concordar levemente com a cabeça. – "Você não vai me deixar voltar a Hong Kong de mãos vazias, vai?" – indagou com um tom de súplica que diferia e muito do olhar sagaz.

Sakura permaneceu insegura por um momento. Shaoran nunca a perdoaria se soubesse que mostrou o álbum de fotos para Yelan...

"Tudo bem... eu as pegarei para a senhora..." – levantou-se decidida. Nas atuais condições, não tinha porque se preocupar com o que ele pensaria.

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Sakura foi acordada pelo irritante som do telefone naquele domingo. Escondeu a cabeça debaixo do travesseiro, pensando que Touya poderia atender, mas lembrou-se que o irmão não estava em casa. Ele decidira fazer horas-extras no trabalho para poder sair de lua-de-mel sem se preocupar com nada na semana seguinte. Levantou-se em um pulo, mas precisou se sentar por um instante quando sua visão escureceu com uma estranha vertigem...

Pelo menos o telefone havia parado de tocar.

'Não isso outra vez...', suspirou. Vinha se sentindo daquela forma com certa frequência ao acordar e estava começando a ficar preocupada. A princípio imaginara que os mal-estares estivessem relacionados ao resfriado e à febre que a acometeram, mas fazia mais de uma semana desde que se recuperara e não deveria estar ainda tão fragilizada.

'Talvez eu não esteja me alimentando direito...', considerou, planejando o que faria para contornar a situação antes que o pai voltasse, na quinta-feira seguinte. Aquele pensamento a fez sorrir. Estava sentindo tanta falta dele.

Suspirando pesadamente, percebeu que sua visão voltara ao normal. Então, ajeitou o quarto e estava trocando de roupas quando ouviu o telefone voltar a 'gritar' lá na sala. Apressou-se em atendê-lo.

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'Por que o tempo demora tanto a passar quando estamos esperando?', Shaoran se perguntou, olhando, impaciente, para o relógio na mesa de cabeceira. Ele mal conseguira descansar aquela noite por estar agitado demais e quase não aguentava mais esperar. Desde que compreendera seus sentimentos, perguntava-se o que deveria fazer e, mesmo sem ter certeza, queria... Não!... Precisava falar com Sakura.

'Se ela ao menos não fosse tão dorminhoca...', lamentava-se. O tempo se arrastava enquanto ele observava a luzinha piscante do relógio digital, que parecia ter congelado às 08h27min da manhã. E, exatamente às oito e vinte e oito, ele havia tomado uma importante decisão. Pegou o telefone e discou o número já conhecido.

Ouviu chamar uma... duas... três... quatro vezes e a cada toque sentia-se mais nervoso. O silêncio no quarto parecia aumentar, pressionando-lhe os ouvidos ao ponto de sentir o coração ecoando e brincando de percussão em sua cabeça. Por fim, ouviu o toque longo e repleto de suspense dar espaço para a voz do Sr. Kinomoto na secretária eletrônica. Sentia o coração saindo pela boca quando desligou e precisou de coragem e calma para controlar a tremedeira enquanto discava uma segunda vez. O resultado foi o mesmo e ele, novamente, desligou sem deixar mensagem.

Sentiu-se ainda mais afoito e precisou dar algumas voltas pelo quarto tentando se acalmar, mas estava tendo o efeito contrário já que a cada passo dado sentia sua decisão começar a fraquejar. Antes que se arrependesse, voltou a pegar o telefone, mas não conseguiu completar a chamada, pois uma batida na porta o fez desligar.

"Sim?"— perguntou, imaginando que não poderia haver pior hora.

"Que bom que já acordou, Xiao Lang. Venha tomar o café..."— ouviu a voz de sua mãe e passou a mão pelos cabelos, suspirando. – "Temos algo especial hoje...".

Ele teve vontade de dizer que não estava com fome apenas para que ela o deixasse em paz, mas não o fez. Poderia conversar com Sakura mais tarde. Além disso, precisava mesmo se acalmar. Recompondo-se da melhor maneira que pôde, deixou o quarto.

Chegando à cozinha, encontrou a mesa arrumada com capricho ao redor de uma bela torta de chocolate decorada de maneira muito familiar. Surgindo de algum canto esquecido em sua mente, a lembrança de Sakura lhe prometendo fazer uma torta... aquela torta... surgiu como um relâmpago e seus olhos se arregalaram quando ouviu passos atrás de si. Seu coração batia descompassado e ele tinha a sensação de que poderia ser ouvido a um quilômetro de distância, mesmo que isso soasse exagerado. Engolindo em seco, tomou a coragem de virar-se e encontrou-se frente a frente com o sorriso gentil de... Wei.

"A torta parece tão deliciosa que foi difícil não comermos tudo sozinhos..."— Yelan brincou entrando na cozinha em seguida. Shaoran precisou buscar fôlego do fundo de seu ser.

"Quando...?"— começou, mas não conseguiu articular a pergunta.

"A Senhorita Sakura a trouxe ontem à noite..."— Wei respondeu servindo o desjejum. – "Disse-nos que é a sua preferida...".

"Ela tem razão..."— forçou um sorriso, sentando-se à mesa. Não tinha certeza se conseguiria comer com aquele caroço atravessado na garganta, mas faria o máximo para evitar que percebessem o que lhe consumia por dentro.

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Sakura apressou-se a sair assim que ouviu a buzina soar em frente ao sobrado amarelo. Calçou os sapatos e já estava trancando a porta quando ouviu o telefone tocar... outra vez. Suspirando pesadamente, decidiu ignorar o chamado indo até o veículo estacionado em frente ao portão. Um sorriso saudoso se formou em seus lábios.

"Esta não pode ser a minha Florzinha!" – espantou-se uma mulher. – "Eu não consigo acreditar!" – segurou-a pelas mãos, observando-a atentamente. – "Como você cresceu! Está tão linda!" – continuou, deixando a jovem encabulada.

"Obrigada, vovó!" – abraçou-a carinhosamente. – "Já faz tanto tempo... A senhora está maravilhosa!" – afastou-se um pouco para observá-la com carinho. – "Sempre tão elegante!".

"Ora, bajuladora..." – a mulher sorriu fazendo-a rir. – "É melhor nos apressarmos se quisermos aproveitar bem o dia de hoje..."

"Então vamos..." – entraram as duas no carro e um breve silêncio se instalou enquanto a mulher observava a neta com os olhos cheios de afeição. Espiando com o canto dos olhos, Sakura teve a impressão de ver os olhos da avó se encherem de lágrimas. – "Há algo errado?" – quis saber, preocupada.

"Não, não querida..." – sorriu, controlando as emoções. – "Apenas... Ah! Você está tão parecida com sua mãe..." – suspirou, vendo a neta desviar o olhar.

O relacionamento de Sakura com os avós não era fácil, mas ela os adorava. Contudo era irritante o fato de ser inevitável que acabassem comparando-a com a mãe. É claro que estava ciente das semelhanças entre elas, mas ela não era Nadeshiko e, diante do comentário, ficava sem saber como agir e sentia-se inadequada como se desapontasse alguém por ser ela mesma. Suspirando levemente voltou a encarar a avó, pronta para mudar de assunto.

"Eu fiquei surpresa por receber sua ligação esta manhã..." – ajeitou o vestido com cuidado. – "Não esperava vê-la antes do próximo sábado..." – comentou.

"Seu avô tinha negócios a tratar na cidade e decidi, no último minuto, que o acompanharia." – disse suavemente. – "Pensei que seria uma boa oportunidade para nos vermos."

"Fiquei muito feliz. Mas a senhora ainda não me disse aonde vamos..." – comentou curiosa.

"Não pensei em nada definitivo, você sabe... foi uma decisão repentina, e eu... Ahm..." – hesitou por um instante, encarando a neta. Sakura não gostou daquilo e tinha o pressentimento de que iria gostar ainda menos do que ouviria a seguir. – "O problema é que há um pequeno compromisso a ser cumprido primeiro...".

A jovem manteve o silêncio enquanto encarava a avó com uma sobrancelha levemente erguida. As coisas começando a fazer sentido em sua mente. O avô estava na cidade por causa de negócios, então esse compromisso da avó deveria estar, de alguma forma, relacionado.

"Vovó..." – começou em tom de reprovação.

"É apenas um chá. Eu juro!" – explicou, vendo Sakura bufar levemente. Se Fujitaka estivesse na cidade, não estaria naquela situação. O pai sempre tivera uma opinião bem forte quanto à participação dela e de Touya como 'distração' nos negócios do avô, se bem que ela já estava bem grandinha para falar por conta própria. – "O seu avô está comprando uma empresa de tradição familiar e precisamos contornar os sentimentos negativos de perda, por isso estamos nos aproximando. Acontece que o novo sócio dele tem uma filha da sua idade que...".

"Que a senhora espera se tornar minha nova melhor amiga?" – indagou, mal contendo a ironia da voz.

"Querida, eu sei que provavelmente não a verá novamente depois de hoje, e..." – meneou a cabeça e abriu um pequeno sorriso. – "Conhecendo você, tenho certeza que não têm nada em comum, mas não pode se esforçar só um pouco? Por mim...?" – pediu com elegância. – "Em troca, eu prometo que não ficaremos lá por muito tempo... e faremos o que você quiser depois...".

Sakura ficou pensativa por um instante. Ficava chateada que a avó a tivesse arrastado àquela situação, mas fazia realmente muito tempo que não a via e devia aproveitar bem a ocasião.

"Está bem, então..." – concordou resignada. – "Não vejo que mal pode haver em participar de um chá..." – comentou, mas sentiu vontade de morder a própria língua assim que o carro parou e ela descobriu o nome da família que estavam indo visitar.

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Sakura não conseguia imaginar um momento pior para começar a participar dos joguinhos corporativos da família e isso porque era dona de uma excelente imaginação. Entretanto, ao caminhar com a avó atrás do mordomo que as guiava até o quintal, seu estoque de ironia e técnicas de tortura se esgotava. Se a avó queria castigá-la, por que não a pendurava de cabeça para baixo no alto de um edifício ou espetava agulhas embaixo de suas unhas? Mas não... tinha que tê-la convidado para tomar um chá na casa dos Yamazato.

Ao chegarem à varanda, entretanto, seu humor melhorou uma fração de milésimo ao notar o olhar de espanto e desgosto no rosto da colega de classe; não foi uma melhora realmente significativa, uma vez que continuava com vontade de sair correndo, mas pelo menos tinha certeza que não seria uma visita agradável para Akio também.

"Sejam bem-vindas, queridas!" – ouviu a saudação com o fortíssimo sotaque francês que reconhecia ser da Sra. Yamazato. – "Sra. Amamiya! Fico tão satisfeita por ter aceitado meu convite, principalmente por ter sido tão em cima da hora..." – falou com exagerada deferência, lançando um rápido olhar atravessado para a ruiva ao seu lado, o que a fez se aproximar.

"Eu que agradeço a gentileza..." – a senhora se sentou, aceitando o convite da anfitriã e indicou Sakura com um sorriso. – "Permita-me apresentá-la minha neta, Sakura Kinomoto. Espero que não se importe por eu tê-la trazido comigo..." – falou enquanto a jovem curvava-se numa respeitosa reverência.

"De forma alguma. É um imenso prazer, Srta. Kinomoto..." – a francesa disse de forma que custou a Sakura todo seu autocontrole para não rolar os olhos ou bufar.

'Essa não era a opinião dela há algumas semanas quando resolveu aparecer no Atsui Hana e arruinar nossa festa...', lembrou-se do desagradável acontecimento e sentiu um nó no estômago que nada tinha a ver com a mulher diante de si. Aquela noite não havia terminado muito bem... Resolveu afastar aquilo dos pensamentos quando Dominique continuou.

"Esta é Akio: minha enteada..." – Sakura percebeu que o tom de voz da mulher para com a ruiva era de fria cordialidade e reprovação. Indagou se as duas tiveram algum desentendimento recente que justificasse aquela atitude, mas logo descartou o assunto. Não era realmente de seu interesse. O cumprimento distante entre as duas jovens deixou Dominique levemente desnorteada, como se esperasse, o que possivelmente era o caso, que elas se tornassem melhores amigas imediatamente. – "Srta. Kinomoto, o que está achando de nossa cidade? Imagino que seja bastante monótono se comparado a Kyoto, não?...".

"É bem menos agitada, com toda certeza..." – respondeu, erguendo levemente uma sobrancelha. – "Mas nunca me faltou o que fazer...".

"Ah, e vocês costumam vir para cá com frequência?" – indagou estranhamente, olhando da jovem para a avó.

"Não, não. Sakura não mora em Kyoto há quase quatro anos agora. Ela mora com meu genro aqui mesmo em Tomoeda..." – explicou a senhora, com um meio sorriso.

"Ora, mas isso é maravilhoso!" – Dominique observou Sakura com um interesse analítico que a deixou totalmente desconfortável. – "Já que mora tão perto, saiba que será sempre bem-vinda a nossa casa. Aliás, Akio está organizando uma reuniãozinha com algumas amigas intimas, não é?" – virou-se para a enteada e sorriu docemente, completando com um tom de voz que não admitia contradições. – "Por que não convida a Senhorita Kinomoto para dar uma volta no jardim e combina com ela também sobre a festa?".

Sakura olhou para a avó que sorriu, pedindo desculpas pela situação. Yamazato abriu a boca para dizer algo, mas acabou desistindo e, indicando o caminho, saiu logo atrás da outra jovem.

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Era a terceira vez na última meia hora que Shaoran desligava o telefone ao ouvir a mensagem eletrônica do Sr. Kinomoto. Voltou a andar nervosamente pelo quarto, tirando as coisas do lugar e guardando-as em seguida. Já não estava mais tão certo sobre o que fazer como estivera no início da manhã. Agora que pensava melhor, nem sequer sabia o que diria à Sakura caso ela atendesse...

'Não posso simplesmente dizer: estou apaixonado por você quando ela atender ao telefone...', jogou-se de costas sobre a cama e ficou observando as nuvens através da janela.

Além disso, havia outra coisa o incomodando intimamente, mas não sabia dizer exatamente o quê. Era como se uma mão de ferro espremesse seu estômago, fazendo-o sentir a respiração falha ao mesmo tempo em que um monte de farpas descia por sua garganta. Era uma mistura de angústia, medo, nervosismo e irritação, mas não sabia precisar a origem disso.

Sentou-se tentando deixar tudo aquilo de lado. Precisava sair dali, espairecer, ou enlouqueceria, mas não tinha ideia do que fazer ou aonde ir... Quase como uma resposta à sua batalha interna, o telefone tocou e ele, como se esperasse por aquele sinal há Eras sem fim, atendeu-o prontamente.

Afinal tinha uma resposta para seu momentâneo dilema. Não era perfeita, mas era uma resposta de qualquer forma.

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As jovens se encontravam em uma situação bastante incômoda, o que justificava o silêncio reinante, tão diverso ao agradável ambiente em que estavam. Sakura observou o jardim com grande atenção admirando a variedade de flores nos canteiros e as belas composições organizadas com maestria. Sabia, entretanto, que todo o interesse que estava sentindo pela harmoniosa combinação de cores naquela tela viva se devia ao desconforto que sentia. Perguntava-se se haveria alguma coisa que pudesse piorar ainda mais a situação, e cogitava quebrar o silêncio, quando Yamazato respondeu a questão da pior forma possível.

"Você deve estar bastante satisfeita, não é? Com tudo isso..." – disse com tom de amargura e um brilho ríspido nos olhos. Sakura não conseguiu entender de imediato o que a ruiva queria dizer com aquilo, mas a compreensão lhe alcançou aos poucos quando a outra continuou. – "Agora não precisa se preocupar comigo disputando a atenção do Li, não é?".

Durante diversos segundos as duas ficaram apenas se entreolhando enquanto Sakura lutava com a súbita explosão de sentimentos que lhe acometera, mas não suportou.

"Você só pode estar brincando!" – sentia-se chateada com o comentário degradante a respeito de Shaoran e furiosa com a própria urgência em defendê-lo. – "Você acha que Shaoran passou tanto tempo interessado em você por causa da riqueza de sua família?" – perguntou sem rodeios, fazendo a ruiva espantar-se. – "Acha mesmo que algo tão mundano suportaria dois anos de humilhação e ridículo?".

"Você não acha que está exagerando um pouco?" – a ruiva indagou assustada com a dureza na voz de Sakura.

"Não, não estou!" – afirmou seriamente. – "Você não o conhece! Nunca deu a ele a oportunidade e agora fala um absurdo desses..." – Sakura lembrou-se com tristeza da expressão que Shaoran trazia no rosto depois de ter suas tentativas de aproximação rejeitadas. – "Se não fosse um sentimento verdadeiro, se ele só estivesse interessado em seu sobrenome, ele não passaria tanto tempo tentando atrair sua atenção para quem ele é; evitando a todo custo mostrar aquilo que ele tem..." – a ruiva desviou o olhar aumentando ainda mais a distância existente entre elas.

O silêncio agora pesava com o embaraço de Akio e a irritação de Sakura.

Já fazia muito tempo desde que realmente duvidara da veracidade dos sentimentos de Li por ela, então Yamazato podia afirmar que não tivera a intenção de despertar tamanha fúria na outra garota. Seu comentário fora gerado apenas pelo rancor de descobrir que devia à família dela a salvação da sua. Além disso, mesmo tendo consciência dos sentimentos de Kinomoto por Li, nunca a imaginou capaz de reagir com tamanha paixão a algo. Sakura Kinomoto sempre se mostrara uma pessoa passiva e conformada, mas, agora que pensava melhor, não a conhecia de verdade. Como podia ter uma opinião tão forte formada a respeito de alguém que não conhecia?

'Devia parar de desvalorizar os outros e encontrar as qualidades...', lembrou-se das palavras que Li lhe dissera há algum tempo e, pela primeira vez, pensou nelas realmente considerando seu significado sem segundas intenções ou planos de vingança.

Os olhos verdes acompanharam distraidamente os movimentos de um par de borboletas azuis que visitavam as flores, mas não admirava a simplicidade e beleza da cena, apenas sentia-se injustiçada com toda aquela situação. Ela sempre estivera ao lado do chinês, sempre o valorizou por ele mesmo... 'Por que, então, não consigo ultrapassar a barreira da amizade se tenho dado a ele tudo o que ele sempre esperou receber de Yamazato?', indagou-se, fechando os olhos e detestando-se por não conseguir deixar o assunto de lado. Suspirou, olhando para a casa.

"Se você não se importar, eu gostaria de voltar agora..." – disse com a voz inflexível. Yamazato hesitou levemente antes de concordar.

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Shaoran notou algo incomum em Eriol assim que o viu sentado, olhando para os próprios pés, em frente ao Atsui Hana. Sentiu-se mal por estar tão centrado em si mesmo que não percebeu antes a estranheza de receber um telefonema do amigo em pleno domingo convidando-o a almoçar, quando ele geralmente passava esse dia com a namorada.

'Acho que vou arrumar mais coisas com as quais me preocupar...', pensou quando o inglês se levantou ao notar sua aproximação.

"Que bom que chegaste. Vamos entrar e pegar uma mesa..." – sorriu, ignorando o olhar preocupado que Shaoran trazia no semblante. O chinês entendeu a mensagem, pois, antes mesmo de sentarem, deram início a uma conversa animada sobre esportes.

"Tu ouviste falar sobre a seleção Japonesa de rugby?" – Eriol indagou como se fosse um assunto recorrente. Shaoran negou ter ouvido algo, mas mostrou-se interessado por solidariedade. – "Eles tiraram a Suécia da Copa Mundial nas eliminatórias. O time está crescendo!".

"O que, convenhamos, é algo impressionante por si só..." – comentou com um sorriso de lado. – "Os jogadores dos outros países são verdadeiros armários...".

"São mesmo!" – Eriol meneou a cabeça, rindo de uma piada particular. – "Quando meu pai me ligou de uma das paradas do cruzeiro, ele quase pareceu arrependido por nunca ter me incentivado a jogar..." – comentou pesarosamente, desviando sua atenção para o cardápio que lhe fora entregue.

'Ah! Então foi isso...', Shaoran passou a mão pelos cabelos, de maneira a deixá-los ainda mais revirados enquanto suspirava pesadamente. O relacionamento do Sr. Hiiragizawa com Eriol sempre deixou o amigo em uma situação complicada. Nada do que o jovem fazia parecia agradar completamente ao pai.

Após fazerem seus pedidos, Li se perguntava que assunto poderia abordar com segurança, quando Eriol recomeçou a falar.

"Já falaste com Sakura?" – seu tom de voz era de leve expectativa.

"Ainda não..." – começou e, entendendo que o muxoxo do outro era um sinal de exasperação, logo começou a se justificar. – "Passei a manhã toda ligando para ela, mas ninguém atende...".

"E o que vais dizer a ela?" – quis saber.

"Não sei ao certo..." – suspirou, fazendo Eriol erguer uma sobrancelha. – "Quer dizer... como vou saber se eu tenho alguma chance? E será que não vai piorar ainda mais a minha situação com ela se...".

"O principal problema com as garotas, meu caro, é justamente a falta de garantias..." – comentou observando o interior da lanchonete. – "Em um dia está tudo bem; no outro, por causa de um sentimento infundado de lealdade, tu acabas sendo castigado por teres nascido com o gênero errado...".

Shaoran franziu as sobrancelhas por um instante, sem conseguir entender o que o amigo queria dizer, mas então uma espécie de alarme começou a soar em sua cabeça. Será que havia brigado com Tomoyo? Remoeu a pergunta por alguns instantes e, quando Eriol voltou a encará-lo, decidiu abordar o assunto.

"Algo me diz que você não me chamou aqui para falar sobre a seleção de rugby ou meu relacionamento com Sakura..." – lançou a frase no ar.

"Por que dizes isso?" – a pergunta fez Shaoran quase rir.

"Primeiro, porque você nunca foi fã de rugby..." – viu o inglês abrir um pequeno sorriso. – "Depois porque não é do seu feitio demonstrar curiosidade tão abertamente...".

"O que queres dizer com isso?" – indagou, tentando manter a seriedade e se fazendo de ofendido.

"Ah, nem comece!" – avisou, meneando a cabeça. – "Eu sei muito bem que você se diverte me fazendo dar voltas e me deixando confuso para arrancar as informações que deseja sem que eu perceba..." – ficaram os dois em um silêncio momentâneo. – "Não vai me dizer o que houve?".

"Eu e Tomoyo tivemos uma discussão boba ontem à noite..." – disse depois de pensar um pouco. – "Achei que conseguiria abordar melhor o assunto hoje, por que ela teria tempo de se acalmar, mas não atende aos meus telefonemas e também não aceitou me receber quando passei na casa dela...".

"Não pode ter sido a primeira vez que vocês brigaram..." – Shaoran disse. A expressão no rosto de Eriol dizia que 'sim'. – "E qual o motivo?".

"Como eu falei antes: sentimento de lealdade... lealdade feminina, para ser mais exato..." – suspirou, vendo o chinês parecer desconsertado.

"Vocês não estiveram discutindo por causa de... de Sakura e..." – interrompeu-se ao ouvir uma risada de Eriol. – "Ah, cara! Sinto muito!".

"Não precisas te desculpar! Eu não estou te culpando, nem nada..." – Eriol sorriu levemente, recebendo um olhar preocupado do amigo.

"Não... Eu sei que não..." – ele suspirou e, subitamente, sorriu de lado. – "Mas acho que basta você saber que estou sofrendo com as escolhas que fiz... O que é um tanto sádico, aliás."

O inglês o acompanhou no riso, mas logo ambos se calaram e o chinês retomou a palavra.

"Então, o que aconteceu?" – perguntou, sem rodeios.

"Eu não..." – Eriol começou, mas Shaoran o interrompeu ao ver sua hesitação.

"Eu sou a única pessoa com quem você pode falar sobre isso, foi por isso que me chamou aqui, certo?" – o inglês o olhou espantado. – "Eu já cometi erros demais por causa de meias palavras ou por evitar assuntos difíceis. Tenho que começar a encarar os problemas que aparecem. Agora, com você; depois com Sakura..." – ele balançou a cabeça. – "Se bem que, pelo que parece, terei de passar por Tomoyo antes..."

"Não é só contigo o problema... Pelo menos não dessa vez." – Eriol admitiu.

"Então não foi a primeira vez que vocês discutiram..."

"Abertamente, foi. Mas não é de hoje que estamos nos estranhando quanto a..." – o inglês fez um careta desconfortável. – "Quanto à tua situação com Sakura."

"Você quer dizer a situação em que eu nos coloquei." – o chinês o corrigiu.

"Não exatamente." – o inglês suspirou. – "Porque eu não acredito que tu sejas o único culpado."

"Você não está insinuando que ela..." – Shaoran espantou-se, seu semblante um tanto irritado.

"Não comeces também! Deixe-me ao menos terminar!" – o outro o interrompeu, chateado.

"Eu também? Você disse isso à Tomoyo?" – Shaoran indagou, juntando as informações sobre a discussão dos amigos.

"Não estou te eximindo da culpa. E ainda digo que não quiseste ver o que estava bem diante de ti, no entanto, pelas razões dela, Sakura se deixou levar pela situação e correu um risco."

"Espero que você não tenha dito isso a ela." – o chinês retrucou, em tom de ameaça.

"À Sakura? Não, não. Ninguém precisa dizer isso a ela..." – Eriol fez o amigo abaixar a cabeça com essa afirmação. - "Acredito que ela atribua a si mesma mais culpa do que deveria...".

"Isso é típico dela." – Shaoran sorriu, vendo o inglês concordar com um aceno de cabeça. – "Mas foi essa discussão o estopim da briga?"

"Foi o ponto alto, mas não o início dela..." – Eriol suspirou. – "Tomoyo não gostou de eu ter contado que foi Sakura quem organizou a tua festa..."

"Por quê?" – perguntou, mas parte de si temia a resposta.

"Porque isso mostra que ela ainda se importa e tu não mereces..." – Shaoran poderia se sentir chateado com o comentário, mas algo no tom de voz de Eriol deixou claro que aquela era a opinião de Tomoyo. – "E também porque Sakura havia pedido que não te contasse."

"Há algo que não se encaixa nessa história toda..." – começou, deixando o amigo intrigado. – "A festa havia sido ideia de Tomoyo desde o princípio, então como Sakura acabou responsável por ela? Isso não faz sentido..."

"Tomoyo estava tão zangada que decidiu sabotar a tua festa, mas Sakura, mesmo chateada contigo, ainda se importa o suficiente para querer que te divirtas no teu aniversário, então tomou para si a responsabilidade..."

"Sim, essa é a Sakura..." – Shaoran esboçou um sorriso e balançou a cabeça. – "É estranho... Eu sei que a conheço. Nada do que você diz realmente me surpreende... Mas eu não consigo ver isso sozinho... Não antes que já seja tarde, pelo menos."

"Eu acho que tu vês, sim..." – Eriol esboçou um sorriso. – "Apenas te recusas a aceitar aquilo que estás vendo..." - os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. Ao notar a aproximação de seus pedidos Eriol apenas acrescentou. – "Ela é uma garota maravilhosa...".

"Sim, ela é..." – suspirou abaixando o olhar enquanto os pratos eram colocados na mesa.

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"Bom dia, Tomoyo!" – Sakura se aproximou da amiga, que olhava através da janela da sala de aula com um ar levemente cansado. – "Como foi o final de semana?".

"Oi, Sakura!" - a morena disse encarando-a em silêncio por alguns instantes. – "Acho que ontem foi o pior dia da minha vida...".

"O que houve?" – sentou-se na carteira atrás da amiga e segurou a mão dela.

"Eu briguei com Eriol..." – viu Sakura arregalar os olhos.

"Por quê? O que aconteceu?" – Tomoyo desviou o olhar com um ar culpado e suspirou tristemente.

"Eriol contou para o Li que foi você quem organizou toda a festa..." – disse com zanga e ficou ainda mais nervosa ao ver os olhos verdes piscarem em confusão.

"Não me diga que brigaram por causa disso...".

"Você pediu para não contarmos..." – Tomoyo lembrou.

"Sim, mas Tomoyo... é uma razão boba para vocês brigarem..." – Sakura cobriu os olhos meneando a cabeça.

"Ele também disse que as coisas entre você e Shaoran estão do jeito que estão por culpa sua..." – disse atraindo um olhar meio torto da amiga.

"Ele disse que a culpa é minha?" – enfatizou bem a pergunta, erguendo uma sobrancelha. Tomoyo encolheu um pouco os ombros.

"Que é parcialmente sua culpa..." – corrigiu, vendo Sakura cruzar os braços.

"Que apenas acontece de ser exatamente o que você pensa..." – ironizou com um sorriso de lado.

"Ele só disse isso por causa de lealdade masculina..." – disse teimosamente.

"Ele disse isso porque está certo e você sabe disso..." – Sakura argumentou, vendo a morena assumir uma expressão orgulhosa. - "Por kami, Tomoyo, o que você está fazendo brigando com Eriol por um motivo desses?".

Tomoyo abaixou a cabeça e as duas permaneceram em silêncio por alguns instantes. Sakura ergueu o olhar quando a porta da sala voltou a se abrir dando passagem a Eriol, que olhou para a namorada de forma abatida.

Decidida a mostrar para Tomoyo que não havia motivos para continuar com a briga, Sakura se levantou, parando em frente ao próprio lugar.

"Bom dia, Eriol!" – sorriu, ignorando o olhar de traição que Tomoyo lançou em sua direção.

"Bom dia, Sakura!" – o inglês se sentou e passou os dedos levemente pelos cabelos de Tomoyo, antes de dizer com cautela. – "Bom dia, meu anjo...".

Tomoyo hesitou um pouco antes de olhar para Eriol e cumprimentá-lo com um sorriso forçado. Sakura prendeu uma risada e passou por trás do britânico dando uma palmada de apoio em seu ombro, desejando-lhe sorte. Tomoyo podia ser bem teimosa quando queria.

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Shaoran aguardava que o professor Onoda encerrasse a reunião diária com a turma, para poder entrar. Algumas vezes captava palavras e frases soltas que conseguia encaixar com a semana de provas que se aproximava ou com a viagem escolar que fariam para Hokkaido em outubro, mas sua mente estava voltada para outros problemas. Além de ter que resolver a situação com Sakura e tentar ajudar Eriol e Tomoyo a fazerem as pazes, surgira outro problema na noite anterior.

Quando chegara a casa, depois de passar o dia discutindo com Eriol as formas de resolverem os problemas de ambos, encontrou a mãe andando de um lado para o outro na sala. Yelan havia recebido um telefonema de Hong Kong e pensar no que ela contara deixava-o enjoado, mas não poderia fazer nada dali. Mas também não podia simplesmente abandonar as aulas naquele momento. A mãe estava conversando com o diretor, mas...

O professor Onoda abriu a porta e sorriu levemente para o rapaz, cumprimentando-o e avisando-o que estava com sorte porque como a próxima aula seria vaga, não precisaria levar uma advertência por chegar atrasado. Disse ainda que perguntasse a Yamazaki sobre os avisos dados e despediu-se.

Shaoran abriu a porta dianteira da sala e seus olhos fizeram uma varredura imediata do ambiente, cravando em Sakura que olhava de cabeça baixa para trás, para o lugar dele. Aquilo o fez sorrir levemente: mesmo magoada, ela ainda se preocupava.

Seus olhos se voltaram em seguida para Eriol e Tomoyo e percebeu que o amigo estava levando adiante a resolução que tomara no dia anterior de tentar agir como se nada houvesse acontecido até que a morena estivesse pronta para conversar racionalmente sobre o assunto. Ele podia dizer isso ao ver que o inglês falava normalmente com uma Tomoyo mal-humorada. Eriol o havia aconselhado a concentrar-se em solucionar os próprios problemas com Sakura, uma vez que, quando o motivo da briga desaparecesse, ele e Tomoyo não teriam motivos para levá-la adiante.

Com isso em mente, pensou em se aproximar de Sakura enquanto ela estava distraída, mas teve seu plano frustrado quando Yamazaki o chamou para repassar os recados, que não eram muitos.

Quando Yamazaki se afastou, Shaoran voltou seu olhar para Sakura que ria levemente de algo que Eriol lhe dizia e olhava para Tomoyo. Aproximou-se devagar e pôde ouvir o amigo comentar.

"Tu bem que poderias me ajudar aqui, não é Sakura?" – o sorriso nos olhos verdes vacilou por um instante e, então, ela se voltou para Shaoran que se encaminhava para onde estavam.

"Eu vou tentar..." – afirmou encarando o chinês que pareceu ter paralisado na frente de sua mesa.

"Sakura..." – Tomoyo a chamou franzindo a sobrancelha. – "Não precisa...".

"Oi, Shaoran..." – falou apoiando o queixo na palma da mão.

"Oi..." – ele respondeu com tanta expectativa que ela acabou sorrindo.

"Como foi a sua festa?" – indagou, vendo-o relaxar um pouco e passar a mão pelos cabelos num gesto que ela conhecia muito bem.

"Foi uma boa festa... Obrigado por ter organizado tudo..." – encolheu um pouco os ombros e suspirou quando ela ergueu uma sobrancelha. – "E também pela Torta...".

"Bem, eu havia prometido, não é? Que não deixaria Tomoyo exagerar na produção da festa e que faria a torta para você... Como ficou, aliás? Sei que não é igual a de papai, mas...".

"Estava deliciosa! Muito boa mesmo..." – interrompeu-a, balançando a cabeça. – "Eu comi a última fatia hoje de manhã..." – disse, fazendo-a arregalar os olhos e rir.

"Fico feliz!" – declarou, recostando-se à cadeira.

Um silêncio se formou entre eles enquanto sustentavam o olhar um do outro e o sorriso que ambos tinham nos lábios foi desaparecendo aos poucos.

"Eu..." – Shaoran começou atraindo a atenção dela. – "Eu senti a sua falta lá no sábado..." – falou simplesmente, com uma sinceridade tocante, que fez um arrepio percorrer a espinha de Sakura. Quando desviaram o olhar, Shaoran começou a jogar o peso de uma perna para a outra e Sakura mordeu o lábio inferior pensando no que dizer.

Foi poupada de responder quando um dos inspetores abriu a porta da sala e chamou por Shaoran. Ele lançou um último olhar para Sakura e saiu.

A garota o acompanhou com os olhos até que a porta se fechasse e se deparou com um olhar pensativo de Tomoyo.

"Aposto que ele nem percebeu minha ausência..." – brincou, fazendo Eriol erguer uma sobrancelha.

"Ah, sim, ele percebeu..." – o inglês disse, sorrindo levemente ao lembrar o momento em que o chinês reconheceu seus sentimentos por Sakura após descobrir que ela não compareceria. Ele abriu a boca para fazer mais um comentário, mas foi calado por uma cotovelada de Tomoyo.

"Tomoyo! Não faça isso..." – Sakura a repreendeu, recebendo um olhar atravessado da morena.

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Sakura desviou o olhar da televisão para o telefone e hesitou por um instante, antes de pegá-lo e discar, pela quinta vez naquele final de tarde, o número do telefone do apartamento de Shaoran.

'Atenda, atenda...', pedia intimamente, ouvindo nervosamente um toque após o outro. Quando o tom de chamada mudou para o de ligação não atendida, sentiu-se ainda mais aflita do que estivera antes. O que poderia ter acontecido?

Levantou-se num pulo e desligou a TV, encaminhando-se para fora da sala, mas encostou-se à porta de entrada, obrigando-se a se acalmar e não pensar no pior. Devia ter alguma explicação razoável para Shaoran ter desaparecido na segunda-feira e não ter dado sinal de vida nos últimos dois dias.

Usou todo seu autocontrole para resistir ao impulso de ir até o prédio em que o chinês morava; o que, considerando a distância que impusera entre eles nos últimos tempos, seria estranho. Precisava ocupar o tempo com alguma coisa, mas, antes que pudesse decidir o que faria, o telefone tocou e ela correu para atender.

"Aqui é a Sakura..." – disse um pouco ofegante e com o coração na boca.

"Oi, filha! Como você está?"— Fujitaka a cumprimentou do outro lado.

"Ah, oi papai!" – disse disfarçando o desapontamento na voz. Realmente esperava que fosse Shaoran dando sinal de vida. 'Nem que fosse para me mandar parar de ligar...', pensou consigo mesma. – "Estou bem. O senhor já saiu de Alexandria?".

"Já, sim! Estou em Roma agora..."— disse com uma leveza na voz que, em outras situações, teria feito a garota sorrir. – "Sairei daqui dentro de três horas e devo chegar ao aeroporto de Narita amanhã perto do meio-dia...".

"Que bom! Estou com saudade!" – suspirou pesadamente. – "Vou querer saber tudo sobre a expedição quando o senhor chegar..."

"Também estou com saudade, meu bem!"— o senhor declarou com carinho. – "E tenho muitas novidades... Mas, filha, aconteceu alguma coisa? Você está soando preocupada...".

Desta vez ela sorriu. O pai realmente a conhecia bem se conseguia perceber pelo telefone que havia algo errado.

"Ah, não é nada... eu acho..." – começou introspectiva. – "Eu só estou um pouco preocupada com Shaoran...".

"Por quê? O que houve?"— indagou um pouco alarmado.

"Ninguém o vê desde segunda-feira quando foi chamado por um inspetor. Ele não foi à aula nem ontem nem hoje..." – explicou, respirando profundamente para não se deixar invadir por medo. – "Ninguém atende ao telefone no apartamento e Eriol até já tentou falar com alguém na casa da família Li em Hong Kong, mas apenas descobriu que a Sra. Yelan já não está mais no Japão...".

"Isso tudo pode não significar nada... Alguém já tentou ir até o apartamento dele pessoalmente?"— quis saber.

"Yamazaki passou lá hoje depois das aulas e o porteiro disse não ter visto Shaoran sair, mas ninguém atendeu ao interfone..." – já não conseguia ocultar a angústia na própria voz. – "Estão todos preocupados, mas não sabemos o que fazer...".

"Calma, meu bem! Entendo que esteja preocupada, mas não precisa se desesperar..."— disse num tom de voz tranquilizador. – "O porteiro que falou com Yamazaki deve ser o do turno da tarde e noite, então se Shaoran saiu de manhã ele realmente não saberia..."— explicou, fazendo Sakura se acalmar. Ela realmente não havia pensado naquela possibilidade. – "E deve haver alguma explicação aceitável para a falta de notícias..."— considerou apaziguador. – "O tempo da ligação está acabando, então não poderemos discutir isso com calma, mas não se desespere e não faça nenhuma besteira, minha filha, por favor!"— pediu.

"Não se preocupe, papai. Não farei nada impensado..." – garantiu, ouvindo-o suspirar.

"Então fico mais tranquilo... E não se preocupe; tenho certeza que ele logo, logo entrará em contato..."— afirmou suspirando. – "Tchau, meu bem. Vejo você amanhã...".

"Tchau, papai! Faça uma boa viagem..." - Sakura desejou, pouco antes de o pai desligar e permaneceu com o telefone nas mãos, imaginando o que deveria fazer, mas não importava o quanto pensasse, não chegava a uma conclusão.

Por fim, acabou ligando para o apartamento e o celular do rapaz mais uma vez, conseguindo o mesmo resultado que nas vezes anteriores e decidiu ir tomar um banho para tentar relaxar.

Estava imersa na banheira quando o telefone da sala voltou a tocar sem que ela escutasse.

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Sakura acordou num sobressalto com um estranho aperto no peito. Sentou-se observando o interior de seu quarto e, não conseguindo determinar a origem de tal sensação, olhou para o relógio vendo que já era quase hora de acordar. Decidiu se levantar. Após se vestir e arrumar a cama, desceu para preparar o café da manhã e ao passar pela sala, notou a luz da secretária eletrônica piscando. A estranha sensação que a acordara voltou e ela, involuntariamente, prendeu a respiração quando apertou o botão para ouvir a mensagem.

Sentiu-se aliviada quando a voz de Shaoran saiu do aparelho, e também pôde perceber imediatamente seu cansaço.

"Oi, Sakura, sou eu... Talvez eu devesse ter ligado mais cedo, mas com tantas coisas acontecendo eu não tive cabeça para pensar em detalhes. Algo grave aconteceu e mamãe teve de voltar para Hong Kong no início da semana. Ela pede desculpas por não ter se despedido propriamente. Eu também estou indo para lá. Meu voo sairá do aeroporto de Narita amanhã às 11 da manhã. Ligarei para você assim que chegar lá... Tchau!".

Enquanto ouvia a mensagem, seu alívio se transformou em preocupação pelo tom de voz dele e pela menção de algo grave ter acontecido. Mas quando chegou ao fim, a indefinição sobre a viagem e a não menção de um retorno a afligiram de tal forma que a deixaram imobilizada por um tempo que ela não soube especificar.

Sentiu os joelhos fraquejarem e foi obrigada a se sentar, pensando... desejando que o pressentimento de que não o veria novamente estivesse errado.

"Ele... ele não faria isso!" – murmurou, pegando o telefone. – "Ele não iria embora assim... sem se despedir..." – discou o número do apartamento dele, mas a ligação não foi completada e sua aflição apenas aumentou. – "Kami, não!" – tentou uma segunda e uma terceira vez, mas o resultado foi o mesmo. Ligou para o celular e, novamente, nada. – "Ele... realmente está indo? Eu não posso acreditar..." – percebeu que suas mãos tremiam e fechou os olhos lutando contra a ardência neles. – "Eu não posso ficar aqui parada... eu não vou ficar aqui parada..." – voltou a pegar o telefone e chamou um táxi antes de subir para trocar de roupa.

Vinte minutos depois, andava em círculos na sala quando o carro chegou. Seguiu imediatamente em direção ao aeroporto. Havia considerado passar no apartamento de Shaoran primeiro, mas se ele já tivesse saído poderia não encontrá-lo no aeroporto.

Sua mente trabalhava inquieta e, apesar de sua aversão à matemática, já havia feito os cálculos do trajeto até o aeroporto tantas vezes que nem sabia mais. Em um bom dia, sem engarrafamentos, levava-se de 50 minutos à uma hora pela autoestrada, então se não houvesse imprevistos, chegaria lá antes que ele pudesse entrar na área de embarque. Se algo saísse errado, no entanto... Continuava a contar os minutos, considerando até aqueles em que ficavam parados nos sinais fechados, como complôs do destino.

Com o coração batendo acelerado no peito e o balanço do carro combinado ao estômago vazio, sentiu um leve enjoo que a forçou a fechar os olhos e tentar relaxar, mas não era algo que estava em seu poder naquele momento. Só a ideia de nunca mais ver Shaoran... Ela se pegou rindo com a própria contradição e percebeu que a ideia de se afastar dele só parecia aceitável enquanto ainda pudesse se encontrar com ele todos os dias, ouvir sua voz e olhar no fundo dos olhos castanhos; enquanto o tivesse por perto. Jogou a cabeça para trás inconformada com o caminho repleto de ironia pelo qual o próprio coração a conduzira.

A viagem prosseguiu entre os segundos contados e as batidas de um coração desenfreado que, ao contrário do que a garota imaginara, não se acalmara por chegar ao aeroporto.

Passou pelas portas automáticas e adentrou o grande saguão, procurando nas placas o caminho que a levaria à área de embarque para os voos internacionais. Correu na direção indicada, procurando ansiosamente pelo rapaz enquanto passava por inúmeras fileiras de cadeiras e pessoas das mais variadas nacionalidades. A cada passo que dava sentia o coração se comprimir ainda mais. Ele não poderia ter entrado ainda. Era cedo demais. Mas então onde estava?

Estacou no meio do caminho quando finalmente o encontrou sentado em uma das últimas fileiras lendo um livro. O alívio que sentiu foi apenas momentâneo. Se ele estivesse realmente indo embora, ela não saberia o que fazer. Não estava preparada para se separar ainda; muito menos daquela forma. Havia dado apenas alguns passos na direção dele quando este ergueu os olhos do livro. Pareceu agradavelmente surpreso quando a viu e colocou-se de pé enquanto ela se aproximava, notando que a jovem estava ofegante e com o rosto rosado.

"Sakura o que está fazendo aqui?" - indagou esboçando um sorriso que se desfez assim que a viu empalidecer subitamente. Alcançou-a em uma fração de segundo, segurando-a de forma gentil. - "O que houve? O que você está sentindo?" - conduziu-a até o banco em que estivera até alguns instantes e se ajoelhou diante dela, segurando uma mão entre as suas e observando o rosto da garota que mantinha os olhos fechados com força. - "Sakura..." - chamou-a, fazendo-a abrir os olhos verdes cuja a expressão fez seu coração pular uma batida.

"Shaoran..." - ela encarou-o com a voz embargada. - "Você vai... você vai embora..." - murmurou, fazendo-o arregalar os olhos.

"O quê? Não!" - ele retrucou imediatamente, sentindo-a estremecer levemente. - "Não... Céus, não!" - o rosto dela ganhou cor novamente e ele suspirou aliviado. Segurou, então, o queixo dela, fazendo-a levantar o olhar e encará-lo. - "O que a fez pensar..." - ele parou um instante, pensando na mensagem que deixara na secretária eletrônica. - "Ah... Eu não falei quando voltaria..."

"Não..." - ela confirmou, com a voz fraca. - "Com o seu sumiço essa semana, eu pensei..." - não foi capaz de completar a frase.

"Sakura." - ele chamou-a, pronunciando claramente cada sílaba. Perdeu sua trilha de pensamento por alguns instantes ao fitar os olhos marejados dela, mas recompôs-se rapidamente, pois notava que, apesar de estar um pouco melhor, ela ainda não estava bem. - "Não importa o que aconteça, eu jamais iria embora sem explicação alguma."

"Mas..." - ela começou, mas foi calada pelo indicador dele.

"Eu ia explicar tudo ontem ao telefone, mas você não atendeu... Ia ligar hoje quando chegasse a Hong Kong, pois achei que a senhorita estaria no colégio quando eu embarcasse..." - ele balançou a cabeça com um meio sorriso. - "Mas vamos fazer isso na lanchonete enquanto comemos alguma coisa, acho que não comeu desde que acordou, estou certo?" - falou, vendo-a desviar o olhar. - "Sakura?".

"Bem..." - encolheu os ombros e suspirou.

"Ah, eu não acredito! Não é a toa que está quase desmaiando!" - ralhou, recebendo um olhar zangado.

"Não comece com isso de novo, está bem?" - afastou-se dele, vendo-o fazer uma careta. - "Detesto quando você fica bancando a babá. Eu já sou bem grandinha... E, se eu não quisesse esperar por papai, iria embora agora mesmo..." - completou com um biquinho.

"Puxa, eu havia me esquecido que seu pai volta hoje..." - franziu um pouco a testa, mas logo balançou a cabeça. - "De qualquer forma, eu farei sua vontade hoje porque não temos muito tempo para brigar, fazer a pazes, comer alguma coisa e depois conversar..." - ergueu-se, pegando a mala com uma mão e puxando Sakura com a outra para que se levantasse.

Sem soltá-la, caminharam em direção à lanchonete, com Sakura um passo atrás de Shaoran até que ele a sentiu parar. Antes que pudesse se virar para ver o que aconteceu, sentiu-a apoiar a cabeça em suas costas e respirar profundamente. Ele ergueu a cabeça para o teto do saguão por alguns instantes, permitindo-se aproveitar aquele momento e apertou um pouco mais a mão que segurava. Ela provavelmente conseguia sentir o seu coração disparado, mas ele nem se importava. Nada importava.

Ele depositou a mala no chão e se virou ficando de frente para ela. Com a mão livre, ergueu suavemente o queixo dela e colocou, atrás da orelha, uma mecha do cabelo que cobria uma das esmeraldas, para que seus olhos se encontrassem, permitindo que o outro visse tudo aquilo que desejavam e ao mesmo tempo temiam admitir. Naquele instante, todo o mundo ao redor deles simplesmente desapareceu e seus corações entraram em um entendimento silencioso: em breve estariam juntos.

Sem que percebessem, obedecendo a um pedido que vinha do fundo de seus seres, abraçaram-se.

Sim, muito em breve!

Continua...

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Notas finais do capítulo

N/A - Aiya, minna!

Após um bom tempo sem novidades desta trama que está mais embolada no meio de campo que um jogo de rugby (XD), aqui está o capítulo 18, com novas informações e surpreendentes reviravoltas (espero, pelo menos). Vocês leram o capítulo, não vou ficar me repetindo e comentando o que vocês acabaram de ler.

Ao contrário, espero que vocês possam me dizer o que acharam. Quais as suas impressões sobre o capítulo?

obs.: Novamente, conversas em itálico na residência dos Li significa que estão conversando em mandarim.

Acho que é desnecessário dizer que estamos chegando ao final da história. Acredito que não passaremos do capítulo 21, o que significa que faltam apenas mais três capítulos... Sei que já estão cansados de ouvir (ou ler) isso, mas tentarei trazer o capítulo 19 o mais rápido possível para vocês.

Por enquanto é só,
Ja, nee!
Yoru. (31/01/2011, 16:47h.
"Pelo menos uma vez por mês: 1) aprecie a natureza, 2) faça algo novo, 3) diga a alguém distante que o ama, 4) leia um livro e... 5) tente arrumar a sua gaveta de meias... u.ù"). ===========================================
Espaço da Revisora: Utaiiii...(expressão nova)...que final mais doce... eu ando vendo tantos dramas coreanos que estou ficando muito melosa...hihihih...Estava com saudades de SDN... e espero que a Bru seja gentil e deixe-nos ver ou melhor ler, sobre esse casal que é o favorito de muitos leitores, juntos, afinal ela já está os mantendo separados há séculos.O capítulo ficou bem legal, acredito que agora as dúvidas desses dois estejam mais esclarecidas. Estou louca para ler muitos momentos lindinhos entre os dois.BeijosRô