POV MADALENA

Quando cheguei no colégio primeira coisa que fiz foi correr pro banheiro e me enfiar debaixo da água. Que bem me soube um banho.

Vesti uma roupa lavada e pus a outra pra lavar. Estava com fome, praticamente por minhas contas em vinte e quatro horas apenas tinha comido meio pacote de bolachas. Desci até á cantina e peguei meu tabuleiro. Sentei na mesa. Na minha mesa. Onde mais ninguém se sentava, que ninguém ligava e achava mesmo que muitos nem sabiam da existência, e aqueles que sabiam só se lembravam dela quando era pra me xingar.

Comia sossegada e de vez em quando desviava o olhar pra mesa dos populares, onde sempre se sentava Tiago, mas dessa vez ele não estava lá, o provável era estar acomodado no velho sofá cor verde tropa.

Do nada um ruido bem forte que fazia os ouvidos estalar se fez ouvir. E depois do barulho a voz do diretor saltou pelos altifalantes.

_ “Todos os alunos terceiro ano que se encontram no colégio, têm cinco minutos para se reunirem na sala de convívio. Não se atrasem , nem testem minha paciência. Acho que fui bem claro.” – de novo o barulho irritante pra desligar os altifalantes e depois o falatório se espalhou pela cantina.

O que este queria a uma hora dessa da manhã? Coisa boa não era com certeza! Me despachei e fui até ao ponto combinado onde ele já marcava presença.

Se antes não tinha certeza, agora tinha toda. Era coisa ruim, pra ele já lá estar. Quando era coisa boa ele sempre se atrasava pra fazer um pouco de suspense. E esse não era o caso.

Os sofás e cadeiras estavam todos ocupados e meu remédio foi ficar de pé, com pessoas e mais pessoas fazendo muro na minha frente não permitindo eu enxergar o director de frente.

_ Bom! Estamos todos? – ele abanava com a cabeça de um lado para confirmar quem eram os presentes. – Eu chamei vocês aqui porque, não sei onde está meu filho e tenho certeza que vocês e principalmente aqueles dois, - apontou pra Lucas e Afonso. – sabem onde ele está.

Todos ficaram surpreendidos menos eu. Sabia bem onde a alma estava.

_ Então. Vão começar a falar ou vou ter que tomar medidas! Aviso já que se aplicar castigo não vai ser aos dois mas sim a toda a turma, por isso acho melhor começarem cantando pra mim onde Tiago se encontra. E não desafinem!

Nenhum deles se pronunciou, nenhum deles sabia onde ele estava.

Confesso que foi tentada a falar mas depois, lembrei das consequências, ele era menino pra me torturar o resto da vida. Tinha medo dele, por isso o melhor era estar calada, bem caladinha.

Ninguém desconfia que uma sonsa como eu sabe onde o Badboy do colégio está.

O certo é que depois de muito papo, não se chegou em conclusão nenhuma. Porém o Vasconcelos foi paciente e deu pra gente até á hora de almoço pra pensarmos e revelarmos onde ele estava.

A confusão na sala de convivo desapareceu e todos voltamos para o quarto. Fiquei andando de um lado para o outro pensando em tudo. E se eu me ferrasse por culpa dele? Isso eu não queria!

Mas se eu revelasse onde ele estava o mais provável era começar já me mentalizando que a partir de hoje me consideraria uma mulher morta. Por o que eu conhecia dele ele era capaz de qualquer coisa. E ainda por cima agora que ele sabia do lance com minha irmã….

O melhor era mesmo me manter calada e esquecer esse assunto.

Meu celular começou dando sinal e eu peguei-o. Era numero desconhecido. Quem seria?

Atendi e a alma penada que eu queria esquecer falou:

_ Preciso de sua ajuda, agora!

Como Tiago sabia meu numero de celular? Como assim? Não lembro de ter dado pra ele!

_ O que quer?

_ Venha ter comigo na cabana o mais rápido possível!

_ Mas eu ainda voltei daí agora a pouco! – mal tinha chegado, não voltaria, nem arriscaria sair a uma hora dessa.

_ Olhe só minha preocupação. Ainda não percebeu que eu não estou brincando. Ou você faz o que eu mando ou então vê sua triste história de ter morto sua irmã, correndo as bocas do mundo.

Fiquei com medo. Não queria que ninguém soubesse de nada, por isso não tinha outra solução se não fazer o que ele mandasse.

_ O que quer? – perguntei com a voz forçando pra não sair.

_ Vem ter na cabana, o mais rapidamente possível e traga comida. Estou com fome! Não demore, se não já sabe o que acontece!

Peguei uma bolsa e foi até á cantina, pra pegar alguma coisa pra ele se alimentar. As empregadas de lá, já tinham praticamente tudo arrumado e devem ter me achado a maior ótaria do mundo, ao pegar comida ás onze horas da manhã! E pior ao me verem a guarda-la dentro da bolsa.

Pra disfarçar levei uma maçã na boca, a comendo sem fome alguma, mas tinha que ser assim pra não levantar muitas suspeitas. Obcecadas pela sala de directoria como elas eram, ainda me acusavam de tentativa de roubo ou coisa do tipo.

Mas pior que a cena na cantina foi mesmo conseguir sair do colégio. O director devia ter reforçado a segurança com essa escapadela de Tiago e agora era impossível não sair sem ser apanhada.
Pela porta principal não ia dar muito certo por isso fui pela alternativa. Saí pelas traseiras.

Quando cheguei na cabana, Tiago estava em volta dos armários, sem camiseta e com o cabelo desarrumado. Confesso que ainda achei que fosse alucinação, mas depois dei conta que era mesmo realidade.

Sua frieza e se jeito frio me fez perceber que ele não era miragem.

_ Lembro de ter falado rápido! Quer a definição da palavra? Sabe quanto demorou pra cá chegar? 15 minutos! Espero que isso não se repita. – “não se repita”? Quer dizer que vai ter mais? Argh!!! Isso é chantagem! – Trouxe ao menos comida? Nesses armários o máximo que encontrei foi uma lata de atum de á dois milênios atrás!

Vi ele chutar a lata que me mostrou pra um canto qualquer e depois seu olhar penetrante falar como que: “ Então vai demorar para me dar o que trouxe?”.

Tirei da bolsa tudo o que consegui sacar e estendi.

Ele foi abrindo a sanduíche e depois trincou. Enquanto eu apreciava seu jeito habilidoso comendo. Percebi que ele notou minha atenção no que fazia e escondi o olhar. Não queria esse impacto que sempre acontece quando duas pessoas se olham nos olhos.

_ Seu pai anda louco á sua procura. – falei baixo timidamente, temendo sua reacção. Ele era meio maluco ainda dava em cima de mim.

_ Me diga como as coisas estão, rápido e eficazmente. – ele parou de comer e pousou o suco e a sanduíche em que antes se empenhava devorando.

_ Se você não aparecer até ao meio dia, ele garantiu que castiga a turma toda, e quem mais vai padecer são seus amiguinhos!

_ Lucas e Afonso? – assenti com a cabeça positivamente.

_ Sim, eles foram logo o alvo de seu pai.

_ Sendo assim. Acho que vou ter que cancelar minha estadia até amanhã, aqui! – ele olhou em volta, prensando um lábio contra o outro. – Que horas são? – ele pegou o celular, olhou o visor voltou a guarda-lo no bolso e depois pegou seu casaco. – Vamos?

Fomos parte do caminho calados. Ele comia e eu apenas seguia seus passos lado a lado. Ninguém falava e o único barulho que se ouvia era uma pinga ou outra que caía ou as folhas sendo calcadas.

_ Tiago? – uma vontade gigante de lhe fazer uma pergunta me deu.

_ Que foi!

_ Você vai contar aquilo que eu falei sobre minha irmã, para alguém?

Ele parou de andar e se aproximou de mim, acabando por me encostar num tronco, me encurralando entre seus braços esticados, que se apoiavam igualmente na árvore.

_ Porque eu haveria de não contar? Ontem falou que não queria saber se eu contasse pra meus amiguinhos. Por quê tanta preocupação? – seu tom de gozo me enervava. Me tirava do sério! Argh!

_ Tiago… - ele se estava aproximando sem pedir autorização e seu corpo já estava praticamente colado no meu.

_ Você ainda aguenta mais um tempo, né?

Permaneci quieta, tão quieta que acho que nem meus fios de cabelo abanavam com a brisa. Sentia o bafo quente dele cada vez mais perto de minha pele. Mais sentido, mais quente. Seu perfume já me tinha embriagado. Deixei meu corpo se encostar por completo no tronco. Estava cercada, queria sair daquela prisão de braço e não podia. Mas simultaneamente queria ficar assim.

Ele aproximou sua boca da minha e arranjou o encaixe perfeito. E quando estava prestes a encostar seus lábios nos meus:

_ Tiago? O que faz por aqui? Sabe que andei louco á sua procura! Nem sabe o que te espera! È bom que esqueça a boa vida. Te quero em meu gabinete já!... – o Vasconcelos sénior virou costas mas depois se arrependeu. – E quem quer que seja que esteja com você, vem também!

Legal! Estava mesmo ferrada. Ficamos os dois a olhar com cara de testo um para o outro. Eu sabia que isso ia dar errado!

…

Depois de ouvirmos um montão de blá blá blá o director lá nos deixou sair. As coisas não ficaram baratas pra Tiago. O pai era severo e o menininho com todas as mordomias do mundo, ou me enganava ou acabaria mais rápido do que muitos imaginam. Eu e ele não nos pudemos explicar ou expressar nos mantivemos calados e assentindo a tudo o que o pai de Tiago falava.

Virei para a ala que dava para os dormitórios femininos e Tiago me fez voltar a trás me encostando na parede gelada e me cercando mais uma vez.

_ Não contarei nada pra ninguém acerca de sua irmã, esteja descansada, mas quero explicações melhores sobre essa morte de que você é culpada! Gosto das coisas nos lugares delas e bem explicitas. Não gosto de mal entendidos e de conversas por terminar.

_ Eu já falei tudo. – segredei me sentindo presa demais. – Eu falo tudo o que tenho a falar de uma vez.

_ E eu faço tudo o que tenho a fazer de uma vez! – tão depressa vi sua boca longe como perto demais…