Jogo de Palavras escrita por Blitzkrieg


Capítulo 3
Capítulo 3: A Visita


Notas iniciais do capítulo

O ser humano é um ser bastante curioso. Dependendo da época, a ignorância se torna uma virtude, em outra época se torna uma opção e em outra se torna até uma evidente desilusão.Entretanto, quais dessas definições podemos considerar como sendo a mais correta? Eu definitivamente não sei a resposta. Sigo meu instinto apenas, e considero a terceira opção como sendo a mais apropriada para a minha época.E você? Qual definição você acha que se ajusta a você e consequentemente a sua época?



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O almoço em casa foi fiel ao cotidiano, cheio de ação como sempre. Meu pai soltou algumas palavras estranhas sobre a mesa das quais eu não fazia a mínima idéia do que significavam, ainda não era o momento para compreendê-las. Pelo menos eu conseguia visualizá-las muito bem. A tal da “tributária” se transformou em uma pomba bonita, voou por toda a mesa até lançar seu excremento sobre o copo cheio de chá da minha mãe. Eu ouvi até mesmo o barulho do protesto do líquido. Senti meu estômago se revoltando contra a cena quando minha mãe em seguida tomou um gole do delicioso chá assim que meu pai soltou a tal da “sub-rogação” que se transformou em uma serpente. Ela rastejou lentamente sobre a mesa aguardando o pouso da pomba. O pássaro desatento pousou sobre meu prato, logo depois a cobra rastejou silenciosamente até finalmente se posicionar para o bote. Alguns instantes depois ela arriscou, porém a pomba foi mais rápida conseguindo escapar, fazendo a cobra cair sobre meu prato deixando-a presa entre os filetes de macarrão. A serpente coberta de molho de almôndega surgiu entre o macarrão e direcionou seu olhar para a minha expressão de tédio. 

-sssss...Desculpesssss...ssss. – eu me esqueci de mencionar isto, às vezes as minhas alucinações conversavam comigo. Na verdade eu não queria contar que elas falavam, pois você com certeza já estaria a esta altura me achando louco o suficiente. Eu não queria me prejudicar mais ainda, mas acho que não adianta tentar parecer menos idiota. Sendo sincero eu acho que conseguirei compensar um pouco a idiotice.

Ivan havia me dito para não conversar com elas em público, era óbvio o motivo. Evitei conversar com a serpente.

-Ei!...sssssssss...será que você poderia me ajudarssssss?sssss.. – ignorei mais uma vez. -Estou presa. ssss..sssss.. – não resisti, eu tinha um coração mole. Enfiei minha mão entre os filetes de macarrão procurando ajudar a tal da sub-rogação. De repente, um turbilhão de palavras atingiu-me em cheio. 

-Lucas! O que você está fazendo!? – Eram as palavras de minha mãe. – Por que você não usa o garfo? – meu pai me olhava com uma expressão de pena, enquanto minha mãe assumia uma expressão de espanto, fazendo suas rugas se destacarem mais ainda no rosto corado. Sua boca saliente semelhante a minha e úmida de chá moveu-se novamente. – Vá lavar esta mão. Você não deve estar com fome. – acrescentou, voltando a atenção em seguida para seu prato, se esforçando para ignorar o ocorrido.

-Mãe, foi a sub-... – lembrei de minhas palavras traiçoeiras. -.....- o último recurso milagroso chamado silêncio tampou minha boca. – levantei-me em seguida e me dirigi ao banheiro para lavar minhas mãos, eu poderia ter lavado elas ali na cozinha mesmo, mas não faria sentido me arriscar mais ainda.

Quando retornei do banheiro, ouvi cochichos entre meu pai e minha mãe.

-Gustavo, precisamos levá-lo a um psicólogo. Ele anda muito estranho ultimamente. – ouvi tais palavras de minha mãe.

-Será que não é uma fase? Ele deve estar indo mal no colégio. – indagou meu pai. 

-Não, eu fui às reuniões no colégio, ele está se saindo bem. Os boletins dele também estão com notas boas. 

-Ele está se saindo bem graças ao Ivan, Sandra. Mas você não faz idéia do que ele me disse no carro hoje. – meu pai contou o ocorrido. – Algo está mexendo com a cabeça dele - acrescentou.

-Não creio que seja algo sobre estudos. Por isto que devemos levá-lo ao psicólogo, ele poderá nos dizer o que está mexendo com a cabeça dele. – minha mãe se recostou na cadeira, fazendo a mesma emitir um ruído agudo. – Ele é muito solitário, tem apenas o Ivan como amigo. É o único que vem visitá-lo. Se não conhecêssemos os pais do menino, acharíamos que ele é o responsável. – pelos ruídos da cadeira, pude deduzir que minha mãe havia se inclinado novamente para encarar meu pai.

-É o tipo de hipótese que descarto de primeira, pois este menino é filho de dois médicos renomados na cidade. A educação do garoto é de primeira, e não poderíamos acusar este menino de influenciar nosso filho negativamente, pois eu acho que é o melhor amigo que o Lucas poderia ter. – desta vez foi meu pai que reclinara, fugindo do olhar penetrante de minha mãe. – Muito melhor que muitos outros colegas de escola. Você lembra aquele tal de Sérgio? – indagou.

-Como eu poderia esquecer o idiota que disse que meu filho era louco?Espalhou pra todo mundo que o Lucas era esquizofrênico. – minha mãe emitiu um som rouco expressando um sentimento de repulsa por suas lembranças. O caso do Sérgio foi a minha primeira tentativa de confiar em alguém que não fosse o Ivan, foi um completo desastre.

-Você se lembra quem foi a pessoa que desmentiu todo este boato? – indagou o homem de camisa social azul e calça preta também social. 

-Certo, foi o Ivan. Ele tomou conta de algo que nós deveríamos ter feito. Nós somos os pais, esqueceu? – indagou a mulher de avental, que levantava de sua cadeira.

-Mas ele alegou saber do motivo do Sérgio espalhar tamanha bobagem, e com esta alegação tratou de desmentir o boato com o argumento de que o garoto havia lhe procurado informações sobre drogas alucinógenas por saber que era filho de um neurologista. Sendo assim, ficou claro que o garoto tinha um interesse em tais drogas justamente porque tinha a intenção de chantagear o Ivan por meio do boato de que Lucas era esquizofrênico. Para posteriormente afirmar que o nosso filho na verdade estava recebendo drogas do garoto. – desta vez meu pai se levantara da cadeira. – Com tudo isto, podíamos deduzir que como o Lucas era amigo do filho de um neurologista, o tal de Sérgio preferiu acusá-lo de ser esquizofrênico porque o garoto achou que usando como base para seu argumento o fato de o nosso filho apresentar alguns comportamentos suspeitos, poderia convencer todos posteriormente de que ele recebia drogas de Ivan. Para assim conseguir drogas do garoto através de chantagem, ameaçando espalhar este próximo boato. – meu pai em seguida caminhou em direção a minha mãe. – Se o pai do Sérgio não fosse um paciente do pai de Ivan, que demonstrou várias vezes ser um viciado em remédios tendo até mesmo sofrido um AVC devido a isto, teríamos problemas sérios com esta mentira de nosso filho ser esquizofrênico. 

-Não me faça lembrar isto, eu passei noites em claro. – disse minha mãe, retirando o avental para colocá-lo sobre a cadeira. 

-Este garoto salvou nosso filho de ser considerado louco, mesmo arriscando comprometer a imagem de seu pai se o boato fosse tomado como verdadeiro. –o Ivan se arriscou bastante mesmo para proteger meu segredo. Meu pai após ter dito tais palavras, abraçou minha mãe. – eu sei o quanto você sofreu com isto. Não foi fácil escapar das línguas afiadas das pessoas. – sussurrou.

-Eu ainda acho que deveríamos levar o nosso menino a um psicólogo. Porque se ele se comportasse como um adolescente normal, não teríamos problemas deste tipo. – lembro que eu senti uma dor gelada no peito devido a estas palavras.

-Devemos ser cautelosos, não sabemos como ele irá se comportar quando anunciarmos que iremos levá-lo a um psicólogo, porque poderemos até piorar a situação. Pensaremos nisto mais tarde, ele já deve estar chegando. – realmente, eu estava chegando para encarar a realidade.

Entrei na cozinha e com muito esforço procurei disfarçar o sentimento de mágoa que me envolvera. Disse para minha mãe que não estava me sentindo bem e que iria subir para meu quarto. Logo após o aceno de aprovação me retirei da cozinha, e me dirigi ao quarto subindo degrau por degrau vagarosamente. Abri a porta, retirei meu boné e em seguida coloquei-o apoiado no cabideiro ao lado da porta. Liguei meu computador como de costume e enquanto aguardava o mesmo encerrar suas atividades de apresentação, retirei meus tênis pretos da marca all star e logo depois me joguei na cama. Permaneci sobre ela com meu braço direito sobre a testa refletindo sobre as palavras que ouvira agora a pouco. Talvez fosse melhor consultar um psicólogo mesmo, eu só não tinha certeza se conseguiria confiar o meu maior segredo a ele. Eu não avisara a minha mãe sobre o convite de Ivan, pois teria bastante tempo para me recuperar para poder pedir sua aprovação.

Logo após alguns minutos, resolvi levantar e me dirigi ao computador. Sentei na cadeira acolchoada e comecei a mover meus dedos sobre o teclado negro. O hábito me impulsionou a ligar o MSN, desejei que Ivan estivesse online, mas provavelmente não estaria. Quando chequei percebi que realmente não estava. Digitei o endereço do site que me manteria ocupado por alguns minutos, pois como eu gostava de ler fanfics de animes não resisti a conferir um possível capítulo novo da última que eu acompanhava. Eu era fã do anime chamado Bleach, por isto eu estava acompanhando há algumas semanas uma fanfic com o título “O desafio de Aizen” de um tal de Blietzkrieg.O Ivan havia me dito que este Nick fora uma tentativa frustrada de uma pessoa de digitar o nome de uma doutrina militar, utilizada pela Alemanha nazista de Hilter em ataques surpresas na segunda guerra mundial.Ele me disse que o nome da estratégia era “Blitzkrieg” e que aquela letra “e” intrusa lhe dava arrepios.Quando ele observou isto me mandando uma MP neste site, eu procurei pronunciar a palavra para ver com o que ela se pareceria.Nada muito chamativo, apenas uma suástica deficiente.

Infelizmente não havia capítulo novo. Procurei alguém interessante online no MSN para trocar palavras, mas não havia ninguém. Digo isto, porque naquele momento eu considerava a Letícia uma ninguém, assim como o Adriano e a Carol que estavam online. Assim que eu atualizei a página do site de fanfics, percebi que havia uma mensagem nova. Tratava-se de uma propaganda sobre um novo capítulo da fanfic da qual eu estava acompanhando. Pelo menos poderia me entreter por alguns minutos.

Uma hora depois, resolvi levantar da cadeira para me dirigir até a sala à procura de minha mãe. Não resisti e parei em frente ao espelho do meu guarda-roupa para encarar o maior idiota de todos os tempos. Corri os olhos pela minha face, observei meus lábios semelhantes aos de minha mãe. Por algum motivo eu me via mais pálido aquele dia como que de costume. Eu não odiava a minha aparência, pouco me importava com ela na verdade, até gostava de ter cabelos negros e lisos como os de meu pai. Pensando bem, acho que gostaria de ter os cabelos castanhos da minha mãe. Gostava também da minha boca com a pequena saliência, meio felino, mas eu não gostava muito daquelas pintinhas próximas de minhas bochechas sobre meu nariz. Eu não era um deus grego, mas possuía uma aparência que ainda virava alguns rostos. E aquelas sardas me faziam parecer com aquele tal de menino maluquinho. Bom, eu não podia reclamar, pois era mesmo maluquinho, talvez eu deveria ter saido por aí com uma panela de pressão sobre a cabeça.Não! Naquele momento percebi que não seria uma boa idéia, porque eu já havia feito idiotices demais naquele dia e a cota provavelmente já havia se esgotado. A única pinta que eu gostava era a do meu pescoço do lado esquerdo, que de certa forma parecia ser uma dica sobre eu ser canhoto como meu pai.

Atravessei a porta do meu quarto e desci as escadas, avistei minha mãe de longe sentada no sofá assistindo TV. Aproximei-me e chamei seu nome, ela acenou para mim e eu tratei de sentar no sofá junto dela.

-Mãe, o Ivan me convidou para ir até a casa dele. – tinha que me apressar, faltava apenas uma hora para ás 3 da tarde. Inclinei meu corpo e ela me abraçou afagando meus cabelos em seguida. Minhas palavras flutuaram ao redor dos cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo.

-Seu pai me disse. Se você quiser ir, por mim tudo bem. – tais palavras apertaram a minha bochecha direita.

-Obrigado. – agradeci, e por um momento senti vontade de chorar sobre o conforto do colo de minha mãe. Não sabia que ela havia passado noites em claro devido ao incidente com o Sérgio. A palavra que saiu da minha boca flutuou no ar e depois despedaçou em cacos de vidro sobre o meu rosto.

Levantei-me e subi para o meu quarto novamente, desta vez para me arrumar. Após uma porção de minutos lá estava eu sobre minha bicicleta, pedalando por uma rua pouco movimentada em direção á um casarão no centro do bairro. A casa de Ivan fazia qualquer pedestre sentir inveja. Eu raramente via seu pai, como pude ver aquele dia, logo após adentrar o casarão devido ao empregado que me atendera abrindo o portão principal. O Dr. César caminhava pelo jardim da frente da casa de 3 andares, provavelmente estava aproveitando as raríssimas folgas que recebia. Estacionei minha bicicleta apoiando-a contra o tronco de uma macieira em pleno jardim da frente e logo depois me dirigi até o médico. 

-Boa tarde Dr.Cesar. Tudo bem com o senhor? – aposto que o neurologista não fazia a mínima idéia do tremendo esforço que eu fizera para conseguir ordenar as palavras corretamente, mesmo treinando durante 20 minutos de pedaladas. Estiquei a palma de minha mão para cumprimentá-lo com um sorriso no rosto, felizmente eu havia herdado os dentes regulares de meu pai que me protegeram dos aparelhos odontológicos.

-Olha só quem apareceu. – o senhor de pele corada, cabelos totalmente grisalhos e aparência robusta sorriu. - Boa tarde, Lucas. Estou bem e você? Como vai o Dr. Augusto e a Sandra? Faz muito tempo que não os vejo, sabia? – realmente fazia muito tempo; a última vez que o Dr.César viu meus pais, foi em uma pequena reunião em nossa casa para poder discutir o caso do Sérgio, há alguns meses atrás. Com um aperto de mão extremamente forte, o médico pressionou quase triturando meus ossos. 

-Estão todos muito bem, e a Dra.Lúcia como vai? – me esforcei em olhá-lo nos olhos.

-Ela está bem, estava com saudades de você. Disse que você é muito divertido quando conta algo sobre a convivência no colégio com os amigos. Vamos, pode entrar. O Ivan está no quarto lá em cima. – dizendo tais palavras, o médico me acompanhou até a porta de madeira muito bem polida. Eu também estava com saudades da mãe de Ivan, ela era uma pessoa bastante interessante, pois a sua paciência era fora do comum. Digo isto, pois ela apesar de ouvir muitas das minhas idiotices, em nenhum momento resolveu me criticar, pelo contrário. 

-Obrigado. – agradeci, senti que as palavras a qualquer momento poderiam se revoltar, por isto tratei de diminuir o número das mesmas em cada frase.

-A Lúcia não está em casa, mas eu avisarei que você esteve aqui, ela ficará um pouco triste por saber que não pôde te ver, mas creio que ela superará facilmente. – dizendo tais palavras, o médico colocou a mão em meu ombro e abriu a porta de madeira. – você deve saber onde fica o quarto de Ivan, qualquer dúvida pergunte o Lamon. Trata-se daquele empregado que lhe atendera agora a pouco. – acrescentou, e com um sorriso no rosto fechou a porta de madeira atrás de mim gentilmente. Pude deduzir com isto que ele estava de saída antes da minha chegada.

Como ele já esperava, eu realmente sabia onde era o quarto do garoto, mas assim que subi as escadas dei de cara com ele.

-Sempre pontual. São 3 horas em ponto. – as palavras do garoto, congelaram meu corpo como se eu estivesse perante uma densa tempestade no Alaska.

-Tive sorte. – minhas palavras se transformaram em uma pequenina chama, semelhante aquela emitida por um isqueiro.

-Temos muito o que conversar e também temos o jogo para aproveitar. Venha, você sabe que o tempo voa, portanto apresse-se. – as palavras do garoto me acorrentaram. Ele estava usando uma calça jeans semelhante a minha, e uma camiseta branca de manga comprida. Calçava seu tênis preferido da marca Mizuno.Estava com as mãos nos bolços e permanecendo assim se virou dirigindo-se ao seu quarto.

-Certo. – acenei positivamente com a cabeça e o acompanhei. Eu estava com uma camiseta preta e com uma letra L prata presa a uma corrente. Tratava-se do símbolo de um personagem de um dos meus animes preferidos, tal anime se chamava Death Note. Aquele personagem poderia sim destruir aquelas correntes com suas sentenças facilmente, mas eu não tinha esta capacidade, estava preso pelo mestre das palavras. 


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Notas finais do capítulo

Comentem, por favor ^^.