Nossa Eterna Usurpadora escrita por moonteirs


Capítulo 82
Era a hora


Notas iniciais do capítulo

Oi meus amores ♥
Em comemoração a Gabriela no Brasil tem capitulo novo. EBAAA.
Eu sei que to em falta com vocês, não atualizo essa fic há meses, mas por favor, não me joguem pedras, vai dar tudo certo.
Respondendo algumas pessoas, não, eu não abandonei a fic nem vou abandona-la. Agora é questão de orgulho mesmo, eu escrevo ela desde 2013, não é agora que eu vou jogar a toalha. Vocês não merecem isso.
Bom, vou resumir minha explicação. Me mudei de novo pra vim atras do meu sonho, da minha pós linda e maravilhosa. Por isso, eu quase não conseguia parar pra poder escrever, esse cap ta pela metade desde fevereiro e só agora eu consegui deixar do jeito que eu queria. E espero que vocês gostem.
Como diz meu professor de roteiro "Torne as coisas melhores, tornando-as piores" então segurem esse coração ai que as bombas vão começar a cair.
Boa leitura ♥



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“... me ajude sempre, não se afaste nunca do meu lado. Eu preciso de você, Paulina, preciso de você”

O toque dos lábios era tão certo, tão puro, tão verdadeiro.

Aquele beijo tornava tudo realidade para Carlos Daniel também. Sim, a necessitava, urgentemente e desesperadamente como o ar para viver. Era muito mais do que para cuidar de seu filho e sua falta de memória ou para os assuntos da fábrica, precisava de Paulina perto para tocá-la, abraçá-la, beija-la e, sobretudo, amá-la.

Carlos Daniel permitiu-se, pela primeira vez, dizer a ela o que havia percebido há pouco tempo, seu coração já sabia, mas a magoa pela enganação não o permitia ver. A amava. Amava com todas as forças aquela que havia entrado em sua casa como uma usurpadora, aquela que era doce e forte ao mesmo tempo, aquela que amava seus filhos como se fossem seus, aquela que lutava pelo que acreditava e se negava a baixar a cabeça mesmo quando uma maioria a confrontava, aquela que iluminou sua vida e o salvou da escuridão, aprisionado pela paixão fútil que a outra alimentava.

Beija-la foi confirmar tudo.

“Você precisa de mim, mas não me ama”

Não era apenas admiração, gratidão ou paixão. Amava Paulina Martins com todo o seu coração e provaria isto a cada instante se fosse necessário.

“Sim, te amo, Paulina”

— Senhor.

“Não, eu não acredito”

— Senhor.

“Como quer que eu prove? ”

Ele não deixou de notar que sua fala ao pé do ouvido, quase sussurrada, a fez estremecer. Não precisava estar de frente para ela para saber que Paulina fechara os olhos assim como ele. Seus corpos se reconheciam, se buscavam, sentiam o mesmo choque os percorrendo cada vez que o contato era estabelecido.

— Senhor!

A maldita voz de sua consciência o perturbava cada vez mais. O chamado foi se tornando mais forte enquanto a sensação de tê-la em seus braços enfraquecia. Tudo se distanciava conforme a voz que o tirava de perto dela aumentava de volume.

— Senhor!!

Assustado, Carlos Daniel abriu os olhos e se viu em outra realidade, em outra época. Como no sonho, Paulina ainda estava em seus braços, mas sua pele estava fria por causa do tempo fresco pós-chuva e ela dormia profundamente. Não estavam mais na casa Bracho, e sim em um chão enlameado no meio de árvores. Também não estavam sozinhos, um grupo de pequeno de pessoas os olhavam curiosos. Eram cinco pares de olhos os encarando, quatro jovens com mochilas nas costas e trajando as mesmas roupas, calças e blusas beges, e estas com um escudo de algo costurado no peito. A quinta pessoa era um senhor mais velho que os demais e dono daquela insistente voz que o tragou de volta ao presente.

— Senhor, o senhor está bem? Podemos ajudá-los?

— O quê... hm... sim, ficamos sem gasolina.

— Gasolina no meio da mata? Vocês queriam fazer uma fogueira? — Indagou um dos jovens em tom de deboche, fazendo com que os demais rissem com a situação.

— Calado, Jack! — O mais velho ordenou e os quatro se calaram imediatamente. — Desculpe senhor, mas não entendo.

— Perdão, não estou falando coisa com coisa. Nós estávamos indo procurar nossos filhos, o carro acabou ficando sem combustível e tivemos que entrar na mata para nos proteger da chuva.

— Pelo visto não adiantou de nada, estão bem molhados. — Novamente o garoto magro de cabelo cacheado deixou seu comentário pairando no ar.

— Jack! Eu não vou falar de novo, cale-se. — repreendeu o mais velho antes de se voltar para Carlos Daniel novamente — Me desculpe por isso, sabe como são as crianças.

 — Ei! Não sou criança professor, tenho 16 anos de pura maturidade. — O falso tom de magoa de Jack e a mão sobre seu peito como se estivesse sido duramente ofendido fez voltar a risada de seus amigos.

            Carlos Daniel mesmo sendo o alvo dos comentários, não deixou de achar engraçado o humor do garoto, conteve o riso que queria escapar de sua boca para não piorar a situação, enquanto observava a cena calado. O pensamento rápido e a voz carregada de ironia era algo que ele conhecia bem, até demais, aquele sarcasmo lembrava tanto o de Gabriela ou Lizete. Suas amadas filhas. O pensamento rapidamente fez correr por sua mente o objetivo daquela viagem de Paulina e dele. Já havia amanhecido o outro dia e eles ainda não tinham encontrado Gabriela, Fernando ou muito menos o tal acampamento.

            Voltou os olhares para a cena a tempo de ver o professor falar duro com o piadista da turma, que se calou, movimentando os dedos como se fechasse a própria boca com um zíper invisível. Além disso, algo a mais prendeu a atenção de Carlos Daniel. O escudo na blusa dos quatro mais jovens era conhecido por ele. Claro. Questionou-se por não perceber antes, era o mesmo símbolo do colégio que sua filha estudava.

  — Com licença, mas vocês conhecem Gabriela Bracho ou Fernando Hernandez?

            Os cinco viram-se rapidamente em direção a ele após ouvir os nomes. Pelas expressões em seus rostos, era visível que sabiam de quem se tratava, mas questionavam-se se deviam confirmar ou não a informação para um homem estranho no meio da mata.

— Meu nome é Carlos Daniel Bracho, sou o pai da Gabriela. Reparei o escudo da escola nas roupas de vocês.

A impaciência do homem e a firmeza de sua voz fez mudar as feições de desconfiança dos demais.

— Ah! Perdoe-me senhor Bracho. Sim, os conhecemos. Eles estão no acampamento.

— Graças a Deus alguma informação. Estamos tentando desde ontem achar esse bendito lugar, mas foi em vão, nos perdemos. Tudo piorou com a chuva e nossos celulares fora de área.

— Bem-vindo ao clube, nossos celulares também não pegam nesse fim de mundo, é quase uma tortura.

            O professor abaixou a cabeça como se desistisse de fazer o menino ficar calado. Nada adiantava, as palavras simplesmente fugiam da boca do cacheado sem que ele mesmo percebesse.

            — Podemos leva-los até lá se o senhor quiser. Estamos bem perto.

            Agradecido pela ajuda do homem mais velho, Carlos Daniel voltou-se aliviado em direção a Paulina que ainda dormia ao seu lado.

            — Querida?!

            Paulina não respondeu, não acordou, nem fez menção de o fazer. O sorriso de Carlos Daniel desmanchou no instante em que ele tocou sua pele. Não era apenas cansaço, não podia ser. Ela estava gelada e imóvel, o único movimento em seu corpo eram tremores que confirmavam que algo estava realmente errado. Muito errado.

            Carlos Daniel a trouxe para perto de si, a abraçando enquanto implorava por uma reação.

            — Não, não faz isso comigo agora. Reage, por favor, reage. — Sua voz aflita alarmou outras cinco pessoas que os olhavam preocupadas.

            Nada.

            O desespero de Carlos Daniel em ver sua amada daquele jeito piorou quando percebeu que seus doces lábios agora começavam a ganhar uma cor arroxeada e o mesmo acontecia com a ponta de seus dedos.

            — MERDA! — xingou antes de volta-se para os demais — Hipotermia. Precisamos de ajuda agora.

            Talvez abalados por ver mulher daquele jeito ou pela gravidade que aquela situação estava ganhando, os cinco não se moveram prontamente. Seus olhos arregalados e suas bocas abertas eram sinais de choque diante de algo que não esperavam durante de uma simples caminhada por dentro da mata.

            — AGORA! — A voz grave e alta de Carlos Daniel ecoou por dentro as árvores como um rugido de um leão. Encarando-o como tal, os cinco procuraram agir antes que o fogo que parecia sair do olhar de raiva do homem os atingissem.

            — Vamos levá-la para a enfermaria do acampamento, lá tem uma equipe de pronto-atendimento que pode ajudar.

            — Mostre o caminho.

Carlos Daniel ignorou a ajuda para carrega-la que alguns dos garotos ofereciam. Ultrajante, ele pensou. Apesar de não possuir mais o mesmo vigor de anos atrás, não lhe faltariam forças para segurar a mulher que amava. Tê-la em seus braços foi seu sonho desde a descoberta. Quando a venda que cegava seus olhos foi desfeita, seu coração rogou aos céus por mais uma oportunidade com ela, uma segunda chance que ele tinha certeza de seu desmerecimento, mas não deixava de ter esperanças. Porém nada que ele esperava ou pedia incluía vê-la naquele estado.

Paulina não acordava, o leve rosado de suas bochechas havia sumido e sua pele esfriava tão rapidamente quanto o desespero de Carlos Daniel aumentava. Durante todo o percurso, ele a apertava mais contra si para senti-la respirar, ao mesmo tempo que tentava aquece-la com o calor de seu corpo, mas infelizmente, parecia que nada surtia efeito.

Talvez as condições de um percurso por dentre a mata, com o chão ainda parcialmente molhado, tenha prolongado mais o tempo até a ajuda, mas Carlos Daniel duvidava. Não importava se a distância era de cinco passos ou cinco mil metros, cada trecho percorrido era feito em câmera lenta, os segundos pareciam eternidades e para um homem transtornado pela agonia, tudo isso era a concretização de seu pior pesadelo.

— Por favor, meu amor, reage. Por favor não faz isso comigo, Lina. — O pedido dele foi falado baixo, como um pedido sussurrado só para ela escutar.

Foram tantos anos longe, tanto tempo sem cumprir o que havia prometido a Deus naquela igreja na manhã de seu casamento. Amar, proteger, ser fiel. Por quinze anos, os votos se perderam ao vento de uma mentira, uma farsa forjada por um ser maligno para destruir tudo o que um dia havia sido bom, luz e felicidade. Paola conseguiu arquitetar um plano tão sujo e perverso, conseguindo envolver a todos em silêncio, sem a menor chance de reação.

Em cada instante, o homem de olhos castanhos se questionava como, em primeiro lugar, havia se apaixonado um dia pela aquela mulher. Não era apenas paixão e desejo que sentia por seu corpo, não era apenas pelo modo sedutor com que ela o envolvia com o olhar, com um beijo ou quando o guiava pelo calor de suas noites de amor. Era algo mais, algo mais forte que o prendia e o cegava perante a perversidade daquela alma. Um feitiço talvez. O fato é que Paola o manipulava como e quando quisesse, o mantinha viciado nela como uma droga, mantendo-o incapaz de liberta-se e enxergar quem ela realmente era.

Outra pergunta gritada pelo seu subconsciente era como havia sido capaz de cair no mesmo conto pela segunda vez. Sentia-se estupido e demasiadamente enojado de si mesmo por não ver o que estava diante de si. Paulina nunca poderia mudar tão drasticamente de uma hora para outra, nenhuma razão psicológica poderia explicar como a mulher de sua vida havia se transformado em alguém tão oposto, tão fútil e vazio. Como a doce essência de Paulina e sua doce alma, podia dar lugar para a perversidade e um coração frio, quase incapaz de amar.

Além de todos esses sinais, um outro também havia sido ignorado por ele. Carlos Daniel, depois do incidente na cabana, deixou de amar a pessoa a quem jurou amor eterno na cerimônia de seu matrimonio. Dia após dia, ele tentava encontrar aquele sentimento tão forte que um dia sentirá por aquela mulher. Lutou por seu casamento, tentará por si mesmo, pelas crianças e pela teimosia de sua mente, mas nada foi forte o suficiente para sustentar o fogo do amor, que como uma chama, lentamente se apagou.

Por quinze anos, ele foi infeliz. Mantinha-se casado com uma mulher que não amava mais, nem mesmo a reconhecia. Acomodou-se à situação, voltou suas atenções e pensamentos para a fábrica, trabalhava várias horas além do necessário apenas para não a encontrar, suspirava aliviado quando se deparava com ela dormindo, ou melhor, quando nem estava em casa. Fato este que voltou a ser recorrente, a verdade estava gritando em sua frente e ele não notava. “Paulina” não frequentava mais a fábrica, não se preocupava pelo o que ocorria com os negócios e nem fazia questão de ocultar sua falta de interesse pelas dificuldades financeiras que pareciam crescer aos poucos. Como desculpa para os traumas vividos e como superação para a depressão pós-parto com que foi diagnosticada, ela jogou-se de cabeça, corpo e alma ao mundo das compras e futilidades. Acabando por levar consigo a caçula da família.

Carlos Daniel escolheu fechar os olhos para o modo frívolo de sua “esposa” para evitar piorar mais a situação entre os dois. Não havia um dia de paz, um dia em que o casal não brigasse por qualquer assunto que fosse. Era obvio que não se suportavam mais, um sentimento mutuo que foi por vezes escondido da sociedade e dos filhos, mas que mostrava sua força quando ficavam sozinhos. Não havia mais conversas, risos ou caricias. Os olhares cumplices, o brilho de felicidade quando se viam e o arrepio que percorria seus corpos quando se tocavam, também desapareceram. O amor parecia ter evaporado e levado consigo qualquer vestígio que provasse que um dia ele já havia existido.

Quando Paulina se revelou, naquela reunião na fábrica Bracho, Carlos Daniel sentiu a verdade o estapear várias e várias vezes. Todo e qualquer momento da sua vida de mentira passou pela sua mente como um flash, o matando por dentro. Seu coração fora pressionado por uma agonia crescente e seu estomago parecia revirar-se com o nojo que sentia por si mesmo. Já seus pés ficaram sem chão, ao tempo que seu olhar se conectava ao dela. Queria toca-la, senti-la perto, comprovar que a mulher de olhos verdes e pele alva era real. No instante em que suas dúvidas, de que aquilo não se passava de um delírio, se dissiparam, implorou a Deus por uma segunda chance com ela, por mais uma oportunidade de tê-la em seus braços, ou pelo menos de pedir-lhe perdão pelo sofrimento que ajudou a enraizar.

Sabia que merecia todo e qualquer castigo que os céus lhe enviassem, mas implorou a Deus para que a punição não fosse a morte da mulher que amava. Não podia perde-la daquele jeito. Não. Não podia perde-la de jeito nenhum.

Entre dividir o tempo em seus remorsos, orações e olha-la, Carlos Daniel não percebeu a mata ficando para trás e um amplo espaço descampado surgir aos poucos.

— Chegamos, senhor!

A voz do homem mais velho fez Carlos Daniel levantar o olhar e, depois de perceber onde estavam suspirou aliviado, não completamente, mas o bastante para alimentar sua esperança.

— Aguente mais um pouco, meu amor, por favor, a ajuda já está perto. — O sussurro dessa vez fora acompanhado por um suave beijo da testa dela. Sentindo-a mais fria ainda, Carlos Daniel a apertou mais contra o seu corpo e acelerou seus passos. Naquele momento, seu maior desejo era poder voar.

— Jack, corra e avise a equipe de pronto atendimento para se preparem, precisamos de ajuda imediata. — Depois da ordem dada, o homem voltou-se para Carlos Daniel e tentando passar tranquilidade com o olhar disse. — Siga-me, senhor, vamos leva-la para a enfermaria. Tudo vai dar certo.

Carlos Daniel concordou brevemente com um aceno de cabeça e seguiu pelo caminho percorrido pelo homem. Passaram por entre várias cabanas de madeiras, de várias cores e tamanhos. Nada muito refinado, mas acolhedor na medida do possível. A enfermaria ficava mais acima do nível comum das demais, era maior, toda branca e com o símbolo de uma cruz vermelha em uma pequena placa fixa no teto da mesma.

Cada passo dado da leve subida era acompanhado pelo olhar de vários estudantes, dezenas de pares curiosos que o fitavam tentando entender a cena. Um homem desconhecido, com a roupa toda suja, ainda úmida, segurando em seus braços uma mulher desacordada, linda, porém pálida como neve, talvez fosse algo que eles não vissem com frequência. Cochichos eram ouvidos, mas era algo que o empresário ignorava, seu objetivo era apenas chegar até a ajuda o mais rápido possível.

Antes mesmo de chegar até o lugar, a equipe de socorro, alertada por Jack, já saía ao seu encontro. Tudo foi muito rápido. Entre adentrar na cabana e colocar Paulina na maca situada ali foram segundos de diferença. Em meio a correria dos profissionais a sua volta, Carlos Daniel tentou responder cada pergunta feita, esforçando-se ao máximo para não esquecer de nenhum detalhe sequer.

— Além da chuva e do frio, o senhor lembra dela ter reclamado de alguma dor ou algo assim? — O tom suave da voz da senhora de branco com uma prancheta na mão era tranquilo o bastante para acalmar os nervos do homem de olhos castanhos.

— Não, mas ontem de tarde quando estávamos andando pela estrada de terra, ela desmaiou. Achei que fosse por conta do sol e logo procurei leva-la para a sombra.

— Ela bateu a cabeça na hora da queda?

— Acredito que sim, infelizmente, eu não estava perto o suficiente para segura-la. — Respondeu com pesar a pergunta da enfermeira, a culpa por tudo que estava acontecendo pesava sobre suas costas.

— Tudo bem, senhor Bracho. — Parecendo prever o que ele perguntaria, ela continuou sua fala — Agora peço que o senhor fique aqui na sala de espera, enquanto a examinamos. Qualquer outra informação que o senhor se lembre, por favor, nos avise.

Da mesma forma que surgiu, a doce senhora desapareceu de sua vista, entrando apressadamente na sala para onde Paulina havia sido levada. Resignado, Carlos Daniel sentou-se em um dos rústicos bancos de madeira envernizada que havia ali. Não era o lugar mais confortável do mundo, mas pouco importava, sua única preocupação estava sendo atendida na sala ao lado.

Com a respiração pesada, ele tentava controlar o desespero que tentava dominar sua mente, mas por vezes falhava. A aflição que sentia era refletida pela sua postura. Apoiando seus cotovelos em suas pernas e com as mãos cobrindo sua face, Carlos Daniel procurava pensar positivo, orar, mas em cada vez que tentava, uma onda de possibilidades negativas o atingia da pior maneira, inflamando mais a culpa que sentia por tudo.

Sentia raiva de si mesmo, de Paola, do universo que jogava com sua vida da forma mais cruel possível. Nada parecia certo, nada parecia real. Cada passo dado em direção a Paulina, cada vez que se aproximava dela, seu tapete era puxado por uma força maior que estava unicamente disposta a lhe fazer o ser humano mais miserável existente. Que tipo de coisa ele teria feito para receber um castigo daquele? Um carma que o impedia de viver plenamente com o amor da sua vida. Não. Aquilo só poderia ser um pesadelo.

— Não faz isso comigo, por favor. Fica bem, Paulina, por favor, meu amor. Não faz isso comigo. Não posso te perder de novo, não posso.

Em uma hora na vida, todo ser humano chega ao seu limite, e aquele foi o de Carlos Daniel. O pedido sussurrado deu lugar para um choro alto e incontrolado. Por vários anos, ele obrigou-se a ser a fortaleza de sua casa, não permitia que os outros vissem seu sofrimento, nem que fossem testemunhas de seu choro pela vida de merda que levava. Mas não aguentava mais. Estava farto de fingir ser forte, feliz e incrivelmente bem casado. Tudo aquilo era mentira, sua vida era uma mentira deslava que ele não estava mais disposto a esconder.

— Você me paga, Paola. Sua vagabunda miserável, você me paga.

Carlos Daniel falava em tom baixo e embolado em meio ao choro, seus olhos, cheios de fúria, fixos em um ponto branco qualquer chamavam a atenção de quem estava por perto, inclusive do professor que havia guiado o seu caminho até ali. O homem observava de longe os movimentos aflitos do outro de olhos castanhos, enquanto bloqueava a entrada da curiosidade dos alunos do acampamento. Parecia que todos disputavam uma vaga para ver através do único quadrado de vidro da porta de madeira. Com as janelas fechadas, aquela era a única visão que tinham de dentro da cabana da enfermaria.

— Ei, ei, ei, saiam da frente e me deixem passar.

Mesmo um pouco de longe, aquela voz era inconfundível para Carlos Daniel. Com toda a confusão, ele se esqueceu que tanto Gabriela quanto Fernando estariam ali no mesmo lugar que ele e Paulina. Sua reação foi congelar seus movimentos e tentar ouvir o que a filha falava. Merda. Paulina e ele estavam tão focados em chegar ao acampamento que não pensaram no que falar quando vissem seus filhos, como explicariam tudo ou se explicariam tudo. Era um assunto delicado demais para ser falado assim do nada, e sem Paulina ao seu lado para lhe dar uma luz, Carlos Daniel não sabia o que fazer além de esperar pelo iminente.

— Vocês não têm nada para fazer não, hein? Bando de desocupados. Saiam da frente.

— Nem vem, Gabriela. A gente chegou aqui primeiro e você não manda aqui para dizer quem sai ou fica. Se quiser saber o que está acontecendo, vai lá para trás e espera a tua vez como todo mundo.

— É o meu pai que está lá dentro, sua retardada. Sai da minha frente ou meu belo punho vai conhecer esse teu novo nariz plastificado.

— Calma, amor.

— Fernando, meu amor, nunca peça para uma mulher irritada se acalmar, isso só piora TUDO.

Por um momento, Carlos Daniel se permitiu rir. Definitivamente aquela era sua Gabriela, não havia quem pudesse conter sua fúria quando se irritava. Paola sempre odiou aquele gênio forte da menina, e agora lembrando-se disso, sentia ainda mais orgulho da filha. Entretanto, aquilo só confirmava o fato de que ela entraria na cabana a qualquer momento e ele não saberia que explicação dar.

— Gabriela, acho que não é o melhor momento.

— Professor, me desculpe, lhe respeito muito, mas porra. É meu pai quem está aí dentro e você não vai me impedir de entrar.

— Gabriela, me respeita.

— Desculpa ela, professor. O Jack saiu espalhando para todo mundo que era um herói e que tinha ajudado no resgate do pai dela, mas ainda assim que a situação era grave. O senhor não poderia esperar que ela ficasse calma, por favor, tente compreender.

Respirando fundo, o homem mais velho olhou para o jovem casal apreensivo que esperava uma resposta e para todo o resto da multidão aglomerada ali.

— Tudo bem, vocês dois podem entrar, mas só você e o Fernando. Talvez sua presença ajude o seu pai a se acalmar, Gabriela. E quanto ao resto, podem ir andando, não tem nada aqui que seja da conta de vocês, então voltem para as suas atividades.

Carlos Daniel prendeu a respiração no mesmo momento que os burburinhos por trás da porta se dissipavam, seus olhos se fixaram na maçaneta da porta, esperando o inevitável acontecer e entrar na cabana. Não havia tempo para pensar em desculpas ou mentiras, qualquer coisa que ele inventasse pareceria loucura, a própria verdade era a mais ilógica das histórias.

— Pai!

Gabriela entrou no local como um furacão, com força, rapidez e ignorando o estrago que fazia por onde passava, o que no caso foi a própria porta que se chocou com a parede de madeira, causando um barulho alto demais para uma área médica. Carlos Daniel não teve mais tempo para pensar, reagir ou fugir, em um piscar de olhos, sua filha já havia se jogado em seus braços, como se ainda fosse aquela menininha assustada que buscava conforto e proteção nele após algum pesadelo.

— Pai, o que aconteceu? Meu Deus, você está bem? O Jack disse que você estava em estado grave ou algo assim, mas você não deveria estar sendo atendido? Espera, o que você estava fazendo na mata? Você...

— Amor, amor, calma, você não está deixando seu pai falar. E olá, senhor Bracho, bom vê-lo de novo e bem.

— Eu sabia que aquele garoto estava brincando com a minha cara. Onde já se viu? O Jack herói do papai? Ridículo. Eu vou acabar com aquele menino.

Gabriela já ia dando meia volta quando seu pai segurou em seu braço e a fez olhar para si. Carlos Daniel não sabia como se explicar, mas talvez seu olhar ajudasse.

— Pai? Você estava chorando?

A voz enérgica de sempre deu lugar para um tom sutil, quase doce se não houvesse um certo temor na pergunta. Gabriela analisou a face do pai, passando os dedos pela pele morena testemunha do caminho das lágrimas. Ela viu quando ele tentou sorrir, mas em vão, a tristeza daquele olhar era mais forte e impossível de fingir. Temendo qualquer que fosse a resposta, ela decidiu insistir.

— Pai, o que aconteceu? O que está acontecendo aqui?

O silêncio, alto demais para aguentar, pesava sobre os ombros dos três ali. Carlos Daniel buscava palavras para se explicar, mas elas pareciam não existir. Gabriela esperava, com o coração apertado, a resposta de seu pai, temia o pior, apesar de não saber que pior poderia ser este. Já Fernando, observando o clima ficar pesado com o passar dos instantes, estava dividido entre sair e ficar. Qualquer que fosse o assunto, parecia ser algo da família e sua razão lhe gritava que respeitar o momento, mas seu coração dizia o contrário. Pela falta de palavras de seu sogro, sentia que precisava ficar para apoiar Gabriela, e assim, fez.

Aproximou-se um pouco mais dos dois, segurou forte as mãos da namorada, entrelaçando seus dedos, e esperou ao lado dela a resposta que parecia não sair da boca de Carlos Daniel.

Ver os dois juntos apenas piorou o conflito travado na mente do empresário. Não havia como falar que quem estava sob cuidado médico era a mãe deles, uma mãe que eles não sabiam que dividiam. Carlos Daniel respirou fundo e abriu a boca para tentar falar algo, mas foi cortado pela enfermeira trazendo notícias.

— Senhor Bracho, acalme-se, trago boas notícias.

Três pares de olhos focaram-se na doce senhora de branco, dois curiosos e um completamente atônito.

— O senhor estava certo, ela estava em início de quadro de hipotermia, mas agora já está sendo contornado. Seu corpo estava fraco, pelo que nos contou, ela não havia se alimentado bem e sendo assim, tornou-se mais vulnerável para reagir contra o frio.

— Então o desmaio...

— Sim, muito provavelmente também foi por falta de nutrientes em seu corpo, mas não conseguimos avaliar se houve algum dano mais grave com a queda, o mais aconselhado era que ela recebesse atendimento médico na capital para um diagnóstico mais completo. Mas não se angustie tanto, ela já está acordada, o que é um bom sinal, e chama pelo senhor.

— Ela...ela está chamando por mim?

O sorriso de Carlos Daniel alargou ainda mais com a última informação dada pela enfermeira. Paulina estava acordada e estava o chamando, o amor de sua vida estava perguntando por ele, por ele, e não pelo outro.

— Ela quem, pai?

O olhar desconfiado da filha e seu questionamento ficariam para depois, a única coisa que ele faria naquele momento era adentrar naquela sala e abraçar sua Lina, que se explodissem as consequências.

— Depois eu te explico tudo, filha. Agora... agora não posso. — Ele deu um beijo na testa da menina e correu o lugar onde Paulina estava.

Com uma manta térmica cobrindo todo seu corpo e conectada à uma bolsa de remédios e outra de soro, Paulina viu Carlos Daniel entrar no cômodo com um sorriso maior que o rosto e com os olhos inundados por lágrimas. Automaticamente, ela sorriu. Era bom vê-lo, era muito bom vê-lo.

Em passos largos, o dono dos olhos castanhos chegou até a maca onde estava, debruçou-se sob ela e a apertou em seus braços. Com todo o cuidado para não machucar, ele a abraçou forte e demoradamente, prolongando o máximo que poderia por aquele momento em que poderia sentir seu corpo quente e vivo sob o seu.

— Meu amor, tive tanto medo de te perder de novo.

O sussurro falado ao pé do ouvido e um doce beijo depositado em sua bochecha fez uma lágrima escorrer pelos olhos da mulher. Mesmo confusa com o que estava acontecendo, com o que havia acontecido, sentia-se feliz por Carlos Daniel estar ali ao seu lado, como nos velhos tempos.

— Alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui?!

A voz de Gabriela fez os dois paralisarem, com os olhos arregalados eles se olharam tentando buscar por alguma solução. Não havia. Depois de 15 anos, Paulina veria novamente sua filha, sua pequena luz, mas não aconteceria da forma certa, não deveria ser daquele jeito. O desespero dela aumentou ainda mais quando ouviu a voz de seu filho tentando convencer a menina a sair do quarto.

— Eu não vou sair daqui até alguém me explique o que está acontecendo e me diga quem é essa mulher que meu pai está abraçando e tem tanto cuidado. Minha mãe com certeza não é, então vamos, pai, diga o que está acontecendo aqui, caramba!

O tom acusador de Gabriela piorava ainda mais os nervos dos dois. Carlos Daniel olhava para Paulina como se pedisse desculpas por não ter conseguido controlar as coisas e ter deixado acontecer o que não estavam, de modo algum, preparados para lidar. A angustia de Paulina era notada na rigidez de seu corpo e em seu olhar atordoado. Não havia como fugir e eles sabiam disso.

Com a silhueta de Carlos Daniel escondendo Paulina do olhar curioso dos dois, eles não puderam ver quando ela respirou fundo, segurou a mão do ex-marido buscando alguma confiança e acenou um sim com a cabeça para ele.

Era a hora.


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAA É AGORA
Prometo que assim que tiver tempo eu começo a escrever o próximo capitulo.
Como diz nossa reina "TOTALLLLL!!!"



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