Não é uma decisão que tenho que tomar de cabeça fria. É algo que tenho que resolver nesse instante, sem mais. Devo agarrar aquilo que talvez seja a última chance de me tornar humana de novo, porém viver sem o lobo é viver sem a parte mais importante do meu ser. Eu era nada antes da transformação. Era solitária, rancorosa e não sabia lidar com negativas. Meu coração de lobo me tronou uma pessoa melhor. Aprendi a agir em uma equipe, a lutar pelos outros e, principalmente, a aceitar as diferenças. Não consigo me ver como uma pessoa normal novamente, não sem imaginar o tremor ágil da transformação, o calor que sempre emana de mim quando o lobo está ativo, ou como a vida é mais bonita quando se tem os sentidos mais aguçados. É tudo ou nada, e para sempre.

– Leah? - Benjamin me desperta de meus pensamentos. - Os primeiros voluntários já começaram o processo. Gael é muito habilidoso, sei que vai dar certo.

Vai dar certo para quem, Benjamin? E gostaria que ele me ouvisse. Estaremos inofensivos, sem qualquer proteção. Seremos um alvo fácil de qualquer clã vingativo. Não podemos perder nosso lobo. Pelo menos, não todos. Acho que alguma coisa em minha expressão lupina o faz compreender. Ele se afasta, fazendo movimentos negativos com a cabeça.

– Não. Você só pode estar de brincadeira. Não pode ficar assim para sempre! Nós precisamos... eu preciso de você. Comigo.

Droga! Por que ele não pode facilitar para mim? Já não basta o tamanho da escolha que devo fazer e ele ainda vem com essa chantagem emocional? Como se eu não quisesse passar o resto da minha vida com ele! Opa. Droga! Mil vezes droga!

– Escuta, Leah, por favor. Eu te imploro. Não faça isso comigo. Tenha fé. Tente. Por nós.

É então que eu sei que vou ceder. Não posso acabar com nossa chance de ter uma vida longa juntos. Posso ser humana de novo e, se for preciso, chegarei aos extremos. Não posso deixar que algo assim tire de mim a coisa mais maravilhosa que já me aconteceu. Bella é o maior exemplo de que alguns de nós nasceram para estar com alguém específico, a qualquer custo. Além disso, não acho que os Cullen pretendam desamparar a aldeia. Não depois de tudo o que somos, juntos.

Meu Garoto Dourado passa as mãos pelo cabelo, tenso e com olhos desolados, mas quando me aproximo, ele está de guarda baixa. Ele se abaixa, pega meu rosto de lobo e me dá um beijo acima do focinho. Faço força para que ele entenda que vou para onde os outros foram. Vou recuperar a Leah. Ao me ver seguir na direção do grupo, ele se levanta e me lança um olhar que é pura luz. Como pude duvidar do meu destino?

Quando chego ao centro do grupo, Gael está concentrada, com as duas mãos na cabeça de Paul, que também mantém os olhos fechados. De repente uma estranha névoa começa a emanar das mãos de Gael, tomando forma por todo o seu arredor. Paul parece brilhar antes de desaparecer em meio à neblina. A nebulosidade parece diminuir, gradativamente e, logo, consigo ver o contorno másculo do Paul humano. Quando ele abre os olhos, procura por alguém na multidão. Ainda chocada pela magia que acabo de presenciar, acompanho seu olhar e chego a Tia. Ela sorri com os olhos, ainda atordoada, como eu. Todos nos assustamos ao ouvir a voz firme de Gael.

– Paul, por favor, tente a transformação em lobo.

– O que, agora? Mal voltei a esta forma... e se der algo errado?

– Precisamos saber se minha magia influencia na sua genética. Se você se transformar, significa que não vou estragar vocês, pois a magia de vocês vai além do biológico. Além disso, se te transformei em homem uma vez, posso fazer de novo. Eu garanto.

Paul começa a tremer, exatamente como acontece antes de nossa transformação em lobo. Ainda que não tenha dado certo, estou decidida a concluir o procedimento. Não me importo com o preço. Mas nada disso importa após presenciar o que todos acabamos de ver. Quando olho para o Paul-Lobo tenho a certeza de a magia de Gael vai nos ajudar, mas não influenciar nosso futuro. A pequena chance que tínhamos de nos curarmos parece ser real. Logo, Paul já está se transformando de volta em humano. É o suficiente para que todos entrem em frenesi. Ninguém respeita a fila que se formara atrás de Gael, mas quando olha para Jake, o primeiro, ele me indica o vampiro. Está me cedendo a vez. Eu o agradeceria a gentileza se não estivesse irritada pelo fato de estar fazendo isso apenas por eu ser mulher. Posso ser a única garota-loba conhecida, mas ainda acho que o feminismo não morreu. Enfim, dane-se. Vou ver minhas mãos novamente.

No início, de olhos fechados, tudo o que sinto é um formigamento que começa nas pontas dos meus dedos, focinho e orelhas. Uma pressão gelada se apossa de minha coluna seguindo até minha cauda. Num instante sou um lobo, no outro uma garota com os joelhos ralados da terra áspera. Abro os olhos e sei que preciso seguir o mesmo teste de Paul: tentar me transformar. Bem, em poucos segundos sou o lobo cinzento novamente e, depois, a garota que já perdeu as contas de quantas vezes apareceu sem roupa em público. Procuro uma direção para seguir e dar a vez a outro, mas Benjamin já está aqui, com uma camisa de botões enorme que certamente trouxe para mim. Vestida, eu o acompanho até a borda da floresta. Ele segura minhas mãos e seu sorriso é a coisa mais linda que vejo em dias. O Garoto Dourado aproxima seu rosto do meu. Sinto como se eu fosse explodir em chamas brilhantes e douradas. Com os lábios colados nos meus, ainda sinto seu sorriso. Sem me afastar, começo a dizer:

– O que seria de você sem mim?

Ele não responde, apenas me aperta ainda mais. Ele apoia sua testa na minha, deixando-nos nesse momento de ternura por algum tempo antes de dizer:

– Se você fosse um lobo para sempre, eu me tornaria uma sombra. Mas se você perdesse a capacidade de viver como o lobo, eu morreria com você, assim que você decidisse.

– Como sabe que eu morreria?

– Você deixou bem claro que essa é você: Leah-Lobo, uma só. Sabendo disso, eu só pude desejar que você quisesse passar o tempo que lhe restasse comigo. E assim que você se fosse, eu daria o meu jeito de ir também.

– Mas... que absurdo, Benjamin! Você morreria por ficar velha e enrugada?

– Hum... bom, não era isso que eu esperava que viesse no pacote quando o escolhi... - ele ri da própria piada. - Mas, sério, você tem tendência a loucuras e eu não te deixaria só nem por um segundo se você ficasse depressiva e pusesse em risco a sua velhice com vida. Eu te amo, e te quero viva, por todo o tempo que eu puder tê-la.

– Bom, ainda bem que você é imortal e eu não preciso fazer o mesmo discurso, certo? Não tenho a menor prática nisso. Te quero vivo, inteiro e cheio de magia elemental, assim como quando você fez aquela gracinha no penhasco. Perfeito.

– Que bom que gostou daquilo, a propósito. Quem sabe não te peço em casamento por lá, daquele jeitinho?

– Ca-casamento?

Droga! A pessoa mal compreende os sentimentos e o quanto daria tudo o que mais presa em si para ficar com a outra e esta já vem falando em casamento. Isso acaba com a magia da coisa.

Ora! Dane-se. Acho que sobrevivo a uma vida de clichês , caça a sangue-sugas do mal e momentos constrangedores pós-transformação em garota. O Garoto Dourado é meu e nenhuma magia no mundo pode ir contra isso. Temos todos os anos pela frente. Juntos.