Quando ela abriu os olhos, era quase manhã.

E estava frio.

Encolheu-se entre aqueles braços quentes e ele puxou o cobertor para cobri-los melhor. E afundou o rosto na nuca dela. E ela só quis que o tempo parasse ali. Sentiu o peito dele colado às suas costas, o sobe e desce suave enquanto ele respirava. Sentiu as cicatrizes nos braços dele quando fez-lhe um carinho com as pontas dos dedos. Sentiu os pelos do corpo ficando de pé no momento em que ele lhe deu um beijo delicado na nuca. Sentiu o cheiro de sexo agarrado às paredes e, finalmente, sentiu vontade de chorar.

Porque estava quase na hora de começar a mentir outra vez.

Do lado de fora da cabana de tábuas soltas e buracos no telhado que eles usavam para se encontrar à noite — porque, é claro, quem ia imaginar que Haruno Sakura fugia assim que a vila adormecia para ver um desertor assassino naquele casebre abandonado no meio da floresta? —, caía uma chuva fina e persistente. As goteiras formavam pequenas poças no assoalho comido pelo tempo.

E ela começou a pensar em desculpas para aqueles que amava.

— Já amanheceu? — a voz rouca e sonolenta de Itachi bem perto de seu ouvido.

“Sim, mãe. Eu acordei mais cedo e dei uma passada no hospital.”

O calor da mão dele em sua cintura e seus lábios úmidos sobre um ombro.

“Oh, Kakashi sensei, me desculpe pela demora. Eu tive que ir ao mercado.”

A consciência de que estavam completamente nus debaixo do cobertor.

“Amanhã, Naruto. Eu estou cheia de trabalho hoje à noite.”

— Sakura?

“Cale a boca, Ino! Eu não estou saindo com ninguém.”

Ela se virou para ele, uma mão grande descendo-lhe pela coxa, e beijou-o antes que ele percebesse que ela tinha lágrimas nos olhos. Ele a puxou para mais perto — por Deus, como ela poderia sair daquela cama? — e ela percebeu que ele estava pronto para fazê-la sua mais uma vez.

Mas uma luz opalescente se infiltrava pelas frestas da janela e Sakura precisou de toda a sua força sobre-humana para espalmar as mãos no peito de Itachi e empurrá-lo para longe de si tanto quanto a cama permitia. Ele a olhou com aqueles olhos negros que a faziam estremecer, que a fizeram estremecer desde a primeira vez, e ela deixou escapar um suspiro trêmulo de desejo e tristeza.

— Eu preciso ir.

Ele acariciou-lhe os lábios com um polegar.

— Não. Não precisa.

— Você sabe que eu...

— Venha comigo.

Sakura baixou os olhos como fazia toda vez que ele pedia aquilo.

— Eu não posso.

— Você não quer. — ele disse no mesmo tom calmo e impessoal de sempre.

— Você não entende.

E levantou-se da cama.

Juntou as roupas espalhadas pelo chão e, de costas para ele, começou a se vestir. Ainda tinha os olhos cheios de água e uma vontade absurda de ficar. De mandar tudo para o inferno — a família, Naruto, Kakashi, o hospital, Tsunade — e ir embora para sempre com o assassino perigoso que eles diziam que Itachi era, com o homem que amava mesmo sem entender por quê. E mordeu o próprio lábio com força para não chorar ali, na frente dele.

Sakura não queria parecer fraca e estúpida.

Itachi a observou pentear os cabelos com os dedos e pensou que ela era a garota mais bonita que ele já conhecera. E a mais geniosa também.

— Quer que eu a leve em casa? — ele perguntou da cama.

— Não seja tolo.

E ele não pôde evitar abrir um sorriso torto. Oh, como Sakura odiava aqueles malditos sorrisos... Nunca fora capaz de resistir a eles e sabia que nunca seria. Itachi dizia que a amava quando a tinha nos braços, mas não hesitava em mandá-la para o inferno com um simples sorriso.

— Vejo você à noite?

Ela não respondeu.

Apenas o olhou como a amante que se despede com um beijo e desapareceu debaixo daquela chuva triste. Itachi ainda ficou ali olhando para a porta aberta, para a sombra das árvores lá fora e para a água que caía, imaginando como seria aquilo se ele não fosse um homem amaldiçoado e ela uma mulher presa pelos laços.

E soube, como sempre sabia, que ela voltaria.