As Histórias De Thalia escrita por GiGihh


Capítulo 82
Viagem nas sombras




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/320849/chapter/82

THALIA

Eu perdi o senso de direção, mas não cheguei a me importar. Afastava a vegetação com as mãos a cada passo que dava. Percorri diversos quilômetros em poucas horas sem nem reparar, com a cabeça nas nuvens. Eu não via nada específico, não senti nada com clareza. Era apenas uma vontade inexplicável de continuar andando.

Sentei na terra apoiando as costas em uma árvore. Peguei o camafeu e observei cada imagem, cada rosto. O interessante era que apenas o rosto de Luke estava “parado no tempo”. Annabeth crescera, Grover amadurecera e até Zeus havia mudado na foto... Mas ele não. As palavras de Afrodite rodavam ao meu redor, a velhinha sagaz e suas três frases... Como era possível com tão pouca coisa se sentir tão pesada?

O farfalhar de folhas e um cheiro podre e fúnebre me invadiu. Levantei esperando com paciência e atenção. Ao mesmo tempo em que o estranho pulou do arbusto em minha direção eu pulei na dele. Rolamos pelo chão até eu imobilizá-lo.

–Nico? O que diabos você está fazendo aqui? – sai de cima do garoto e lhe estendi a mão. O irmão de Bianca levantou sozinho ignorando minha mão, e tirou o pó da jaqueta.

–Thalia? Por que você está prateada...? Ah! – ele baixou a cabeça envergonhado – Você também é uma delas. Quer morrer como minha irmã? – ele perguntou com amargura.

–Olha, Nico. Você precisa entender...

–Eu não tenho que entender nada! – seu grito me fez pular para trás – Vocês a deixaram morrer! Deixaram-na... Ela... – ele virou o rosto.

–Bianca fez uma escolha...

–Vocês permitiram! Pensei que fossem nos proteger!

–Talvez, se você calasse a boca. – resmunguei, mas ele pareceu não ouvir.

–Eu perdi tudo... Eu não tenho nada e ela... EU PERDI TUDO!

–A morte não é maior perda da vida, Nico – firmeza e doçura se mesclavam na autoridade da minha voz; eu me surpreendia com a facilidade de misturar sensações quando falava – A maior perda é o que morre dentro de nós enquanto vivemos. – ele não se incomodou em me mostrar lágrimas – Sabe quem disse isso?

–Pablo Picasso – ele fungou e cruzou os braços magros – Eu não sou burro!

–Não, não foi Picasso. Bianca disse isso para mim antes de voltar para o Mundo Inferior...

–Mas ela – ele voltou a soar agressivo. Perdi minha paciência.

–Bianca sabia disso. E é sua obrigação como filho de Hades saber! Vai mesmo ficar chorando pelos cantos por uma escolha que nem foi sua? Você é bem mais que isso!

Ele me olhou com medo.

–Como sabe...? Meu pai...?

–Não sou cega. Além do mais, alguém me disse. Não vou contar a ninguém porque isso o manterá seguro. – ele chorava silenciosamente – Vem – estendi a mão – Vamos caminhar por ai sem nada específico para fazer.

Nico não se mexeu; o menino era tão anti-social quanto o pai.

–Vamos, garoto. Não pode viver a vida sozinho. – ele segurou minha mão e limpou o rosto devagar.

[...]

Encontramos as caçadoras duas horas depois; aparentemente nós já havíamos deixado o Canadá. Isso apenas porque Nico insistiu em me mostrar como era uma viagem pelas sombras. Sai com o estômago embrulhado, mas fora isso bem.

Como as meninas procuravam distância do garoto, eu me sentei ao seu lado. Nós dois roíamos um osso da última caça das meninas. Em poucos segundos eu já havia me informado sobre a situação na caçada. Nico quase não piscava olhando uma menina diferente das outras: ela usava um vestido florido, tinha nos cabelos claros flores entrelaçadas a algumas trancinhas, os olhos verde oliva e lábios rosadinhos. Devi ter a idade dele.

Cutuquei o menino com o ombro; no meu rosto um sorriso sugestivo. Ele corou. Ai! Que bonitinho!

–Quem é ela?

–Gabriela. Uma filha de Deméter – ele fez uma careta – Ela não quis se juntar a Caçada. Provavelmente ela precisa de um guia para o Acampamento... – ele voltou a ficar vermelho – Hey! Gabriela – ela olhou para mim e notou o arquinho da Tenente – Venha cá.

Ela se aproximou timidamente.

–Você deve ser Thalia, certo? – assenti – Já disse as meninas que não tenho interesse, embora eu agradeça o convite... – ele falava um tanto rápido demais como se tivesse medo da minha reação.

–Claro, flor. – ela corou – Não vou insistir. Se não quer entrar, não tem qualquer problema.

–Não?

Eu sorri.

–A primeira vez que encontrei as Caçadoras eu também recusei o convite. Na época não era vantajoso para mim – ela se interessou – Sabe onde fica o Acampamento Meio-Sangue?

–Não...

–Bom, talvez você queira que meu amiguinho te acompanhe... – abracei os ombros de Nico; nenhum dos dois piscava, até Gabi corar e sorrir de lado. – Perfeito! Vou deixar vocês conversarem para combinarem a melhor hora de irem e se precisaram de algo. Vejo vocês logo.

Fui para minha tenda. Moonbean não estava lá. Tirei o arquinho e começava a procurar meu pijama quando notei a deusa no canto do quarto; lhe sorri. Ártemis parecia perigosa; ela não correspondeu ao sorriso.

–Algo errado, Ártemis?

–Alguém anda dizendo por ai que você e o filho de Hermes...

–Agora o nome “Luke” virou tabu? Eu não vou passar mal se você disser em voz alta – reclamei irritada. A falta de cuidado era muito mais bem vinda a mim do que o cuidado excessivo.

–Que você e Luke Castellan estiveram juntos...

–Então você está brigando comigo por causa de algo que você não viu?

–Aquele homem pode desencaminhar-te...

–O único garoto capaz de me desencaminhar não está vivo! Quer, por favor, confiar mais em mim?

–Thalia, ele está...

–O garoto que eu amei e o único que poderia me tirar da Caçada e perturbar seu sono está morto. O que te preocupa é um corpo sem alma, sem qualquer traço de calor!

Ela continuava com os lábios apertados.

–Queria que confiasse mais em mim como eu confiava em você.

–Confiava? – a deusa se exaltou – Não confia mais?

–Depois de agora você espera mesmo que eu me sinta a vontade? Por favor, pode me deixar sozinha?

Fiquei ali pensando em tudo e em nada durante a madrugada inteira. O verão se aproximava. E com ele as missões e maiores riscos para todos. O verão era o momento em que o titã esperava para agir de alguma forma.

Peguei meu celular. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação perdida, não havia nem sinal. Levantei contrariada, mas decidida. Afastei-me por um quilômetro no máximo e encontrei uma árvore alta de longos e grossos galhos. Sem ter noção do que fazia, eu mordi meu lábio enquanto subia cada vez mais alto. Parei, me sentei e respirei fundo. O ar ali parecia mais leve. Peguei novamente o celular e tentei ligar para um certo anjinho:

–Alô – a voz era tão rouca de sono que me fez sorrir; eu não havia notado o quanto era tarde.

–Fê? Desculpa te acordar...

–Thalia? Ai meu deus! Garota, você não sabe o quanto eu sinto sua falta!

Eu sorria perante seu entusiasmo.

–Eu também. – minha voz embargou.

–Lia? Você está bem? – sua preocupação parecia gritar através do aparelho – Aconteceu alguma coisa?

–Calma, Fê. Aconteceu coisas de mais. Tem tanta coisa que eu quero te contar, tantas coisas com as quais eu tenho que me redimir... – levei a mão a testa e afastei meus cabelos. Minhas voz continuava tristonha, emocionada talvez seja o termo certo.

–Tem como eu te encontrar...?

–Eu não sei. Felipe, eu sinto tanto a sua falta! Eu... Eu não pude ligar antes e...

–Hey! Não precisa, sabe... Você não precisa explicar nada.

–Mas eu quero! Te devo isso. Acho que eu talvez não tenha pensado antes de escolher e... –funguei – vou dar um jeito de te ver logo, tá?

–Tá. – eu sentia seu sorriso e suas lágrimas do outro lado da linha. E eu desliguei.

Eu precisava desabafar com alguém. Precisava desesperadamente do meu melhor amigo. Tinha que contar sobre Zeus, Hugo, minha mãe, Luke... Contar sobre mim; eu tinha que me abrir. Como eu podia dizer a Nico que ele não podia viver a vida sozinho se eu, tão inconscientemente, fazia o mesmo?

Comecei a descer galho a galho devagar e respirando pesadamente. Ártemis me esperava ali embaixo com um pequeno sorriso no canto do rosto.

–Você ouviu?

–É. Eu ouvi. – em sua pausa, a deusa se aproximou um pouco mais – Ele deve ser um bom amigo... Talvez você devesse ir vê-lo.

–Mas...

–Sua boa disposição, sua felicidade como uma caçadora são o que mais me importam. Devo confiar em você sobre não haver nada romântico...

Eu ri.

–Somo como irmãos... Ártemis, ele consegue ver através da névoa.

Não consegui interpretar sua expressão.

–Então você quer contar tudo o que aconteceu no último ano.

–Eu preciso... Preciso tentar.

Sem palavras, ela pegou-me pela mão e me levou até minha barraca. Mexendo em meu baú, ela tirou um vestido prateado.

–Vamos arrumar você para ver esse Felipe – eu não conseguia ficar com raiva dela por muito tempo; a deusa se esforçava tanto para me deixar confortável, para me compreender que não havia como não amá-la.

As calças prateadas eram incríveis de tão lindas. Não era como esses prateados que você vê famosos desfilando no tapete vermelho com pedrinhas brilhantes e diamantes falsos, aquele tom falso e sem tanta graça.. Esse era incrível! Tão simples, mas tão... Vesti uma regata branca e a deusa ajeitou meu camafeu com cuidado. Peguei uma jaqueta de couro, mas não a vesti por não sentir frio e Ártemis riu quando encontrou saltos.

–Eu sabia que Afrodite ia tentar convencê-la a trazer um desses!

–O detalhe é que eu nem sabia que tinha um desses aqui!

Nós rimos. Eu não queria os saltos, preferia coturnos, mas minha meia irmã insistiu dizendo que eu não teria muitas chances de usá-los. Artie soltou meus cabelos e ajeitou meus novos cachinhos... O som de passos grosseiros na floresta me chamou a atenção e preocupou a deusa. O som de vozes hostis chegando mais perto. Saímos da tenda olhando em volta. As meninas já estavam dispostas com os arcos em punho, a mão prateada de Baheera reluzindo a luz da lua. Nico apareceu com os olhos inchados e Gabriela tinha medo refletindo nos seus.

–Leve Nico e a semideusa com você. Acho que pode ser o exército de Cronos. – a deusa sussurrava tão rápido que eu tive que fazer força para compreende-la. – Você precisa sumir!

–Mas...

–Se ele não souber onde você está vai ficar desorientado. Você pode não fazer dezesseis anos, mas ainda é poderosa como aliada e perigosa como inimiga. Vá!

Corri até Nico segurando seu pulso com uma mão e com a outra segurando a pequena Gabriela. Tirei-os do centro das meninas e os levei para a minha tenda.

–Nico, você precisa levar nós duas para a Colina Meio-Sangue agora!

–Eu... Eu não sei se consigo.

–Claro que consegue!

–Mesmo se conseguisse – ele indicou com a cabeça a menina – E ela? – encostei meus dedos na nuca da menina e ela desmaiou em meus braços.

–Pronto. Ela está apagada. Pega ali minha jaqueta e nos tire já daqui.

–Mas o que você fez?

Grunhi em resposta. Demorou um pouco até o menino conseguir sabe Hades o que. A sensação de ser sugada pela escuridão era insuportável para mim, mas me forcei e segurar firme no menino e não me atrevia soltar a menina. Caímos na base de uma linda colina, próximos de uma grande avenida. Rastejei para longe da menina e vomitei tudo o que tinha comido, voltei a me afastar e deitei na grama.

–Isso é horrível! Não sei como você suporta... – minha boca tinha um gosto ruim; Nico vomitava também.

–É bastante cansativo. Trazer vocês duas... – ele despencou, teria colidido fortemente com o asfalto se eu não o segurasse.

–Vai até aquela árvore e descanse um pouco. Eu já volto; só vou levar a Gabriela para dentro.

Eu nem o vi responder. Peguei a menina nos braços e fui subindo a colina devagar, no meio dela, Gabi acordou e descemos juntas. Ela não parava de fazer perguntas as quais eu não me dei o trabalho de responder. Ela sorria olhando o acampamento. Guiei-a para a Casa Grande. Fui entrando sem bater ou fazer cerimônias; o som horroroso de uma música italiana ao fundo me trouxe a certeza de que o centauro estava acordado.

Em uma mesa redonda, Quíron e Dionísio jogavam cartas... Eu sinceramente não lembrava mais o nome daquele jogo.

–Quíron. – chamei-o enquanto a menina olhava para tudo embasbacada; ela parecia do tipo que se encanta fácil. O centauro estava na sua forma de deficiente, na cadeira de rodas; ela expressou confusão, mas logo sorriu vindo até nós. Senhor D. apenas bufou.

–O que a traz aqui, Thalia? No meio da madrugada? – ele ainda sorria gentilmente.

–Vim trazer uma amiga, filha de Deméter.

A menina se apresentou timidamente. Quíron indicou um sátiro que a levasse para um dos quartos da Casa Grande e que pela manhã ela iria conhecer o chalé da mãe. Ficando só os três na sala com aquela música ridícula, perguntei:

–O que eu tenho que fazer para conseguir um taxi decente por aqui?

–Tente as irmãs...

–As lunáticas? Não, eu passo.

–Então você terá que ir a pé... – Dionísio começou, mas eu o cortei com um sorriso zombeteiro.

–Ou eu posso ficar aqui com vocês e acabando com o seu estoque de vinho! – no que eu falava eu enchia uma taça de vinho para mim; o deus me olhava como se quisesse me ver morta. Beberiquei da taça ainda sorrindo.

–Você não é nova demais para beber? – o centauro resolveu intervir.

–E você não é muito velho?

No fim eu consegui meu taxi para NY. Mas até ele chegar fiquei com os dois imortais tomando vinho e jogando aquele jogo chato. Levei Nico comigo e lá ele decidiria o que queria fazer da vida. No caminho liguei mais uma vez para Felipe. Nico se despediu e sumiu indo em direção a uma boate gótica; como ele pretendia entrar lá eu não sei, mas ele era um menino esperto. Pedi que o motorista parasse na frente do colégio interno dos meninos e lá estava ele: mais alto, mais desengonçado e o mesmo sorriso que eu amava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!