Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 28
Longe


Notas iniciais do capítulo

"Então me dê motivos
Para provar que estou errado
Para apagar essa memória
Deixe as enchentes atravessarem a distância em seus olhos
Do outro lado dessa nova divisão

Em cada perda
em cada mentira
Em cada verdade que você negou
E cada arrependimento
E cada adeus
Foi um erro grande demais para esconder"

New Divide- Linkin Park
(O ritmo dessa música embalou muito a corrida do Jake, muito inspiradora, recomendo ler ouvindo-a)



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Ponto de vista de Jacob

Eu não sabia quanto tempo havia passado desde a tarde em que fugi da casa de meu pai, atormentado. Nada estava muito diferente dos sete meses anteriores àquele dia. Tudo o que mudara conforme eu corria desenfreadamente era o clima, eu não poderia deixar de notar, ainda que dentro de mim houvesse uma eterna tempestade. Eu podia não perceber a noite chegando, pois de alguma forma tudo para mim era indefinidamente obscuro... Mas o sol tomou conta conforme eu avançava para lugar nenhum e o calor eu não podia ignorar.

 As coisas mudaram a minha volta. Eu corri, só parando quando minhas pernas dobravam-se sob mim de exaustão, o que nas minhas contas instintivas só acontecia quando mais de uma semana se passava sem que eu parasse, ou então quando a fome era demais para ignorar. Às vezes eu dormia, quando era extremamente necessário e isso acontecia sem que eu percebesse, dormia por mais de um dia, geralmente até acordar torturado por estar sonhando com ela, ouvindo a voz dela... O riso. Enquanto eu avançava para lugar nenhum, as nuvens pesadas deram lugar ao sol, a floresta fechada e protetora se abriu em verde claro onde chovia menos. O calor do sol me lembrava Renesmee, não que eu a esquecesse, porém essas eram duas das poucas coisas que podiam parecer quentes em minha pele, ela era uma constante em mim, a única coisa que não saía de minha mente por mais que outras viessem.

 Conforme a paisagem mudava, secando e se abrindo eu percebia o quanto estava longe, dando-me conta de que não sabia quando deixara de ouvir meus irmãos. Não sabia se ainda estava no país e também não me importava, não me dava ao trabalho sequer de olhar as placas quando eventualmente tinha de atravessar alguma estrada. Eu estava perdido, no mais intenso e profundo sentido da palavra, saber em que parte do mundo eu estava não me era de valia alguma.

Os dias continuaram passando... Eu passei por lugares secos e odiei saber por dedução que estava em algum lugar em torno de Phoenix, ou talvez Tucson... Quem sabe já tivesse até mesmo ultrapassado a fronteira... Eu continuei correndo... Precisava encontrar água...  Finalmente encontrei um rio estreito, se é que aquilo poderia ser chamado de rio, era muito estreito e raso, correndo entre a vegetação baixa, mas era limpo, e eu estava morrendo de sede, não me incomodaria se fosse apenas por mim... Porém eu devia sair de sua vida, mas ela não falara nada sobre morrer... Embora eu certamente pensasse nisso... Não de maneira suicida, mas, quero dizer, e se fosse melhor? Era horrível, constantemente doloroso estar sem ela... Inexplicável.

 Um som, longe, chamou minha atenção, me trazendo ao presente, para fora de minha mente conturbada, tornando-me ciente dos sons mais próximos. Sons que não deviam estar ali, e que eu devia ter percebido antes. Eu estava cercado. Parado, procurei ao longe: vi um vulto, um homem estava escondido sobre uma colina. Procurei e havia corações e respirações eufóricas a minha volta, como é que me meti ali, sem me dar conta? Com um salto, avancei para dentro do mato alto e amarelado que cobria um grande espaço aberto, para só então perceber que já haviam me visto e que de nada adiantaria ficar ali. Eles estavam mais escondidos que eu. Eu poderia correr, entretanto eu vira entre o mato que os vultos portavam armas, armas avançadas a fim de facilitar uma caça. Era isso, eram caçadores, e haviam visto um lobo maior que um cavalo... Deviam estar muito animados com isso. O silêncio precedia o ataque, eu podia sentir, então decidi que as porcentagens estavam ao meu favor, não seria impossível, mas me matar não seria fácil, uma vez que os ferimentos se fechariam quase imediatamente, deduzi, uma vez que nunca fora ferido à bala... Pior seria ser atingido e voltar à forma humana...

 Quando me preparei para correr houve um estouro, perto demais, ecoando em minha cabeça quando o som feriu meus ouvidos de lobo, entretanto eu já estava em movimento, em dois segundos estaria rápido demais para qualquer dos oito que eu havia contado acreditar que minha imagem era menos que algo sobrenatural, uma miragem. Porém eu fora atingido, o calor impactante se espalhou por meu ombro no mesmo milésimo de segundo. Muitos tiros vieram de uma vez só, mesmo sem ter certeza de para onde eu ia, atiraram as cegas na minha direção, erraram muitos, mas acertaram alguns... Na ponta de minha orelha, no ombro, na pata... Estavam correndo, determinados, eu já estava longe, mas tiros são tiros, avistei ao longe uma montanha que parecia ser inteiramente de rocha, nada de plantas ou árvores, mas antes dela havia uma floresta, logo eu estaria abrigado, mesmo que eles levassem as próximas horas à minha busca, não encontrariam nada, meu ombro e a pata traseira feridos já estavam dificultando correr. Minha nuca, minha visão turvou-se logo após o impacto quente em minha nuca... Corri apenas um pouco mais, o bastante para estar sob as árvores, e a próxima coisa que vi foi o chão em meu rosto e o gosto de terra em minha boca.

 Minha cabeça doía, era só o que eu sabia, no segundo seguinte senti um gosto horrível na boca, gosto de ferrugem... Senti meus olhos e os abri me assustando com o trabalho que o gesto deu. Um foco de luz atingiu meu olhar, pisquei um momento e percebi que era fraca demais para realmente ofuscar, vinha de uma brecha do teto baixo. Tentei levantar a cabeça, olhar em volta, mas tudo girou enquanto o sangue esquentava minha cabeça parecendo retomar seu fluxo. Recostando-me novamente percebi meu corpo estirado, minha mão tateando debilmente por meu ombro, buscando uma dor que eu sabia que já não estaria ali. Estava desorientado... Tossi, a garganta seca, e ao inspirar senti cheiro de... Eu não sabia do que era. Algo bom perdido entre coisas que sugeriam ter sabor amargo. Ouvi também, havia mais gente onde eu estava... Fosse onde fosse.

 Uma mão tocou a parte de trás de meu pescoço, minha mão instintivamente se fechou em torno daquele punho desconhecido, restringindo-o. A mão hesitou e desapareceu, eu não conseguia focalizar, tonto como estava, não havia nada em meu ângulo de visão, não no seguro onde minha cabeça não rodasse. Enfim pude ver alguém, a silhueta bloqueou a luz da lua que entrava pela fresta, era pequena, uma mulher, ela tinha algo na mão, e aproximou-se do meu rosto, eu engoli sem pensar, sedento e faminto, distraído ouvindo as palavras numa voz fraca, palavras numa língua que eu não conhecia, pensei ser espanhol, mas tinha outra entonação...

 Acho que eu estava sonhando... Como eu fora parar ali? Onde, aliás, eu estava? Só depois de engolir a espécie de sopa é que percebi que não era sopa, era algum tipo de chá, e era horrível. Era disso que vinha o cheiro, devia haver alguma erva de aroma agradável ali, mas a maior parte era desprezível... Fiquei preocupado, meus sentidos estavam embotados desde que abrira os olhos... O que estava acontecendo comigo? Tentei levantar, mas mãos me restringiram, empurrando meu ombro... As palavras sem sentido ganharam um pouco mais de intensidade na voz, que ainda assim era fraca. Eu não tentei lutar com as mãos que queriam me fazer deitar, embora talvez estivesse segurando os dois punhos com mais força do que devia... Afrouxei imediatamente, eu nunca a machucaria...

_Nessie!_ ouvi minha voz, emocionada e aliviada_ Ah, querida! _ afaguei seu rosto, sem me preocupar onde estava e o que ela fazia ali, tão longe de casa, ou como me encontrara. Ela sorriu para mim e me reclinei na esteira... De repente havia muitas vozes em minha cabeça, como se todos os lobos de La Push estivessem em minha mente, não só vozes, cores e formas, rostos também. Era vertiginoso... Eu estava correndo na floresta familiar, o borbulhar delicioso da risada cristalina de Nessie tomava o ar... Irrompi pelas árvores e lá estava ela, em um vestidinho de babados, os cachos brilhando sobre os ombros e um sorriso brilhante estampava seu rosto enquanto suas perninhas surpreendentemente rápidas a traziam até mim.

 Como era bom abraçá-la, sentir seu cheiro, ali, enterrado nos cachos da criança meio vampiro. Eu a soltei e de alguma maneira não consegui ficar surpreso com o fato de ela agora aparentar cerca de oito anos, Nessie saiu correndo pela neve e logo depois eu estava sendo bombardeado com bolinhas de gelo úmido, derretido por suas mãos quentes. Não estranhei, de repente estar ninando-a dentro de seu quarto no chalé, hesitante em colocá-la no berço de ferro batido, sabendo que como eu a criança tão pequenina em meus braços estava muito confortável daquele jeito. Ela já era uma mocinha com cerca de dois anos, começara a verbalizar, deixando de lado o uso das mãos, Charlie entendia, mas achava estranho ela ainda não falar, mesmo sabendo que biologicamente ela ainda era muito jovem, então... Ouvíamos mais sua voz, agora. Renesmee descia uma escada, um pouco tímida, num vestido preto e justo, ela estava linda... Um deslumbre, demais para qualquer um. Eu ia matá-la, o bebê com rosto de porcelana nos braços da vampira loira, como eu poderia?! Ela era tudo em mim, agora, meu próprio eu. Sempre seria.

_Nessie!_ ela estava ao meu lado. Os olhos cor de chocolate tão cheios de carinho era mais do que eu poderia esperar a esta altura dos acontecimentos.

 Abri os olhos, e estava claro, era dia. Entretanto, não claro como eu sabia que estava lá fora, podia ver que em algum lugar perto, uma porta ou janela, era fonte de uma luz muito mais ofuscante... Estava calor, embora eu não tivesse certeza se tinha mesmo a ver com a temperatura. A tontura passara, mas meu estômago não parecia muito bem, talvez fosse fome, era difícil dizer... Sentei-me olhando em volta. Estava numa cabana, não era grande, feita com madeira e algum tipo de palheira seca, não era o tipo de árvore que eu conhecia... Olhei em volta procurando alguém que eu sabia que não estivera ali, eu sonhara... A dor em meu peito dificultou respirar, mas tornou suportável o gosto amargo em minha boca.

 Uma jovem entrou pela única porta, a fonte de luz, do lugar, o cabelo solto e escuro e liso, era uma cortina impedindo-me de ver o rosto enquanto ela se curvava para entrar na cabana, suas mãos ocupadas com duas bacias, uma média e outra pequena. Quando se ergueu e me fitou, descobrindo que eu acordara, ela hesitou alguns segundos, disse algo em uma língua desconhecida, mas não parecia estar falando comigo. Preocupei-me em estar sem roupas, e me dei conta de que estava coberto com um tecido fino, mas de linhas grossas intrincadas, eu conhecia aquele tipo de trabalho... Era artesanal.

_Onde estou?_ perguntei, sentindo que precisava saber. Ela assentiu para si mesma e se aproximou, sua saia colorida e seus colares balançando.

_Está no México_ disse ela com sotaque muito carregado, as palavras ganhando intensidade em lugares engraçados_ Na tribo Kiliwa, num... _ ela procurou a palavra correta_ Assentamento, na verdade.

 Ela gesticulou para as bacias que havia colocado no chão ao meu lado. Tinha um cheiro bom, mas não sabia o que era, uma massa amarelada e porosa dividia lugar com uma verde na bacia maior, na menor havia água, foi a que ataquei primeiro. A jovem saiu logo em seguida, mas não demorou, ainda não havia experimentado a segunda tigela quando ela voltou com mais água. Descobri que a massa porosa era de milho e que a verde era abacate, era bom, estranhamente. A moça sentou-se à minha frente, pude notar os traços indígenas em seu rosto, mesmo que fossem diferentes dos meus, sua pele, por exemplo, tinha um tom amarelado por baixo do bronzeado de sol, não avermelhado como a minha pele.

_Posso... Examinar você?_ disse ela com certa dificuldade. Era perceptível que ela sabia, mas não praticava muito minha língua, bom, talvez eu entendesse bastante de espanhol, mas não garantia falar coisa com coisa, assim fiquei grato por seu esforço.

_Examinar?_ indaguei, imaginando onde fora encontrado, em que estado, e que o ferimento em minha nuca devia ter sido sério, afinal, eu apaguei por tempo demais, acho eu.

_Sou enfermeira, não se... Preocupe?_ a última palavra soou como uma pergunta, por sua insegurança. Eu assenti, querendo dizer que sua pronuncia estava certa, mas ela tomou como autorização e fiquei sem graça de rechaçá-la quando ela parecia tão preocupada. A índia moveu-se de forma a ficar atrás de mim, tocou meu ombro, virou minha cabeça examinando minha orelha, e a abaixou, a ponta dos dedos tocando a cicatriz ainda inflamada que eu sentia em minha nuca. O silêncio seguinte era perplexo. Eu teria de dar algumas explicações...

_Meu nome é Dulce. Qual o seu?_ perguntou ela distanciando-se do tema que imaginei.

_Jacob_ falei, recomeçando a comer.

_Você... Não há ferimentos... _ Começou ela_ Nem mesmo o mais grave_ sua frase se repuxou em lugares estranhos. _Incrível! Ah! Não se apavore se começar a vomitar... É por causa do chá. _ Senti meus olhos se abrirem e quase saltarem das órbitas.

_O chá?_ repeti.

_Sim, tem... Propriedades medicinais, limpa o corpo, mas é usado como alucinógeno, um meio de descobrir quem exatamente são nossos visitantes, o que os perturba em seu íntimo..._ ela me lançou um olhar circunspecto enquanto eu via a razão de ter sentido que abraçava Renesmee, que tocava seu rosto.

_Meu avô tem teorias sobre você, ele é... O guia espiritual da tribo, o curandeiro também.

 Assenti, pegando um pouco da água me perguntando sobre essas teorias. Ela sorriu e se levantou saindo. O que eu ia dizer? Será que eu narrei tudo o que estava imaginando ser verdade? De que outra maneira alguém descobriria quem outra pessoa é intimamente?! Argh!, Gemi mentalmente. Eu queria sair dali, voltar a correr. A jovem, Dulce, voltou trazendo consigo uma calça cáqui de brim e voltou a sair.

 Só tive tempo de me vestir, o que não fiz muito rápido, começando a sentir náusea, eu sequer me levantei. Ela voltou com um senhor idoso, de aparência frágil que me fez lembrar do avô da tribo, Quil, embora eles não se parecessem realmente. Ele vestia uma roupa do mesmo tecido artesanal de que era feito o cobertor que eu usara, também tinha colares coloridos com penas.

 O senhor disse algo no que provavelmente era o dialeto da tribo. Tentei me levantar para demonstrar respeito, mas ele fez um sinal firme para que eu não o fizesse. Dulce, ajoelhada diante de mim, me olhou.

_Ele quer saber de onde você é_ disse-me ela.

_Longe... Sou americano. Também pertenço a uma tribo. Sou quileute_ falei sentindo uma pontada de nostalgia. Ela virou-se para o velho falando a mesma língua que ele. Ele assentiu e disse algo mais. Ela me olhou contrariada e pareceu discutir brevemente com ele, que respondeu fazendo-a suspirar, derrotada.

_Eu disse que deve haver uma explicação sensata, mas ele quer saber o que você é. Desculpe-me. É que ele me ajudou a cuidar de você quando o encontraram ferido e viu o que aconteceu. Como eu disse, ele tem suas teorias... _ Pensei sobre aquilo um momento, o senhor disse mais algo que ela traduziu:

_Ele diz que sabe guardar segredos e que quer aprender sobre você, diz que entende o sacrifício de guardar o segredo de um povo.

 Assim, vendo a sinceridade nos olhos do velho homem, eu lhe contei o que eu era, contei parte das lendas, deixando de fora a parte sobre os frios, não achei que fosse necessário, afinal, ainda era uma coisa um tanto secreta, assim falei sobre ser um protetor tribal e que havia outros como eu, respondendo algumas perguntas sobre eu ter me curado e minha pele por si só ter expelido as balas que me feriram. Dulce não parecia acreditar em nada daquilo, e conforme traduzia cada vez mais me olhava como se fosse louco. Por fim uma das frases do velho a fez rir, com desdém, e ela me olhou com diversão antes de dizer:

_Meu avô quer ver sua outra forma_ ela não acreditava mesmo. Ao lado da jovem o senhor muito idoso se levantou com alguma dificuldade e me estendeu a mão num gesto rápido e gesticulou para fora. Olhei para Dulce que deu ombros e começou a se levantar, fiz o mesmo satisfeito que meu corpo parecesse normal, além da estranheza de estar sobre as duas pernas. Segui o homem para fora da cabana... Já estava escurecendo.  

 Eu me senti há anos retrasados, quando meu povo morava no porto e o homem branco não havia chegado, ao ver homens carregando frutos, algumas crianças voltando com os cabelos úmidos e rindo com as mães de algum lugar por trás das cabanas do outro lado (havia uma grande no meio da clareira onde era a aldeia e outras pequenas em volta, sete, numa contagem rápida), algumas pessoas acendiam tochas e uma fogueira no centro do assentamento, todas elas olharam para mim, não por muito tempo e sequer pararam de fazer o que estavam fazendo, deviam ter tido tempo para falar sobre mim ou não devia ser novidade ter um visitante.

 Segui o homem, Dulce ao meu lado, até algumas árvores  onde ele parou e me olhou, pedi que esperassem e ouvi a índia dizer a ele o que eu pedi enquanto eu avançava um pouco mais na floresta. Por um instante senti-me um idiota: tirando a roupa enquanto um velho e uma menina esperavam me ver como lobo, mas logo vi que era certo, eles haviam me acolhido (não que eu fosse ficar ali muito tempo) e cuidado de mim, nada mais justo que eles saberem quem eu era e como eu era. Puxei o calor do cerne de meus ossos, era reconfortante, e voltei caminhando devagar, tentando evitar assustá-los. Dulce deu alguns passos atrás, incredulidade transbordando dos olhos escuros. O velho por outro lado riu. Eu não tinha o que fazer e me debrucei sobre mim mesmo, deitando no chão de terra fina e clara. O velho disse algo e deu as costas. Dulce pareceu lutar para respirar por alguns minutos ainda e então falou:

_Do outro lado há um rio onde você pode tomar um banho se quiser, estaremos perto da fogueira_ e então hesitante e com os olhos ligeiramente arregalados ela seguiu por onde o velho fora.

 Achei boa idéia, ainda podia sentir, preso aos pêlos, os resquícios de sangue seco. Depois de achar o rio um pouco dentro da floresta, segui na forma humana para o meio da aldeia, e percebi que me preparara para muitos rostos quando vi que quase não havia ninguém, talvez eu tivesse demorado muito em meus devaneios... Notei, perto da fogueira, sentada numa esteira de palha, Dulce, aproximei-me devagar sabendo que ela se apavorara comigo.

_Eu não acreditava em nada disso. Estoy pasmada!_ sussurrou quando sentei ao seu lado na terra de frente para o fogo que crepitava.

_Sei como é. Eu também não_ respondi desinteressado, na verdade. Fitava a lua enorme no céu, pensando em como o tom argênteo lembrava-me o rosto de Nessie quando anoitecia.

_... Desde pequena, por exemplo, sobre o chupa cabras o El vampiro, cómo quieras llamar_ Eu estremeci a palavra “vampiro” ainda que ela tenha dito em sua língua, Dulce continuou falando: _Duvido que um espécime como você tenha a ver com a lenda do lobisomem, sabe, o oitavo filho, cujo todos os irmãos mais velhos são irmãs, na verdade, o único homem e mais jovem é destinado à maldição, a partir da luz da lua... Qué estoy a decir? No és real que todo ahora se haga verdad?

_Esses são os filhos da lua: metade lobo e metade homem. Como viu eu sou inteiramente lobo, quando estou naquela forma_ falei baixo, interrompendo suas ruminações_ Sim... Algumas coisas são reais, embora não se possa acreditar em tudo_ Ela suspirou oferecendo-me uma tigela com comida, era ave, tinha gosto de frango, mas não me interessei em saber se era, e novamente a massa saborosa feita de milho. Dulce gesticulou para as frutas e a água na minha frente.

_Como está seu estômago?_Perguntou_ Nunca vi alguém reagir tão bem àquela mistura de ervas, você parece bem.

_Estou bem, obrigado_ respondi lembrando a sensação horrível depois de acordar e imaginando do que meu metabolismo acelerado me livrou. Ela sorriu à expressão em meu rosto, embora eu não soubesse qual fosse.

_Eu sei, pode não parecer muito educado encher as visitas com substâncias alucinógenas, mas são costumes que os mais velhos não abandonam e nós mais jovens aprendemos mesmo não concordando.

_Entendo_ respondi comendo_ Você disse que era enfermeira_ lembrei, não querendo ficar sozinho com meus pensamentos.

_Sim, não cresci na aldeia, embora sempre tenha visitado bastante. Aqui era como outro mundo quando eu era criança. Fui criada por minha mãe, na cidade, mas meu avô nunca deixou que nos desligássemos das tradições, ele me educou para ocupar o lugar dele como curandeiro, me ensinou tudo sobre ervas medicinais e venenosas, ele acabou me inspirando em estudar enfermagem.

_Você mora aqui?_ perguntei.

_Sim. Desde que minha mãe morreu, há dois anos. Nunca houve muito que me prendesse na cidade. Estamos a dois dias -andando e parando a noite- da cidade mais próxima, muitos dos jovens fazem constantemente esta travessia, alguns vão e não voltam, fazem a vida, estudam, quem volta ajuda como pode. Eu, por exemplo, sou como a médica deles, como vê, somos poucos. Sete famílias ao todo, a maioria idosos e crianças.

 Ela me contou noite adentro de como era a vida ali, de seu esforço para aprender tanto quanto podia, pois nem todos os jovens acreditavam ou levavam a sério os costumes, não que ela acreditasse mais que eles antes de ver um lobo maior que um cavalo diante de si. Fiquei espantado quando ela disse que já fez vinte e cinco anos, ela aparentava ser bem mais jovem.

_Porque está tão longe de casa? Correndo como imagino que estava_ perguntou ela a certa altura. Eu hesitei, sem querer responder, mas pensando que era justo uma vez que ela contou tudo que eu quis saber.

_Acho que sei... Tem a ver com Renesmee_ meus músculos travaram já imóveis ao som do nome_ Ou Nessie, me pergunto se é a mesma pessoa, um nome não tem nada a ver com o outro_ eu sorri, não um sorriso, era mais uma contração no canto dos lábios. _ Você falou dela a noite toda...

_ É a mesma pessoa_ murmurei, sem saber se era alto o bastante para que ela ouvisse. Não dissemos mais nada.

 Depois de um longo momento de silêncio, quando a fogueira já não crepitava, ela sugeriu que fôssemos para a cabana que eu ocupara na noite anterior. A acompanhei e ela deitou numa rede no lado oposto aonde o avô dormia, eu me deitei na esteira que ocupara antes, me negando a dormir, temeroso das sensações de lembranças tão vívidas como a da noite anterior.

 Ponto de vista de Renesmee

 Voltamos à Seattle pela tarde. Eu tentava reunir coragem para falar com meus pais sobre ir sozinha para Paris enquanto privatizava minha mente em intervalos regulares, mas era difícil encontrar um bom argumento quando você não conhece bem as próprias razões. Estava difícil manter uma linha de raciocínio, no fundo de minha mente, sob a lógica, outras coisas submergiam e eu não consegui ignorá-las. No silêncio, em meu quarto, eu quase podia ouvir os murmúrios de um fantasma, uma voz extinta, sobreposta à outra. Nada era teligível, eu apenas reconhecia a voz em minha lembrança... Eu estava ficando louca!

“Pai, preciso falar com você e mamãe”, pensei começando a descer, todos estavam na sala.

_Sim, querida?_ disse Edward enquanto minha mãe saía de seu colo e sentava-se ao seu lado, deixando espaço para mim entre eles_ O que a preocupa?_ ele ouvia minha hesitação muda. Sentei-me entre eles organizando os pensamentos, decidi ser direta.

_Mãe, Pai... Sobre Paris, eu quero ir sozinha.

_Como assim sozinha?_ Bella indagou. Todos os olhos na sala estavam em nós.

_Gostaria que mantivessem seus planos, quero ter um tempo sozinha_ argumentei debilmente.

_Não, filha_ falou Bella, seguramente_ Não é seguro.

 Olhei suplicante para Edward, que não dissera nada.

_ Por favor!_ pedi_ Deixem-me ir_ havia desespero em meu pedido.

_Renesmee... Por quê? Ir para longe, sozinha... _ Bella afastou meu cabelo do rosto.

_Pai... _ “Você sabe. Você entende, deixe-me ir, juro que não vou desaparecer. Vou para a escola de artes.” Edward me abraçou, pousei o rosto em seu peito.

_Talvez um tempo sozinha ajude_ ele sussurrou.

_Não, Edward!_ retaliou Bella.

 Eu podia sentir o conflito de meu pai: entre fazer Bella feliz e me dar o que eu precisava. Ele sabia o que era precisar de liberdade tanto quanto queria me proteger do mundo.

_Edward!_ exclamou Esme_ Renesmee, meu bem, você é uma criança... Não pode... Tão longe!

_Somos sua família_ disse-me Bella.

_E continuarão sendo_ levantei_ Mas cuidado constante não vai me ajudar a crescer.

_Não, não, não! Nessie, meu amor, eu não posso permitir isso. Juro que entendo, mas é perigoso. Edward!_ agitada, minha mãe tentava fazer meu pai apoiá-la_ Não conhecemos todos os vampiros do mundo. Se quiser ir, iremos seu pai e eu.

_Já disse o que tinha que dizer_ falei, indo para meu quarto.

 Não foi surpresa o que aconteceu. Meu pai não iria contra Bella, fazendo-a sofrer. Ativei meu escudo e devo ter cochilado... Não foi um sono profundo, ativei meu escudo antes mesmo de estar totalmente desperta.

_De qualquer forma é o que vejo_ dizia Alice, permaneci muito imóvel.

_Ainda assim, Alice_ repreendeu Jazz.

_Não posso permitir que ela vá para tão longe sozinha_ queixou-se Bella.

_Claro que não pode_ Esme apoiou.

_Bella, amor, eu também não gosto da idéia de tê-la longe, mas e se ajudar? Se estivermos negando a chance que a fará ficar melhor?

_E... E se... Ela perder o controle, por alguma razão?_ ela tentava encontrar razões.

_Já aconteceu antes, e não pudemos fazer muito, além de tudo Nessie é mais madura agora, sabe lidar melhor com a proximidade dos humanos_ respondeu ele ternamente.

_Você realmente espera...

_Que você compreenda_ completou meu pai_ Amor, Carlisle fez isso por mim um dia. Eu queria em todo meu âmago nunca precisar fazer o mesmo, mas se for bom para ela... _ me encolhi ao ouvir a dor de meu pai.

_Não precisamos encarar isso de forma negativa, Bella_ disse Rose_ Ela, enfim, está reagindo, tentando mudar a situação, saindo daquela prostração.

E o silêncio perdurou. O que será que Alice vira?

 Pela manhã ao sair do banheiro uma Bella que poucas vezes vi, me esperava imóvel, sentada em minha cama, muita séria.

_Filha_ ela me puxou para a cama_ A amo tanto.

_Eu também, mãe_ tentei transmitir na voz a emoção que na verdade não sentia.

_Se você soubesse como é querer nunca te soltar, nunca deixar que se afaste de mim. Proteger-te de tudo, escondê-la por trás de minha pele, para que nada, nunca, a fizesse sofrer_ ela acariciava meu rosto ao falar.

_Mãe_ suspirei. Havia tanto que eu queria dizer.

_Infelizmente não posso mudar o que te aflige. Realmente entendo suas razões, e mesmo não concordando, se você precisa partir sozinha, eu confio em você.

 Aninhei-me em seu colo sentindo sua dor magoar minha cicatrizas. Ela estava se esforçando e o mínimo que eu poderia fazer era dar alguma explicação, e no seguinte silêncio busquei algo plausível a dizer:

_Desculpe-me por isso, mas é que já não sei onde é meu lugar, meu lar. Sinto que preciso ir e descobrir quem eu sou ou quem devo ser, porque não lembro mais de como era ser como antes_ Bella estreitou os braços a minha volta_ Eu não quero deixar tudo para trás, é tão ruim ver tudo o que pensei que conhecia desaparecendo..._ percebi que minhas palavras faziam sentido. Foi um tanto chocante ver que era inteiramente verdade, e que faziam mais sentido colocadas daquela forma que na miríade incoerente que era minha cabeça.


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Notas finais do capítulo

E então.
Particularmente, amo esse capítulo.