Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 5
O café de Deus.


Notas iniciais do capítulo

Antes que perguntem, sou católica. Mas esse conto surgiu, e não pude deixar de postá-lo. Estou mesmo ansiosa para saber o que acham.



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– Uma dose, por favor. – Disse o homem, encostando-se na bancada da padaria.

– Meu Deus, Jones, você ainda vai se matar! – Retrucou a mulher, sentada ao lado.

– Bom dia para você também, querida Maria. – Replicou Jones, num riso sarcástico.

– É sério, Jones. Você precisa parar de beber. – E quando o homem virou o copo, sem se importar, ela recorreu a Deus:

– Por Deus, não faça isso!

– Deus, Maria? Não venha me falar de Deus a essa hora da manhã. Ainda mais quando o seu Deus permite que você faça isso! – Disse Jones arregaçando as mangas longas da blusa azul de Maria, deixando a mostra cicatrizes dos muitos cortes nos pulsos. Largou-a logo depois, para continuar, com ironia na voz:

– Ah, é. Seu Deus tira férias enquanto você faz isso.

Por uns instantes, ninguém ousou quebrar o silêncio. Nem mesmo o senhor atrás do balcão, que estendia o copo de café de Maria, enquanto ela permanecia estática. Jones então pegou o copo estendido e deu um gole longo, só para depois fazer uma careta.

– Este, querida Maria, este é o seu problema! Doce demais! Café deve ser amargo. Amargo o suficiente para que a vida pareça doce!

– Jones, Jones... – Disse Maria, meneando a cabeça – Sua lógica não faz sentido, meu caro. E, se não se importa, devolva meu café.

– Devolverei. Mas aposto que o café de Deus é amargo.

– Então por que é que você não bebe café amargo ao invés de álcool? – Perguntou Maria, já exaltada.

– Porque cada um se mata como pode. E, se bem me lembro, está no seu horário. – Jones retrucou, fugindo do assunto.

Maria então pegou as pastas, alisou a blusa azul, e saiu pela porta, levando o café. Na primeira esquina parou, e escreveu o seguinte bilhete:

“Querido Deus, caso já tenha voltado de suas férias, tome esse café doce. Vai precisar para encarar Jones.”

Deixou a mensagem junto ao copo, mesmo sabendo que era errado provocar Deus desse jeito. A única coisa em que ela pensava era que Jones tropeçaria no copo como todos os dias, e ostentaria um sorriso irônico pelo feito. E não mais beberia. Por hoje. Era por isso que a rotina era sempre a mesma para os dois. Queriam salvar-se mutuamente. E iam seguindo, com medo da morte e medo da vida, vivendo como dava e morrendo se desse tempo.


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Notas finais do capítulo

Me contem o que acharam. Eu imploro. E pensarei em notas do autor melhores do que essa.