Além da Meia-Noite escrita por viniciuskitahara


Capítulo 2
1. Como enfurecer um vampiro


Notas iniciais do capítulo

Oooooooooooooooooi, galerinha... Tudo bem com vocês?
(risos)
Então... Primeiramente, gostaria de agradecer a todos que votaram na nossa enquete! A votação final ficou com 4 votos para nomes e 3 votos para números, então, nomes ganhou... Espero ter ideias sempre bem criativas para nos nomes de todos os capítulos.
Pois bem, gostaria de agradecer, também, a todos os 9 reviews, 9 leitores e 2 favoritos no primeiro capítulo! Bom, várias pessoas deixam de mandar reviews, recomendar, e até ler, ao longo da história. Espero que isso não aconteça em Além da Meia-Noite, pelo menos, não tanto quanto em O Despertar das Succubus...
Bom, sem mais enrolação, aqui está o primeiro capítulo. Pessoalmente, eu gostei bastante dele, mas...



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O frio era congelante. A temperatura deveria estar na casa dos 10ºC, com a sensação térmica de cerca de 6ºC.

De repente, na quietude da noite, três corpos materializaram-se em um pântano, com a água gélida na altura do tornozelo. Saindo de uma ruptura no tempo-espaço, a conjuradora Evelyn Hookenheart guardou no bolso de sua jaqueta o pergaminho que revelava a localização dos portais espalhados por toda a Irrealidade.

Ela logo fechou sua jaqueta, tremendo de frio. O vento parecia cortar a pele dela como facas. A água que cobria seus pés só piorava a situação. Mesmo assim, ela ignorou o frio, bem como seus parceiros fizeram, e observou atentamente o local onde se encontravam.

Árvores e pedras cobertas de musgo, água esverdeada pela imensa quantidade de plantas formavam uma imensidão para quase todos os lados que olhassem. No entanto, quando observavam o oeste, viam que a vegetação ia extinguindo-se pouco a pouco, e o lago que formava o solo transformava-se em pequenas poças ocasionais, cada vez menores e mais distantes.

– Falta quanto tempo? - reclamou Evelyn. Sua jaqueta térmica protegia-a do frio no corpo, mas ela não tinha nada que impedisse o vento de açoitá-la nas mãos e no rosto. Seus tênis estavam encharcados, e seus pés estavam congelando. Ela sentiu um alívio quando saiu da água, mas o vento rapidamente tornou pior o frio que sentia.

– Acho que uns dez minutos – falou um adolescente com forte sotaque inglês. Ela olhou para ele: tinha olhos azuis, cabelos louros cortados bem curtos e um rosto com feições fortes e bem definidas. Usava uma jaqueta verde-escuro, com uma touca da mesma cor que protegia-o do frio invernal. Ele era muito bonito, com seu sotaque atraente e seu corpo definido e malhado. Era o primeiro-tenente de Allyah, o Sagitário Drew Addams.

– Você deve ser paciente, Evelyn – orientou uma garota, do lado de Drew. Era alta, morena, com a pele bronzeada, e algumas cicatrizes. Tinha cabelos louros, presos em um rabo-de-cavalo, olhos negros e bochechas cheias. Quando a viu pela primeira vez, Evelyn imaginou ser uma californiana, mas ela era uma bruxa que nascera e crescera entre os renegados. Seu nome era Emily, da província de Vennachia.

– Tentarei ser.

Evelyn levou a mão ao seu colar prateado, que carregava no pescoço. No pingente, dois círculos rotatórios eram encaixados um dentro do outro. No círculo menor, havia uma flecha que apontava para cima, com um traço no meio – o símbolo dos Sagitários. Se ela girasse o colar uma vez, surgiria, em sua mão, um poderoso arco de prata, presente da Amazona Allyah. Em suas costas, surgiria uma aljava mágica repleta de flechas, com várias funções: explosivas, envenenadas, flamejantes, de madeira, elétricas, algumas repletas de nitrogênio líquido e, por último, as mais importantes para aquela noite: flechas de prata maciça.

Ao contrário do que diziam os livros, onde lobisomens eram mortos por balas de prata e vampiros deveriam ter uma estaca de madeira enfiada no coração, ambos os seres poderiam morrer se qualquer objeto de prata transpassasse algum órgão vital. Morreriam por combustão imediata.

O arco de Evelyn era chamado de Arco do Triunfo, uma breve lembrança da cidade em que a garota agora morava. O arco, um presente de Allyah, também poderia ser desmontado, criando duas facas de caça medonhas, do tamanho de um braço humano.

– Todos se lembram corretamente do plano? - perguntou Drew. Seu sotaque dava um som ao mesmo tempo engraçado e sensual a algumas palavras, o que fez Evelyn sentir um arrepio nas costas, que nada tinha a ver com a temperatura.

Tentando desesperadamente desviar o foco de seus pensamentos, pensou em Eliot, seu namorado. Ah, como ela sentia uma espécie de prazer quando falava aquilo...

Rapidamente, ela lembrou de Lilith, e ficou séria novamente. Quando ela abandonara sua companhia, logo procurara Allyah. Como não tinha mais lar, era deserdada do Inferno e seus pais já haviam morrido, ela decidiu por exilar-se junto com os outros renegados, e aceitou o convite de Allyah para tornar-se Sagitária. Desde então, treinava assiduamente para tornar-se uma exímia atiradora, e por sua força de vontade e progresso, Allyah deu-lhe um arco pessoalmente.

– Este era meu antigo arco. Cuides bem dele – dissera-lhe.

Era uma honra enorme receber um presente de alguém tão importante. No entanto, presentes de Miguel, Lúcifer e da Morte (a quem Allyah veementemente recusava chamar de Hena) eram considerados inadmissíveis. Apenas Allyah, Gabriel e Hisis poderiam presentear algum renegado.

Quando a garota soube daquela regra, ficou pensando se o mapa dos portais, presente de Rafael, seria considerado impuro, e ela seria exilada – dos próprios exilados. Se isso acontecesse, a garota planejava viver definitivamente em Paris, com Eliot, e deixar o mundo do sobrenatural para trás, de uma vez por todas.

Evelyn balançou a cabeça, livrando-se daqueles pensamentos. Continuou caminhando, junto com Drew e Emily. Drew lembrava um pouco Zachary, o feiticeiro, um de seus melhores amigos. Ela ficara triste quando soubera que ele queria ficar na Floresta Negra, em sua antiga aldeia, tanto tempo atrás – quase uma eternidade.

Seu coração acelerara-se quando Alex, Eliot e ela estavam presos pelo Arcanjo Miguel, prontos para serem executados, quando Zachary salvou-os, sabe-se lá como. Nem Alex, nem Eliot, nem Evelyn conseguiram entender como Zach fora tão poderoso, conseguindo subestimar um dos seres mais poderosos da Irrealidade, salvá-los e ainda sair ileso. Eliot dizia que nem mesmo conseguia entender como ele fizera o dia ficar tempestuoso de uma hora para outra, ou o porquê.

Desde que Zachary dissera que começaria a juntar pistas sobre seu passado estranho e sobre as ameaças de Centuriões ainda viventes, ele sumira do mundo. Evelyn jamais o vira novamente, e só tinha notícias dele por alguns bilhetes esporádicos, que diziam coisas simples. Não eram cartas porque resumiam-se a pouquíssimas linhas, às vezes até palavras. Já fazia vários Ciclos que ela não o via, e o sotaque britânico de Drew era como um tapa na cara. Sempre que ouvia Drew falar a mínima coisinha, pronunciar um “R” mais suavemente, ela se lembrava de que Zach fazia exatamente a mesma coisa.

A última carta que ela recebera dele dizia apenas estas palavras: “Estou bem. Espero que você e seus amigos também estejam. Em breve mando mais notícias. Um beijo, Zachary. PS.: Não responda a carta”.

As “cartas” eram sempre entregues com a magia do feiticeiro. Vinham em formato de cisnes de papel, feitos de dobradura, que batiam suas asas e só paravam quando pousavam nas mãos de Evelyn, não importando onde ela estivesse. Evelyn ficava entristecida em não saber como poderia responder ao garoto, ou quando ia vê-lo. Durante vários Ciclos, ela tentara conjurar algum animal que ajudasse-a, mas não conseguiu nada satisfatório. Até mesmo pombos correios eram inúteis. Ela não sabia usar um pombo correio. O jeito, então, era esperar que se veriam logo.

– Estamos perto – falou Emily, apontando para uma silhueta negra que surgia no horizonte.

Logo de longe, Evelyn já percebeu que era um castelo. À medida que foram se aproximavam, ela passou a notar maiores detalhes. Estavam a algumas centenas de metros quando ela pôde fazer as primeiras observações detalhadas. A primeira coisa que notou era que o castelo era feito de blocos de pedra gigantescos, cinzentos. Possuía janelas altas, a quatro metros acima do solo, e que não passavam de fendas pequenas e apertadas, das quais saía uma bruxuleante luz amarelada. O prédio possuía algumas torres altas, porém elas não tinham detalhe nenhum que chamasse a atenção da conjuradora.

Eles contornaram o local, tentando encontrar um método de entrarem. Foram cerca de vinte minutos desperdiçados, até chegarem ao ponto em que começaram.

– Eles entram pelas janelas – falou Drew, apontando para elas – Que droga!

Foi naquele instante que Evelyn notou. Dezenas de vultos, do tamanho de humanos adultos, esgueirava-se pelas sombras, encarapitavam-se nos peitoris das janelas por alguns instantes, e tornavam a voar, para dentro do palácio. O que deixou a garota surpresa foi o fato de ninguém tê-los visto ali, parados, sem sequer tentarem se esconderem.

– Mas nós somos Sagitários ou não?! - exclamou Emily, com raiva. O ar tremulou em sua mão e em suas costas, e um arco prateado e uma aljava carregada de flechas surgiram em suas mãos. Ela selecionou uma seta, colocou no arco e mirou para o alto. Alguns segundos depois, soltou-a, e a flecha percorreu sua trajetória no ar, até fincar-se no peitoril de uma das janelas. No caminho que ela fez, havia um fio preto marcando a trajetória do tiro, que engrossou assim que a flecha parou, até ter o mesmo diâmetro que uma tampa de garrafa pet.

Emily pegou o outro lado do cabo, amarrou-o fortemente a uma flecha, usando complicadíssimos nós, e fincou-a no terreno rochoso onde ficava o castelo. Puxou o fio até certificar-se de que seria seguro subir por ele.

– Flechas-cabo? - perguntou Drew, admirado.

– Um presente da Senhora Allyah por ter lecionado muitíssimo bem a alguns novos recrutas. Ganhei três. Bem, agora, restam duas.

Drew concordou, enquanto agarrava-se ao cabo e começava a subir. Logo em seguida, foi Emily, e por fim, Evelyn. A garota estava levemente amedrontada, mas era uma Sagitária agora. Recebera a bênção de Allyah, que significava que, enquanto Evelyn fosse fiel à Amazona, sua força, destreza e agilidade aumentariam significativamente. No entnato, se traísse-a, ela sofreria gravíssimas consequências.

Quando a garota chegou ao peitoril da janela em que seus companheiros estavam, surpreendeu-se ao ver que era maior do que imaginava: ambos estavam em pé, e ainda havia lugar para pelo menos mais três pessoas, sem que ninguém se apertasse. Ela olhou para dentro, e o que viu a fez surpreender-se.

Era um imenso salão, com piso de carpete claro. Havia um deque no fundo, onde uma banda com meia-dúzia de integrantes tocava música clássica. Candelabros pendiam do teto, com algumas poucas velas acesas, deixando o local na penumbra. Na parede ao fundo, Evelyn notou que alguns vampiros estavam trepados nas janelas, assim como eles. Então, ninguém notaria três pessoas paradas em uma janela, o que era bom. Mas será que conseguiriam sentir o cheiro do sangue deles? Muito provavelmente.

Nos cantos do salão, havia mesas que pareciam macas de hospital – só que com correntes – e cadeiras ao redor. Em algumas das macas, havia seres humanos, e vampiros sugavam-lhe o sangue, não desperdiçando uma única gota. Era uma cena macabra de se ver. No centro do salão, vários deles valsavam em torno de uma jaula, onde uma garota estava desmaiada. Ela usava roupas prateadas, e, ainda por cima, estava acorrentada. Era a Sagitária capturada.

Evelyn olhou para os vampiros, que eram muito numerosos. Extremamente pálidos e com olheiras roxas e profundas sob os olhos, como se tivessem apanhado, vestiam-se como um baile no século XVIII: os homens usavam trajes a rigor sujos de sangue, com paletós bem maiores do que os atuais, indo até os joelhos; as mulheres usavam vestidos com armação de ferro e mangas compridas. Quando as mangas eram curtas, ou inexistentes, possuíam luvas que íam até acima do cotovelo. Seus cabelos eram muito bem feitos, presos em coques elegantes, e as joias bem escolhidas. Não havia uma única gota de sangue manchando seus vestidos. As vampiras cuidavam-se bem mais do que os vampiros.

Havia um vampiro que se distinguia dos demais. Usava trajes marrons bem mais chiques, e uma coroa de ouro nada discreta (porém, não eram enormes, como eram as coroas das antigas realezas europeias), cravejada de rubis e diamantes. Ele tinha as sobrancelhas arqueadas, emoldurando um olhar aristocrático e arrogante, que muitas vezes era dirigido à prisioneira no centro da sala. Seu nariz aquilino e sua boca fina completavam seu visual.

– Aquele é Ivan, o Sanguinário – falou Drew – é considerado o Rei dos Vampiros. Foi ele quem organizou esta cerimônia de coroação para sua nova esposa, Anastasia, a Donzela – quando viu os olhares inquisidores de Emily e Evelyn, querendo saber como ele tinha tanta informação, ele disse: - Passei as últimas semanas lendo sobre os vampiros. É preciso saber um pouco sobre eles antes de criar um plano de fuga, não acham?

Evelyn sorriu e balançou a cabeça. Olhou novamente para o baile, e, então, sentou-se na janela, descansando para a missão que estava prestes a começar.

– Quando invadiremos? - perguntou Emily.

– Em algumas horas. Sente-se, e aguarde – falou Drew – É bom estarmos descansados.


Algum tempo depois, Evelyn já tinha dez vezes sua quantidade inicial de conhecimentos sobre os vampiros. Antes, tudo o que ela sabia era sobre as antigas lendas do Conde Drácula, e sobre as histórias mais recentes, onde o clima de medo que os vampiros passavem transformava-se em sedução, o que ela considerava a pior coisa que já tinham feito com os seres sobrenaturais. Afinal, onde já se viu que matar outros seres humanos cruelmente para sobreviver ser romântico?

Os vampiros da Irrealidade, ao contrário das lendas dos humanos, não morriam se vissem uma cruz, se tivessem uma estaca de madeira enfiada no peito, fossem molhados com água benta, sentissem o cheiro de alho ou até se fossem tocados pela luz solar (embora esse último pudesse prejudicar seriamente sua visão, e até cegá-los). O único modo de matar um vampiro era se prata trespassasse alguma parte importante de seus corpos, como o coração, a garganta e a cabeça. Se passasse a mão, por exemplo, ele teria uma necrose violenta, e se não amputasse o órgão logo, morreria em poucas horas. Em condições normais, viviam cerca de quinhentos anos – não eram imortais, como sugeria as lendas dos normais.

Por isso, eles vieram carregados de flechas de prata, prontos para perfurarem quem fosse. Além disso, se eles separassem o arco, surgiam duas adagas, que também poderiam matar, se fosse necessário.

Drew também contou-lhes sobre as tradições da realeza vampiresca e a atualidade da mesma. Pelo que parecia, o vampiro Ivan era um conde que, aos cem anos de idade – jovem demais, para os padrões dos vampiros -, resolveu desafiar o antigo rei: Nikolatos, o Conquistador. Nikolatos ganhara o título ao dobrar o tamanho do Reino dos Vampiros, expulsando lobisomens, ogros e diminuindo o tamanho do Reino do Ferro. Sob o pretexto de aliarem-se aos celestiais, os vampiros pressionaram os demônios a oficializarem as mudanças, mas os infernais fizeram com uma condição: que os vampiros não exigissem mais nada por um milênio. Nikolatos aceitou, e governou mais três séculos depois disso.

O conde Ivan duelou com o rei Nikolatos. De acordo com as regras dos vampiros, qualquer cidadão poderia duelar com um conde. Se matasse o conde, tornaria-se o novo conde. Os condes, por sua vez, poderiam duelar com os reis. Quando Ivan matou Nikolatos, ele tornou-se o novo Rei dos Vampiros.

Outra regra dizia que os nobres – reis e condes – deveriam ter uma condessa, ou no caso do rei, uma rainha. Se não se casassem em cinco anos, eles seriam mortos, e os condes elegeriam, entre o povo (para se tornar novo conde), ou entre eles mesmos (para ser rei), alguém para substituir o nobre deposto.

Ivan era casado com a condessa Audrey, a Diplomata. Quando ela morreu, dois anos atrás, de causas naturais, ele foi forçado novamente a encontrar alguém para o matrimônio. Há um ano, escolheu Anastasia, filha de um conde influente e poderoso.

Naquele dia, era celebrada a união entre ambos, e, consequentemente, a coroação da nova Rainha Anastasia. O casamento acontecera horas antes. Agora aconteceria a coroação. Para essa cerimônia, porém, havia uma tradição: Anastasia deveria caçar algum terreno importante e beber seu sangue na frente de toda a nobreza. A vítima escolhida foi a general das Sagitárias, a feiticeira Trisha.

Fora há quase cinco ciclos que Anastasia conseguira trazer Trisha para o Reino dos Vampiros. Quando Evelyn perguntou a Allyah porque eles deveriam esperar até a cerimônia para resgatá-la, a resposta foi simples:

– Se nós roubarmos a vítima deles, todos os vampiros virão atrás de nós. Mas se vós esperardes até a coroação, e roubardes a vítima, não será uma ofensa aos vampiros, e sim uma indicação do fracasso que o rei e a rainha teriam em seu governo. Os responsáveis, então, seriam eles.

Evelyn voltou a prestar atenção no que acontecia entre o trio, deixando de lado suas lembranças. Drew ainda falava sobre os vampiros.

– Ivan ganhou o apelido de “Sanguinário” quando começou a promover bailes tão grandes e exuberantes quanto esse, onde matavam-se vários humanos e o sangue era servido em taças. Os celestiais interviram, dizendo que os infernais deveriam forçá-los a parar com essas mortes em massa de seres humanos, ameaçando o início da guerra. Tanto o Céu quanto o Inferno, nesse ponto, são pacifistas: se ameaçam desde que o mundo passou a ser mundo, mas precisa acontecer um evento gigantesco para que as guerras comecem. Dessa vez não foi diferente: os demônios pressionaram Ivan a parar com esses massacres, e ele, por “respeito aos demônios”, parou.

Emily já estava quase dormindo. Ela não gostava das explicações de Drew, pois achava-as cansativas e enrolativas. Evelyn preferia as de Lilith... Mas ela brigara com Lilith. Ela mentira. Enganara-os. Ordenara que Lisa matasse o pai de Alex, fingira que gostara dela simplesmente para que ela obtivesse a arma. E depois, quando ela revelara o segredo e Evelyn fugira com o mapa que conquistaram depois de quase dois meses terrenos de busca, ela dissera-lhe que não se importava mais com o “poder dos deuses”, apenas com a segurança de Evelyn. Isso era o que deixava a garota mais revoltada ainda com a succubus.

– … mas os vampiros adultos sugam até cinco litros de sangue por dia, para conservarem sua juventude e manterem-se vivos...

– Drew! - interrompeu Evelyn, feliz por ter encontrado um motivo, finalmente – Está começando! O ritual!

Drew parou de falar, e Emily acordou. Evelyn quis rir ao perceber que ele estava falando sozinho, mas conteve-se.

Todos os três curvaram-se em direção ao salão, e apuraram os ouvidos para entenderem melhor as palavras que eram enunciadas. No entanto, quando o Rei Ivan começou a falar, ao lado da jaula de Trisha, viram que não era necessário: além do rei falar alto, o eco produzido permitiria que eles entendessem suas palavras, mesmo se estivessem há quilômetros do castelo.

– Meus caros amigos! Depois daquela festança que tivemos em meu casamento, reunimo-nos novamente para a coroação de minha agora esposa, a jovem Anastasia.

Ele indicou uma mulher que usava um belíssimo vestido rosa claro, que combinava com sua pele alva. O vestido era adornado de pérolas, diamantes, rubis e fios de ouro, que criavam um belo mosaico no corpo da jovem. Ela possuía seios fartos, cabelos castanhos e um olhar extremamente sensual. Anastasia não tinha olheiras, e parecia apenas uma garota linda, excessivamente branca, em vez de uma vampira sanguinária.

Uma salva de palmas educadas iniciou-se no salão, enquanto os condes e condessas saudavam a nova rainha com sorrisos e mesuras. Anastasia fez um breve agradecimento, com um sorriso atraente em seu rosto.

Evelyn notou que, em algum momento, Trisha acordara, e agora tinha um olhar cruel no rosto. Seus pulsos e tornozelos estavam em carne viva, o que mostrava que ela lutara bastante contra as correntes. Em alguns lugares, escorriam filetes de sangue.

– Agora que todos estão fartos de tanto deliciar-se com sangue humano de excelente qualidade, acho que podemos dar início à cerimônia. Primeiramente, que entre a coroa.

Os músicos começaram a tocar uma melodia suave, elegante. Uma criança vampira, que, se fosse humana, poderia ter uns sete anos de idade, levantou-se de uma mesa, carregando uma almofada de veludo vermelho. Sobre ela, havia um diadema de ouro, que fazia par ao do Rei Ivan, cravejado de diamantes e rubis. O garoto-vampiro foi até o rei, e deixou que ele pegasse o diadema, se virasse para sua esposa e colocasse gentilmente na testa dela.

Assim que o fez, uma segunda salva de palmas explodiu entre os convidados, cessando-se instantes depois.

– Ao meu sinal – sussurrou Drew, que segurava seu arco e mirava uma flecha na direção de Ivan.

As Sagitárias prepararam-se. Emily pegou uma segunda flecha-cabo, apontando-a para a parede. Evelyn apontou uma flecha explosiva para a mutidão, conforme o plano que já haviam repassado centenas de vezes. A flecha explosiva não mataria ninguém, mas causaria a confusão necessária para que Emily disparasse seu cabo e desacorrentasse Trisha, enquanto Drew e Evelyn dariam-lhe cobertura.

– E, para completar a cerimônia de coroação – continuou o Rei Ivan – Damos início ao Sacrifício. Como todos sabem, há cinco ciclos, um terreno foi capturado para esse propósito tão nobre. O escolhido foi a general dos Sagitários, Trisha Simpson!

– Agora, Drew? - perguntou Evelyn. As pontas de seus dedos estavam se cortando por causa da tensão que o cabo de seu arco fazia, mas ela tinha de estar preparada a todo instante. Um segundo de hesitação era suficiente para acabar com todo um plano. Até porque o lema dos Sagitários era: “só abaixar o arco se cair antes de atirar”.

– Espere mais – falou ele, sem desgrudar os olhos de Ivan, com seu sotaque britânico deixando a palavra “mais” engraçada.

O Rei Ivan abriu a jaula da Sagitária e libertou-a das correntes. Ajeitou seu vestido e seus cabelos, enquanto Trisha se debatia. Quando estava entregando-a para Anastasia, Drew disse:

– Agora!

Evelyn liberou a tensão que seus dedos faziam, e suspirou, aliviada. A flecha passou zunindo no ar, até que colidiu com uma vampira velha, e provocou um estrondo enorme, assim como muita fumaça. Emily aproveitou aquele pequeno instante para lançar sua flecha-cabo e usar seu arco como tirolesa.

No entanto, a ação começou um segundo atrasada. Vendo o caos que se instaurou, Ivan entregou Trisha a Anastasia, que mordeu o percoço da jovem. Drew soltou sua flecha, cravando-se no pescoço de Anastasia, e instantaneamente a vampira pegou fogo, consumindo-se em chamas. Seus gritos se misturaram aos da mutidão. Trisha caiu, semi-consciente, no chão.

Assim que pousou, Emily segurou-a, e começou a enunciar palavras em uma língua estranha.

Evelyn, ao ver que a confusão causada pela primeira flecha explosiva já estava acabando, lançou uma segunda, que criou mais pânico ainda. Os vampiros começaram a voar, amedrontados, saindo por quase todas as janelas, como um enxame.

Um vampiro, que estava perto das Sagitárias, agarrou a jaqueta de Emily, segurou Trisha, e começou a levá-las para o alto, em direção a Drew e Evelyn. No entanto, Ivan segurou o tornozelo do vampiro e puxou-o de volta, arrancando Emily e Trisha de suas mãos e arremessando-o longe.

– SILÊNCIO! - urrou o Rei Ivan, visivelmente irado. Instantaneamente, a confusão cessou, o barulho parou e os vampiros que voavam voltaram ao solo. No entanto, a grande maioria já tinha voado, assustada, devido à segunda flecha de Evelyn – Peguem aqueles terrenos na janela!

Antes que eles pudessem reagir, um vampiro vestido de verde-musgo agarrou-os e levou-os para perto da jaula. Evelyn queria pedir ajuda a Allyah, mas se eles não tivessem sucesso na missão por conta própria, era preferível que morressem.

Drew e Evelyn foram jogados aos pés de Ivan, que começou a discursar:

– Vocês têm ideia do que fizeram? Mataram minha esposa!

– Ah shallaka bakash...

– CALEM A BOCA DESSA BRUXA INFENAL! - urrou Ivan, jogando Emily em direção aos vampiros. Um deles tapou sua boca com a mão e segurou-a firmemente, impedindo-a de fugir – Agora, quanto aos quatro... - ele respirou fundo, e fechou os olhos, tentando visível e frustradamente acalmar-se – Estragaram a coroação de minha esposa! Mataram Anastasia!

Evelyn notou que o vampiro não estava preocupado com a morte dela, e sim com a vergonha que seria ter sua esposa morta horas após o casamento. Ele não amava-a realmente. Isso irritou-a profundamente.

– Qual de vocês matou Anastasia, a Rainha dos Vampiros? - perguntou Ivan. Ele estava vermelho de raiva, enquanto encarava cada um dos três.

Emily começou a gritar, mas sua boca estava fechada pelo vampiro. Ela lutou com ele, tentando soltar-se, e o Rei Ivan ordenou:

– Deixem-na falar!

– Ah shallaka bakash invenna mikka!

Dessa vez, a bruxa completou a encantamento antes que alguém pudesse calar sua boca. Em segundos, o ambiente estava repleto de flechas de prata, sendo que cada vampiro tinha um círculo delas apontadas para sua cabeça. Isso provocou um gemido mútuo, assim como a respiração ofegante de vários vampiros. Caso se mexessem, seriam mortos instantaneamente. Emily aproveitou para sair das mãos do vampiro que a prendia, e libertou Trisha.

Emily voltou a concentrar-se, apontando para um vampiro. Então, as flechas de prata ao redor dele caíram, o vampiro segurou Trisha e Evelyn e partiu em direção ao céu, voando. A bruxa estava prestes a concentrar-se em outro, quando uma vampira idosa tropeçou e atravessou as flechas de prata. No entanto, ela não foi consumida em fogo.

– É uma ilusão! - berrou Ivan, saindo de sua própria armadilha e indo em direção aos Sagitários que ainda estavam no chão. Evelyn e Trisha já estavam atravessando uma janela quando o encantamento em que a bruxa estava concentrada fez efeito. Um outro vampiro agarrou Drew antes dos outros, levando-o para os céus.

– EMILY! - berrou Drew, enquanto o vampiro que o levava passava pela janela, seguindo as Sagitárias.

Evelyn viu ainda o que acontecera lá dentro: Emily não conseguiria ser resgatada a tempo pelo segundo vampiro que hipnotizara, então forçou-o a levar Drew antes que fosse tarde. Ivan, espumando de raiva, cravou seus dentes no pescoço dela. O grito de Emily foi audível na escuridão da noite.

Então, os vampiros vacilaram. Antes estavam determinados em levá-los sãos e salvos, mas assim que Emily morreu, a hipnose dela também acabou. Eles continuaram voando, mas estavam tentando entender o que havia acontecido. Quando deram-se conta que foram enganados, deram meia volta, em direção ao Palácio dos Vampiros.

Evelyn pegou uma flecha de prata em sua aljava e esfaqueou a cara do vampiro que a carregava. Imediatamente, ele consumiu-se em fogo, e ela e Trisha foram lançadas na escuridão da noite, em direção ao solo.

– Drew! - berrou a conjuradora, enquanto pegava seu arco e mirava no pescoço do vampiro que carregava-o. Drew entendeu logo o que ela queria, puxou a varinha do bolso de suas calças e apontou para elas, gritando:

– Cadite reducitor!

A flecha de Evelyn cravou-se na cabeça do vampiro, que também entrou em processo de combustão. A queda de Evelyn e Trisha foi reduzida, e, logo em seguida, Drew usou o feitiço em si próprio. Quando eles chegaram ao chão, ela percebeu que os vampiros saíam do castelo, começando a procurá-los.

Evelyn teve de ser rápida. Pensou no que queria, e, em poucos segundos, dois lobos siberianos apareceram. Ela subiu com Trisha, que estava desmaiada, em um, e Drew foi em outro. Tão logo montaram e eles já começaram a corrida de quinze minutos para o sul, onde pegariam um trem em direção à Floresta Negra, voltando pelo mesmo caminho em que vieram.

– Eles não conseguem nos rastrear? Sentir o cheiro do nosso sangue? - perguntou Evelyn, desesperada para que os vampiros não fossem tão poderosos quanto eram mostrados nos filmes.

Drew concentrou-se um pouco, e então respondeu, atônito:

– Eles enxergam bem, mas a audição deles não é tão boa. Está frio, o que prejudica o olfato deles. Se fosse um dia quente, com certeza eles sentiriam o cheiro do nosso sangue. Nem quando estávamos na janela, poucos metros acima de todos aqueles vampiros, eles perceberam nossa presença. Duvido que agora, nessa floresta, o farão. Há muitos outros aromas que eles captarão antes do nosso.

Evelyn concordou, aliviada pelo frio cortante. Ela olhou para Trisha, com os dois buraquinhos no pescoço da jovem, que já cicatrizavam. Boa parte da pele dela estava descoberta, e ela perguntou-se se ela não estaria congelando. Abraçou-a, e tentou envolvê-la em sua jaqueta.


A primeira hora foi a mais angustiante. Depois de chegarem à estação, esperaram mais vinte minutos pelo próximo trem – por sorte não foram horas, muito menos dias -, levou mais meia hora até que todos estivessem acomodados. Eles tinham sua própria cabine, e Evelyn deitou Trisha em seu colo, enquanto ficava de frente para Drew.

Assim que o trem começou a mover-se, ela fez um agradecimento silencioso à Amazona Allyah, pela proteção que ela deu a eles.

– Ela foi mordida – falou Evelyn, passando o dedo sobre os lugares onde os caninos de Anastasia haviam perfurado, momentos antes de sua morte. Agora, no entanto, estava tão cicatrizado quanto um ferimento feito anos antes.

– Provavelmente Anastasia salivou no pescoço dela. Saliva de vampiros é curativa.

– É nojento – Evelyn fez uma cara de asco.

– Esse “nojento” foi o que a impediu de morrer. Se não fosse por isso, ela teria uma hemorragia, e teria morrido, assim como Emily.

A voz dele falhou, e ele virou para o lado, tentando ficar longe do campo de visão da garota.

– Sinto muito – falou Evelyn, condolente.

Ele concordou com ela, e ficou olhando para a janela, enquanto tentava reprimir as lágrimas que surgiam em seus olhos. Aparentemente, não falaria mais nada até que chegassem à estação da Floresta Negra. Trisha estava desmaiada em seus braços, transformando-se em vampira à medida que o tempo passava.

Eliot devia estar no Inferno, pensando em sua namorada, que arriscara a vida para salvar uma colega, e agora poderia estar morta. Emma poderia estar pensando naquilo também. Ou, então, estava com Alex, fazendo algo bem mais divertido. Eles ainda não oficializaram o namoro, mas Evelyn sabia, desde que a succubus salvara o bruxo durante a queda do Templo dos Vivos, tempos antes, que algo acontecia entre eles, algo verdadeiro. E Zachary... Ela não tinha ideia de onde ele estava. Desde que decidira procurar por pistas dos problemas que enfrentava, estava desaparecido. Também fora convidado por Allyah para tornar-se Sagitário, mas Evelyn não tinha ideia se ele aceitaria ou não.

Novamente, a garota estava sozinha.



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Notas finais do capítulo

Bom, como sempre, opiniões nos reviews... Eu prometo responder assim que puder. Mas tenho pouco tempo, agora que voltei a estudar... Como sempre, já li todos, e comecei a responder alguns... Se o seu ainda não foi respondido (inclusive em O Despertar das Succubus) isso acontecerá muito em breve. Está no topo da minha lista de coisas a fazer.
Um grande abraço a vocês, e até o dia 07 de fevereiro!
Isso é tudo, pessoal! (Minha infância era ver Looney Tones, ok?!)



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