Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 36
Ruptura


Notas iniciais do capítulo

"Entre você e eu ficou quase tudo intocado
Mesmo que a nossa casa caia de repente
Você vai continuar aqui intacto
Na minha vida,
Na minha cabeça confusa(...)
Eu te apavoro mas não posso te enfrentar
Por isso eu resolvi desfazer o nosso laço, o nosso laço
Pra não deixar o tempo destruir o nosso frasco lacrado
Entre você e eu ficou quase tudo intocado(...)



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Ponto de vista de Renesmee

_Vai acabar perdendo sua licença_ resmunguei quando Emmett fez uma manobra com o helicóptero. Ele riu e piscou para mim.

Eu estava cansada, não havia dormido nada na noite anterior, os gemidos e gritos de Nicolas não me permitiram. Bella já havia me avisado que pela manhã Emmett estaria lá para me levar de volta a Seattle. Eu quis ficar, ainda faltavam dias para que houvesse algum perigo, mas minha mãe foi incontestável. Rose e Esme estavam a par de tudo, o que me poupou de explicações.

Mais uma vez foi estranho voltar àquela casa. Fui caçar assim que chegamos. Emmett voltou para a ilha, para ajudar com o novo Nicolas. Uma semana depois Carlisle juntou-se a nós, os outros permanecerem lá.

 Eu ainda estava perdida em meio a minha própria bagunça. Era difícil não pensar em Jacob, porque de alguma forma você sempre quer o que não pode ter. Pensar nele era como um a injeção tóxica direto em meu sistema, meus devaneios eram uma espiral sem fim, pois Jake era a doença, porém também a cura.

Eu estava no quarto que fora dele. Havia apenas um resquício do cheiro dele ali, tão fraco que eu me perguntei se não seria minha imaginação.

_Tudo bem, querida?_ perguntou Esme à porta, cautelosa.

_Sim_ murmurei_ Onde estão as coisas de Jacob?_ O closet estava vazio, exceto por algumas peças, nada comparado ao que tinha.

_Alice mandou para Billy, junto da motocicleta _respondeu ela me observando.

_Ah_ foi só o que respondi. _Estou indo caçar_ falei ao passar por Esme, ela assentiu.

 Já fazia um mês, e eu não estava realmente passando um tempo com minha família com esta confusão sobre o recém-criado. Talvez eu devesse voltar a Paris... Havia Christopher, que eu havia deixado sem explicações. O que ele estava fazendo? Havia mesmo aceitado tudo? Eu tinha certeza que não. E também sabia que não era justo nem seguro deixá-lo sem aviso nenhum... Mas como eu faria isso?!

Depois de caçar, mesmo sem ânimo para voltar para casa, o fiz. Enquanto corria pude ouvir as vozes baixa, estavam todos de volta. Diminui a velocidade subitamente, Nicolas havia sido como o esperado nos primeiros dias, até estava se esforçando para caçar animais, e sua personalidade havia sobrepujado os instintos mais cedo do que se esperava, mas não havia estado com humanos ainda, e eu tinha sangue, lhe causaria sede. Ok, meu pai sabia que eu estava chegando...

_Nessie... _ meu nome ecoou em coro quando entrei na sala, meus pais estavam imediatamente em meus flancos. Da sacada, duas pessoas me fitavam. Duas estátuas, uma de sorriso largo e outra de sorriso hesitante. Emmett moveu-se, ficando no meio da sala, entre nós e Nicolas. Todos estavam prontos para qualquer coisa. Alice estava aflita, tentando ver algo que minha presença impedia.

_Nicolas quer reconhecer você_ disse-me Edward.

O deus entalhado em pedra de tom azeitonado me fitava com seus olhos vermelhos-vivo, e caminhou lenta e hesitantemente em minha direção. Ele parecia incomodado com tudo aquilo, e isso me parecia um déjà vu, uma onda de letargia tomou a sala e eu bocejei.

_Olá, Nicolas_ falei sonolenta, lançando um olhar para Jasper, que sorriu.

_Você é muito mais bonita do que me lembrava_ disse ele amigavelmente, há sete metros de mim, ao lado de Emmett. Eu sorri.

As coisas ficaram menos tensas, embora, é claro, eu não tenha me aproximado muito do novo vampiro. Era perceptível a proximidade entre ele e Tanya, e eu me perguntava se seria assim mesmo, ele ficariam juntos? Ele aceitaria a dieta que lhe ensinaram? Seria tão fácil?

Dois dias depois, o clã de Denali viera conhecer Nicolas, que era muito gentil e prestativo, embora estivesse sempre tendo sede.

Eu por fim, decidira ir a Paris, claro que haveria quem não gostasse da idéia.

_Você esteve tanto tempo longe_ reclamou Rose.

_Volto logo, tia_ respondi.

_Se você não voltar eu vou buscá-la_ ameaçou Bella.

_Juro que volto.

 Era final de agosto e eu estava duas semanas atrasada para as aulas, porém isso não era importante, minha bagagem era apenas uma mochila, eu ficaria pouco tempo.

 No apartamento, já em Paris, havia um rastro de Aileen, eu também não me despedira dela... Na secretária eletrônica a luz piscando indicava mensagens.

Atende, Renesmee, você está aí?” _suspiro_ “Desculpe-me”. Era Chris.

“Pierre disse que você adiantou a viagem... Não faz sentido estar ligando, mas quando voltar vai saber que me arrependo. Fui um idiota, eu sei”.

“Quando o verão acabar realmente e você não tiver entrado em contato comigo, vou procurá-la. Não vai ser fácil achá-la, mas eu preciso.”.

Passei dois dias em casa pensando no que fazer, no segundo Aileen apareceu.

_Fiquei preocupada, então segui o humano e ouvi a conversa na cafeteria de que você tinha adiantado as férias. O que houve?

_ As coisas foram mais longe do que eu gostaria e eu decidi que está na hora de romper isso_ expliquei.

_Como romper isso? Ele sabe do nosso mundo, Renesmee, não é algo que se possa apagar rompendo contato_ eu havia contado a ela o que acontecera...

_ Ele sabe que vai morrer se contar para alguém, você mesma pode saber se ele pretende dizer.

_Não, ele não pretende_ admitiu_ Ainda parece muito estranho para mim que você tenha um relacionamento amoroso com um humano. _ suspirei com “relacionamento amoroso”.

_É complicado de explicar... E sobre ele e eu, bem, eu sou mais uma aberração entre vocês vampiros que entre os humanos, então, não é tão estranho.

_Sei que é complicado... Não sinto nenhuma pretensão sua em relação à ele_ suspirei afundando no sofá.

_Chris não é algo que eu possa enfrentar, prefiro recuar.

 Tranquei minha matrícula na Escola de Artes, e enviei uma carta a senhor Pierre agradecendo e desculpando-me.

Fui até o apartamento de Christopher, sentindo-me ridícula por entrar como Aileen fazia em meu apartamento, mas achando que seria bom demonstrar sutilmente o perigo que o rondava, e que ele não poderia fazer nada a não ser guardar segredo.

Quando ele entrou e me encontrou sentada casualmente em seu sofá se assustou, é claro, mas sua reação seguinte foi me abraçar, eufórico.

_Desculpe-me, eu achei que a confrontando a faria perceber que gosta de mim, não me ocorreu que as coisas não fossem bem assim. Eu não me importo, não devia tê-la cobrado... _ tagarelou me apertando em seus braços, até sua voz sumir, eu não esbocei reação até que ele se afastasse.

_Christopher, não se preocupe com aquilo, foi bom. Fez-me perceber que tudo já foi longe demais e que eu me importo o bastante com você para não magoá-lo ainda mais_ seus olhos de canela eram suplicantes_ Eu fui irresponsável, o expus a um perigo grande demais.

_Seu segredo sempre estará seguro comigo_ ele levou nossas mãos unidas ao peito.

_Confio em você, mas isso não está em questão. Eu estou partindo definitivamente, e não achei justo desaparecer, embora fosse mais fácil.

_Renesmee, por favor... _ murmurou.

_Acredite, está perdendo seu tempo comigo. Você terá alguém com quem partilhar a vida, infelizmente essa pessoa não poderá ser eu. É melhor assim

_Não diga que é melhor_ disse ele com raiva_ Não é melhor, não vai ser bom. Amo você!

_Você será uma eterna boa lembrança, mas é melhor deixarmos as coisas assim, meio intocadas_ falei sinceramente. _Eu sou feita de metades... Nunca vou poder ser inteira, e você não merece isso_ ergui suas mãos até meu rosto e as beijei, levantando-me em seguida.

_Ainda nos veremos. _ ele falou, parei incerta, aliás, tratando-se de Chris, tudo era incerto para mim, como se eu não tivesse idéia do que tinha nas mãos, porque eu não queria saber. Seu tom inflexivo não me deixou saber se era uma pergunta ou uma afirmação.

Continuei andando, e fui embora, pensando se eu o reconheceria com o passar dos anos, se voltaríamos a nos ver... O que eu estaria fazendo quando tanto tempo assim tivesse passado?

Eu voltaria para minha família, por algum tempo, mas logo partiria, buscando pistas, rastros, qualquer coisa que me levasse a Jake. Se tempo era tudo o que eu tinha, então usaria a meu favor.

Eu me perguntava às vezes se eu não estaria apenas buscando um final feliz... Isso por vezes não teve resposta, até que percebi que seria impossível, pois se não eu não tinha final...

 De volta a Seattle eu descobri que Nicolas era agora parte do clã Denali. Alice insistia para que fizéssemos uma festa de aniversário para mim, pois Bella já a havia proibido de fazer uma surpresa para o seu aniversário.

_É, Nessie, há tempos não faço um som na picape. _ Emmett fez um gesto com as mãos, como um rapper, eu tive de rir.

_Que seja, então_ concordei facilmente, Alice me fitou boquiaberta antes de me abraçar. Todos pareciam muito satisfeitos com minha aquiescência, eu não me importaria em dar uma festa se eu logo partiria, por tempo indefinido.

_ Nessie, Charlie está ficando impaciente com sua demora em visitá-lo_ alertou-me Bella.

_Na verdade, já que vamos fazer uma festa, deveríamos ir a Forks. Há um ano e Nessie ainda não viu a reforma que fiz em seu quarto no chalé_ disse Esme.

Então nós iríamos.

Ponto de vista de Jacob

Eu queria mesmo voltar a ser só um lobo correndo o mais rápido possível, mas como Dulce havia dito, o assentamento da tribo Kiliwa possuía poucos membros, em sua maioria velhos e crianças, então precisavam mesmo de um braço forte e rápido, então ajudei no que pude enquanto foi possível suportar a saudade com meu corpo humano, então eu parti, sabendo que tinha na jovem índia uma boa amiga.

O clima esquentou e tornou a esfriar conforme eu corria e os dias iam e vinham. O tempo era infinito e inexistente, complexo e simétrico, tudo e nada. Como ela, como estar sem ela.  Sentia-me caminhando por tempestades elétricas, buscando um lugar neutro, onde pudesse morrer, ou ao menos não viver.

A pior parte eram os sonhos, pois eram reais demais, faziam-me pensar que a realidade é que não existia... Sonhava com seu sorriso, os cachos balançando brilhantes, caindo pelo rosto de porcelana... E outra vez a dor de querê-la... Então me pegava imaginando beijá-la, o mais proibido dos sonhos, o mais doloroso, meu maior pecado.

Por muitos, muitos dias, eu era apenas um animal, quase sem consciência humana, então eram esses sonhos que traziam o homem em mim à tona, como se o próprio lobo buscasse por ela dentro de mim.

A ternura que sentia pelas lembranças da garotinha e o desejo por minhas últimas lembranças de Renesmee eram tão diferentes e ao mesmo tempo tão interdependentes, que se não fosse pela ordem cronológica eu não saberia dizer o que nasceu primeiro.

Eu estava cansado e desabara há uns vinte minutos no chão úmido de terra, estava quase dormindo quando vozes há quilômetros de distância me chamaram atenção, inicialmente pensei que estivesse sonhando... Eram bonitas demais, refinadas demais, mas pareciam discutir. Levantei e farejei o ar, parecia limpo e comum, as vozes sumiram, eu devia estar mesmo muito cansado.

 Pela manhã apresei uma espécie de raposa, que era pequena demais para saciar minha fome, havia um rio ali perto, pouco menos de dois quilômetros, com uma pequena queda d’água que eu havia visto um dia antes enquanto corria. Decidi que completaria o espaço vazio com água, até que caçasse novamente... Vi-me imaginando um belo sanduíche de carne... A falta dessas coisas vinha começando a incomodar às vezes... Eu não estava correndo, caminhava farejando o ar, quem sabe encontrasse algum animal que pudesse me saciar completamente... A floresta em que estava agora era fria, não como Forks, mais quente, porém ainda fria... Isso me fazia imaginar que estaria em algum lugar no Chile ou em território argentino.

 Eu havia mesmo atravessado todo o continente? Quanto tempo eu gastara nisso? Parecia-me muito, uma eternidade inteira e um pouco mais. E de que me servira? O que melhorou? Eu me perguntava agora, se não haveria outra forma de conciliar o desejo de Renesmee com uma distância um pouco menor entre nós... No entanto, eu precisava disso pra administrar o que era estar sem ela, sentir tanto sua ausência a ponto de não sentir mais nada.

Chegando à água... Intrincado ao som da corrente caindo nas pedras havia outro som, delicado e fluido como som da água, porém rápido e não era uma só voz... Lembrei então de meu sonho... Eu não havia sonhado nada, percebi, meus pelos se eriçando nas costas... Agucei minha visão, tentando enxergar algo nos centímetros que a mata fechada deixava entre uma árvore e outra, focalizando em linha reta, há mais de 400 metros, e vi as duas mulheres banhando-se no rio, vestidas, mas preocupadas em lavar as roupas do corpo. Seria uma visão encantadora para qualquer homem, bem, para um homem humano, eu, porém, podia ver como elas eram cristalizadas, seus membros e rostos pareciam lapidados em algum tipo de cristal enquanto se moviam, e eu via os arco-íris dançando, fracos, refletidos pela luz baça do sol encoberto por finas nuvens carregadas. Pensei por uma instante, reprimindo meus instintos... Então decidi que o que os Cullen eram para mim não podia me cegar a ponto de eu não atender ao pedido de meu corpo, eu nascera para aquilo: matar vampiros, proteger pessoas.

Avancei. Imaginei que elas pensaram que fosse apenas um animal qualquer, mas quando irrompi a beira do rio elas perceberam que não era apenas um animal. Muito conscientemente saltei na direção da mais próxima a mim, seus olhos de um vermelho intenso me fitaram por um milésimo, antes de desviar de minha investida. A outra estava agachada numa posição ameaçadora.

Pero! ¿Quées esto?¡Quéolor horrible! _bradou a que estava à espera, me fitando, seus olhos tão vermelhos como o da outra, ela lembrou-me Alice, por ser tão miúda quanto, porém loira. Avancei também, ela deu um passo para o lado batendo em meu flanco direito, lançando-me alguns metros por entre as árvores, meu ganido ecoando na floresta.

 Seria mais difícil dar cabo de duas vampiras sozinho, mas eu não me importaria em tentar... Levantei-me assim que senti o chão sob mim, avançando contra a loira pequena que já vinha em minha direção, a outra de cabelos castanhos e maior, estava parada atrás dela. Chocamo-nos ferozmente um contra o outro, a loira envolveu meu pescoço com os braços, o que não era nada bom para mim... A outra avançou e abocanhei a primeira coisa que pude, enquanto ainda tinha fôlego, ouvindo um grito horroroso e perturbador logo em seguida. Eu havia arrancado uma perna do joelho para baixo.

 Joguei-me no chão, tentando me livrar da pequena, rolando até estar perto da água, onde a outra vampira guinchava de dor ou de ódio, eu não sabia dizer. Contorcendo-me, desesperado por ar, consegui abocanhar o tronco da que me agarrava, partindo-a ao meio. Outro grito horripilante encheu o ar, mas meu pescoço estalou muito desconfortavelmente e o resto do suprimento de ar se foi quando a parte de cima da vampira se apertou ainda mais, presa a mim. Meus olhos perderam levemente o foco, algo não estava certo em alguma de minhas vértebras cervicais, que forma estúpida de morrer, pensei. Sufocado por metade de uma vampira, que ridículo! Eu senti que desmaiaria, estava sem ar, e senti o fogo cedendo, voltando a se concentrar no cerne de meus ossos, e percebi que isso me salvaria.

Ao me deixar voltar à forma menor e humana os braços foram obrigados a me soltar, uma vez que estavam travados no exato tamanho que era o corpo do lobo. Humano de novo, arrastei-me para longe, buscando por ar... Então percebi a outra vampira, furiosa, vindo até mim, e explodi na forma lupina outra vez. Sua expressão era muito confusa com tudo, porém mais que qualquer coisa era furiosa, então eu rosnei, investindo, e ela recuou um pouco. Minha atenção se voltando para as partes divididas da vampira loira que se arrastavam como num filme de terror zumbi, avancei e abocanhei a cabeça, separando-a do tronco e jogando-a no rio com um movimento de cabeça, para logo depois estraçalhar seu tronco em nacos pequenos e irreconhecíveis cor de osso. A outra vampira olhou com suas orbes injetadas, e partiu pela floresta, preparei-me para segui-la, mas era melhor cuidar da outra antes que pudesse se reintegrar.

 Eu não tinha nenhum isqueiro nem nada assim, então carreguei os farelos da vampira na boca deixando-os cair muitos quilômetros por vez, se ela ainda pudesse voltar a viver, bom, teria trabalho. Demorei um pouco a perceber que estava voltando... Não pelo caminho de onde viera, mais a oeste. E novamente as coisas em volta começaram a mudar. Esquentar, esfriar, as árvores se abriam e fechavam... Eu me guiava sempre pelos sons que indicava: perto de mais de humanos. E assim eu segui por um tempo que me pareceu incontável, covarde demais para admitir que estava quase me decidindo voltar. Não houve nada além da fome e das caças pouco satisfatórias por muito tempo, até que esporadicamente encontrava rastros de vampiros, encontrando até mesmo piras ainda fumegantes com nojentos vampiros, o que me fez lembrar as histórias do Cullen loiro sobre como as coisas eram no Sul, a lembrança me fez ficar cauteloso, era possível que eu andasse em um campo de guerra.

Apesar de meus instintos fazerem meus pelos se eriçarem com a idéia, eu não era idiota nem suicida. Sabia que viraria tapete para os vampiros que me encontrassem, fácil.

Um dia me dei conta de que estava provavelmente em um lugar perto da tribo de Dulce, bem, não perto, quem sabe fazendo fronteira com aquele estado ou cidade, fosse qual fosse, e eu comecei a vagar para lá, protelando minha vontade de voltar.

_Jake_ disse Dulce ao me ver na trilha que levava as pequenas casas do assentamento_ Não imaginei que fosse voltar_ falou sorridente chamando atenção de algumas crianças que correram para próximas de mim, sorrindo também da novidade de um recém- chegado.

_Estou aqui_ falei, sorrindo-lhe, e ainda estranhando ser homem.

_Não por muito tempo, imagino_ comentou e eu desviei meus olhos dos dela, cumprimentando seu avô que nos esperava no caminho.

_Estão um pouco preocupados_ disse-me Dulce, já era noite, estávamos sentados à beira da fogueira comendo_ Um dos nossos esteve aqui há dois dias, havia pernoitado numa aldeia amiga que fica há sete dias daqui subindo o rio a barco, houve uns desaparecimentos lá.

_ Desaparecimentos_ insisti por pura intuição. Ela me explicava o clima tenso e a razão de todos estarem em suas casas antes de escurecer completamente.

_Sim, sem explicação alguma, nem rastros, nada que possa dar alguma pista. Ambientalistas e bombeiros andaram pesquisando, buscando no rio, mas não encontraram nada_ explicou-me ela com seu sotaque forte e carregado. _ Tinha havido outros, há uns dois anos.

Não disse nada, não podia dizer, e não tinha certeza se era mesmo o caso, mas talvez fossem vampiros, era meu palpite, por experiência própria e pelo que vi mais ao sul do continente.

 No dia seguinte, enquanto comíamos frutos num intervalo de trabalho duro, limpando o mato alto da beira do rio onde se podia pescar melhor, ouvi ao longe um alvoroço se formar, alguém chorava e outras pessoas estavam agitadas. Deixei as crianças e adolescentes lá e corri em direção ao centro do assentamento.

Ao me ver, Dulce precipitou-se em minha direção, falando inquieta e agitada:

_Nanely, desapareceu. Foi buscar ervas para a mãe fazer chá e não voltou, já foram procurá-la, mas não há nada, só as sementes de seu colar_ sua voz tremia enquanto me explicava, há alguns metros a família da menina de aproximadamente 14 anos, desaparecida, e os demais da aldeia pranteavam e se organizavam para procurar mais longe.

_Há quanto tempo?_ perguntei.

_Meia hora, é o tempo total, somando o tempo em que ela fora e o tempo que a mãe levara para perceber a demora_ demandou Dulce.

_Não deixe que ninguém mais saia daqui, eu vou. _ falei mais baixo, me adiantando aos que se preparavam para sair em busca.

 Eu nunca odiei tanto estar certo, logo, mesmo ainda humano, pude sentir os vestígios gelados do cheiro de vampiro, o vento estava parado, o dia quente, era fácil perceber a mudança ali. O fedor se intensificava mais, até que encontrei umas poucas sementes coloridas, as tais do colar, e foi o exato ponto onde o vampiro esteve. Meia hora era tempo demais, a menina não estaria mais viva, e o vampiro estaria longe, mesmo assim segui o rastro. Dois, três quilômetros do rastro e a única mudança foi o cheiro de sangue, e alguns fios de cabelo em um galho de árvore, nada mais. Rosnei furioso e impotente.

_E então?_ Dulce foi a primeira a me encontrar quando voltei à aldeia. Evitando o olhar das pessoas atrás dela balancei a cabeça negativamente uma única vez. Um nó de ódio obstruía minha garganta.

_ El chupa cabras_ exclamou um senhor idoso dizendo mais coisas que eu não entendia e uma comoção se seguiu.

O avô de Dulce se aproximou de mim, na hora do jantar, quando os ânimos eram um pouco mais calmos, e falou em sua língua, Dulce traduziu logo depois, com ares de desconfiança.

_Ele acha que você sabe o que foi. Que sendo como é, você vê mais do que somos capazes. Foi algum ser sobrenatural como você? El chupa cabras?_ ela suspirou e acrescentou suas próprias palavras: _ Eu não duvido se você disser que sim.

_Vocês correm perigo, é o mesmo que esteve na outra aldeia_ respondi e ela repetiu ao velho, que falou algo mais, algo que a fez ficar de olhos arregalados, mas então ela respondeu como se rebatesse o que o velho havia dito. Os dois discutiram rapidamente.

_Ele imaginou se você não teria algo a ver com isso, então lembrei que você estava com algumas crianças limpando a margem do rio. Ele insiste, querendo saber se é algo sobre alguém como você.

_Pessoas como eu, são como são, porque nasceram para defender as pessoas de seres como o que matou Nanely_ falei, Dulce arfou, os olhos enchendo de lágrimas.

_Nanely... _ ela chorou, traduzindo entre lágrimas o que eu tinha lhe dito.

Os dias seguiram tensos, e mais que antes eu hesitava em partir. Houve outros desaparecimentos, a mãe de outra família, uma criança, um senhor, e mais uma menina, de dezesseis anos. Sentia-me um inútil, o meu cuidado em fazer rondas de nada servia, desapareciam sempre fazendo algum trabalho ao redor do assentamento. Eu nunca chegava a tempo, até perceberem a demora de alguém já era tarde demais. Aconselhei então que ninguém fosse a lugar nenhum sozinho, não era lá muito eficiente na verdade, mas era algo. Em seis dias, cinco desaparecimentos. Cinco mortes, ou assim eu pensava...

Eu passara os últimos dias acordado, transformado, num lugar estratégico onde pudesse ouvir tudo e todos, mas os ataques foram sempre durante o dia e havia três dias nada acontecia, então resolvi que dormir um pouco, não me faria mais inútil do que já era. Acontece que Dulce não me acordou como pedi...

O cheiro de fumaça despertou aos poucos meus sentidos, e um grito me fez despertar de vez, a mim e a todos em minha cabana: Dulce, o velho avô e um menino de cinco anos cujo a mãe desaparecera.

Ordenei que ficassem e saí. Uma das cabanas queimava, ameaçando incendiar outras duas ao seu lado, além do cheiro de fumaça eu sentia o cheiro forte de sangue, não que eu precisasse disso. O rastro de sangue era algo macabro de se ver. Podia-se perceber que era feitio de algo descontrolado, animalesco. Explodi em forma de lobo com a fúria que ferveu dentro de mim. Não foi difícil achar um vampiro bebendo sangue de uma criança já morta. Uma criança. Aliás, todos na cabana em que eu entrei já estavam mortos, mesmo os que ainda não haviam servido de alimento para ninguém. Enquanto avançava para o homem não deixei que o choque de perceber que ele era o senhor desaparecido da tribo me abalasse, e fui certeiro, sem perder um segundo, fechando a mandíbula em seu tórax e seu pescoço, separando mais fácil do que imaginava, considerei que ele estava muito distraído bebendo o sangue de sua própria família. Arrastei parte do corpo dilacerado para fora enquanto ouvia horrorizado o som de outros vampiros, certamente fazendo o mesmo que o que eu matara.

Entre as casas na aldeia a cena era a de um filme de terror dos mais macabros: havia corpos espalhados, caídos, tortos, de maneira que só é possível com bonecos de pano. Mulheres, velhos, crianças... E eu me perguntei onde eu estava que não pude salvar estas vidas. Foi então quando uma vampira, a menina, a primeira que desapareceu surgiu, as sombras do fogo que crepitava alto, já tomando outra cabana, deixando seu rosto sujo de sangue ainda mais macabro. Meu ódio era enorme, algo que não imaginei voltar a sentir, era como gasolina, alimentando minha força, mas eu sabia que ódio poderia cegar e eu tive de me controlar em menos de um segundo para ser eficaz.

 Ela era pequena e forte como uma recém criada, usava isso para se impulsionar e tornar seus movimentos ainda mais rápidos, mas também era inexperiente, e não sabia o que estava fazendo, tentei ser rápido ouvindo outros dois vampiros e muito poucos corações ainda batendo por ali, não foi fácil, mas também não foi a luta mais difícil da minha vida. Tendo-lhe arrancado a cabeça e metade do tronco joguei os resto em minha boca no fogo com um movimento rápido de cabeça. O incêndio crescia, rapidamente alcançaria a terceira cabana e eu não sabia se ainda havia alguém lá dentro.

No entanto corri para a cabana mais próxima onde ouvia um coração relutando em bater. A vampira, a mãe do garotinho, reconheci, tinha um senhor nos braços, sugava seu sangue, distraída, não me viu entrar. Mas não consegui pegá-la como o primeiro. Ela soube rebater minha investida como não imaginei que fizesse, recebendo um golpe no flanco esquerdo voei como uma bola de baseball, levando parte da cabana comigo e caindo perto da enorme fogueira, tão perto que senti o cheiro de meus pelos sendo flamejados. Ela largou o corpo e rosnando veio em minha direção, eu sabia que estava perigosamente perto do fogo, então resolvi abusar da sorte: rosnei desafiante e esperei. A vampira com as vestes sujas de sangue saltou em minha direção, milésimos mais rápido e por milímetros de diferença, pude afastar o bastante para que ela mesma tenha se jogado na pira. Foi como jogar combustível, mas ela não se desintegrou no fogo como acontece com os pedaços. Eu ainda podia ver a forma se debatendo nas chamas.

Muito rápido parti em direção do último vampiro, ou vampira, por minhas contas. A garota de dezesseis anos era a outra desaparecida, e agora uma vampira. Entrei na cabana de porta pequena levando parte da parede, a vampira tinha Dulce pelos ombros, estava prestes a lhes dar uma dentada quando chamei sua atenção com minha entrada.

No chão, o garotinho cuja a mãe fora morta duas vezes, jazia numa posição tortuosa demais para que estivesse vivo, e num canto mais distante e escuro estava caído o avô de Dulce.

Hesitei um pouco em avançar, sem querer machucar Dulce, pesando com meus botões se seria pior matá-la tentando salvá-la ou arriscar torná-la uma vampira. Expulsei os Cullen de minha memória, tentando não pensar no rosto que eu mais amava.

 Todos mortos, era o cômputo. Dulce chorava histérica, agora que despertara do desmaio breve que sofreu ao cair quando investi na vampira. O batimento muito rápido do ancião caído no chão me preocupava. Ainda não verificara, cuidando de Dulce, mas tinha certeza que ele fora mordido. Deixei a garota em prantos e fui na sua direção. Sim, ele tinha um ferimento sangrento logo embaixo do queixo, gemia, respirando com dificuldade... Dulce rastejou até nos, tremendo muito.

Expliquei-lhe brevemente sobre vampiros e disse-lhe o que estava acontecendo, acrescentando sem palavras amenas o que teria de fazer. Ela chorou copiosamente por mais alguns minutos. Sabia que estava sendo insensível, porém lhe apressei, sabia que a pira estava crescendo, além do mais tínhamos que dar um jeito naquilo tudo, as autoridades logo estariam ali, e não poderia haver pistas, seria um grande mistério do mundo: o que houve com um dos últimos assentamentos da tribo Kiliwa?

Com lágrimas nos olhos e uma dor indescritível no peito quebrei o pescoço do velho ancião, tirando uma Dulce em choque da cabana, logo em seguida.

Deixei-a há uma distância segura do fogo, buscando por pedaços de vampiros e jogando no fogo para logo depois atear fogo nas outras cabanas do outro lado do circulo que fora a aldeia, eliminando qualquer evidência.

Carreguei, entorpecido, a índia para longe, até já estar quase amanhecendo, descendo o rio. Paramos, bebemos água e enfim ela falou, ainda sem parar de chorar.

_ O que eu vou dizer? O que vou fazer? Não tenho mais ninguém! O que vai se de mim agora?_ ela entoava vez após vez, ainda atordoada.

Agachei a sua frente, segurando seu rosto.

_Preciso que confie em mim, vai ser mesmo uma prova de confiança, mas prometo que vai estar segura. _ afirmei_ Você confia em mim?

_ Com o que resta de minha vida_ murmurou ela, trêmula.

E então, eu não tinha outra opção.


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Notas finais do capítulo

Pois é, tavam achando a Nessie injusta por simplesmente sumir e perguntando pelo Jake Né?!