Momento Infernal escrita por Elizzabeth Haaps


Capítulo 9
Capítulo 03 (parte 2) — Quem é você?


Notas iniciais do capítulo

Oi queridos.
Estamos finalizando o capítulo 03 de Momento Infernal. Vocês conhecerão um pouco mais de Leonor, nossa dama dos disfarces, e qual foi o desfecho daquela festa.
Ah, obrigada pelos comentários lindos *-*
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Sem mais demora, o homem na sua frente se adiantou em dar um golpe na direção à face dela; com habilidade Leonor bloqueou o ataque com o antebraço direto, no reflexo puro; com o punho fechado socou o estomago do cara, o mesmo logo pressionou o local, tentando evitar a dor que invadia-o e recuou dois passos meio desequilibrado. O outro por sua vez, aproximou-se rapidamente atacando ela com toda sua fúria: dando socos rapidamente no ar, tentando acertar alguma coisa concreta, veloz, dando tudo de si. Enquanto a atenção de Leonor estava a desviar aqueles golpes do descontrolado, o que antes a encarava – que se recuperava do soco no estomago –, a ataca com chute na barriga, que faz Leonor bater suas costas com força no carro.


À medida que ela tentava equilibrar-se novamente os dois atavam-na de vez. Aquilo fez com que sua boca sangrasse, hematomas começassem a aparecer e pensamentos ficarem descontrolados. Sua mente começou a captar tudo em sua volta, trabalhar no modo automático, deixando tudo indistinto, escuro. Tentando se defender ela tenta fugir dali – já que os dois homens estavam pressionando-a contra o carro com seus ataques. Com certo jeito, a dama de vermelho se esquiva dos ataques e em um giro rápido, pega um dos homens – o que avançou rapidamente nela antes – e o agracia com um simples e bom movimento de imobilização – pega sua mão, levanta seu cotovelo pra cima e o coloca para trás de seu corpo.


— Parece que você não é uma mulher comum, não é mesmo? — O homem que antes a encarava disse.


— Pelo menos não por falta de tentativa, não?


Leonor foi ao chão com quem estava em suas mãos, rapidamente, batendo a cabeça do mesmo com força no chão; pega a faca de prata e sem dó a enfia na coxa do homem girando-a como se fosse um parafuso. O homem grita alto; logo tinha sua mão na faca tirando-a de lá e pressionando o ferimento; aquele desorientado foi a brecha que ela precisava para sair dali correndo. Sem alternativa, o outro homem corre atrás dela, enquanto seu parceiro se debatia no chão, gritando; ela já estava numa certa distancia do homem, quando ouve um tiro e ele vinha bem em sua direção. Correndo mais rapidamente, ela consegue alcançar a mochila que tinha deixado antes no jardim – dentro havia duas armas: uma pistola nove milímetros, um revólver e também um casaco –, abre-a e dispara alguns tiros com a segunda arma dita; obviamente não acerta nenhum em cheio, apenas um tiro de raspão no braço do que a perseguia; o mesmo não se impressiona com isso e continua a correr atrás dela.



Pulando o portão da mansão dos Austins Gray, Leonor arranha seus braços e pernas, já que com o movimento de pulo rápido demais, ela não vê as pontas de ferro que havia ali. E se tudo não estivesse ruim, o tempo resolve não dar uma trégua e começa e chover e ventar forte; ela logo procura vestir aquele casaco e continua a correr, olha algumas vezes para trás ainda vê que o homem a perseguia veemente. Porque sempre tem que ser dois contra um? – pensara enquanto os pingos de chuva batiam em sua pele, empatando parcialmente sua visão. Aquilo tudo tinha acontecido muito rápido; estava ocorrendo muito rápido. Muitos golpes corporal, troca de tiros, perseguição à moda antiga... Esse conjunto de coisas deixara Leonor confusa, embora soubesse que isso acabaria assim, eventualmente.


Tudo estaria, ocorreria bem, ela até ganharia aquela corrida, mas para seu azar aquele homem vinha em seu encontro de moto – com a ajuda do outro colega. Começou a atirar (naquela hora da noite, e principalmente aquela data em particular, quase não tinha ninguém na rua, apenas uma ou outra alma); Leonor corria e tentava se proteger escondendo-se, por pequenos instantes, atrás de árvores, postes, – qualquer coisa servia – e logicamente atirava de volta; porém com toda aquela chuva, e a velocidade em que estava, acabava que não dava certo sua investida. Em meio a tanta agitação quem acabou por acertar foi o homem que perseguia ela: um tiro certeiro em sua perna, o que a fez cair; sua peruca logo ficara torta, suja com a lama da calçada e seu corpo com mais arranhões.


Ela então, caída no chão mesmo, começou a atirar de volta, o que fez os homens retroceder um pouco; e mesmo sentindo aquela dor queimar os seus ossos, sabendo que seu sangue agora se misturava com água e lama, levantou-se e correu; tinha que continuar, sua vida dependia disso. E foi quando sua dor encontrava-se no ápice que ela finalmente enxerga uma luz naquela escuridão: um bar. Mancando, ela entra. Todos os olhos estavam voltados para ela: uma mulher ferida, cansada, suja e com muita, muita, raiva. Sem olhar pra ninguém que estava ali, ela esconde-se atrás do balcão e aguarda a entrada dos homens com a nove milímetros nas mãos. Olhou para a quantidade de balas que tinha, e ficou apreensiva; tinha apenas dois projéteis, e fazendo a conta, o que não era nenhuma equação matemática, respirou fundo tentando se acalmar. Agora é uma pra cada. Matar ou morrer. Piscando quase sem parar, respiração e batimentos cardíacos exagerados, Leonor busca toda sua concentração e fica parada ali, atenta.




Os homens finalmente entram; olham por todos os lados, ambos com armas nas mãos, e antes que pudessem dar mais passos à frente ela acerta em cheio a cabeça daquele que a perseguia anteriormente; o homem cai rapidamente assustando o outro que se desconcentra – como se sua perna já não fosse o suficiente, ele ainda vê o colega cair na sua frente do nada. Um bom motivo para se descuidar? Talvez. Entretanto aquele que tinha tido um momento de preocupação, também acabou por ser de adeus. Com outro tiro certeiro, também na cabeça, Leonor derruba o segundo homem e finalmente respira aliviada; agora poderia ir para casa com a sensação de missão cumprida, trabalho feito. Na verdade, só a sensação de estar viva já era suficiente pra ela naquele momento.




As pessoas naquele bar não tiveram nenhuma reação; todas ficaram paradas, em choque, apenas observando paralisados; até porque, aquilo tinha acontecido muito rápido, não dava pra ter nenhuma reação mesmo. Leonor tentou levantar-se, mas caiu; estava sem força, cansada, esgotada. Então uma mão lhe tocou – ela até poderia atacar, mas na verdade ela não conseguia, e também não era necessário, já que estava apenas sendo auxiliada. Olhara para aquele homem que ajudava-a e sorriu meio sem graça; sua boca estava cortada, machucada; sua bochecha inchada, assim como seu olho esquerdo; seus braços com pequenos cortes, e sua perna sangrava continuamente. Com o braço envolto no pescoço daquele indivíduo, a dama de vermelho, que agora não parecia tão dama assim, cambaleou até uma mesa que havia logo ao lado; sentou-se ali e pediu o que tinha de mais forte naquele bar enquanto colocava a arma de volta na mochila.



Enquanto o homem pegava a cachaça, ela adiantou-se em rasgar uma parte do seu vestido e amarrar com força em sua perna, para que o sangue parasse de sair tanto. A bala alojada em sua coxa a fazia gemer de dor, e nessa altura da situação, aquela adrenalina que tomava conta do seu corpo anteriormente tinha cessado, e ela começava a sentir dores por todo o corpo. As feridas em seus braços ardiam feito pimenta, em sua boca o gosto do seu próprio sangue predominava – o que a fez cuspir aquele líquido escarlate uma vez ou outra naquela noite –; seus órgãos pareciam estar comprimidos, e diminuindo; seus pés clamavam por um bom banho agora... Porém o que tinha-se de pensar era como ela retiraria aquela bala dali


.

O homem estava colocando a cachaça em um copo, quando Leonor toma a garrafa de sua mão e tomou três goles, um atrás do outro. Ele olha para ela, olha sua perna sangrando, para todos aqueles hematomas e fica parado ali; todos os homens que estavam ali, afogando suas mágoas, também estavam olhando para ela, não acreditavam no que seus olhos tinham presenciado, na verdade aquilo parecia coisa de filme mesmo...


— Será que você teria uma pinça ai? — Leonor pergunta para aquele que tinha pegada a bebida para ela, depois de beber metade do líquido.


— Pinça?

— Aquela coisa que sua mulher faz a sobrancelha. — Disse depois de ver a aliança no dedo do homem.

— Quem eram esses homens?

— Queriam de volta uns brinquedos meus. — Ele falou tentando formar algum sorriso em sua boca.

— E você os matou?! O que você acha que eu vou fazer com esses corpos? E se a polícia tiver ouvido esses tiros? E se me prenderem? — Aquele homem disse rapidamente, agora que o choque havia passado ele estava aterrorizado.

— Por favor — Disse Leonor tentando ser branda — Como você já deve ter percebido, estou meio que com uma bala na minha perna... — Disse alterando-se. — Vai pegar aquela merda de pinça agora ou o próximo corpo no chão será o seu!


Com essa ameaça alguns homens que estava ali no bar saíram correndo, outros se esconderam embaixo das mesas; alguns já estavam tão bêbados que nem deram tanta atenção assim. O homem que a auxiliara logo saiu dali, apressando-se para buscar a tal pinça. Nos fundos daquele bar havia uma portinha que dava para sua casa, e naquela hora da madrugada, com todos já dormindo, como ele faria pra encontrar uma pinça? Temendo acordar sua mulher, Manoel dava passos macios e lentos; passara pelo quarto e com ajuda da lanterna de seu celular procurava a pinça no banheiro... Quer dizer, só poderia estar no banheiro, certo? E como um jogador fazendo um gol num dia difícil, dia de decisão, ele encontra o que procurava em cima do espelho; ainda com cuidado ao atravessar o quarto ele sai dali o mais rápido que pode.



Ele já estava no bar quando ouviu um grito doido; era Leonor pressionando aquela ferida aberta. Se apressou em entregar logo aquela pinça para ela e depois ficou parado olhando; naquele horário, perto do amanhecer, ainda chovendo, não tinha muita gente no bar mais; apenas cinco pessoas, contando com a dama e o dono do bar, Manoel. Sem se importar se alguém estava ou não olhando, Leonor coloca a pinça na abertura de ferida e tentar capturar a bala. A dor invadia todo o seu corpo e transportava-se para sua mente, fazendo com que ela fechasse os olhos com força, levantasse as veias de seu pescoço, mas quanto mais ela tentava, mais sangue saia.



Aquele sofrimento se alongou por mais alguns minutos; ela estava suando, esgotada. E embora Manoel tivesse oferecido ajuda, ela rejeitou; aquilo não era coisa que qualquer pessoa podia fazer, que um simples dono de bar conseguisse, apesar dela ter gostado das intenções dele, aquilo não era algo para um simplório. Quando aquela tortura já havia se estendido ao ponto da dama de vermelho ficar tonta e quase desmaiar, ela por sorte, pura sorte, e um pouco de destreza, claro, conseguiu retirar aquele projétil de sua coxa, respirando aliviada mais uma vez. Bebeu o resto da cachaça; amarrou aquele pedaço de pano mais uma vez em sua perna, pressionando bem a ferida, tomou cuidado para deixar sua perna levantada. Ficou naquela posição por alguns minutos e levantou-se lentamente. Com cuidado deu os primeiros passos até o balcão.



— Você está bem? Melhorou? — Manoel depois que viu todo o sofrimento de Leonor, acabou por esquecer, momentaneamente, que havia dois corpos em seu bar, e muito, muito sangue a ser limpo; estava preocupado, curioso na verdade. O que ela tinha feito pra chegar a esse estado?


— Vou sobreviver.

— O que aconteceu? Porque eles estavam atrás de você?

— Longa história... Mas de qualquer forma obrigada.

— Não me agradeça. Quero saber o que farei para me livrar de todo esse sangue e desses corpos. E quem é você afinal?

— Você tem carro? — Ele respondeu balançando a cabeça positivamente, então ela continuou. — Pegue luvas, isqueiro, gasolina, alguns panos, sabão, papelão, plástico, papel filme, tudo necessário para embalar aquilo. — Ela apontou com o queixo para os homens que antes a ameaçava. — Te espero aqui, mas antes de ir, tem chaves e armas nos ternos ali. Pegue-os. — Aquele homem olhou para ela durante alguns segundos, ponderando se faria ou não o que fora dito, ordenado na verdade, porém decidiu que no fim das contas aquilo não era nada demais e que tinha algo mais importante a ser feito: tirar aqueles corpos dali. Realmente havia armas e uma chave daqueles ternos, o homem os pegou com cuidado, medo até, e logo entregou-os à Leonor.

— Ei seus bêbados! Acabou por hoje! O bar está fechado, saiam, vamos.


Manoel disse para os três que ainda estavam ali, estes estavam tão bêbados que quando saíram nem repararam dois presuntos, por assim dizer, ainda frescos no chão; passaram cambaleando, tropeçando; o dono do bar logo trancou as portas do seu estabelecimento e foi procurar as coisas que Leonor tinha lhe dito. A dama de vermelho por sua vez ficou parada, tentando não pensar naquela dor, tentando visualizar o que lhe esperava mais tarde, tentando manter-se acordada, alerta. Como aquela noite tinha sido engraçada afinal... Todo o resto não importava, pois de certa maneira ela tinha sim se divertido, extravasado, voltado a ser ela novamente... E em meio a tantos personagens, disfarces, situações... Quem era Leonor Prado realmente?



— Muito bem, agora você conseguirá limpar toda essa sujeira.


— E você via ficar parada ai?

— Minhas instruções que farão todo o trabalho. — Ela disse rolando os olhos. — Se não fosse por mim...

— Eu não teria que me preocupar em esconder corpos! Corpos! — Interrompeu o homem de cabelos negros, pele morena e roupas esportivas, despojadas.

— Não quer minha ajuda? Não me importo. Talvez eu mesma chame a polícia...

— Tudo bem! Tudo bem. Não pude encontrar muita coisa, mas achei o isqueiro, o papelão, a gasolina, alguns panos velhos e o plástico filme. — Disse Manoel com as coisas em suas mãos. Com as orientações de Leonor, ele conseguiu tirar dali aqueles dois corpos e limpar o sangue todo.



Primeiramente, usando o papelão, Manoel, de luvas, consegue – com muito custo – arrastar os corpos, um de cada vez, para a porta da garagem onde seu carro estava estacionado; utilizando os panos velhos, ele limpou todo o sangue nos corpos e depois os envolveu com o plástico filme – apenas onde havia o sangue claro –, deixando-os no chão esperando. Voltara para o bar, onde todo aquele fluído estava no chão; abrira timidamente umas das portas, e começou então a limpá-lo com água, sabão e muito esforço; ele foi varrendo aquele líquido escarlate para a calçada e com ajuda da chuva (agora ele agradecia), aquela sujeira ia se misturando com terra, folhas, gravetos... No fim das contas, tudo aquilo tinha se revolvido e até parecia que nada daquilo havia ocorrido, exceto por Leonor que ainda estava ali, toda machucada.




— Não posso dizer que foi bom te conhecer.


— Não importa. Agora temos que nos livrar daqueles corpos. Você conhece algum campo aberto por perto?

— Tem um terreno com uma casa abandonada indo pela estrada nova que encontrei recentemente.


Ainda sentindo dificuldades para andar (sendo bastante cuidadosa para não agredir a ferida), Leonor encaminhou-se para o carro e aguardou Manoel colocar os corpos no lugar correto, para assim saírem de lá. Com custo, dificuldade, ele finalmente os coloca no local apropriado e sai apressado (esquecendo a luz acessa ainda). Em todo o trajeto eles não conversaram, o que foi um alívio para Leonor, pois ela estava concentrando toda sua força e paciência, naquela maldita ferida; sentia que o efeito da cachaça estava passando e aquilo não era uma boa coisa.


Embora a estrada não tivesse ajudado muito, e aqueles buracos tenham aborrecido profundamente Leonor, não demorou muito e eles finalmente chegaram ao destino desejado. O lugar era um terreno, com um casebre abandonado, cheio de mato e entulho; sem muita largura e comprimento; com uma cerca caída e um pouco de lixo. Manoel estacionou próximo àquela casa, desceu reclamando e pegou aqueles homens; suas expressões eram de surpresa, ainda com olhos e boca ambos abertos. Leonor saiu dali lentamente, cuidadosa, aguardou recostada até que ele tivesse envolvido e empilhado os corpos perto da casinha abandonada. A chuva que antes descarregava sua fúria, agora parecia uma mãe acarinhando seu filho, suave, delicada.


— Agora você joga a gasolina e é só atear fogo.


— Só? — Ele disse irônico. Ela não respondeu, apenas deu de ombros. Manoel então fez o que fora dito.


Jogando letamente a gasolina para que ficasse bem distribuída, olhava para aquilo e não acreditava... Se dissessem, que nos últimos suspiros da noite daquele dia, estaria ele preparando-se para queimar duas pessoas, que vale ressaltar, foram mortas em seu bar por uma mulher... Bem, isso mais parece coisa de novela e não de um simples dono de bar bêbado nas horas vagas.


Deixando os pensamentos de lado, Manoel, vendo que a gasolina acabara, afastou-se dali, ascendeu com um pouco de dificuldade o isqueiro e o jogou. Ficara, assim como a dama de vermelho, observando aquele fogo destruir toda a carne de ambos, consumir toda a madeira que estava perto o bastante, liquidando qualquer tipo de vestígio...


— Não arrancou nenhum pedaço afinal...


— Por favor. Peço que não dirija nenhuma palavra à minha pessoa. — Ele disse calmo, sereno. Na verdade ainda estava absorvendo tudo o que tinha acabado de acontecer; tentando entender, compreender como ele tinha tido coragem de fazer uma coisa como aquela; tentar fazer surgir algum pensamento viável, até meio certo, encontrar uma razão para uma mulher como aquela, formosa, delicada, fosse na verdade, uma assassina.


O caminho de volta foi basicamente igual ao de ida, sem conversas, nem se quer uma única olhadela. Manoel estava concentrado na estrada, envolto em seus pensamentos ora confusos, ora acelerados; Leonor focava-se apenas na hora em que estaria finalmente suturando aquela ferida, respirando o mesmo ar que seus belos diamantes. Embora a quilometragem tivesse sido a mesma de antes, a volta pareceu ser bem mais rápida; talvez porque Manoel pressionou mais o acelerador, talvez por ambos estarem mergulhados em seus distintos pensamentos, não importava. Finalmente depois de todo aquele caos, ele estacionara seu carro onde nunca deveria ter saído aquela noite, fora diretamente para o bar, pegou uma garrafa de cachaça e dois copos.



— Isso foi a única coisa de boa que aconteceu essa noite. — Manoel disse referindo-se aos dois bons goles da cachaça que tomara.


— Embora seus pensamentos quanto a mim sejam os piores, apreciei conhecer você. — Leonor disse sorrindo para ele; bebeu mais um gole e saiu dali, ainda lentamente, cuidadosa.



A chuva ainda não tinha dado um intervalo, embora estivesse com densidade menor, a perna dela ainda doía e sua paciência tinha chegado ao fim. Se não fosse por três peças em particular, ela provavelmente estaria em alguma ilha, bebendo uma boa água de coco e bronzeando-se... O bom e velho Caribe talvez... Mas seremos sinceros, qual a mulher que não aprecia seus velhos amigos? Que não os quer o mais perto dela possível? Que não sente-se completa por tê-los em seu corpo, abrilhantando ainda mais suas vidas...



Com aquela água percorrendo seu corpo, molhando-a sem cessar, ela, buscando melhor visibilidade, franzi o cenho e encolhe os olhos; procurava alguma coisa, a moto que antes a perseguia, guiada pelos que agora queimavam. Após uma rápida olhadela, Leonor visualiza o veículo e sorri; a Moto X estava estacionada embaixo de uma amendoeira desajeitadamente, fora deixada com muita pressa, urgência. Quando Leonor finalmente se vê diante daquela motocicleta, logo trata de montá-la; como se alguém tivesse puxando sua pele e queimando ao mesmo tempo, a dama de vermelho sente sua ferida se abrir, agonizando-a, torturando-a. Como a cota de sorte dela estava em alta hoje, felizmente a ferida encontrava-se na perna direita, o que facilitou, minimamente, sua adesão ao veículo. Com um pouco de dificuldade, ela logo controla a maquina, liga-a, com a chave que Manoel havia pegado do terno de um dos homens, e segue o caminho de volta para casa, ou melhor, seu esconderijo.



Com um pouco de dificuldade para enxergar – aquela água embasava sua visão –, Leonor demorou mais do que o esperado; a noite já estava deixando-a quando ela deixou a moto em um lugar qualquer e seguiu a pé para o esconderijo. Não queria e nem podia ser associada a qualquer fato da noite, e embora todas as células do seu corpo a implorassem pra clamar por ajuda, ou mesmo seguir com o veículo, ela resiste com o resto de força que tem e decide seguir andando. Caminhava lentamente pelas ruas desertas de Alvorada sem saber o que faria em seguida, depois de chegar ao esconderijo, claro.



Seu corpo expulsava o sangue por aquela abertura muito rapidamente, e embora estivesse com uma faixa amarrada na perna – o qual a mesma já estava encharcada –, a fim de tentar estancar o mesmo, não estava tendo muito sucesso. A cada passo para frente, mais parecia uma regressão infinita; a dor que ela sentia a cada centímetro que se aproximava do seu esconderijo era terrível. Seus belos cabelos pretos agora mais pareciam palha suja e fedorenta, e o vestido de gala escarlate que um dia impressionou a todos, agora não passava de farrapos embaixo de mais farrapos molhados.


Com o surgir dos primeiros raios do sol, a chuva se dissipou, quase instantaneamente. Aliviada, ela respirou fundo, fechou os olhos e ficou aguardando... Esperava que alguma força sobrenatural, surgisse dentro dela e a conduzisse rapidamente para o local desejado. Porém, o fato aqui era que nenhuma força surgiria do nada, teria que lutar com o que tinha: determinação e cansaço. Ela aguardou mais um pouco; respirou profundamente e então abriu os olhos. Extintivamente ela levantou seu braço e segurou com força o que aparecera em sua frente; parou de respirar por um instante; arregalou seus olhos, franziu o cenho, e se não fosse aquele pequeno lampejo de realidade e sanidade, ela bem que teria quebrado, – ou pelo menos tentado devido as circunstâncias que encontrava-se –, o braço daquela pessoa que estava em sua frente agora.



— Calma. Sou eu, Olívia. Olívia.


— Eu poderia ter te matado. — Leonor disse respirando fundo mais uma vez, seu hálito quente fez com que a mulher à sua frente piscasse.

— Olha só o seu estado... — A mulher de cabelos ruivos disse balançando a cabeça negativamente, desaprovando aquilo. — Vamos cuidar disso, estou com o carro aqui.


Olívia pegou o braço de Leonor e passou por cima do seu pescoço; ajudou-a caminhar até onde o carro estava estacionado – o mesmo que ela tinha ido para a festa, o CCX preto (não podemos esquecer que os diamantes estão nele ainda). Fazendo mais um esforço para não machucar mais uma vez aquela ferida, a dama de vermelho tenta encontrar uma boa posição naquele carro. Depois que sua acompanhante dirigiu seus olhos para a estrada, Leonor olha disfarcadamente para o fundo do carro e sorri; pelo menos, visto rapidamente, estava tudo em seu devido lugar.


Depois de muitas curvas, finalmente o galpão pode ser avistado e ambas olham-se por um instante. Olívia desceu para abrir o portão de ferro blindado e logo estacionara no local correto; ajudara sua amiga a sair dali, cuidadosa e gentil, a colocou sentada na cama e foi logo a procura de sua maleta s.o.s. – ela já a deixava no galpão, pois sabia como Leonor era. Com suas ferramentas nas mãos, Olivia começa o tratamento.


Depois de ter envolta em suas mãos luvas, ela cuidadosamente retira aquela faixa e com algodão e álcool limpa a região no redor do ferimento, tirando todo aquele sangue – isso arrancou de Leonor um gemido baixo –; com 5 ml de fluído injetor lidocaína, numa seringa de 5ml, ela – num ângulo de 30 ou 45 graus – injeta o liquido nos dois pontos distantes ao redor da ferida, anestesiando-o. Alguns minutos depois era a hora de suturar o ferimento; luvas, pinças, agulhas e linhas absorventes e não absorventes foram usadas; Leonor respirava profundamente, calma, aliviada; com a anestesia fazendo efeito não tinha com o que se preocupar, haveria apenas a lembrança de mais um trabalho feito, mais uma pequena cicatriz; mais uma filha para aquela mãe desajeitada, diferente.



Olívia terminava de limpar aquela bagunça desaprovando tudo aquilo; era assim, sempre. Toda vez que sua amiga se metia em alguma coisa anormal – se é que entendem –, e alguma coisa dava errado, a ruiva, ficava falando da mesma coisa dias, semanas, – pelo menos até que outro trabalho surgisse e o descuido nele virasse o novo foco dela – igual aqueles velhos resmungões que não para de falar da mesma coisa repetidamente.



— Me pergunto quando você vai aprender. — Olívia disse calma depois de ter guardado a maleta e sentado-se ao lado de Leonor.


— Já aprendi tudo o que tinha que aprender. Agora só pratico. Você sabe muito bem disso.

— Arriscando-se desse jeito? — A mulher de cabelos ruivos mais uma vez desaprova aquilo. — Sempre assim... Vale apena?

— Quantas vezes tivemos essa conversa? Creio que você sabe as respostas...

— Eu sei o que você quer, entendo. Mas não aprovo, nunca o fiz. Esse cara...

— Esquece! — Leonor interrompeu Olívia, rápido. — Acho melhor ficar perto dos meus bebês.


Com isso, Leonor se levantou e foi na direção onde o carro estava estacionado, ainda lentamente, cuidadosa, calma, não queria abrir a ferida. Olívia não respondeu ao comentário dela, apenas a ficou olhando ali, parada, pensativa; desejava mudar a amiga de direção, tirá-la daquele caminho obscuro e muito perigoso... Afinal, quem poderia viver muito descumprindo regras, dissimulando? Ninguém consegue aguentar um fardo por tanto tempo... Não como aquele que a dama de vermelho levava... Sem cometer deslizes, sem remorsos, arrependimento... Vivendo apenas o momento, o agora...



— Eu sei o tanto que você desaprova isso... — Leonor disse quando caminhava de volta para a cama, ainda lenta, com cautela. Ela sorria; seus olhos estavam com o aquele brilho conhecido, aquela luz pequena, porém forte; um fulgor que apenas um bom trabalho poderia lhe proporcionar. — Mas o que realmente vale é a recompensa no fim, certo? — A dama de vermelho balançava sua bolsa ainda sorrindo. Como se um ligasse ao outro, Olívia retribuiu o largo sorriso da amiga com um simplório levantamento de sobrancelhas. Uma tão profunda... Outra tão rasa... Como poderiam ser tão amigas?



— Você acha que vale tudo, tudo, por isso?


— Vejo que você esqueceu o endereço da Prada, Chanel... — Com esse comentário Olívia rolou os olhos. No fim das contas elas eram apenas mulheres mesmo...

— A coisa ficou bem feia rapidamente. O que você fez?

— Sem querer posso ter mudado algum acordo ai... Nada demais.

— Tudo isso por um simples colar...

— Algumas pessoas engordam, casam, namoram, morrem, não nessa ordem necessariamente, eu apenas...

— Rouba e mata?

— Assim fico até ressentida Olívia. — Leonor colocou a mão esquerda mais abaixo do pescoço e abriu a boca expressando surpresa. — Sou uma mulher com necessidades.

— Essas necessidades ultrapassam limites.

— Limites... Qual a graça deles? — A dama de vermelho agora observava atentamente os colares que tinha tirado de sua bolsa, sorrindo.

— Os verdadeiros?

— Sim.

— Você é incontrolável, não tem jeito mesmo. Uma verdadeira pepita de ouro barato.

— É como dizem, nem tudo que reluz é ouro... As vezes são só diamantes mesmo.



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Notas finais do capítulo

E essa é Leonor Prado, uma mulher que cai realmente de cabeça na coisa. Espero que vocês tenham gostado.
Aguardem mais investigação e mistério no próximo capítulo de MI, por hora, apenas reflitam: Qual o significado daquela cicatriz? Por que Leonor tem esse extinto de se arriscar? Como ela e Oliver se encontrarão? Quando?
Comentários são sempre bem vindos lindos *o* E se você acharem que mereço uma recomendação... KKKKK
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