Jessica Chloe - Vitoriosa escrita por MidnightDreamer


Capítulo 21
Recomeçar desde já




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Mas uma vez eu acordo no hospital. Quando eu era menor, nunca tive medo de clínicas, médicos e coisas assim... Mas depois de tudo isso, sei lá, a confiança que eu tinha antes evaporou. Tudo que eu tinha parece que evaporou, na verdade. A minha saúde, minha força, minha coragem de enfrentar as pessoas... Parece que tudo vai acabando. Eu não sei mais o que fazer para arranjar forças para enfrentar isso. Somente a minha família consegue me dar ânimo.

Minha mãe está ao meu lado. Olhando diretamente para mim, ela sussurra doces palavras, quase inaudíveis, palavras de apoio. Sorrio levemente para ela e fecho os olhos. Apesar de tudo, sei que tenho sorte de ter ela ao meu lado. Ela solta uma pequena risadinha.

— Eu não voltaria a dormir se fosse você. - Ela acaricia minha bochecha. - Você tem uma visita.

Quando ela fala isso, vejo Steven entrar no quarto, comendo um sanduíche natural. Ele devia estar pensando que eu ainda estava dormindo, por que quando me viu acordada veio logo me abraçar.

— Como você está, Jessica? - Ele pergunta para mim. – Vim correndo pra cá quando soube... Foi a comida, né?

— Estou bem, obrigada. Foi a comida sim, mas nada de mais. - Sorrio para ele, tentando mostrar que estou falando a verdade, mas ele me devolve um sorriso tão sem vida, triste... Eu não entendo. Ele me parece um pouco frio. Ele não é assim, pelo menos o Steven que eu conheço não. Será que fiz algo de errado?

Ele beija minha testa e se afasta, para terminar seu lanche. Ele fica esse tempo todo em silêncio, me deixando intrigada. Ele estava preocupado, eu vi isso em seu olhar, mas é como se alguma coisa tivesse feito com que ele não quisesse mais me olhar nos olhos. Mamãe percebe que estou estranhando o comportamento diferente dele.

— Steven... Será que você poderia nos deixar a sós?

Ele assente, mas sem falar nada. Ele se aproxima novamente de mim e sorri tristemente, acariciando minha bochecha. Suspira, olha para minha mãe e sai.

— Por quê ele está agindo assim? – Pergunto o mais rápido que posso. – O que aconteceu?

Mamãe fica sem jeito, um pouco estranha. Olho para ela, ainda mais confusa. Ela fica séria e me responde.

— Ele chegou aqui há umas duas horas. Ficou te olhando dormir esse tempo todo, algo que eu achei muito lindinho. O problema é que você estava sonhando.

— Como assim? - Fico ainda mais confusa.

— Jessica, você sabe que fala dormindo, não sabe? - Faço que sim com a cabeça. Sim, eu sou esse tipo de sonâmbula, desde pequena. - Você ficou o tempo todo balbuciando algo como "Eu quero Hector aqui", "Eu quero você de volta, Hector", "Por quê você me deixou?" e também um " Eu te amo, Hector", que fez com que ele ficasse ainda mais abalado. - Ela olha para a porta, talvez para ver se ele estava voltando, mas nenhum sinal dele. - Ele estava chorando até agora a pouco. Ele gosta de você, Jessica, e mesmo sem querer você o machucou.

Sinto meu rosto ficar completamente vermelho. Como eu pude ter feito algo assim?

— Mas eu não quis dizer isso, mãe! - Choramingo. - Meu Deus... Ele deve estar com raiva de mim.

— Na verdade, ele não está. Eu conversou comigo, e ele me pareceu... Conformado.

— Conformado? - Pergunto para ela. - Como assim, conformado?

— É. Eu acho que ele sempre soube que você amava mesmo Hector, mas estar disposto a tentar algo contigo.

Eu não sei nem o que pensar disso tudo. Eu definitivamente não queria fazer com que ele passasse por isso, gostar de alguém que não consegue esquecer outro, mas eu não posso obrigar Steven a deixar de gostar de mim. Não posso e nem quero. Sei que sou a pessoa mais egoísta ao querer tê-lo para mim. Como posso querer isso se não consigo esquecer Hector?

Steven olha pra dentro da sala, dando três batidas na porta aberta.

— Interrompo a conversa de vocês? - Ele pergunta para nós.

— Não, não. - Respondemos em uníssono.

— Bem, eu só vim avisar que vou embora. Minha mãe acabou de me ligar, dizendo-me para voltar para casa.

Chamo-o baixinho. Ele vem, meio constrangido, e sorri para mim. Deus, ele deve estar tão triste... Por que eu não consigo controlar meus pensamentos?

— A gente precisa conversar. - Falo.

— Amanhã, Sica. Você tem que se preocupar em ficar boa agora. - Ele beija minha bochecha. - Eu tenho mesmo que ir.

Nos despedimos e olho mais uma vez para a minha mãe. Ela suspira, mas me deixa dormir.

— Você precisa descansar, Sica. - Ela beija minha testa. - Eu vou falar com o médico.

— Tudo bem, mãe. - Falo para ela, me virando para o lado e adormecendo com dificuldade.

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Sinto um leve arrepio em meu braço. As mãos de alguém se arrastarem pelo meu ombro até a minha mão. Sorrio, sentindo aquela carícia em minha pele... Lentamente abro os olhos. Quando finalmente consigo enxergar alguma coisa, vejo alguém que jamais esperaria que estivesse aqui.

— Boa noite, Sica. - Ele fala lentamente, deixando uma lágrima descer dos seus olhos azuis.

— Hector? - Olho melhor para ele. Não, isso só pode ser uma alucinação... - Eu morri, por acaso?

— Não! Nem brinque com isso... - Ele enxuga mais uma lágrima. - Jamais suportaria uma coisa dessas.

— O que faz aqui, então? - Falo desesperadamente para ele. - Vá embora! Eu não quero ver você!

Ele desvia o olhar para o chão, tentando esconder a expressão de seu rosto. Ele segura minha mão. Tento me desvencilhar dos dedos dele, mas Hector os entrelaça nos meus. Ele volta a olhar para mim.

— Sua mãe me ligou ontem. Ela pensou que era melhor me avisar, antes que eu tentasse falar contigo e você não respondesse. - Ele fala, ignorando o que eu havia acabado de falar. - Quando eu soube o que aconteceu, peguei o primeiro avião para Seattle.

Naquele momento, não sei se fico feliz ou triste pelo ato dele. A Sica chorona acha lindo o fato dele ter voltado só para vê-la, para ver se ela está bem depois desse susto, mas a nova Sica está extremamente triste. Ele disse que queria me esquecer. Ele disse, e agora ele está aqui, bem na minha frente. Como ele quer me esquecer se ele não permite isso a si mesmo? Como eu posso esquecer ele quando ele faz uma coisa dessa?

— Que... que gentileza. - Eu sei, é estúpido o que eu falei. Mas foi a única coisa que consegui raciocinar.

— Não é "gentileza", é preocupação. - Ele acaricia minha bochecha. - Eu me preocupo com você, Jessica.

Fico em silêncio. Eu ainda não acredito que ele veio me ver. Ora, ele acabou de chegar em Los Angeles e já volta pra cá... Se eu não soubesse que a família dele tem muito dinheiro, jamais acreditaria que ele gastou tanto somente para me ver. Ele ainda está chorando.

— Por que é que você está chorando? - Pergunto para ele. - Eu estou bem, não estou? Não era isso que você queria checar?

— Eu... me desculpe. - Ele esfrega a manga em seu rosto, enxugando algumas lágrimas e funga o nariz. - Eu estava com tanto medo... Medo de que fosse algo mais grave. Medo que você tivesse ido embora.

Ido embora. Morrido. Não sei por que ele está tentando aliviar as coisas entre nós.

— Eu estou bem. - Falo, tentando me controlar um pouco. Penso em algo para descontrair. - E como é lá na Califórnia?

— Quente, mesmo sendo quase inverno. - Ele sorri para mim. - Bem, pelo menos o único dia em que fiquei lá foi assim.

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos. Não quero falar nada para ele, e a coisa em que ele está mais investido agora é olhar para mim. 

— E quando você vai voltar pra lá? - Pergunto, mas torcendo por dentro que ele fale nunca. Acho que realmente sou bipolar.

— Hoje de madrugada. Minhas aulas já começaram e eu não posso perder matéria.

— Oh. - É a única coisa que eu consigo falar. Ele fica olhando para mim, depois sorri, olhando para o chão. – Melhor não arriscar, não é?

Ele concorda com a cabeça. Um lampejo de risada passou por seus lábios, e eu quis muito perguntar o que era tão engraçado para ele. Para minha sorte, ele explica:

— Sua mãe me falou dos seus sonhos. - Ele confessa. - Então você estava pensando em mim?

Não falo nada. Ele continua segurando minha mão, ainda esperando uma resposta, mas continuo sem responder. Ele insiste que eu fale algo, então ele aperta minha mão mais forte, e eu juro que se ele fizesse mais forte ele conseguiria quebrá-la.

— Ai! - Exclamo e ele não consegue parar de rir. - É verdade, tá bom? Eu não consegui parar de pensar em você. - Falo, e ele fica com um ar de superioridade. - E você?

O rosto de Hector está corado.

— Eu não parei de pensar em você nem por nenhum segundo sequer. - Ele fala, voltando a olhar para o chão. - E não acho que seja verdade, você não parar de pensar em mim. Soube que você está com Steven.

Ele engole em seco, como se fosse muito difícil dizer aquilo.

— Promete pra mim que vai dar uma chance pra ele? – Ele diz, misturando pergunta com súplica. – Eu juro que será melhor pra todos nós se começarmos a reiniciar nossa vida.

— Diz a pessoa que pegou um avião só pra me ver. – Ironizo. – Não vai ser fácil com você fazendo isso. Sem falar que... Não sei se ainda estou com ele. Ele me viu balbuciar seu nome. - Falo, corando.

Ele começa a rir mais uma vez.

— Sinto muito. Mas você vai achar um cara melhor que nós, tenho certeza. - Ele fala, me parecendo muito sincero. - Eu também vou encontrar alguém.

Ele fecha os olhos e sorri. Do jeito que ele fala, parece até que ele já arranjou outra. Ele mal chegou na cidade nova e já conseguiu outra... Meu coração começa a doer, mas logo meu cérebro reprime isso. E eu por acaso não arranjei outro também, bem rápido? Eu não tenho direito de julgar nada. Mas é claro que eu não obedeço minha mente.

— Você conheceu alguém?

Ele abre os olhos, parecendo espantado com minha pergunta.

— Não conheci muitas pessoas ainda, mas sim, conheci gente que, se eu deixar, me fará te esquecer. - Ele me fala, envergonhado. – Eu espero que pelo menos uma consiga.

Uma? Uma? Então ele já tinha uma fila esperando por ele?

— Oh, que bom para você. - Falo, olhando para o lado. É, ele já havia encontrado alguém. Claro que eu estou sentindo ciúmes, mas não posso demonstrar isso. Ele volta a segurar minha mão.

— Eu não vou me esquecer de você tão cedo, Jessica. Meu coração ainda está contigo, pelo menos um pouquinho dele. – Ele suspira. – Sem dúvida você é a mulher que mais impactou minha vida. Eu não me arrependo do que nós tivemos, e não quero que você se arrependa. Nós dois vamos ficar bem.

Eu não consigo dizer nenhuma só palavra. Ele fica olhando para mim, mas desta vez ele não está me pedindo resposta. Talvez ele queira memorizar as minhas feições. Não se dá para confiar na memória. Faço a mesma coisa; mas fico triste ao ver que a última lembrança dele será de tristeza. Fito seus olhos azuis-céu agora arroxeados pelos pequenos vasos dos olhos, sua boca levemente rosada, suas maçãs do rosto, sua mandíbula esculpida por anjos e seu cabelo castanho claro bagunçado. Ele dá um leve sorriso e beija minha testa.

— Adeus. Dessa vez de verdade. - Ele ri e depois sai do quarto.

Mamãe entra no quarto junto com papai e Lilian. Provavelmente Lil tentou escutar nossa conversa através da porta, mas pela cara de curiosidade dela, sei que minha irmãzinha não conseguiu entender muita coisa. Os três me abraçam e perguntam se eu estou bem.

— Estou, obrigada. - Respondo, mas não consigo conter o choro. Eles me apoiam e beijam todo o meu rosto. Eu fico tão feliz que pelo menos por três segundos consigo esquecer da doença Hector. Eles me falam que vou sair agora mesmo, já que eu estava estável o suficiente para voltar para casa. Lilian sussurra no meu ouvido, perguntando sobre Hector, mas não falo nada. Mamãe então convence-a a não falar mais nada.

Eles me ajudam a levantar e me levam para a recepção. Eles assinam uma papelada e depois m levam para casa. Bem, é hora de recomeçar a minha vida. Preciso resolver essa história com Steven e, se não der certo, continuar. Arranjar um emprego, ir para a faculdade e principalmente me livrar dessa doença. Tudo isso pode ser difícil, mas preciso tentar. Eu preciso.

Quando entro em casa, Lola me recebe tão alegre que começo a brincar com ela. Tem gente que não acredita que cães não entendem as pessoas, mas eu discordo. Eles sabem exatamente do que a gente precisa.

— Lolita! - Falo, pegando-a no meu colo. - Definitivamente você é o animal mais feliz da face da Terra. Será que você pode me emprestar um pouco de sua disposição?

Todos riem, e vamos para a mesa. Em alguns minutos mamãe prepara nossa comida. Enquanto comíamos, percebia que Lil ficava olhando para mim. Não sei se ela sabia que Steven estava lá hoje de manhã, mas não duvido que mamãe tenha falado para ela. Desde que ela me falou que gostava de Steven, fiquei pensando em como ela devia estar se sentindo por dentro. Sua auto-estima não era tão elevada, e descobrir que o cara que ela gosta está afim da irmã não é uma coisa muito legal. Tenho medo de que ela tenha feito aquela bobagem novamente. Então, depois de terminarmos a janta, chamo-a para uma conversa.

Ela se senta ao meu lado no sofá. Espero mamãe e papai subirem para o quarto, e depois eu começo.

— Como você está, Lilica?

Ela deixa um sorriso escapar. Faz tanto tempo que não a chamo assim...

— Bem. Eu estou superando, Jessica. Eu até já... - Ela faz uma pausa longa. - Eu até já esqueci dele.

— Sei. - Falo para ela, tentando deixar claro minha ironia. - Eu me sinto tão culpada por estar com ele... Bem, eu nem sei mais se estou com ele.

Ela se endireita no sofá. Seus olhos brilham como se eu tivesse dado um empurrão de ânimo nela.

— Por quê, irmã? - Ela pergunta e parece tão entusiasmada que quase rio.

— Eu fiquei falando dormindo. – Confesso. – Eu estava chamando Hector.

Ela começa a rir, e eu fico tão sem jeito que não falo nada. Quando ela percebe que eu estava constrangida, para e me faz outra pergunta.

— E o Hector? O que ele falou para você? Sei que você não quer falar sobre ele, mas...– Ela encolhe os ombros. – Eu soube que ele viajou da Califórnia pra cá só para te ver...

— Pois é... Por que ele faz isso comigo? - Pergunto – Como ele quer que eu o esqueça? Como ele quer me esquecer?

— Sei lá, maninha. - Ela sorri. - Anda, vamos dormir. Mesmo tendo voltado pra casa, o doutor falou que você precisa descansar. Seu corpo está fraco por causa da quimioterapia.

— Eu sei. – Suspiro. Eu realmente espero estar viva até o fim do tratamento. – Tudo bem, vamos dormir.

Subimos para nossos respectivos quartos. Tomo um banho quente e visto meu pijama, deitando-me na cama e olhando para o teto. Como eu queria entender... Bem, amanhã vou para a escola, e vou retomar parte da minha vida.

Daqui a alguns dias eu vou para minha terceira sessão. Estou ansiosa para que esse tratamento acabe. Bem, amanhã mesmo vou procurar um emprego, isso eu prometi a mim mesma. Faculdade... Talvez fotografia. Aquela imagem da Gwen me mexeu... Quero fazer fotos tão bonitas quanto aquelas. Aonde vou fazer... bem, talvez Nova Iorque, já que sempre quis conhecer essa cidade. Mas agora não é hora de pensar no futuro. Agora é hora de resolver o presente. Com esse pensamento, deito-me na cama e durmo.


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