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Depois de enterrar os restos mortais de minha última refeição nas areias fundas sob o lago, arrastei meu corpo fraco para casa. Estava cansada. Estava cansada há anos. Cansada de tentar fingir ser algo que não era. Eu sofria com cada morte, como se dilacera-los levasse um pedaço meu também. Estava cansada de viver nas sombras, de evitar as pessoas, apenas para mante-las a salvo de mim. Parte minha queria ser livre, queria meramente seguir os instintos da espécie. Mas outra parte queria com total desespero encontrar um meio de sobreviver sem ter de levar vidas para o fundo do mar. Era uma luta constante entre meus dois eus, onde era impossível enxergar um lado vencedor.

Deitei no sofá e fechei os olhos. Eu cheirava a lodo e sangue, e o cheiro me conduziu ao passado. Me levou até em casa.

* * *

Elijah Mcmiller era nada mais que um marinheiro recém tripulado ao Queen Maria, a maior nau construída naquele tempo. Com a grande quantidade de naufrágios em alto mar e perdas valiosas em mercadorias e ouro, o trono italiano financiara a construção de uma embarcação resistente, a única capaz de suportar as fortes turbulências dos oceanos e cruzar os mares, levando as mercadorias em segurança até seus destinos finais. Todavia, nem mesmo o melhor navio da frota italiana fora capaz de resistir às tempestades e a fúria das águas. O Queen Maria encalhou nas pedras, próximo a um pequeno arquipélago. Perto demais de nós.

Fora um banquete real para meu clã. Os marujos não tinham para onde correr, onde se refugiar da selvageria dos Sirens. Sangue derramava-se sobre o convés, corpos eram tragados para as águas. Não houve homem que resistisse. A força deles não se comparava a nossa. E quando nada mais restou, nos retiramos de volta ao nosso lar.

Os últimos vestígios da bela nau Queen Maria terminaram por desaparecer no início da manhã seguinte. Os destroços da embarcação ainda boiavam, ondulando com a maré quando voltei à superfície em busca de jóias ou o que pudesse ser recolhido e utilizado por nós. E durante minha coleta silenciosa e solitária, eu ouvi sua voz – Fraca, sufocada.

-Por favor... Me ajude...

Eu me virei e dei com um par de olhos cinzentos me observando com desespero. O desespero de um homem que testemunhou a morte brutal de todos os seus companheiros e por muito pouco não viu a sua própria.

Eu recuei, ressabiada. Era contra as leis do meu povo se relacionar com os humanos. Era perigoso para a espécie. Mas, de alguma forma, o medo daquele homem doeu-me por dentro. Ele mal tinha energia para se manter firme sobre o pedaço de madeira no qual se equilibrava. O rosto lívido, os lábios azulados. Ele morria pouco a pouco.

-Por favor... – Ele suplicou com o queixo tremendo. – O que fizemos a vocês para recebermos tamanha maldade?

Meus lábios abriram e fecharam. O que eu deveria dizer? Eu não tinha a resposta para aquela pergunta. Apenas obedecíamos nossos instintos. Era tão errado o que fazíamos? Por quê?

-Você vai me matar também? – Perguntou-me ele tossindo.

Eu o olhei com curiosidade. Na verdade eu não queria mata-lo. Queria entender mais sobre ele. Era um homem bonito, de feições suaves,cabelos ondulantes. Seria um enorme desperdício tirar a vida de alguém tão jovem e tão virtuoso.

-Você não parece ser como os outros – Sussurrou ele, cansado. – Parece uma boa pessoa... Então... Por favor... Não me deixe morrer aqui.

Eu o encarei, incerta do que faria a seguir. Não o queria morto, mas arriscava minha vida apenas estando ali com ele.

-Por favor... – Ele implorou, tremendo e gemendo de frio.