Já era noite. Eu me pegava observando o teto de meu quarto que eu dividia com meu irmão. Amanhã era o dia da Colheita, e meu nervosismo era explícito.

A sociedade agora pode ser tão cruel ao ponto de inventar jogos como esses? Nós sobrevivemos com a padaria. Nós temos comida. Mas as outras pessoas. Elas não.

Pesadelos invadiam minha mente assim que eu fechava os olhos por um sequer instante, e então a unica alternativa pra não me cansar tanto seria só pensar. Pensar em tudo.

Estava tudo escuro. A janela estava aberta, e não tínhamos uma das melhores iluminações. Percebia pelo barulho que caia uma chuva fina. 

Ela estaria dormindo agora?Ou estaria perturbada demais pra isso?  Ela deve estar preocupada sobre sua irmã. É o primeiro ano dela. Mas acho que não tem chance de seu nome ser sorteado. 

Aposto que ela canta pra sua irmã antes de dormir. Sua voz é tão linda. Tão bela. Eu não sei por que ela não a usa mais. Deve ser por causa de... seu pai. Eu me senti muito mal quando ele se foi. E ela também. E foi assim que tudo ocorreu.

Dei um pão pra Katniss, mas deveria ter ido lá. Não jogado como se ela fosse um cachorro. 

Ela sabe da minha existência?

xx---

Acordei com a luz do sol vindo diretamente a minha cara. Estava bem fraca. O resto do céu nublado.

- Hey Pee! Pee! 

Senti um peso sobre mim e era só meu irmão me alertando que hoje o dia seria cheio. - Hora de acordar, Pee!

Resmunguei um 'já vai' e me levantei. 

O café da manhã de hoje sempre era um dos melhores. Bolos confeitados e pães já assados da hora feitos por meu pai. Essa era uma das melhores coisas que me faziam esquecer de todo esse pesadelo. 

- Obrigada. - eu disse enquanto me sentava a mesa.

Depois de comer vesti a roupa de hoje. Minha mãe estava escovando o cabelo de minha irmã, por isso nem dava atenção pra mim. Saí pra observar como estava o movimento fora da padaria.

Um dente-de-leão estava exposto na lateral da janela.  O peguei, e passei meus dedos sobre ele. Me transmitia um pouco de paz. Apenas sentei e fiquei esperando a hora de ir.

xx---

A família estava pronta. Chegamos a praça e a expressão de horror e de tristeza nas crianças me dava náuseas. Como um governo pode ser tão horrível ao ponto de fazer essas crianças lutarem?

A localizei com o garoto que sempre andava. Sua irmãzinha estava apavorada. Olhei no olho de Jason, sabendo que também era sua primeira Colheita. Ele a observava com fascínio. Mas não havia pavor em seus olhos. Só admiração.

Foi chegando a minha vez de ser registrado. A fila estava andando rápido demais pro meu gosto. Senti uma pontada no dedo e o pacificador já foi gritando "Próximo!".

Me amontoei com a multidão e esperei a mulher estranha vir anunciar quem seria os garotos torturados. Olhando para os lados, vi minha mãe e meu pai lado a lado, murmurando um 'tudo vai ficar bem, filho'. 

Somente nessas horas eu percebia o quanto eles temiam em perder quem mais amavam. 

Fazendo silêncio entre nós, ela chegou ao palco.

- Bem vindos! Bem vindos! - ela parou e olhou de rosto em rosto - Bem vindos ao Jogos Vorazes! 

Tenho certeza que se o nosso regime não fosse tão rígido, uma chuva de vaias cairia sobre ela nesse instante. 

- Vamos ver o nosso vídeo, queridinhos!

Esse video era uma tortura. Passava sempre.  "Guerra, terrível guerra". Ela acompanhava as palavras ditas e assim que terminou, bateu no seu microfone.

- Damas primeiro. 

Agora os olhos de todas as garotas estavam arregalados e ansiavam por não serem chamadas. Frustadas era a palavra. 

- Primrose Everdeen!

Meu coração falhou. Era a irmã de Katniss. Oh droga. Ela... ela... ela é tão pequena! Ela não aguentaria os jogos. 

Abriram espaço pra ela. Fiz um careta de ódio contra a capital, sabendo que eles não a veriam de qualquer jeito. Pessoas murmuravam e eu só queria silêncio. 

A garota loira foi subindo mas assim que tinha chegado ao palco mais uma vez Katniss me surpreendeu.

- Eu me voluntario! Eu me voluntario como tributo!

Descobri que o nome da mulher no palco era Effie. Ela se virou para trás e abriu um sorriso sínico. - Que bonito. Temos uma voluntária! 

Ela abraçou Primrose, e ela estava se esgotando de chorar. Seu amigo que era muito alto a pegou no colo, e eu percebi que tinha feito uma promessa de cuidar dela. 

Ela foi subindo ao palco, e percebi o quanto era corajosa. Mais uma qualidade pra que eu possa listar no porquê que eu gosto dela. 

- Agora os garotos... - Effie dizia enquanto mexia nos papéis.

Quando escolheu, eu apenas fechei meus olhos e pedi pra não ser eu. Se fosse eu, minha escolha seria mata-lá. E eu nunca me perdoaria por tal ato.

- Peeta Mellark!

Meu coração falhou novamente. Mas agora tinha realmente parado de bater. Minha expressão era de choque, e não sei como eu me movi para aquele lugar.

Assim que nossos olhos se encontraram, eu pude relembrar da cena que nós dois tinhamos vivido juntos.

E percebi que ela também tinha se lembrando.

- Apertem as mãos, - disse Effie impaciente.

Ela hesitou por um instante, o que apertou meu coração. Mas depois sem mesmo sorrir, pegou minha mão com frieza.

- Uma salva de palmas para os tributos do distrito 12! 

Mas o que eu vi era somente um sinal de luto por toda população.  Isso realmente não era justo.