Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 41
A lira de Orfeu


Notas iniciais do capítulo

Oi :)
Desculpem, sei que ando demorando demais para escrever os capítulos. Mas o fim do ano esta chegando e eu estou ficando louca.
Esse capítulo foi especialmente complicado de escrever, creio que não ficou tão ruim. Porém ainda não está como eu queria...
A fic esta chegando ao fim (eu acho). Agradeço muito a todos que acompanharam.
Beijo



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- Adeus, meu anjo. – escutou Boh dizer.


A consciência pesada do fato se assolou em sua mente. Estava sozinha.


Ela suspirou de cabeça baixa. Não sabia o que fazer, nem em que parte de si encontraria alguma força para se mover. Mesmo que seus instintos gritassem para que fizesse algo.


Cerrou as pálpebras cansadas e caiu sobre o corpo de Boh, em cima da mesa. Tirou-lhe os óculos com as lentes partidas, guardando-os enrolados num lenço em seu bolso, depois lhe afastou os cabelos escuros da frente do rosto, beijando suas bochechas frias com uma lentidão premeditada. Tocando seus traços com as pontas dos dedos. A beleza imóvel de seu semblante tocando seu coração, causando uma dor profunda.


- Eu sinto tanto! – lamentou. – Faria qualquer coisa para que você voltasse a viver.


Chihiro se paralisou. Sentiu um choque lhe tomando a espinha, arrepiando os pelos do corpo. Ela sabia o que deveria fazer. Ergueu-se, limpando as lágrimas que vertera. Assustada com aquela intuição que lhe dizia onde deveria ir. Já era a segunda vez que se deixava guiar por ela. Na primeira, fora uma afirmação aparentemente sem sentido, que acabou se comprovando verdadeira.


Agora, ela sabia que não tinha escolha. A única alternativa possível, além de seguir o pressentimento, seria voltar para casa como uma fracassada. E esse pensamento não lhe agradava.


Voltar significaria retornar aos velhos hábitos, com fantasmas ainda mais vívidos e fortes. Tornar a ter aquela rotina de tristeza inexorável e claustrofóbica. Aguardar todas as noites pelos pesadelos que a faziam acordar gritando, o suor inundando o corpo, apesar de estar tremendo. E esperar, depois, pelo resto da madrugada, pelo sono que não vinha. Até que o sol surgisse atrás das construções. Trazendo-lhe o medo de um novo dia cinzento em que Boh não estaria ali.


Dessa vez, tinha consciência que seria pior, pois poderia ter feito algo e fora dominada por sua covardia.


Isso era o que a impelia. Por mais que forçasse a convencer seu coração do contrário, a não ter esperanças; sabia que existia uma mínima possibilidade, a qual ela se prendia, de que Boh pudesse ser salvo. E ela faria tudo para que isso desse certo.


Não importava o que seu corpo pudesse sofrer; o que mais a amedrontava, era retornar para a solidão avassaladora, que a dominava por completo. Destruindo sua sanidade.


Parou a frente de uma porta negra, e sem sequer hesitar, como seria comum, girou a maçaneta dourada, empurrando a madeira. Um baque surdo e as dobradiças pararam de ranger. Estava escuro ali dentro e ela não encontrou nenhum interruptor ao alcance da mão; tropeçou em algo que estava em seu caminho, caiu no piso com um baque oco. Era uma caixa de madeira, seu conteúdo se espalhou no chão a sua frente, exposto pela luz que passava pela porta aberta.


- O que? – balbuciou confusa.


Era uma série de objetos sem alguma aparente conexão entre si. Areia se espalhava no assoalho, havia um dedal enferrujado e alguns pedaços de palha, asas de mariposa que se desfizeram sobre seu toque, estilhaços de vidro e de uma lâmpada. Algumas pétalas de sakuras amareladas pelo tempo e um medalhão. Ela conhecia todos aqueles artefatos menos o último, que segurava em suas mãos arranhadas. Eles fizeram parte da sua vida no mundo dos espíritos sem que sequer desse conta realmente de sua existência. Não eram coisas essenciais ou realmente marcantes. Só estavam ali, presentes e anônimas.


Menos o medalhão, ele não era nada ordinário. A prata era trabalhada num intrincado desenho com uma esmeralda em seu centro. Chihiro não encontrou dificuldades para abri-lo, ele parecia ser novo e intacto, diferente de tudo que se encontrava junto dele.


- Oh! – soltou, quando viu as duas minúsculas fotografias. Não podia ser verdade, o destino não podia brincar com seu coração dessa maneira. Ela tentava se convencer que aquilo que via era somente uma ilusão, que logo iria acordar em seu quarto escuro. Que nada que houvesse passado até agora aconteceu realmente. Que era tudo produto de sua imaginação solitária.


Preferia a loucura a aquilo. Seu coração já havia sido tão fortemente machucado.


Estavam muito mais velhos, mas era inegável a semelhança. Boh e ela estavam ali, sorridentes. Imortalizados dentro daquele objeto que Chihiro segurava junto ao seu coração. Limpou as lágrimas que surgiram inesperadamente em seus olhos.


- Pare com isso, Chihiro. – disse a si mesma. – Isso não significa nada. Pode ser uma completa mentira.


Mas os fragmentos perdidos em sua mente lhe permitiam formar uma imagem difusa do que ela queria que fosse verdade. Passou a corrente do medalhão em seu pescoço, deixando que ele pendesse em seu peito; sentia-se melhor assim. Apesar de ele estar completamente desconjuntado consigo. Ajeitou os objetos restantes, formando um padrão ilógico entre eles.


- Bou. – sussurrou sorrindo. Sua tristeza fora momentaneamente obliterada. – Você está aqui, não é? Eu consigo sentir...


Direcionou sua mão para as pétalas de sakuras. Jogando-as aleatoriamente no chão.


- Eu estou indo. – disse com uma felicidade quase infantil.


Voltava a ser aquela menininha de outrora. Os olhos escuros arregalados enquanto fazia uma travessura.


A areia começou a emitir um fraco brilho. Estava dando certo.


- Estou esperando, meu anjo. – pensou ter ouvido.


Afundou os dedos naquela massa brilhante que começava a tragar tudo a sua volta.


 


Levantou-se assustada. Balançou a cabeça para tentar dispersas a confusão em sua mente. Observou lentamente o céu enegrecido, com rasgos profundamente vermelhos, os quais se estendiam indefinidamente por uma longa distância.


- Onde estou? – perguntou para ninguém em particular. Sua voz estava rouca e a garganta seca devido ao longo tempo sem tomar água.


Deu um grito de dor, abaixando a cabeça, cobrindo as orelhas com as mãos espalmadas. Enfiando as unhas no couro cabeludo. Apertou os dentes para impedir que gritasse novamente, atraindo atenção para si. Algo em sua cabeça lhe dizia para que agüentasse aquilo calada, senão poderia morrer sem completar sua missão.


Para fazer com que o futuro destinado voltasse a ter sua verdadeira determinação antes de ser tão brutalmente interrompido. Tinha que levar Boh de volta, mesmo que isso lhe custasse sua vida.


Balançou seu corpo para frente e para trás, como se isso pudesse amainar a dor que sentia. Apertou a fina linha que envolvia seu pulso, seu amuleto. Pediu a Boh para que tivesse força suficiente.


Ergueu-se com dificuldade, andando, no início sem conseguir se manter ereta. Observando com cautela aquela área estéril e inabitada, as pedras vermelhas que se erguiam grandes e torcidas pelas dunas. Chihiro andou até uma para verificar sua consistência. Retirou a mão rapidamente.


A pedra era ainda mais quente que tudo ao redor. Antes pensara que alguém poderia se esconder num dos nichos naturais. Foi com alívio que viu que isso não poderia ser feito.


Ao longe, conseguia divisar torres cinzentas e pontudas, imensamente altas e imponentes. Chihiro reprimiu um calafrio em seu corpo ao observá-las. Sabia que teria que ir até ali, encontrar o que quer que fosse.


Reprimiu seu medo, erguendo a cabeça.


 


Não sabia há quanto tempo estava ali. Mantinha aquele movimento forçado e constante, sempre para frente. Sem se importar com seus pés machucados, nos seus músculos doloridos, que ameaçavam romper de tanto esforço. Continuava apertando o amuleto e o prendedor de cabelos em sua mão direita. Já não conseguia ver as coisas com clareza; sabia que já estava dentro da cidade, e por sorte ainda não fora interceptada. Escutava os gritos inumanos dos construtores das longas torres. Mais horrorosos estandartes para se juntar aos outros.


O fim não podia ser esse. Não poderia ser essa agonia. Não queria aceitar que fosse assim, que tudo terminasse da maneira que via. Pensou em Boh ali, e no açoite que trouxera em seu rosto naquela primeira viagem.


A porta do palácio estava tão próxima, Chihiro tinha uma estranha sensação de irrealidade enquanto se aproximava. Novamente pensava que iria acordar em seu quarto a qualquer momento, que tudo aquilo não passara de um sonho. Não queria que fosse um sonho, apesar de todos os tormentos que tivera.


Um grande pedaço de madeira moldado se afastou com sua chegada. Chihiro pensou que fosse desabar de cansaço ali mesmo, quando o ar frio atingiu suas bochechas, aliviando o suor que se acumulara em sua pele.


- Desejo falar com o senhor deste mundo. – disse em voz alta.


- Deixem-na entrar. – uma mulher ordenou sem se erguer, acenando para um servo ao seu lado.


Ele veio caminhando a passos largos até Chihiro, amparando-a no meio do caminho, quando ela achava que não iria agüentar mais.


- Estava lhe aguardando, Chihiro. – falou quando a garota estava instalada em almofadas na frente de seu trono. – Sirva-lhe água. – analisou Chihiro com cuidado excessivo. – Talvez deva descansar um pouco...


- Não. – interrompeu-a. Depois baixou a cabeça, envergonhada, ante ao sorriso indefinido que surgira nos lábios perfeitos da mulher.


Chihiro sentia-se inibida perto dela, com sua beleza inumana. Os cabelos negros caindo no chão, rodeando-lhe o kimono azul.


- Não há motivos para ficar tão apreensiva. Aqui pode descansar um pouco... já deve ter notado que o tempo passa de uma maneira diferente. Bou está bem. – garantiu com suavidade. Vendo a surpresa no rosto da garota prosseguiu. – Alguém deve cuidar disto aqui. Não sou uma tirana, Chihiro. – sorriu-lhe novamente, o rosto longo e pálido tomado de uma fosforescência estranha. – Esta tarefa me foi incumbida e devo cumpri-la. O que mais queria era permitir que vocês dois saíssem daqui intactos. Porém não posso fazer, há forças muito mais fortes que eu que os impediriam de prosseguir. Teremos que fazer um acordo.


- Entendo. – Chihiro disse lentamente. – Nunca esperei o contrário.


- Sei que quer vê-lo. Mas, deve me ouvir somente mais um pouco. - levantou-se de sua majestosa cadeira, vindo sentar-se ao lado da menina, tomando as mãos pequenas entre as suas. – Vou te ajudar, Chihiro.


- Por quê? – perguntou.


- Eu sou você e você está dentro de mim. Talvez não seja capaz de entender. A magia nos une. Consegui vê-la antes que chegasse, venho acompanhando-lhe há algum tempo. Não sei o porquê disto.


- Mas... Desculpe, não sei seu nome...


- Nadesico. – sorriu embaraçada. – Sabe, há tanto tempo ninguém me faz essa pergunta...


Ela é tão solitária, pensou Chihiro. Apertou seus dedos nos dela.


- Sei como deve se sentir. – viu-a abrir um sorriso tristonho.


- Não se preocupe, Chihiro. – ela ergueu-se, assumindo novamente sua posição. – Vá. – acenou para uma porta ao lado.


A garota imitou seu gesto, aproximando-se de Nadesico. Abraçou-a como a uma irmã, apertando-a forte. Depois correu para a porta que ela lhe indicara.


Tinha lágrimas nos olhos quando viu Boh ali, de pé, aguardando por ela. Os braços estendidos para recebê-la.


- Você é uma teimosa! – bronqueou, quando ela já estava próxima de si. Mas ele sorria. – Eu te amo. – sussurrou contra seus cabelos.


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Notas finais do capítulo

Para quem quiser, abaixo há um link da história de Orfeu. O que justifica a escolha desse nome aparentemente sem nexo para o capítulo.
http://www.lunaeamigos.com.br/mitologia/orfeu.htm



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