Ice And Fire - Os Jogos Vão Começar escrita por Carol Weasley Everdeen Jackson


Capítulo 5
E lá foi a sopa




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POV Carol

Continuo a fitar a minha xícara de café enquanto empregados do Capitol passeiam na minha volta.

Uma década.

O medo de perder os seus filhos já dura à uma década, nos adultos do Distrito. O medo de ir para a Arena já dura à uma década, nas crianças. E esta é apenas a 4ª vez que eu pego este trem, para achar patrocinadores e ajudar tributos que sei que nunca regressarão. 

- Ei. - Cumprimentou Peter Clark, se sentando ao meu lado.

Tiro um olho da minha xícara de café.

Peter tem o cabelo castanho-escuro e olhos castanhos, com pequenas rugas de lado. Até tem uma boa constituição para vencer os Jogos, mas não tem algo que eu tive: treino prévio.

Quando eu era pequena, meu avô me ensinou a caçar. Arcos, facas, qualquer coisa servia. Até uma pedra. Sei que frutas não comer ( ou, pelo menos, as bagas que fazem mal ), e também sei nadar, graças a um lago. ( N/Katniss: PLÁGIO!!! ) Fica quieta.

- Hum. - Grunho, voltando a fitar os círculos de leite na superfície escura do café.

- Me diga, vai se esforçar por me ajudar?

Esse foi directo no assunto, pelo menos.

Levo a xícara aos lábios, sentindo o sabor quente, agradável e ligeiramente áspero do café descendo minha garganta.

- Não. - Respondi. - Não vou.

Peter olha para mim, abanando a cabeça.

- Mas o que eu fiz?!

Suspiro, pousando a xícara no pires e fitando as minhas pernas, uma das quais tem uma bala lá dentro e uma ferida, já tratada, mas que me deixou doente para sempre.

- Não é o que você fez. - Disse eu. - Foi o que eu fiz. Me diga uma coisa: Acabou de voltar dos Jogos, a primeira pessoa no seu Distrito a voltar, e, no ano seguinte, vê eles dois: gémeos, de 12 anos, tentando decidir se vão sobreviver ou morrer. Para sobreviver, ou assistem o outro morrer, ou matam eles próprios. E se lembra que vai ter de os ajudar a decidir se vão matar o irmão ou sobreviver. Crianças de 12 anos, Peter! Eu tenho de ignorar os tributos, ou posso marcar uma delas para a vida! Por vezes, queria voltar atrás e deixar o tributo do 1 me matar! Assim, pelo menos, não terei de ouvir " Matar ele vale a pena? " ou " Acha que mamãe iria ficar triste se eu o trespassa-se com uma espada? "

Minhas palavras voam sobre a carruagem durante uns segundos, enquanto esperamos que Mia e Lindsay entrem.

Ele pega um cesto com tostas e começa a comer algumas.

- Também tenho um exercício para você. - Sussurrou Peter, semicerrando os olhos. - Uma casa pobre, com dois pais que vivem na fábrica, e vêm os filhos, ou o filho, ou a filha, morrendo numa Arena, às mãos de Carreiristas. Porquê? Porque não tiveram treino! Imagine a dor desses pais!

Autch.

Limito-me a dar o último gole no café.

- Como queira. Eu vou te treinar. Mas não venha chorar quando atravessar alguém com uma espada e nunca mais quiser olhar na sua própria cara no espelho! - Quase gritei, saindo dali tão rapidamente quanto possível.

- Des... - Começou ele falando, antes de entrar Lindsey que me olhou como se eu a fosse matar. E eu podia fazer isso.

Entrei no meu quarto e me deitei. Os sonhos são tristes e sangrentos, mas sempre é melhor ver onde errámos no passado do que ver os erros que estamos fazendo agora.

A flecha que eu lancei está mesmo no coração do boneco. Até aí, nada de estranho.

- Parece que seu sobrenome foi bem escolhido, Archer. - Disse Lawrence, que segurava uma pequena adaga nas mãos. - Talvez conseguisse me ensinar.

Limito-me a levar a mão à aljava.

Me mostre suas mãos. - Ordenei, apontando outra flecha e fazendo-a atravessar a cabeça do boneco.

Lorence me mostra suas mãos. Os dedos são bastante masculinos e não me parecem bons para manejar um arco. Todos na minha família têm os chamados " dedos de arqueiro ": dedos ágeis e finos, compridos e rápidos, dedos que também são chamados, por vezes, " dedos de ladrão ".

- Ei, o que vocês dois estão fazendo?! - Exclamou um garoto da nossa idade, que eu lembro ser do 3.

Tem os cabelos finos e olhos cinzentos, é baixote e magricela, parece um híbrido de aranha com enguia. Me pergunto quando foi a última vez que ele comeu.

- Caroline está vendo minhas mãos. - Riu Lorence. - Talvez ela também queira ver as suas!

- Desculpa, Lorence, não tem propriamente mãos para dominar algo como uma flecha. - Desdenhei, tirando outra flecha e fazendo-a atingir um saco de areia, que caiu no chão com um barulho seco.

- Ei! - Gritou o tributo do 1, que parece um armário e estava se preparando para socar esse mesmo saco. - Porque fez isso, ruiva?!

Parei de fazer pontaria e baixei o arco, observando ele. Parecia um armário! E não parecia contente comigo.

- Estou a treinar. - Disse, simplesmente, fazendo outra flecha deslizar da aljava. - Satisfeito com a explicação, ou seu cérebro de babuíno quer um desenho para entender?

O tributo avançou na minha direcção, irritado, e eu revi todas as técnicas de combate que aprendera ainda à pouco tempo, na área da luta livre.

Mas não foi preciso.

Nesse momento, uma adaga e uma flecha apareceram por baixo do queixo do tributo e fiquei espantada ao ver quem as seguravam: Lorence e o garoto do 3.

O garoto do 3 parece um arqueiro profissional, apesar de eu ter a certeza que nunca caçou na vida! Ele tem um dom natural: a forma como segura o arco, como prende a flecha entre os dedos e aponta...

- Lamento, mas eu gostaria bastante que ela me ensina-se a usar um arco e flecha, essa arma é um pouco... difícil se segurar. - Se bem que precisaria-mos apenas de uma aula... - Importa-se de não a irritar muito? Seria difícil ter uma aula assim. - Disse o garoto do 3.

O do 1 soltou um rosnado e Lorence pressionou ligeiramente a sua adaga na garganta dele.

- Pronto! Fiquem aí com a vossa namoradinha! - Gritou ele. - Mas você, Archer, está no cimo da minha lista negra.

- Nossa, que medinho. - Ironizei. Soltei a flecha e atingi uma das lâmpadas do tecto, sem qualquer esforço, fazendo faíscas voar por todo o lado e chamando a atenção dos tributos. - E será um prazer te matar.

O tributo foi embora e o garoto do 3 me apresentou uma mão.

- Sou Tony Malarva. - Se apresentou ele. Apertei a sua mão esquelética.

- Você é bom com esse arco e flecha, apesar de " não saber como os usar ". - Sorri. - Seria um prazer que ensinar técnicas. 

- Obrigado.

E foi assim que começou a minha aliança com Tony Malarva: um garoto simpático que, em breve, eu teria de afogar.

Acordo e Mia está batendo na minha porta. Pisco os olhos, confusa. Quase me esquecera de Tony. 

Quase.

Aquela aliança fora terrível e eu tivera de o matar. Ainda hoje me pergunto se teria ele deixado os tributos de seu Distrito morrerem. 

- Carol, hora do jantar! E vamos ver as repetições da Colheita depois! Não é fantástico?!

Sim. Será fantástico.

Ajeito meu cabelo e saiu do quarto, ainda relembrando como aqueles dois me tentaram defender. O que eu fiz por eles? Sobrevivi. E sobreviver foi a pior coisa que alguma vez fiz.

Olho pelas janelas e é de noite. Devemos estar passando pelo 2. Felizmente dormi quando passámos o 3, ou teria de me deparar de novo com o Distrito dos dois melhores amigos que alguma vez eu tive.

Me sento, sentindo o silêncio em volta da mesa.

Peter parece envergonhado, Lindsay parece com medo de mim, Mia parece feliz e tudo parece saber a esferovite.

Eu detesto a comida do Capitol: Rosa, azul ou roxa, muitas vezes brilhante, sabe-me sempre à comida que imita mas com um sabor muito mais artificial e nojento. Ando comendo disso à 4 anos, e nunca me habituei. 

- Blargh. - Faz Lindsay, ao comer a primeira colherada de sua sopa vermelha. - O que é isso?

- Me faço a mesma pergunta à 4 anos e eles respondem que é um prato qualquer do Capitol. - Respondo, sentindo uma pequena pontada de simpatia para com Lindsay. Pelo menos, em termos de comida, estamos de acordo: a comida que aqueles purpurinados comem é horrível.

- Isto é delicioso! - Se espanta Mia. - Só deve ser estranho para vocês por ser vermelho-sangue e...

Sangue. A palavra desperta em mim um sentimento horrível.

Vejo o sangue de Ginny, o sangue de Lorence, o sangue da ferida na cabeça do tributo do 4, o sangue no peito do tributo do 1, nas têmporas dos do 9... Sangue, sangue, sangue em todo o lado.

Não sei porquê, mas pego na panela de sopa, atiro-a ao ar e vou embora, correndo.

Louca. Penso. Enloqueci de vez. 

Consigo ouvir os gritos de todos eles quando sopa quente lhes caí em cima. Mas continuo correndo. Correndo para meu quarto, de volta ao sonho.

Mas rezo para não ser o sonho da pele azul-pálido de Tony enquanto o ar saía de seus pulmões e a água entrava neles.


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