O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 81
IX.8 A luz mágica.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Na mão esquerda tinha a primeira metade do Medalhão de Mu e, na mão direita, tinha a segunda metade. Diante de mim tinha um Zephir ávido e cada vez mais nervoso.

A noite rodeava-nos, o céu trovejava zangado, os sismos eram intensos e ininterruptos, o Inferno continuava solto na Terra, ou pelo menos naquele lugar.

- Sacerdotisa, une as duas metades do medalhão.

Fi-lo devagar, tentando dominar o medalhão pois, uma vez as saliências e as reentrâncias frente a frente, estas atraíam-se como ímanes. Devagar, portanto, mas como se não fossem as minhas mãos que praticavam o ato. 

Uni as duas metades do Medalhão de Mu e aconteceu um clarão que submergiu a união, batizando-a de luz. Seria a luz que nos guiaria pelas trevas, a partir daquele momento.

O medalhão palpitou nos meus dedos que o seguravam firmemente. O sol gravado no ouro era como uma chama viva no centro do amuleto que, agora reconstruído, recuperava a sua forma original de um triângulo geometricamente perfeito.

Zephir estava maravilhado, completamente hipnotizado com o poder magnífico que o medalhão emitia. Continuava nervoso, porém e eu sabia que não podia vacilar. Demasiada coisa dependia de mim, do meu sangue frio. Ele indicou o altar com um dedo esquelético, a voz entrecortada com a emoção avassaladora que deveria agitar como nunca aquele corpo mirrado:

- Agora… Vais usar o Medalhão de Mu… no altar mágico… E farás de acordo com o que eu te ordenar, sacerdotisa.

Fui até ao altar. No tampo inclinado desenhava-se um losango. As mãos invisíveis do maestro Toynara seguraram nas minhas.

Zephir deixou as últimas indicações:

- Irás encaixar o Medalhão de Mu nesse espaço. Ao fazê-lo, deverás pronunciar o meu nome para que eu receba a sua bênção. Diz: “Em nome de Zephir!” e depois afastas-te. Sacerdotisa, prepara-te para me obedecer.

Fechou os olhos. Permitiu-se descontrair o corpo ansioso. Abriu os braços, inspirando profundamente, emulando um anjo maldito.

- Fá-lo, sacerdotisa.

Aproximei o Medalhão de Mu do losango, com o vértice principal voltado para cima. Eu segurava numa coisa viva, quente, palpitante, que agora se atraía para a pedra escura do altar, para se fundir naquele espaço, onde pertencia. O poder era deveras imenso e cativante, arrastava-nos para um mundo onde tudo era permitido e onde não havia dúvidas ou morte ou dor ou cansaço. As prerrogativas de um deus, realmente.

Ou era eu que me sentia deus naquele instante em que cabia a mim a suprema decisão.

Percebi a subtil agitação de Zephir. Eu estava a demorar-me.

O Medalhão de Mu rodopiou nas minhas mãos, o vértice principal ficou voltado para baixo. De um golpe apliquei-o no altar, encaixei-o na metade inferior do losango e gritei:

- Em nome de Zephir!

O feiticeiro regozijou-se. Abriu os olhos com uma expressão feroz afivelada no rosto medonho.

Recuei, a olhar para as minhas mãos, à procura das mãos de Toynara. Não vi nada, mas ainda sentia o toque frio do fantasma.

Escutei o grito desesperado do feiticeiro:

- Mas… O que foi que tu acabaste de fazer?!!

Atirou-se aflito ao altar, cravou as unhas no medalhão para tentar arrancá-lo da metade inferior do losango.

No entanto, o que fora feito não podia ser desfeito. Estava consumado.

- Não!! Não!!

Endireitou os ombros, compreendendo que os seus esforços seriam em vão. Voltou-se para mim, respirando apressado, tremendo de raiva e de ódio.

- Vou matar-te, traidora!

Não senti medo. Era tudo e só uma questão de tempo.

Toynara completou a sinfonia, recebeu, com um sorriso, o aplauso deliciado que o consagrava como o grande vencedor daquele confronto.

A última nota da composição musical foi absolutamente épica. E eu sorri. O meu destino cumpria-se.

Do altar mágico irrompeu uma torrente de luz que alcançou os céus num feixe imparável e brilhante. Zephir olhou para o altar, eu recuei até sentir uma parede nas costas e a solidez da pedra fez-me regressar à realidade e comecei a tremer, a coragem toda esvaindo-se, convertendo-me na rapariga assustada que eu verdadeiramente era.

E vi.

A torrente de luz abateu-se sobre o pátio e o cenário converteu-se num mar branco, onde emergia o altar escuro e o Medalhão de Mu a faiscar sobre o tampo do altar. O amuleto emitiu um raio triangular, coberto de fagulhas e de estrelas, que atravessou Zephir de lado a lado, separando-o em dois.

Sangue.

Voltei a cara, fechei os olhos.

Um grito lancinante vibrou no pátio.

Seguiu-se um trovejar tenebroso. Milhentos fantasmas encheram o sítio, roçavam por mim, enleavam-se nos cabelos, mas não abri os olhos. O feiticeiro continuava a gritar e, mesmo de olhos fechados, eu via a cena como se os tivesse abertos. O medalhão desfazia Zephir em pedaços e espíritos horripilantes carregavam os pedaços e incineravam-nos, de modo a que nada restasse do feiticeiro, nem a ínfima possibilidade de um minúsculo espectro que vagueasse atormentado no Outro Mundo.

Solucei. A parede onde me apoiava desmoronou-se, o pátio desfazia-se numa tempestade de luz e num terramoto. Gritei à medida que os escombros se amontoavam perto de mim, por cima de mim, por todo o lado.

Zephir morria pelo poder do Medalhão de Mu.

E eu perdia o conhecimento.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Adeus à lenda.



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