O Feiticeiro Parte III - O Medalhão de Mu escrita por André Tornado


Capítulo 69
VIII.7 Fugindo do templo.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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O chão tremeu. Era um terramoto daqueles que Goku e os seus companheiros provocavam quando lutavam com adversários tão fortes quanto eles. Levantei-me da cama. Tinha passado as últimas horas fechada na câmara onde Zephir me tinha trancado, envolvida em pensamentos sombrios. Sentia-me desolada, triste, descartável. E agora nem sequer tinha o triângulo dourado para apertar e para me distrair dessas congeminações impróprias.

Olhei para cima. As traves grossas de madeira do teto também tremiam e apareceram as primeiras fendas. Encostei-me à parede, para tentar escapar-me da iminente derrocada.

A porta abanou com um encontrão. Alguém tentava forçar a entrada. Sustive a respiração. A porta levou com um segundo encontrão. Caíram bocados de tijolo e de estuque junto aos gonzos. Um terceiro encontrão e a porta caiu com estrondo no chão. O terramoto parou. Ela entrou com um salto.

- Ana-san!

Sorvi o ar todo de uma vez, deu-me fôlego e deu-me voz para falar. Reconheci-a como se ela me tivesse dado uma estalada. Olhei espantada para a filha de Kuririn.

- M-Maron?!

- Não podemos ficar aqui! Um dos demónios persegue-me. Descobriu-me aqui dentro e quer apanhar-me. Vamos embora, Ana-san.

Não havia tempo para hesitações. Corri atrás de Maron por aqueles corredores húmidos. Perguntei-lhe num fôlego, continuando a correr:

- O que é que fazes aqui?

- Vim atrás daquelas duas meninas reguilas que não sabem ficar quietas, porque têm sangue saiya-jin a correr nas veias.

- Vieste atrás de Pan e de Bra?

- Hai. Soube por Videl-san que Pan estava desaparecida, assim como Bra, e percebi logo que tinham vindo para cá.

- Estás sozinha?

- Não te preocupes. Sei lutar e posso defender-te.

- Olha, ainda bem que vieste… Assim, conseguiste salvar-me. Mas Pan e Bra, apesar de terem vindo para o templo, já cá não estão. Estão as duas a salvo, na Capsule Corporation.

Maron estacou, eu parei atrás dela. Franziu o sobrolho.

- Honto?

- Hai – confirmei com um aceno decidido.

Ela sorriu e murmurou:

- Ainda bem… - Apagou o sorriso com tanta rapidez que me incomodou. – Bem, mas tu também precisas ser salva. Anda lá!

No fundo do corredor ouviram-se passos. Ela pediu-me silêncio, ficou à escuta, depois ordenou-me que corresse e eu obedeci. Corri como uma louca. Maron vinha atrás, voltou-se e disparou dois tiros de energia. Um guincho duplo soou, tinha acabado de fritar dois kucris.

De repente, travei a fundo e Maron chocou contra mim. Gritei de horror.

O demónio soltou uma gargalhada. O brinco na orelha direita brilhou, tratava-se de Julep.

Agarrou-me no braço, deu um puxão. Maron investiu, golpeou-o com ambos os punhos, o demónio soltou-me com um urro. Rematou-o com um pontapé na cabeça que o enviou contra a parede. O embate atordoou-o momentaneamente.

- Eu disse-te para correres! – Berrou-me.

Saltei para o lado esquerdo, subi três degraus, entrei noutro corredor. Maron apareceu pouco depois, na mesma corrida desenfreada. Empurrou-me para mudarmos de direção e desembocámos num pequeno átrio. Enfiámos por uma passagem com um teto muito baixo, virámos à direita, tornámos a virar à direita, descemos uns degraus carcomidos e sujos.

Entrávamos nos subterrâneos do templo.

Maron revelou, ofegante:

- Não o despistámos, continua no nosso encalço. Persegue-nos de perto.

- Como é que sabes?

- Sinto-lhe o ki.

Puxei-a para uma sala à nossa direita e fechei a porta de ferro, trancando-a, rodando uma chave pesada, também de ferro.

- O que é que estás a fazer? Achas que nos conseguimos livrar do demónio trancando-nos dentro de uma sala? Ele rebenta com a porta com toda a facilidade!

- Ganhamos tempo – expliquei. – E tu também consegues rebentar com o teto com a mesma facilidade. Vá! Tira-nos daqui – completei apontando para cima.

Percebeu o estratagema e não se demorou muito. Maron elevou um braço e disparou um raio que abriu um buraco no teto até ao exterior. A claridade do dia entrou na sala num feixe luminoso e iluminou o compartimento. Era um santuário, com um pequeno altar, colunas embutidas nas paredes, uma escadaria que viria do exterior. Maron chamou-me.

- Agarra-te a mim.

Mas um detalhe deteve-me.

- Do que é que estás à espera? O demónio está cada vez mais perto e eu não sou capaz de o derrotar. Vamos ficar em apuros.

- Espera…

- Espero? Não podemos esperar!

Um vulto estendia-se no pavimento, a tremer e a gemer. Aproximei-me.

- Ana-san, vem cá imediatamente! Ou deixo-te aqui em baixo.

Calou-se, furiosa comigo. Nisto, atirou-se contra a porta trancada do santuário para aguentá-la com os braços esticados. A porta agitou-se com um impacto surdo e poderoso. Julep acabava de nos descobrir.

Ajoelhei-me junto ao corpo. Quando o reconheci fiquei aguada, dormente. Senti como se me tivessem despejado por cima um líquido espesso que me cristalizou, que me impediu de reagir normalmente. Fiquei em choque por estar a presenciar algo tão macabro.

Ele estava deitado de costas e quando percebeu que eu estava ao lado dele, abriu os olhos e sorriu-me. Falou num murmúrio arranhado:

- A Deusa continua comigo… Ela não me abandonou. Disse-me que iria encontrar-te neste santuário e aqui estás tu.

A cara de Toynara estava horrivelmente queimada, com múltiplas feridas que lhe desfiguravam as feições e enquanto falava torcia-se grotescamente, tudo movendo-se de uma forma pouco natural. Mas eu continuava apática, mirando-o, sem conseguir sequer ensaiar um gesto de conforto, uma palavra sã.

Maron gritou-me, agarrada à porta:

- Ana! O que foi? Temos de ir embora daqui!

Do outro lado, Julep tornou a golpear a porta.

Toynara agarrou-me no braço. Era a garra descarnada de um ser agonizante, desesperada. Os dedos negros tinham a pele pendurada, escorriam sangue.

- Sei que não gostas de mim… Julgas que sou igual a Zephir. Eu digo-te, rapariga. Tens razão. Sou igual a ele. Tenho a mesma ambição, os mesmos sonhos. Mas, ao contrário de Zephir… era incapaz de destruir o templo, era para mim inconcebível ofender a Deusa. Como me mantive fiel… ela ajudou-me. Ela está ao meu lado. Ampara-me a cabeça nesta minha viagem para o Outro Mundo.

- O que é que me queres? – Perguntei num cicio.

Bufou sem fôlego. Do peito soou um silvo quando tentava respirar. E eu permanecia estranhamente insensível.

As paredes do santuário chocalharam com outro impacto de Julep. Maron colou as costas à porta, apoiou os pés no chão, fez força.

- Ana! – Gritou – Despacha-te… onegai shimass!

Toynara insistiu no discurso:

- Tu, minha querida sacerdotisa…

Devia ter reparado nas vestes que o feiticeiro me tinha dado. Ou então já estava a delirar.

- Cabe-te a ti destruir Zephir. Essa é a tua tarefa hoje, no Templo da Lua… Foi a Deusa que mo revelou. Suspira-me essas palavras doces ao meu ouvido… Agora. E posso, finalmente, descansar em paz.

Arrepiei-me. De repente, a bolha que vedava as minhas reações desintegrou-se. Comecei a chorar.

- O que dizes? Eu… não consigo destruir Zephir.

Toynara continuava a sorrir, procurava ver-me mas percebi pelo olhar errático na minha direção que acabava de ficar cego.

- Vim para eliminá-lo… Não o consegui eliminar, mas a Deusa guiou-me até este lugar, onde tu esperavas por mim. E mostrou-me a glória do fim, o Templo da Lua triunfante. Ouve-me… Era esse o meu destino, salvar o templo. O teu destino… O teu destino é partires da Dimensão Z, Ana. Mas antes, acabas com Zephir… para sempre.

Agora, chorava por essa evidência que me rasgava a alma em pedacinhos impossíveis de reagrupar. Eu não os queria deixar. Queria ficar ali para sempre, na fantasia, mergulhada em felicidade, embriagada nesse sonho impossível, lutando para me adaptar, apesar de ainda estranhar aquele corpo etéreo.

Com as últimas forças, com mãos hesitantes, as duas porque só uma já não seria suficiente, ele retirou um objeto que guardava entre os farrapos da roupa que vestia. Entregou-me os dois triângulos dourados, as correntes douradas balançando.

- O Medalhão de Mu pertence-te. Usa-o… sabiamente.

Recebi a oferenda de Toynara com um gesto solene – não apenas o amuleto, mas o seu sacrifício.

- Quando o enfrentei… no pátio… já tinha comigo… o medalhão. O herético, cego de raiva, nem se apercebeu… Era essa a minha missão. O meu… destino.

A garganta dele moveu-se dolorosamente, tentando engolir.

- Mas… tem um preço - acrescentou.

- Tudo o que quiseres, Toynara – ouvi-me dizer e não me reconheci.

- Tu sabes… quem destruiu a lua. Conta-me.

E eu contei:

- A lua foi destruída para impedir que a Terra fosse arrasada pelos saiya-jin que habitavam o nosso planeta. Nas noites de lua cheia, os saiya-jin transformam-se em monstros terríveis chamados oozaru. Na altura, para que o pequeno Gohan, o filho mais velho de Goku, não se transformasse nesse monstro, Piccolo fez explodir a lua.

Quando terminei, Toynara continuava a sorrir, mas os olhos escancarados, uma alvura que destoava daquele rosto negro e massacrado, já não se moviam. Estava morto.

Solucei:

- Faz boa viagem, Toynara.

Fechei-lhe as pálpebras. Pus-me de pé, coloquei ao pescoço as duas metades do Medalhão de Mu. Agarrei num dos triângulos e senti-me tranquila com o toque agreste das arestas afiadas. Deixei o rasto molhado das lágrimas no rosto, não o limpei, seria como uma profanação se o fizesse. Eram por Toynara, por mim, pelo fim próximo, por todos os fins.

Maron gritou-me, ao mesmo tempo que se afastava da porta correndo na minha direção:

- Acabou-se o tempo!

Puxou-me pela cintura, saltou pelo buraco que derramava a luz do exterior para dentro daquele lugar escuro que cheirava a morte. Reparou no que eu tinha ao pescoço, cerrou os dentes.

A porta de ferro era destruída por uma explosão, Julep entrava no santuário.

Mas eu e Maron tínhamos conseguido fugir.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O fantasma do inimigo.



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