For Amelie - 2a Temporada escrita por MyKanon


Capítulo 25
XXIV – Novos ares


Notas iniciais do capítulo

Música: Butterfly Cry (Kerli)
Link: http://www.youtube.com/watch?v=z0sz3SmDlb4
Beta reader: Keli-chan

*



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Girei o canudo no copo de milk-shake.

_ E então... Você vai me falar agora?

Eu não estava muito a fim, não...

Levantei os olhos para a minha amiga logo à frente.

Baixei-os novamente para o milk-shake. Dei um longo gole enquanto pensava no que eu queria falar.

O tempo que fiquei na cadeira do salão sendo tingida, alisada, secada - e queimada algumas vezes – não fora suficiente para decidir o que contar.

O que eu tinha para contar se nem mesmo eu entendia?

A Thaís havia pedido também para que a moça do salão me passasse uma maquiagem à prova d'água nos olhos.

Sem necessidade. Eu não tinha vontade de chorar. Minha tristeza havia evoluído para uma apatia que eu tinha a sensação de que seria eterna.

_ O Aquiles voltou com a Daphne. – disse, sem tirar o canudo da boca.

Houve silêncio, e pensei que ela não havia escutado. Voltei a encará-la, para saber sua opinião.

_ O que foi que você disse? - perguntou ela, parecendo ter certeza de ter ouvido errado.

_ Que o Aquiles voltou com a Daphne.

Primeiro ela gargalhou, depois voltou a me encarar seriamente.

_ Como assim, Cris? Você tá falando sério?

Balancei a cabeça positivamente.

Ela encheu os pulmões de ar e abriu a boca, mas não saiu som algum. Estava literalmente sem palavras.

Depois de se recuperar, começou:

_ Perdi alguma coisa? Foi ele quem te disse isso? Não, espera! Foi a Bia, não foi? Ah, eu mato aquela menina!!!

_ Não. Ele mesmo quem disse. Claro que não com essas palavras... Mas... Para bom entendedor...

_ Alto lá, Cris! Então é você quem está interpretando as coisas! Conte-me exatamente o que houve! E seja fiel aos argumentos do Aquiles!

Eu precisava de mais milk-shake para repetir aquela conversa. Dei mais um longo gole. Deixei o copo sobre a mesa e suspirei.

_ Ele disse que precisava de um tempo. Se ficasse comigo, acabaria me magoando.

_ Poxa, Cris... Não é tão ruim assim...

_ Mas ele decidiu isso ontem, com a Daphne.

Ela enrugou as sobrancelhas, parecendo não entender.

_ Hoje de manhã você me contou que até tiveram a primeira vez e que tinha sido irritantemente lindo!

_ Sim. Eu disse. Mas até então não sabia da decisão deles.

_ Tem certeza que é por causa dela?

_ Ele não admitiu. Disse que não estava “escolhendo”. Mas... Não tem explicação, Thaís. Você há de convir comigo.

Dessa vez, quem deu um longo gole no milk-shake foi ela. Então pensou um pouco antes de dizer:

_ Não sei, Cris. Teremos de esperar para ver. Talvez não seja...

_ Não precisa me poupar. Estou bem.

_ Não é isso. Se ele fosse um completo cafajeste, seria pego no meu radar, acredite. Mas... meu radar não capta os meio-cafajestes...

Forcei uma risada.

_ Ah, Deus... Até quando nós mulheres seremos obrigadas a nos apaixonar por eles, homens?

_ Na verdade, já existe uma alternativa...

_ Hum-hum... – negou. – Desilusão não é motivo suficiente para troca de opção sexual. Tem que ser sincero e-

_ Já entendi, Thaís.

Não pretendia me aprofundar em assuntos tão polêmicos. Ainda não conseguia raciocinar direito.

_ Certo, então... E aí, como vão os estudos para o vestibular? – perguntou, tentando me distrair.

_ Acabei faltando no cursinho hoje... Mas eu recupero.

_ Exato! Não permita que pequenas tragédias cotidianas afetem seus estudos. Pois isso foi uma pequenina tragédia, não é mesmo? Um fato praticamente imperceptível... Desprezível. Foi assim... Algo que não te fará falta alguma! Na verdade, arriscaria dizer que foi até bom, você não acha? Ou melhor, você já deveria ter terminado com aquele babaca primeiro, não é mesmo?

Como ela parecia não parar tão cedo, resolvi intervir:

_ Thaís... pensei que mudaríamos de assunto...

_ Ah, é verdade! Você é quem deveria odiá-lo! Desculpe!

Dessa vez meu riso foi espontâneo.

_ Não... Eu não o odeio, Thaís. Eu só...

Amava. Mas por que falar dele?

_ E se voltássemos a falar do vestibular? - sugeri.

_ Claro! Você não me respondeu como vão seus estudos!

_ Respondi, mas você se enfureceu em seguida...

_ O ódio cega, amiga. E no meu caso, ensurdece também. Poderia repetir sua resposta para continuarmos nossa conversa casual e segura?

Gostaria de ser tão espirituosa e desenvolta como a Thaís. Antes que eu pudesse continuar com a nossa conversa “segura”, dois rapazes se aproximaram, e já puxando as cadeiras livres de nossa mesa, um deles perguntou sorridente:

_ Olá moças, será que esses lugares estão vagos?

Fiquei sem saber como agir. Estavam vagos sim, mas não disponíveis!

Mas a Thaís teve mais presença de espírito que eu:

_ Estão sim. E esses aqui também ficarão se vocês os ocuparem. - disse indicando nossas cadeiras.

Não aguentei e soltei uma discreta risada. Ela deveria estar acostumada com esse tipo de situação.

_ Certo, certo! Nos desculpem, então!

Dando meia volta, sentaram-se em outra mesa. Não senti pena, pois provavelmente tentariam a sorte com outras duplas de amigas.

_ Com um grande dom, vem uma grande responsabilidade, Cris! Vá se acostumando!

Mesmo suas filosofias baratas de filmes e revistas adolescentes me animavam de certa forma.

Terminamos com os nossos milk-shakes e ainda perdemos mais algum tempo conversando sobre qualquer outra coisa que não relacionamentos.

No fim da tarde liguei para a minha mãe pedindo que me desse uma carona até em casa, e a Thaís ficou por lá mesmo para encontrar com o namorado.

_ Quer dizer então que a mocinha andou matando aula? - ela perguntou assim que embarquei.

_ Ah... Me desculpe, mãe. Eu... Acabei indo ao salão com a Thaís...

_ É, e ficou mesmo linda. Mas... Eu sei que você é um gênio e tudo mais, mas cuidado. Não confunda suas prioridades.

_ Eu não farei mais. Te prometo, mãe. Mas eu precisava mesmo dessa tarde... Eu não conseguiria me concentrar.

_ Hum. - ela deu uma breve olhada para mim e então voltou sua atenção para a direção. – Parece que algo não vai bem.

Já que era impossível esconder, decidi ir direto ao ponto:

_ O Aquiles terminou comigo.

_ Hum... Mesmo? - perguntou sem me encarar.

_ Sim. Eu não entendi direito seus motivos, mas... Tudo bem. Se ele precisa disso... Tudo bem.

Nada parecia bem. Mas eu daria o melhor de mim para que ficasse.

Minha mãe preferiu não continuar a conversar durante a viagem, então só ouvimos música até chegar em casa.

Eu também preferi tratar de outros assuntos enquanto comia ou via televisão com ela. Quando senti sono, subi para o meu quarto e me deitei depois de me trocar.

Não queria que o sono fosse embora. Tinha medo que a dor ficasse proeminente enquanto eu estava sozinha e no escuro.

_ Mel? - minha mãe chamou da porta. – Já dormiu?

_ Não. - respondi sem me mover.

Ouvi-a adentrar meu quarto e caminhar até minha cama. Sentou-se à beira dela e acendeu o abajur. Observou-me demoradamente e então disse:

_ Essa cor ficou ótima em você, é marrom?

Ela não veio até meu quarto só para falar da minha tintura...

_ Marrom dourado.

_ Hum! Não vou me esquecer!

Ela inclinou-se novamente para o abajur a fim de apagá-lo, mas parou. Perguntou:

_ Tudo bem?

Balancei a mão para os lados em sinal de “mais ou menos”. Ela deu leves palmadinhas na minha perna e disse:

_ Sua vida está apenas começando. Não a desperdice.

_ Não farei isso, mãe.

_ Jura?

_ Juro.

_ Ok. - ela me deu um beijo e se levantou. – Você disse “marrom dourado”, né?

Confirmei com um aceno de cabeça.

Então ela apagou o abajur e deixou o quarto.

Voltei a sentir medo da dor. Mas pensei nas pessoas que faziam parte da minha vida. Eu estava no lucro.

 

*~*~*

 

Como de costume, fui a primeira a chegar na terça-feira. A primeira aula era de física, no bloco 2. Estava silencioso e escuro.

Sentei-me no banco perto da porta e tirei meu livro da mochila. Fazia tempo que eu não lia. E ler prenderia minha atenção. Não queria olhar toda hora para a porta do banheiro feminino, onde tudo havia começado.

_ Bom dia... Mel.

Por que tinha de ser ele o segundo a chegar? E por que tinha de se dirigir a mim? Não tínhamos escolha, precisávamos nos suportar por mais um mês até que tudo acabasse, mas exigia cooperação de ambas as partes.

 

Did I hurt you?

Eu te machuquei?

Did I ever made you bleed inside?

Eu nunca fiz você sangrar por dentro?

Did I kill you?

Eu matei você?

 

_ Amélia Cristina, por favor.

Fechei o livro e decidi encará-lo com firmeza.

_ Não posso mais chamá-la pelo seu apelido?

_ Na verdade, eu nunca permiti, você se lembra? E agora não temos mais nenhum tipo de ligação que te permita burlar minhas restrições.

Percebi que a apatia era apenas um manto que me mantinha morna e confortável diante das pessoas que não mereciam minha fúria. Manto esse que era atirado para bem longe, de preferência numa fogueira, quando o Aquiles falava comigo.

Ele ficou sem palavras por um instante, então voltei a erguer o livro na altura dos olhos. Não tinha concentração para ler, mas não queria mais dar-lhe atenção.

_ Eu só não queria que tudo ficasse assim...

Continuei ignorando-o.

_ Não podemos fazer de uma forma em que ambos fiquem bem?

Ele baixou meu livro com uma das mãos, até que nos encarássemos novamente. Como ele se atrevia?

_ Deixe-me ver... Claro. Não nos falarmos seria um bom começo. E por favor, não toque meus pertences.

Voltei o livro para a mesma posição.

Não tinha jeito. Uma ferida só se cura na ausência de escoriações. Será que ele não entendia?

 

I didn't mean to make you hide yourself,

Eu não quis dizer para você se esconder

Find you in you, beautiful

Ache você em você, lindo

Do not grow the seeds of pain in you,

Não cresça sementes de dor em você

Goodbye

Adeus

 

_ Criiiiisss!!!

A Thaís correu na minha direção e me cumprimentou. Em seguida, postou-se entre mim e o Aquiles.

_ O que foi? - ouvi-o perguntar.

_ Sou a assessora da Cris daqui em diante. Só permitirei que fale com ela, se ela autorizar.

_ Vocês mulheres... Sempre unidas contra nós, não é? - perguntou em tom de brincadeira.

_ Você em compensação, Aquiles, conseguiu fazer uma cagada sem ajuda de nenhum outro homem... Você foi exilado da categoria?

_ Calma, Thaís...

Percebi que ele tentou me ver através da minha amiga.

_ Deixa pra lá.

Dizendo isso, deixou o bloco.

Eu realmente não queria precisar envolver a Thaís no meio de todo aquele rolo. Era responsabilidade minha resolver os meus problemas. Mas ainda me sentia frágil, e com medo de não ser firme o suficiente.

Era covardia, mas eu aceitei a “assessoria” da minha amiga.

Aquele foi o meu dia mais esquisito de aula.

Quando eu estava sofrendo por estar apaixonada por um cara comprometido, eu pelo menos sabia o que acontecia com meu coração, mas naquela situação...

Eu não conseguia definir nada. Parecia sentir um ódio mortal dele, mas toda vez que nossos olhares se encontravam, doía.

Na quarta-feira a aula de biologia foi quase insuportável.

Lá estávamos nós, o grupo mais controverso da sala.

O Aquiles sentou-se do outro lado da mesa, e do lado dele, a Bia, que infelizmente ficou de frente à mim. Ao meu lado, o insosso do Rafa.

_ Hum... Então parece que estão brigados de novo... - a Bia começou. – E justo hoje que a Cris tá toda gatinha!

Suspirei e continuei copiando minha lição.

_ Ih, parece que a coisa foi mesmo feia... Você está vendo só, Rafa? Estamos sendo completamente ignorados...

O Rafa riu e virou-se para mim, mas ao notar minha expressão completamente avessa à brincadeira, parou imediatamente de sorrir.

_ Aconteceu mesmo alguma coisa? - ela insistiu.

Fiquei desconfortável. Será que ele queria esconder?

_ Bia, não vamos falar disso, tá bom? - pediu o Aquiles.

Esconder pra quê? Para me ter disponível se quisesse voltar? Não, isso não.

_ Nós não temos mais nada, Bia. - respondi ainda prestando atenção ao que escrevia em meu caderno.

_ Oooo quêêêê?? - perguntou baixo, mas debruçando-se sobre a mesa na minha direção.

Quase deixei escapar “Não era o que você queria?”, mas preferi não descer o nível novamente.

Encarei-a sem emoção alguma e simplesmente confirmei:

_ É. O que foi? - perguntei ao notar que o Aquiles me encarava com insistência.

_ Não, nada.

Ambos voltamos a copiar a lição da lousa, enquanto a Bia manteve-se mais algum tempo boquiaberta. O caminho estava livre novamente.

Assim que o sinal tocou, o Aquiles deixou a mesa, e a Bia correu em sua direção pedindo que ele esperasse por ela.

Ela era do tipo que não deixava nem mesmo o corpo esfriar.

Senti uma fisgada ao imaginá-los juntos, mas já não era da minha conta. Eu tinha que lidar com isso.

 

Let the butterflies cry,

Deixe as borboletas chorarem

Let them cry for you.

Deixe elas chorarem por você

You just dry your eyes,

Você apenas seque os seus olhos

Because the world is wonderful.

Porque o mundo é maravilhoso.

 

_ Sinto que cheguei tarde demais! - exclamou a Thaís ao se deparar com a minha pessoa imóvel, encarando um ponto inexistente no ar.

Sacudindo a cabeça para me fazer acordar, neguei:

_ Você não tem responsabilidade nenhuma sobre a minha idiotice, Thaís.

_ Tenho sim, como sua assessora!

_ Não precisa mais disso... Eu estou bem...

_ Bem doida, amiga. E não tiro sua razão... Sentada numa mesa com as espécies mais perigosas de seres humanos... Um conquistador e uma desclassificada... Admiro sua garra! Vai, vamos dar um rolezinho básico.

_ Ah, não... Acho que vou ler um pouco...

_ Nada disso! Paz e sossego são para os fracos! Anda, tenho que te mostrar que a ETE não se resume ao 3ºC!

_ Mesmo assim Thaís, acho que-

_ Você não está em condições de achar muita coisa, Cris. Eu como sua assessora vou achar pra você. Agora venha antes que eu te amarre e puxe pela escola, combinado?

Eu ainda estava contrariada, mas a Thaís era extremamente persuasiva. Se eu não fosse, chegaríamos a uma discussão feia.

Juntamente com a Camila andamos por quase toda a escola. Em todos os lugares elas paravam para conversar com alguém. Eram extremamente sociais.

Pelo menos os novos rostos amenizaram um pouco a lembrança dos antigos.

No fim das aulas, descemos juntas para a portaria, e só quando subi a passarela lembrei que corria o risco de encontrá-lo no ponto de trólebus.

“Devia ter pedido para a Thaís vir comigo!”

Mas por sorte não o encontrei lá.

Quando cheguei em casa, preparei um rápido almoço e saí. Queria chegar cedo ao meu cursinho e me atualizar sobre o que havia perdido na aula anterior.

Antes de começar a aula, o professor distribuiu umas provas que haviam sido aplicadas no dia que eu faltara, e então eu me lembrei que era a parte que havia faltado do simulado.

Fiquei frustrada por tê-la perdido, e mais frustrada ainda quando fomos dispensados ainda antes do intervalo.

Não compensava esperar minha mãe me buscar, então pensei em ir andando para casa.

Pouco antes de chegar ao portão de saída, reconheci o Caio que andava vagarosamente por estar atento a um panfleto que tinha em mãos.

_ Oi, Caio.

Ele me fitou brevemente e voltou a ler o papel.

_ Oi.

Já estava acostumada à sua falta de educação.

_ Como foi na simulação da redação?

_ Bem. - Ainda sem me dar atenção.

Sem resistir à curiosidade, olhei de relance para o panfleto em suas mãos. Dizia alguma coisa sobre a taxa de inscrição do nosso vestibular. Esforcei a vista para tentar enxergar mais um pouco. Era sobre a isenção do pagamento. Parecia uma informação importante, afinal a taxa era realmente salgada.

_ Você quer ler ou me abraçar?

Me dei conta que estava que estava quase me debruçando sobre ele para ler o papel.

_ Ah, desculpa, é que eu vi que se tratava da inscrição do vestibular...

_ Você sempre lê correspondência alheia?

_ Hã? Não, eu só queria ver...

_ Sabia que é crime federal?

Ele continuava petulante.

_ Então me denuncie.

Arranquei o papel de suas mãos. Se ele queria brigar, que fosse por um bom motivo.

O prazo de inscrição para isenção de taxa ia até o fim da semana, num colégio que eu não conhecia. Quando terminei de ler, estendi o papel de volta a ele:

_ Muito obrigada pela infinita gentileza.

_ Disponha. - respondeu irônico ignorando o papel estendido em sua direção.

Ele me deu as costas e continuou andando.

_ Só mais uma pergunta, Caio. Você sabe onde fica esse colégio?

_ Sim.

_ Onde é?

_ Você disse que era apenas uma pergunta.

“Ai que ódio desse menino!”

Apertei o passo até alcançá-lo.

_ Você se esforça muito ou é naturalmente irritante?

_ É relativo. Qual é o seu método?

_ Estou tentando ser agradável desde o começo! Mas nada funciona com você! Talvez um soco?

_ Já seriam dois crimes seus contra mim.

_ Viu? Você já respondeu a mais duas perguntas. Por que não pode me dizer onde fica a porcaria do colégio?

Ele bufou impaciente e finalmente me encarou:

_ Estou indo para a porcaria do colégio. Você vai ou fica?

_ Do que precisa?

_ RG e carteirinha da escola.

Revisei mentalmente se tinha todos os documentos lá.

_ Tá, então eu vou. É muito longe?

_ Dois quarteirões.

Dizendo isso, voltou a andar. Não vi alternativa a não ser segui-lo.

_ E aí... Como está o seu pai? - perguntei, incomodada com o silêncio.

_ Bem.

_ E a sua irmã?

_ Também.

_ E a sua mãe? - admito, foi uma provocação.

_ Bem. - que não deu certo.

Caminhamos mais algum tempo sem dizer nada. Era quarta-feira... Dia do Aquiles trabalhar com o pai dele... Não me permiti continuar nessa linha de pensamento:

_ E a escola, como vai?

_ Se você está incomodada com a falta de assunto, por que não canta?

_ Porque tenho vergonha que alguém ouça. Cante você.

_ Eu não estou incomodado.

_ Mas me faria parar de falar.

Sua expressão pareceu verdadeiramente indecisa:

_ Agora você realmente me deixou em dúvida... Minha dignidade ou meu sossego?

Ri de sua análise.

 

I have been there,

Eu fui lá,

I used to belive there was no light

Eu custumava acreditar que não havia luz

But I found out,

Mas eu achei

Oh, life is far too short to fight

A vida é muito curta para lutar

 

_ Caio, você poderia ser bem legal, se não fosse tão chato...

_ Já você... É um caso perdido.

_ Você só não quer admitir.

_ Assim como você.

Senti minhas bochechas se aquecerem levemente. Isso me fez calar. Mas a lembrança do Aquiles voltou a me torturar.

_ E a sua mãe, como está? - dessa vez, ele começou.

_ Ótima.

Ele silenciou por um instante, e então concluiu:

_ Viu? Eu não sei fazer isso.

_ Estava indo bem. É só continuar tentando.

Ouvi-o rir discretamente, desacreditando nos conselhos que estava recebendo.

 

Loose yourself, let go of your pain,

Se liberte, deixe ir da sua dor

Taste the air you breathe and kiss the sky.

Saborear o ar que você respira e beijar o céu.

Goodbye

Adeus

 

Continuamos dialogando sucintamente até chegarmos ao colégio, onde entregamos nossos documentos e preenchemos uma ficha.

Em seguida, iniciamos o caminho de volta.

_ Mas e então, você e sua irmã estão sempre em atrito como lá no parque?

_ Não. A pirralha até que é da hora. Se compararmos com outras garotas por aí. - nesse momento ele me encarou.

_ Quer dizer alguma coisa com isso? - perguntei solícita.

_ Por quê? Você se identificou com a descrição?

_ Não, mas como você não tem muita coragem de ser direto, achei que deveria subentender alguma coisa...

_ Eu o quê?

Faltavam poucos metros para alcançarmos o portão do cursinho, mas a discussão nos fez diminuir a velocidade até finalmente pararmos.

Será que ninguém nunca o enfrentara daquela forma?

_ Você...

Estávamos tão próximos. Quando isso havia acontecido?

 

Let the butterflies cry,

Deixe as borboletas chorarem

Let them cry for you.

Deixe elas chorarem por você

You just dry your eyes,

Você apenas seque os seus olhos

Because the world is wonderful.

Porque o mundo é maravilhoso.

 

Fiquei um pouco atordoada ao constatar isso.

Podia enxergar meu reflexo nos seus olhos negros. Ele era mesmo bonito. Por que eu não notara antes?

 

Oh, because the world is wonderful

Oh, porque o mundo é maravilhoso

 

Senti meu rosto em chamas. Virei e continuei a andar.

_ Ganhei. - ouvi-o dizer logo atrás de mim.

_ Você tem sérios problemas, Caio. - disse ainda sem me virar.

Ouvi-o rir.

Aquela sensação de segundos atrás me assustara. Eu estava extremamente volúvel. E eu era um perigo quando ficava assim.

 

And yeah, because the world is wonderful!

Oh sim, Porque o mundo é maravilhoso!

 

 

Continua


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