Entre O Sol E A Lua escrita por Lola


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem



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O dia estava ensolarado, o ceu azul. Parecia um dia perfeito na Califórnia. Não para mim. Os raios do Sol eram muito claros, o vento, muito forte, e minha cabeça rodava só de ter que pensar em sair ao ar livre. Eu estava sentada na sala do diretor da escola, totalmente fora dos raios solares. Algum clarões ultrapassavam os fios da cortina esverdeada da diretoria, me fazendo encolher mais na cadeira desconfortável de madeira em que eu estava sentada.

Meus pais estavam sentados ao meu lado, sem expressão nos rostos. Eles nunca tinham expressões quando falavam com outras pessoas fora da família. Meu pai, principalmente. Desde que eu era pequena, ele tinha mania de me falar "só confie na família, a maioria dela nunca irá te trair." Meu pai era uma pessoa muito perseverante. Incrível. Ele tinha os cabelos muito pretos, pele bronzeada e uma altura absurda. Minha mãe já não era assim, sempre tinha uma expressão muito triste no rosto. Chamava-se Lilith.  Era magra, alta, e dava para ver os ossos da sua mandíbula nos seus piores dias. Ela tinha os cabelos loiros, tão loiros que chegavam a ser brancos. Quando era mais nova, nunca tinha sido aquele tipo de pessoa.

Meus pais raramente vinham a minha escola. Raramente saíam de casa, a não ser para irem ao trabalho. Meu pai era médico. Cirurgião. Seu nome era Abbadon. Ele trabalhava no hospital da cidade, mas nunca o vi interagir com seus colegas de trabalho. Geralmente, ele saía de casa, numa parte afastada da cidade, entrava em seu carro e ia cumprir seu turno. Voltava no mesmo horário todos os dias. Minha mãe gostava de pintar no jardim de nossa casa, quadros que só ela entendia. 

Quando eu era pequena, aprendi que não deveria ser notada. Que deveria permanecer na escuridão, ser invisível. Este era o nosso destino. De toda nossa linhagem. Permanecer solitário. Não tenha amigos, só sua família. O nosso lema era "damnasse". Significa lealdade em latim. A família. E agora, eu havia cometido um terrível erro. Tinha sido notada, tinha feito uma enorme besteira. Era por isto que eu estava sentada naquela cadeira.

O diretor era um homem atarracado e gordo. Ele sempre ficava sentado em sua enorme cadeira, com o propósito de parecer mais alto. Este truque nunca funcionava. Ele sempre ficava vermelho quand nervoso, e naquele dia, parecia um vulcão. Ele já estava falando há mais ou menos duas horas. Sobre como eu era teimosa, recusava a mostrar meu potencial. Era má influencia e perigosa. O diretor sempre foi muito ingênuo. Ele falou sobre todos meus defeitos, mas não falou realmente o porquê dos meus pais terem sidos convocados a escola. Mas finalmente, ele disse, colocando as palmas das mãos na testa e suspirando.

-Acidentes têm acontecidos desde que... bem, desde que Savannah entrou na escola. 

Meu pai se remexeu na cadeira. Ele tomou uma atitude defensiva e pigarreou. Meu pai sempre fazia isto quando era encurralado. Protegia seu lado, fingia de bobo ou algo assim. Ninguém nunca prejudicava sua família. Não enquanto ele estava por perto. Quando eu era pequena, mesmo nas coisas mais pequenas ele me mandava eu me virar, e nunca prejudicar ninguem além de mim. 

Eu imagina o que o diretor estava se sentindo. Meus pais eram intimidantes. Eu sabia disto. Eles, quando eu era mais nova, podiam me impedir de fazer algo só com o olhar. Profundo, intimidante. Eu sinto o medo do diretor, mas o considero um cara corajoso porque ele tenta não demonstra-lo. 

-Do que você está falando? - meu pai pergunta, com seu sotaque britânico. 

Vivemos em muitos lugares. Nascemos na Europa. O sotaque é uma das coisas das quais nunca conseguimos nos livrar. Raramente, as pessoas nos perguntam como temos o sotaque tão acentuado, de onde somos. Meu pai sempre dá um jeito dessas pessoas nunca perguntarem isto, para mais ninguem. Na verdade, ele sempre dá um jeito delas nunca perguntarem mais nada a ninguém. 

Minha mãe também fica nervosa, mas faz parecer que está tão calma como qualquer outra pessoa. Neste momento foi a primeira vez em que ela fez um movimento desde que se sentou na cadeira do escritório. Ela estendeu suas mãos pálidas em cima da mesa de madeira, em que o diretor provavelmente havia comprado em algum bazar, e falou, com a voz mais doce do mundo:

-Você não está enganado, diretor? 

Uma brisa fria entrou pela janela do escritório. Os cabelos da minha mãe balançaram no rítimo do vento, e de repente, ela era a mulher mais linda do mundo. Suas mãos acariciaram a do meu diretor, e eu pude observar os olhos do meu pai se cemicerrando. Ele odiava este "talento" especial da minha mãe. 

Eu suspirei e me recostei na cadeira, cruzando meus braços. Estava cansada daquela conversa. Coisas ruins simplesmente aconteciam comigo por onde eu passava. Não comigo, com as pessoas. Acidentes, animais mortos, pessoas mortas. Por onde eu passava, pessoas se machucavam. Eu não fazia de propósito, só acontecia. A primeira vez foi quando eu era pequena e fui a uma competição de natação. Fiquei nervosa porque perdi e a garota que havia ganhado se afogou por alguns segundos. Conseguiram a salvar, mas não entenderam o que havia acontecido. Mas eu sabia extamente o que tinha acontecido.

Minha mãe deslizou sua mão de encontro do diretor. Ele parecia em transe, hipnotizado pelo seu encanto. As unhas pintadas de vermelho arranharam a palma da mão pálida, e filetes de sangue sairam pelos ferimentos. Um meio sorriso apareceu nos lábios da minha mãe, e ela brilhou. Como um brilho celestial, mas completamente diferente. Uma luz avermelhada, que parecia sair dos poros da minha mãe. Que parecia ocupar toda a sala onde estávamos. 

Desviei os meus olhos da criatura em que minha mãe havia se tornado. Algo tão belo e incrível que parecia ser de outro mundo. Observei no que estava virando a mão do diretor. Uma fumaça escura, negra, estava subindo das pontas dos dedos ao pulso do homem. Parecia apodrecer a mão do diretor a medida em que tomava conta de seu sangue, de seus dedos. 

-Mãe... - murmurei.

Mas ela não estava me ouvindo. Estava concentrada no seu objetivo. O diretor parecia não sentir, parecia permanecer em transe. Seus olhos estavam vagos, e sua boca, levemente arroxeada. Meu pai parecia achar toda aquela demonstração de poder levemente entediante, e eu sabia que ele não iria fazer um movimento sequer para impedir. 

Me levantei da cadeira e me aproximei rapidamente da minha mãe, colocando minha mãe em seu ombro. Um choque percorreu meu corpo, mas valeu a pena, pois ela parou. Seus olhos piscaram várias vezes, e ela largou a mão do diretor. Os ferimentos pararam de sangrar, e a fumaça se dispersou. 

-Vamos. - meu pai falou, se levantando.

O diretor ainda não tinha se recuperado quando saímos da escola. Digamos que eu estava oficialmente expulsa daquele colégio. Ótimo, pensei, a comida era realmente ruim. Entramos no carro preto do meu pai, e minha mãe já havia voltado ao normal, mas ainda havia remanescentes da sua energia anterior. 

Bati a porta do veículo quando entrei. Iríamos nos mudar. 

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Nós somos o oposto de anjos. Demônios, por assim se dizer. Como o mal e o bem. A luz e as trevas. Somos criaturas más, horríveis e desprezíveis. Nós semeamos o mal por onde passamos, e ninguém pode nos impedir. Exceto os anjos, mas se estivermos muito, muito motivados, nem eles nos impedirão. Somos como a praga do mundo. 

Meu nome é  Nahemah e eu tenho dezesseis anos. Minha mãe me chama de Savannah perto das pessoas, do mesmo modo que eu só a chamo de "mãe"  e evito falar seu nome demoníaco. Estes nomes são poderosos, e para falar a verdade, ninguém em sã consiencia iria chamar seu filho de Nahemah, ou Lilith. Nós nascemos do fogo, das cinzas. Nunca me explicaram de verdade, mas acho que demônios não ganham filhos. Eles são dados a eles. Como presentes. 

Nossa família veio da Europa. De um povoado distante. Quando eu tinha onze anos, estava vendo um jornal com meu pai na televisão, ele me mostrou um prédio que havia caído e falou:

-Estes são nossos parentes, Nahemah. Onde estiver destruição, estaremos lá. Como onde tiver fumaça terá fogo. 

Muitas vezes já pensei se eu não tivesse nascido assim. Eu seria uma humana normal ou um anjo. Mas só de pensar nisso, percebo que minha vida seria muito entediante. Eu tinha poder, tinha tudo que queria na minha mão. 

Eu estava pensando nisso enquanto pilotava para uma cidadezinha para onde meus pais estavam me mandando. A cidade era a quinhentos quilometros da minha antiga casa, e eu não podia pegar um ônibus ou avião. O ônibus provavelmente capotaria e o avião cairia. Meus pais foram para a direção oposta, me mandando para morar com minhas primas e tias. Elas possuiam uma propriedade enorme ao norte da cidade. Elas, provavelmente, não se mudavam tanto quanto nós. Elas eram quietas, e apesar de acontecerem muitos problemas onde moravam, elas não ligavam. Digamos que aquela era a cidade mais azarada do universo, pelos olhos alheios. 

A moto que meu pai havia comprado para mim era rápida e grande. Minha mochila estava pendurada nas minhas costas, e eu estava sem capacete e com óculos escuros. Alguns policiais haviam passado por mim, mas eu parecia invisível a seus olhos. Acelerei ainda mais a moto, a estrada se tornando um borrão aos meus lados. Pressionei o acelerador ainda mais, consciente de que eu não podia morrer. Afinal, demônios só morrem se forem mortos por anjos. E virse e versa. 

Meu irmão amava motos. Ele era um demônio também. Mais velho que eu quatro anos. Foi morto por um anjo na Ásia quando completei doze anos. Na maioria das vezes, ele nunca fazia maldade. Se mudou depois que sua namorada humana se afogou enquanto eles nadavam no rio da nossa antiga cidade. Alguns demônios são um pouco sentimentais. 

Ignorei o fato de que meus pais me achavam muito ameaçadora e acelerei a moto para entrar na cidade amaldiçoada.


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