Batman Resigns escrita por Goldfield


Capítulo 1
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Fic altamente sombria e violenta. Se você não aprecia este tipo de fic, não leia.



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AVISOS:


1º: Esta fic se passa na continuidade estabelecida pelos filmes de Tim Burton e Joel Schumacher (“Batman”, “Batman Returns”, “Batman Forever” e “Batman and Robin”), por isso a Bat-Girl se chama Barbara Wilson ao invés de Barbara Gordon, o assassino dos pais de Bruce Wayne foi Jack Napier (Coringa) ao invés de Joe Chill, entre outras mudanças. Se você não aprecia a série antiga de filmes, então será melhor não ler esta fanfic.

 

2º: Esta é uma história altamente sombria e depressiva, contendo cenas de assassinato e outras extremamente dramáticas. Se você não gosta deste tipo de fic, também será melhor que não leia.

 

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Uma caverna escura. Um morcego, de frente para um pálido raio de luz, voa em direção à tela, sua silhueta fantasmagórica movendo as asas negras como numa alucinação sombria. Ele se aproxima cada vez mais, até que, ao seu corpo tocar a câmera, tudo escurece, e um nome surge em branco, junto com a música de fundo:

 

Michael Keaton

 

A imagem muda para um beco tão soturno quanto a caverna. Uma densa névoa domina o local e atrás dela é possível observar um vulto. A neblina se dissipa um pouco, revelando um garotinho de terno ajoelhado diante de um casal morto. Seus pais. A tela volta a ficar preta, agora de forma brusca, e mais um nome aparece em cor alva:

 

Denise Richards

 

Uma calçada igualmente sombria. Venta com grande intensidade. Uma carta de baralho voa pelo ar arrastada pelo sopro, até aterrissar junto a um poste. Um zoom da câmera permite ver que ela retrata o desenho de um bobo da corte. É a carta do coringa. A tela enegrece mais uma vez.

 

Jack Nicholson

 

O céu escuro e encoberto por nuvens de Gotham City. Não há estrelas, apenas uma lua cheia, brilho um tanto opaco. Súbito, um sinal luminoso branco tendo no centro o símbolo de um morcego é projetado sobre o firmamento. Novamente tudo escurece.

 

Antony Hopkins

 

A mesma caverna do início, porém desta vez uma silhueta diferente corre até a câmera. Trata-se de um indivíduo trajando uniforme e capa. Um homem vestido de morcego. Seu tórax toca a tela, e nele há um emblema semelhante ao sinal luminoso: uma elipse amarela dentro da qual existe a mesma representação do mamífero alado. Tudo fica preto, restando apenas tal símbolo. Debaixo dele surge, em letras grandes, o nome do filme:

 

BATMAN RESIGNS


Capítulo I

 

“Eu hoje conheço plenamente todas as conseqüências da vida que escolhi, e sofro por causa delas. Sofro como quando meus pais foram trucidados diante de mim. Às vezes me questiono: terá mesmo valido a pena assumir esta missão tão penosa? Não teria havido um modo mais fácil, um fardo mais leve?”

 

Gotham.

Um emaranhado de arranha-céus góticos, negros e altos, nos quais piscavam luzes indicando vida humana, entrelaçados por estradas elevadas que tornavam a metrópole uma verdadeira confusão de cruzamentos, rampas e ruas sem saída. Uma pintura dantesca que repousava morbidamente à beira do mar.

Gotham.

Outrora lar de toda infâmia, era agora uma cidade próspera e pacífica. Outrora reduto de incontáveis vilões psicóticos, era agora berço de pessoas dignas e honradas. Outrora metrópole mais violenta do país, era agora considerada local ideal para se viver. Quem diria, talvez até mais segura que a própria Metropolis do Homem de Aço. Graças a ele, o Cavaleiro das Trevas...

Gotham.

Do alto de um edifício, o movimentado centro urbano era observado pelos olhos atentos de seu maior protetor. Um repentino vento fez esvoaçar a capa do justiceiro, que tinha os braços cruzados enquanto contemplava aquele cenário digno de uma ópera maligna, com seus contornos exagerados e aspecto aterrador. A cidade parecia ter saído de dentro de um conto de fadas perverso... Mas, após décadas combatendo o crime pelas ruas, telhados e becos de Gotham, Batman (Michael Keaton) finalmente concluiu que agora as aparências podiam enganar qualquer um.

Apesar daquela visão sombria, a metrópole estava livre de bandidos. Apesar das vias sinuosas, os pedestres poderiam caminhar sem medo, pois o risco da aparição de algum assaltante se tornara quase inexistente. Apesar dos becos mal-iluminados, as famílias poderiam passear por eles sem temor, pois as chances de um criminoso emergir das trevas e fazer surgir crianças órfãs, como ocorrera a Bruce Wayne, eram agora mínimas.

Gotham mudara da água para o vinho. Uma cidade limpa, finalmente...

Uma metrópole sem crime às custas de anos de intensa luta e perseverança, noites em claro, uma enorme quantidade de dinheiro do patrimônio Wayne, perdas dolorosas... Cerrando as pálpebras, Batman recordou-se daquela noite negra, na qual Barbara Wilson, sobrinha de seu mordomo Alfred e heroína conhecida como Bat-Girl, fora trucidada de forma covarde e insana pelo maníaco Espantalho. Em meio às suas lembranças mais sanguinolentas, Bruce ainda podia ver o corpo desfigurado de sua aprendiz, jazendo sem vida sobre o piso coberto de substância rubra...

Haviam sido tempos nefastos. Dick Grayson, que alguns anos antes assumira a identidade de Robin, não pôde se conformar em relação à trágica morte da parceira e, após diversos desentendimentos com Batman, partiu para Blüdhaven, cidade que passou a proteger sob a alcunha de Asa Noturna. Desde então a rotina do Cruzado Encapuzado tornara-se a cada dia mais solitária, e essa situação já perdurava há anos, agravada pela morte de Alfred Pennyworth, um verdadeiro pai para Bruce. Fora vítima da velhice, essa praga maligna à qual estão destinados todos os seres humanos, por mais fortes e saudáveis que sejam...

Era hora de parar com as divagações. Batman abriu a capa, focalizando uma construção mais baixa do lado oposto da rua. Fazendo proveito de toda a aerodinâmica que seu traje fornecia, o Cavaleiro das Trevas correu até a beirada do edifício, saltando e planando de forma simultaneamente suave e soturna até o local em que desejava pousar. E assim o fez sem a mínima falha, andando pelo terraço do novo prédio assim que suas botas tocaram a superfície sólida. Apesar do peso da idade, ele ainda era o mesmo. Ainda era ágil.

Nesse instante ouviu vozes. Eram indivíduos jovens, garotos. Deviam estar em bando, uns cinco ou seis, provavelmente. Seguindo o som provocado pelos adolescentes, Batman cruzou a cobertura até poder visualizar um beco adjacente ao prédio, situado alguns andares abaixo. Constatou que eram realmente rapazes. Sua audição também permanecia infalível. Sorriu por dentro.

Para observar melhor, o justiceiro desceu silenciosamente por alguns degraus de uma escada de incêndio. Enrugou a testa. Havia um ato de vandalismo em andamento. Os garotos estavam pichando um local indevido, e não havia policiais na área. Precisaria repreendê-los. Algo fácil. Um mero susto bastaria...

Batman abriu novamente a capa. Depois respirou fundo, saltou e voltou a planar vagarosamente até o chão do beco. Conforme descia, o barulho das latas de spray de tinta e as vozes dos jovens atingiam seus ouvidos com maior nitidez. Estando de costas para o local onde aterrissaria, eles só perceberiam sua presença quando o Detetive das Sombras lhes chamasse a atenção. Tal suposição era reforçada pelo fato do grupo estar extremamente concentrado na pichação. Conservara também o dom da estratégia. Sua auto-estima aumentou ainda mais...

–         O que vocês acham que estão fazendo? – questionou Batman ao tocar o concreto com os pés, fazendo os rapazes se voltarem subitamente para trás.

Houve silêncio. Segundos de admiração mútua. O vigilante pôde notar medo nos olhos daqueles adolescentes, porém não tanto quanto esperava. Todos eles usavam calças jeans, camisetas sem manga e bonés. O que aparentava ser o mais velho não devia ter mais que dezessete anos. Eles tinham de estar em seus lares, seguros e amparados, e não em pleno centro de Gotham cometendo delitos!

–         Olhem só, galera! – exclamou um dos garotos, tom de deboche na voz. – É o “morcego velhote”!

Apesar do insulto, Batman persistiu:

–         É proibido fazer pichações aqui. Darei-lhes uma chance de ir embora e não fazer isso novamente. É melhor obedecerem ou irei botá-los para correr!

–         Que piada! – zombou o mais velho do grupo. – Você não quer nos dar chance nenhuma, apenas está fazendo isso para não ter que brigar com a gente! Não passa de um velho metido a super-herói que ainda vaga pela noite se achando no direito de dar ordens aos outros!

–         Escute aqui, eu... – irritou-se o Cavaleiro das Trevas, contendo-se para não perder as estribeiras.

–         Gotham não precisa mais de você, velhote! – afirmou um outro vândalo. – Nós aprendemos a caminhar com nossas próprias pernas! Não precisamos mais de um imbecil fantasiado para botar os criminosos atrás das grades! Os tempos são outros!

–         É melhor vocês irem embora antes que eu perca a paciência! – ameaçou o Morcego, erguendo os punhos num vão gesto de intimidação.

–         Como se tivéssemos medo de você!

Era constrangedor. Batman nunca passara por uma situação como aquela. Aqueles jovens delinqüentes simplesmente não o temiam. Seu uniforme amedrontador, suas habilidades de luta, seus equipamentos infalíveis... Nada lhe valiam naquele humilhante momento! Aquele grupo de rapazes estava caçoando do justiceiro noturno, que não pôde mais se reter...

Num piscar de olhos, Batman agarrou o pichador mais velho com um dos braços, dando uma seqüência de dois chutes em seu estômago. O adolescente gemeu, largando a lata de spray e tombando totalmente incapacitado de reagir. Um outro vândalo, gritando de raiva, tentou vingar o amigo, mas acabou levantado pelos dois braços do vigilante, que o arremessou violentamente sobre o concreto como se estivesse num ringue de luta livre, tirando-o também de ação.

Foi a vez de um terceiro rapaz atacar, tendo a mesma sorte de seus colegas: levou dois socos na face e um chute no tórax, caindo sentado junto à parede pichada. Em seguida Batman fitou de modo aterrorizante os demais garotos, seu olhar furioso propagando raiva e repressão. Concluíram não serem páreos para o Morcego. Era hora de correr.

–         Seu covarde, filho da mãe! – berrou um deles, rosto assustado. – Isso terá volta, velhote desgraçado!

E assim fugiram, desaparecendo com rapidez pela rua escura do centro de Gotham para evitar uma surra. Batman, ainda bufando de ódio, começou a alongar os dedos por baixo das luvas, enquanto finalmente olhava para o que aqueles pequenos meliantes haviam pichado. Estremeceu.

 

Fora Batman! Gotham estará melhor sem você!

 

O Cavaleiro das Trevas suspirou, observando os meninos que nocauteara, os quais ainda gemiam no chão. Olhou com maior atenção para o rosto de cada um deles. Eram bem jovens ainda. Um deles não devia passar dos quinze anos de idade. Deus, eles eram praticamente crianças ainda! Aquele que Batman arremessara com os braços implorou, quase chorando:

–         Por favor... Não conte nada à minha mãe!

O justiceiro deu-se conta do que fizera. Envergonhou-se. Batera sem piedade naqueles adolescentes, sendo que a situação não exigia medida tão drástica. Inconformado, perguntou-se em voz baixa, um súbito vento agitando sua capa:

–         Mas o que foi que eu fiz?

E, antes que os garotos dessem por si, o Morcego havia desaparecido de forma tão rápida e discreta quanto chegara, amparado pela penumbra noturna.

 

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O sol raiou.

Bruce Wayne levantou-se da cama lentamente, como se quisesse resistir à força dos raios solares, porém acabou vencido. Com os sentidos exaustos, pálpebras pesando devido ao sono, o milionário contornou a cama e abriu um armário para se vestir.

Depois de concluir tal tarefa, o alter ego do Batman ganhou os extensos corredores da Mansão Wayne, que nunca estivera tão vazia e silenciosa. Nada do som de Alfred fazendo algum serviço doméstico, nada de Dick e Barbara conversando entre risadas, nada, nenhum som ou o mínimo ruído, a não ser aqueles causados por Bruce, que se preparava para mais um dia tedioso e frustrante.

Apesar do enorme número de cômodos e aposentos da residência, sem contar as formas de lazer, que incluíam uma piscina olímpica, uma quadra de tênis, um cinema privativo e uma vasta coleção de automóveis e motocicletas, o herdeiro do casal Wayne sentia-se como se habitasse uma mísera solitária de poucos metros quadrados de área. Era algo sufocante, angustiante. Quando seus pais haviam sido assassinados quando criança, Bruce temera ficar sem ninguém no mundo, porém sempre tivera Alfred ao seu lado e a companhia de várias mulheres, apesar de nunca ter vivido um relacionamento amoroso realmente duradouro. E agora ele estava realmente só... Seus mais profundos receios haviam saído de sua mente e revestido todas as paredes e o teto da mansão, fazendo-o lembrar a cada instante que não poderia contar com mais ninguém.

Aos poucos perdia a razão...

Bruce desceu até a garagem para apanhar o conversível no qual costumava dirigir até as Indústrias Wayne todas as manhãs. Desde a morte de Alfred, ele passara a tomar café da manhã junto com os executivos na empresa. Enquanto guiava o carro para fora da propriedade, o milionário freou para apanhar, como de costume, o exemplar do jornal Gotham Globe deixado ali pelo entregador. A manchete não poderia complementar de forma melhor seu sofrimento:

 

Taxas de crime são mínimas. Gotham ainda precisa do Batman?

 

Respirando pesadamente, Bruce apanhou o jornal, dobrou-o, botou-o debaixo de um dos braços, voltou para dentro do conversível e partiu velozmente, como se quisesse deixar para trás toda aquela mesquinhez e ingratidão das quais o Cavaleiro das Trevas, e também Wayne em si, eram alvos.

 

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Paris, França.

A redação de um grande jornal. Pessoas transitam sem parar pelo lugar, atarefadas em busca de notícias e furos de reportagem. A informação flui crua entre os jornalistas, que a lapidam para transmiti-la à sociedade. E, num escritório à parte, mais calmo que o resto do local, está a editora-chefe, uma mulher respeitada mundialmente por seus diversos trabalhos nos quatro cantos do planeta, além de ter lindos cabelos loiros e um corpo de deusa, apesar de já ter passado dos quarenta anos. Seu nome é Vicky Vale.

–         Mas é claro que nós incluiremos seu direito de resposta na próxima edição, senhor Pasqualle – dizia ela, sorridente ao telefone. – Nosso jornal acima de tudo possui uma tradição de credibilidade e compromisso desde o início do século passado. Não se preocupe, pois procederemos de acordo. Tenha uma boa tarde!

Desligando o aparelho, Vicky, que no final da década de 80 trabalhara por algum tempo no Gotham Globe, ajeitou alguns papéis sobre sua mesa, e quando olhou para frente assustou-se ao ver diante de si um homem usando espesso casaco preto, luvas e um chapéu lhe escondendo a face, que até então não se encontrava ali.

–         Ah! – exclamou a frágil mulher, coração disparado. – Puxa, eu não ouvi o senhor entrar!

–         Eu sou bem silencioso quando quero, senhorita Vale... – murmurou o desconhecido, mãos cruzadas atrás da cintura.

Aquela voz... Vicky conhecia aquela voz. Onde ela já a ouvira antes? Difícil responder, mas ela tinha certeza que aquele homem lhe era de alguma forma familiar. Intrigada, porém tentando ocultar tal sensação, a jornalista inquiriu:

–         O que o senhor deseja?

–         Ora, senhorita Vale... Vejo que o tempo praticamente não teve ação sobre sua aparência. Apesar de algum princípio de ruga aqui e ali, continua sendo uma beldade digna de parar as prensas!

–         Diga-me quem é ou chamarei os seguranças! – exigiu Vale num tom de voz mais exaltado, tomada por inesperado terror. – Eu falo sério!

O homem balançou a cabeça em sinal negativo, abaixou-a, fitando o chão, e por fim retirou o chapéu. Vicky começou a tremer. O misterioso visitante ergueu a cabeça vagarosamente, e quando seu rosto estava totalmente à mostra, gritou:

–         Boo!

–         Ah! – berrou a editora-chefe com todas as forças, pressionando freneticamente o alarme silencioso sob a mesa.

–         Isso não adiantará nada, minha querida! – sorriu o personagem que era motivo de pavor, mostrando uma tesoura de pontas grandes e afiadas em sua mão direita. – Eu cortei os fios do alarme!

–         Mas... – balbuciou a jornalista, lágrimas escorrendo-lhe pela pele pálida de medo. – Você havia... Morrido! Você... Caiu daquela torre!

–         Qualquer pessoa sã também diria que eu havia morrido quando caí naquele tanque de resíduos químicos, não acha, senhorita Vale? Você acha ser tão fácil assim matar um artista tão talentoso quanto eu?

–         Artista? – soluçou Vicky. – Você é um assassino! Um lunático!

–         Que tal uma dança?

Rindo diabolicamente, o insano homem agarrou Vale por um dos braços, puxando-a com toda força por cima da mesa. Isso fez com que ela deslocasse o membro, gritando de dor e nervosismo. Arrastando-a sobre o móvel e colocando-a de pé diante de si, o visitante segurou as duas mãos da mulher, assumindo posição de dança. Ela chorava como nunca, revoltada com seu destino, pois sabia que aquele maníaco não a deixaria sair viva dali.

–         O que você prefere? – cochichou ele próximo do ouvido esquerdo de Vicky. – Uma lambada ou uma valsa?

–         Por favor, não me mate... – implorou a pobre jornalista, suas lágrimas escorrendo sobre o casaco de seu algoz enquanto os dois corpos se uniam.

–         Você já ouviu aquele ditado sobre a vingança ser um prato que se come frio?

O pranto de Vale se acentuou e, sem descolar seu corpo do dela, o indivíduo enterrou as lâminas da tesoura no ventre da editora, tingindo sua blusa de sangue. Ela, sofrendo em silêncio, imediatamente desfaleceu, e o assassino, amparando-a com os braços, completou numa risada:

–         Acontece que eu sempre adorei sushi!

Então, gargalhando, rodopiou o corpo agonizante de Vicky num passe macabro e, sem qualquer compaixão, atirou-a pela janela do escritório. Estavam no décimo quinto andar, e o cadáver ensangüentado da jornalista despencou até encontrar o chão num choque brutal.

 

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Noite chuvosa em Gotham. Uma tempestade se abate sobre a Cidade das Sombras.

Desafiando a fúria da natureza, Bruce Wayne, vestindo uma capa impermeável e tendo numa das mãos um guarda-chuva, caminha por um vasto campo localizado nos fundos de sua propriedade. Ao fundo se impõem algumas árvores de estranhos contornos, raízes saindo do chão e se entrelaçando na superfície como serpentes.

E, em meio à cortina de água causada pela borrasca, ergue-se uma lápide cinza e pétrea. Um túmulo. Bruce pára diante dele e lê a inscrição ali presente com os olhos marejados:

 

Alfred Pennyworth (1920-2003)

“Mais que um fiel empregado, um pai”

 

–         Já faz três anos, Alfred... – suspirou o milionário, voz abafada por sua tristeza. – Tem sido muito difícil desde então... Essa solidão vem me consumindo por dentro, matando-me aos poucos... Ela é minha maior inimiga, e creio que a depressão acabe por me levar embora mais cedo do que sempre pensei...

Fechando os olhos, Bruce passou a sentir as gotas de chuva que lhe caíam sobre o corpo protegido. Se elas ao menos pudessem penetrar em seu coração e amainar sua desolação... Parou para refletir sobre sua vida, sobre tudo que fizera até ali.

 

Dediquei minha vida em nome da justiça... Ou seria vingança? Por mais que eu queira mascarar isso, sempre fui uma criança mimada incapaz de aceitar os revezes do destino, incapaz de aceitar que meus pais morreram e que, por mais que eu puna os criminosos, nunca poderei trazê-los de volta à vida... Eu desperdicei minha vida toda trajando um uniforme de morcego enquanto livrava Gotham da escória... Coringa, Pingüim, Charada, Sr. Frio... Venci os mais perigosos e doentios bandidos, e agora, o que ganho em troca? Ingratidão. Rispidez. A metrópole dispensa meus serviços como se eu não passasse de um criado sem importância. Nunca encontrei uma mulher que me amasse de verdade, nunca constituí uma família, nunca usei meu dinheiro para aproveitar o que há de bom na vida... Pai, mãe, será tarde demais? Haverá ainda uma chance de eu ser feliz?

 

Um intenso raio rasgou o céu, seguido de estrondoso trovão. Bruce encarou tal manifestação natural como resposta. Não, não havia. Ele se transformara no Batman, e esse processo era irreversível. Nunca mais poderia ter uma vida normal. Nunca poderia encontrar seu amor verdadeiro. Nunca poderia ter filhos. Nunca poderia usar sua enorme fortuna para dar uma vida confortável à família que também nunca poderia formar. A escolha que um dia julgara ter sido certa se mostrava agora errada. Muito.

 

Minutos mais tarde, Bruce estava no antigo quarto de seus pais, sentado na cama que a eles pertencera. Tinha ao seu lado uma caixa de madeira contendo um revólver calibre 38. Seu pai, em vida, sempre carregara aquela arma consigo secretamente para reagir a uma eventual agressão contra as pessoas que amava, até que um dia, pouco antes do assassinato do casal, sua esposa descobrira tal hábito e proibira Thomas de andar armado. Teria aquele revólver evitado a morte de seus pais nas mãos de Jack Napier? Bruce nunca saberia, mas naquele momento de intensa penúria, ele lhe prestaria um último favor em vida...

Estava carregado com seis balas. O herdeiro dos Wayne retirou-o da caixa, decidido. Acreditava ser mesmo aquela a melhor coisa a ser feita. Afinal de contas, ninguém sentiria sua falta, nem de seu alter ego. Suas indústrias possuíam Lucius Fox e mais uma gama de executivos que poderiam cuidar de tudo sem sua ajuda. Não haveria mulher alguma para chorar sua morte. O mundo talvez nem notasse que Bruce Wayne havia se suicidado. Para a imprensa seria apenas mais um play-boy envelhecido que, entediado com a vida, resolvera estourar seus próprios miolos.

Lá fora a chuva continuava intensa. O milionário encostou o frio cano da arma em sua têmpora direita. Já havia levado um tiro na cabeça uma vez, de raspão, quando Charada e Duas-Caras invadiram sua casa na época em que adotara Dick Grayson. Agora, todavia, Bruce não queria sobreviver, e esperava que nada e ninguém interferisse em sua decisão. Fechou os olhos. Começou a apertar levemente o gatilho...

Foi quando sua mão livre tocou algo sobre o lençol da cama. Um envelope. Bruce recebera aquela correspondência à tarde, vinda do Condado de Castlewood, Grã-Bretanha. Ele nunca estivera lá, tampouco conhecia alguém que lá residisse, mas teve curiosidade em saber do que se tratava aquela carta. Dessa forma, adiou seu intento suicida por alguns instantes, abriu o envelope rapidamente e iniciou a leitura do que nele havia contido:

 

Prezado Sr. Bruce Wayne,

 

Já ouvi muito sobre o senhor. Meu irmão, falecido há três anos, trabalhou para sua família desde sua juventude. Infelizmente não pude comparecer ao funeral, mas sei que ele desejou ser enterrado em sua propriedade ao invés da terra natal, dada a ligação que ele tinha com os Wayne.

Esta carta na verdade é um convite. Gostaria muito de conhecê-lo pessoalmente e saber com detalhes como era a vida de Alfred nos Estados Unidos. Acredito ter muito que conversar com alguém que considerava meu irmão como um pai. Além disso, o Condado de Castlewood é ainda mais formoso no outono, e talvez o senhor esteja interessado em passar algumas semanas aqui, desfrutando o ar puro do campo e nossos passeios a cavalo com belas paisagens. Aguardo resposta.

 

Atenciosamente,

 

Wilfred Pennyworth, que o considera um sobrinho.

 

Terminando de ler a carta, Bruce colocou-a novamente sobre a cama e olhou para o revólver em sua outra mão por vários segundos. Em seguida, sentindo-se envergonhado e mais uma vez considerando-se um garoto mimado e inconseqüente, guardou-o na caixa de madeira, fechando-a. Um novo trovão foi ouvido. O órfão ergueu-se e caminhou até a janela, apoiando nela o corpo enquanto via a chuva cair.

Ainda havia uma chance de ser feliz.

Continua...


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