“Você veio a mim
Antes mesmo de qualquer primeiro som
Quando a ampulheta parecia inesgotável
Você tem vivido
Lutado comigo em cada tempestade
Nunca exigindo nada
Apenas dando e doando.

Você me mostrou
O que é realmente importante
Você sorriu para mim
Com o seu olhar calmo
Sem qualquer palavra
Mas cheio de amor e vida
Há muito de você
Em mim.”

(An Deiner Seite -- Unheilig)

~X~

Trish correu até a entrada da Devil May Cry, loja qual o mestiço, Filho de Sparda trabalhava, para não ficar encharcada pela chuva forte que começava a cair. Estranhou o fato de não sentir a presença de Dante na loja, porém podia sentir claramente a presença de Ilya. "Mau sinal", pensou antes de abrir a porta. Ela e a harpia nunca haviam se dado bem e não seria agora que tudo mudaria.

Abriu a porta, esperando que Ilya estivesse sozinha, entretanto Lady também estava por lá, na mesa de sinuca e parecendo um tanto entediada. Esta possuía os cabelos negros, curtos e repicados. Vestia um terninho creme cinturado e shorts, como habitualmente usava; Também possuía heterocromia nos olhos - sendo um azul e o outro anormalmente vermelho - o que dava um 'quê' assustador em Lady. Trish também não estava muito diferente do habitual, essa vestia suas roupas de couro negras, porém usava uma jaqueta justa de couro por cima de sua roupa.

Perto da mesa de Dante, em um sofá velho, estava sentada Ilya, a harpia que fora serva de Sparda por longos anos. Esta parecia estar distraída com uma revista que Trish não reparou do que se tratava, contudo a harpia parecia bastante absorvida com a leitura. Ilya tinha os longos cabelos castanhos, assim como os olhos, presos em um rabo de cavalo alto. Usava uma regata branca com uma calça de couro marrom e botas sem salto.

–Onde está o Dante? - A loira perguntou.

–Bem, segundo aquela ali - Lady apontou para Ilya com um manejo da cabeça - Dante saiu em missão.

–Nessa chuva? Não é possível - Retrucou irritada.

–Qual o problema? - Lady apoiou o taco no chão olhando para Trish que ia em direção a Ilya e acabou por sentar-se no sofá, fazendo a harpia soltar um muxoxo.

–Dante tem a mania de fazer algo irresponsável quando está sozinho - Trish respondeu, lembrando-se de Sparda, agora nas mãos de Vergil.

–Mas você esperava o quê? - Lady perguntou - É o Dante afinal...

–Esperava algum juízo na cabeça dele - A loira retrucou fazendo Ilya suspirar.

–Por que está tão irritada? - Finalmente, Ilya, que havia fechado a revista, perguntou.

–Eu só me preocupo com ele...

–Ah... Nós também nos preocupamos - A harpia rebateu com certa irritação e estreitando os olhos.

Lady que permanecia quieta vendo o diálogo se mexeu incomodada, ou ela estava ficando louca, ou estava vendo um olhar estranho em Trish. O pior de tudo era que a harpia, muito esperta, parecia ter visto a mesma coisa que Lady, por isso continuava enchendo a loira de perguntas das quais ela não era obrigada a responder.

–Eu me preocupo mais do que todo mundo, está bom pra você? - Trish falou, logo tampando a boca, como se estivesse contando algum tipo de segredo. Seus olhos azuis cintilando contra os olhos castanhos de Ilya que apenas deu um sorriso sarcástico levantando-se. Lady arregalou os olhos quando viu a reação da mulher-demônio e não havia dúvidas do que estava acontecendo por ali.

–Trish, veja bem... Você não é mulher para o Dante - Disse com uma gentileza falsa - Você foi criada por Mundus, o que garante que você não ataque Dante novamente? Você sabe, você pode fazer isso porque você nasceu pra isso.

–Ilya! - Lady a reprendeu, porém a harpia pareceu não se incomodar.

–Eu não tenho que ficar aqui ouvindo essas coisas de você! - Trish soltou revoltada, levantando-se para encarar a harpia de igual pra igual - Eu jamais machucaria o Dante!

–Tenho as minhas dúvidas - A harpia respondeu.

E Trish sentiu uma vontade enorme de soltar seu poder sobre Ilya, capaz da Harpia nem ter tempo de se defender, porém se segurou. Ao invés disso, virou-se de costas para Ilya e foi em direção à saída, ainda enfurecida. Contudo, ao abrir a porta, se deparou com Dante que lançou um olhar confuso. Geralmente a irritada ali era Lady ou Ilya, Trish sempre mantinha um olhar sereno, quase materno.

A loira passou por Dante sem dizer uma palavra o que o deixou mais confuso ainda.

–Perdi alguma coisa? - Perguntou, assim que entrou, molhando o chão de madeira.

–Por que você acha que é tudo sobre você? - Lady perguntou irritada, largando o taco sobre a mesa de bilhar e saindo também da loja.

–Okay... Eu só queria saber o que estava acontecendo - Ele falou sem se mover do lugar e então lançou seu olhar para Ilya que voltava a se sentar. - O que houve? Digo, só responda se você não quer me matar também.

A harpia suspirou. O que explicaria para Dante?

–Trish está com crise de identidade, só isso - Falou.

Ah, e às vezes Ilya amava ser um demônio pela facilidade em mentir. Se tudo corresse bem, Dante não perguntaria mais nada e iria tomar um banho pra se livrar da água fria da chuva e do cheiro de sangue dos demônios que havia matado. Porém nada disso aconteceu.

–A Trish? Com crise de identidade? - Perguntou.

~X~

Lady encontrou Trish sobre um toldo não muito longe da loja de Dante. Ainda podia ver de onde estava, o letreiro vermelho e chamativo da loja. Tocou o braço da amiga sentindo uma leve corrente elétrica percorrer sua mão, logo a retirando e fazendo cara feia.

–Você deveria ter cuidado com quem ataca! - Lady disse por entre os dentes.

–O que... Ah deixa pra lá, eu estou com raiva, você que não deveria ter me tocado - A loira rebateu.

Lady suspirou.

–Você não deveria levar tão a sério o que Ilya fala. Ela só está sendo super protetora em relação ao Dante... Como uma... Mãe - A humana arqueou a sobrancelha, sentindo que havia algo fora do contexto, apesar de fazer um pouco de sentido.

Ilya conhecia Dante desde que ele nascera e o criou depois que Eva morrera. Isso não era segredo para ninguém, já que a harpia fazia questão de deixar muito bem claro que conhecia Dante desde pequeno e sabia desvendar muito bem o que ele queria e sentia. O "verdadeiro" Dante, como ela mesma falava, seu "pequeno Dante", não havia mudado, segundo a própria, apenas aprendeu a conviver e a encarar as coisas de outra forma.

–Não é a toa que Sparda escolheu Ilya... - Trish falou, vendo a água da chuva escorrer pelo toldo, fazendo com que Lady a olhasse - Sabe o que é pior? O pior é que ela pode ter razão... - Suspirou, olhando agora para suas próprias mãos - Eu fui criada por Mundus. Fui criada exatamente para matar o descendente de Sparda nesse mundo...

–Não acredito que você levou a sério o que ela disse! - Lady falou indignada - Trish, olha só, se você quisesse ainda matar o Dante como Mundus ordenou, você não acha que já teria feito? Você O SALVOU, Trish, e não o contrário.

E tudo o que Trish fez foi suspirar, fechar os olhos e prestar atenção na chuva que caia. De fato, no fim de tudo ela o havia ajudado, porém o mérito do salvamento pertencia totalmente a Dante. Ele havia a salvado de um destino incerto - não que agora fosse muito certo - estava livre das correntes que a prendia. Livre. E claro que se sentiu confusa, porque foi exatamente ai que tudo começou. Sentia-se grata e achou que isso era o que a estimulava lutar contra demônios ao lado de Dante. E então teve uma hora que ela já não sabia mais o que estava sentindo.

Aliás, a palavra "sentir" era totalmente estranha. Sentir dor era um fato que ela já conhecia, por outro lado "sentir" no sentido dos sentimentos era estranho, eles se confundiam e se misturavam de uma forma incompreensível, e muitas vezes ela não conseguia separá-los, como agora; Não sabia ao certo o que dizer, ou fazer. Se voltava ou não.

Olhou para Lady que estava quieta, parecia longe também e deu um pequeno sorriso.

–Você vai ficar doente, Lady.

~X~

Ilya massageou as têmporas. "Por que Dante, por que você tem que levar a sério o que eu falei agora?", o fuzilou com os olhos, entretanto logo sua expressão voltou a ficar indiferente como sempre.

–Ora, ela é a cara da sua mãe - Disse calma - Não é pra menos que tenha uma crise dessas.

–Não - Dante soltou - Ela não tem nada a ver com a minha mãe... Digo, pode ser que fisicamente elas se pareçam, mas Trish é completamente diferente. Não tem porque ela achar algo assim.

"Ouch".

E por aquela Ilya não esperava. "Você podia cooperar às vezes Dante", pensou.

–Vai me dizer então que não salvou Trish de seu destino terrível por ela parecer com a Eva?

–Sinceramente? - O mestiço suspirou - Sim, eu salvei porque ela era a cara da minha mãe, mas ela não é Ilya... Aliás, você está com algum problema de audição? Eu já disse isso antes. - Falou de forma preocupada, porém Ilya sentiu a provocação.

–Ponha-se no seu lugar, pequeno - Ilya sorriu, vendo Dante bufar - Eu ouvi a primeira vez.

–Então qual é o problema? - Ele voltou a perguntar.

–Deve ser eu, Dante - a harpia suspirou - Você cresceu eu ainda estou aqui te protegendo como se fosse uma criança.

–O que não é necessário - O outro rebateu emburrado. - Mas afinal do que você tanto me protege?

–Não sei - Ilya deu os ombros. - Só sei que acho que estou tentando afastar a pessoa errada. Eu não sei...

Dante pareceu pensativo por uns momentos, porém logo sua expressão suavizou, mostrando que ele não ficaria muito absorvido com as palavras de Ilya.

–De qualquer forma, vou dar uma saída. Espero que quando eu voltar esse chão não esteja molhado.

Então passou por Dante, depositando um beijo na bochecha do mestiço que novamente se viu confuso.

–Vem cá, vocês estão tomando seus remédios para TPM? - Indagou, mas Ilya já havia passado pela porta.

~X~

Encontrou Trish e Lady embaixo de um toldo, não muito longe da loja de Dante. A chuva havia parado de cair, porém as duas continuavam ali conversando como se nada houvesse mudado. Aproximou-se já sabendo que Trish havia notado sua presença, o que fez tanto ela como Lady olharem em sua direção.

–Você veio conversar ou virar frango a passarinho? - Trish perguntou visivelmente irritada, deixando a eletricidade escapar por seu corpo.

–Você deveria ter, no mínimo, um pouco de educação comigo, loira aguada. Sou milhões de anos mais velha do que você e posso fazer de você o frango a passarinho - a harpia rebateu.

–Isso já está me irritando - Lady quase gritou - Vocês duas não podem ter uma conversa decente, sem trocar algum tipo de elogio?

Ilya e Trish automaticamente olharam para Lady que entendeu exatamente o que elas queriam dizer: ela não era a melhor pessoa para falar aquilo, mesmo porque ela era a primeira a ficar irritada com alguma coisa.

–Certo - Ilya começou - Eu vim em paz - Levantou as mãos.

–Ótimo! - Lady disse relaxando. - O que você quer então?

–Falar com a Trish, não é óbvio? - Falou, fazendo com que Lady rolasse os olhos.

–Okay, vou embora daqui - Falou bufando - Se controlem. As duas.

Assim que Lady saiu, um pequeno silêncio se instalou. Ilya não sabia como começar a explicar o que havia acontecido na loja e Trish muito menos.

–Acho que você deixou bem claro a sua posição de possessividade em relação ao Dante - Trish começou, cruzando os braços.

–Não é possessividade, Trish! É zelo. Pode não parecer, mas Dante já se machucou demais e essa história do Vergil piorou tudo. Eu só não quero que ele se machuque mais ainda pelas mãos de alguém que ele considera importante pra ele.

"Eu sou importante pra ele...", Trish automaticamente pensou, sentindo-se tão bem que poderia dar pulinhos, mas manteve-se quieta.

–Acho que você está com algum problema de audição. - Falou. Ilya fez uma careta - Eu já disse e repito: eu não vou machucar o Dante. Posso ter sido criada por Mundus, minha missão era matar Dante, porém, agora eu sou dona do meu destino. Eu não irei machucar o Dante, nem que minha vida dependa disso. Ele é... - Deu uma pausa, ficando levemente corada - Ele é tão importante pra mim Ilya... Eu nem sei como expressar isso.

"Puta que pariu... Demônios, eles são piores que os humanos no quesito amar. Olha só isso". Ilya pensou. Aliás, ela mesma passou por toda essa confusão, porém seu parceiro era um tanto diferente, mas isso não vinha ao caso. Não agora.

–Tudo bem - Ilya suspirou - Mas caso você faça algo de ruim com Dante, você vai se ver comigo, está me entendendo?

–Não me venha com essas suas ameaças...

–Não é uma ameaça - A harpia a interrompeu - É um aviso de amiga. De qualquer forma Trish, lhe darei um conselho - Disse e antes que a loira a interrompesse continuou - O Dante é meio lerdo para perceber as coisas, como você sabe, portanto, aconselho a você tomar coragem e ir falar com ele, se não você vai esperar anos por uma resposta vinda dele. Aliás, sem querer te desanimar, talvez ela nunca venha.

E Trish sorriu. Um sorriso sincero e gentil, amável.

–Eu não me importo em esperar... Ou que essa resposta nunca venha. Ver o Dante feliz me faz feliz e isso que importa, por mais que doa um dia.

E naquele momento, naquele instante, Ilya percebeu: Trish gostava mesmo de Dante, tanto que até abriria mão dele, se fosse o caso. Passou a mão no cabelo, sorrindo.

Trish a surpreendera, de novo.

FIM