O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 51
X.1 Opções.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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Bebi um pouco da água gaseificada gelada, apesar de não me apetecer porque estava com frio e a noite estava fresca, mas não me queria ir já embora. Precisava desesperadamente de tempo, ainda não me sentia preparada. O André levou a imperial aos lábios, deixou junto ao nariz um bigode de espuma. Limpei-o com os dedos e sorriu-me com o gesto. Fora mais instinto que carinho, mas ele não deu pela diferença.

Sexta-feira, começava o meu fim-de-semana inesquecível. Tinha feito uma pequena mala com alguma roupa e artigos de higiene, inventara que iria dormir na casa da Catarina, saíra com o meu carro. Estacionara-o na rua do André, passara para o carro dele. Telefonara à Catarina e pedira-lhe que ela corroborasse a minha história na eventualidade de a minha mãe lhe ligar a perguntar por mim. O André exibira o porta-chaves, com a famosa chave do apartamento do primo de Évora a tilintar diante dos meus olhos. Sorrira e depois lambuzara-me com um beijo. Convidara-me para ir tomar um copo, aproveitar um pouco a noite antes de darmos início ao nosso fim-de-semana inesquecível, e eu aceitara aliviada.

Estávamos na esplanada do bar “O Cofre”, na rua dos bares. Naquela noite de finais de setembro, o movimento era bastante diferente da loucura que caracterizava o verão. O ambiente estava composto, para uma noite de sexta-feira e tendo em conta a altura do calendário. Os noctívagos eram, na sua maioria, alunos forasteiros da Universidade do Algarve que haviam regressado à cidade para o início do novo ano letivo. Avistei a Patrícia, ao longe, acompanhada de duas raparigas que sabia serem amigas da Carla. Cumprimentou um rapaz com dois beijinhos, sorridente e descontraída. Agarrei no meu copo de água gaseificada.

- Não é a tua amiga?

- É.

- Não vais falar com ela?

Neguei com a cabeça.

- Porquê?

- Estou contigo.

- Ela ainda estuda?

- Não. Acho que anda à procura de emprego. Quer ir trabalhar para Lisboa, disse-me.

O André caçou-me a mão pousada em cima da mesa.

- Quando quiseres ir embora, diz.

Olhei-o em pânico. Forcei um sorriso. Eu não queria sair dali nunca, não queria começar aquele fim-de-semana inesquecível. Ao contrário dele que estava ansioso para passar a noite comigo.

- Quero ficar mais um pouco, se não te importares – disse eu, estremecendo com um arrepio.

- Estás com frio?

- Não. – Elevei a voz. – Não, André. Até estou a beber uma água gelada, não estou?

- Hum… Escusas de estar à defensiva comigo. Estamos nisto juntos e vamos fazê-lo juntos. Não te vou forçar a nada.

Apanhara as minhas dúvidas. Acreditei que fora por acaso, detestava ser transparente para os outros, até para o André, apesar de ser o meu namorado. Porque se ele me conseguisse ler a alma, veria que eu vacilava porque o meu coração batia por alguém que eu recordava constantemente em todos os minutos daquela noite, nos minutos todos dos dias antes daquela noite. Não me conseguia esquecer de Trunks, nem da estocada fatal de Son Gohan, nem do sonho que, antes de ser maravilhoso, rebolou no abismo negro dos pesadelos.

Sorri, com uma imensa vontade de chorar e desatar a correr pela rua afora.

- Eu sei - respondi.

Mas a chave do apartamento de Évora tilintava nos meus ouvidos, dizendo-me que o André iria aprisionar-me para sempre na câmara da torre alta que aquela chave abria e que, a partir do momento em que me entregasse, mesmo que verdadeiramente não quisesse, seria sempre dele, eternamente presa a essa fraqueza em que devia ter dito que não, porque estávamos naquilo juntos e ele não me forçava a nada.

Inclinou-se e eu concedi que me beijasse. A língua dele estava fria, com sabor a cerveja. Disfarcei o sabor com mais um gole de água. Medi o que faltava na garrafa. Teria de ir mais devagar, senão ficava sem desculpa para me manter sentada naquela mesa, na esplanada do “Cofre”.

Espreitei a Patrícia, no fim da rua, junto à porta do “Académico”, que estava mais vazio do que era normal, mas o “Académico” era um bar de verão, frequentado pelo pessoal da capital que passava férias na região. Fora ali o primeiro encontro com o anjo dos olhos azuis. O coração doeu-me.

Alguém apareceu atrás do André. Ele voltou-se, cumprimentou-o apertando-lhe a mão.

- Oi, Marco. Por aqui?

- Vim dar uma voltinha. Posso sentar-me?

O Marco sentou-se, o André apresentou-nos, tratava-se de um colega do banco. Começaram a conversar, o Marco trazia uma imperial, o André bebia a sua e continuava a agarrar-me na mão por cima da mesa, fazendo-me dele, incontestavelmente uma prisioneira.

Poderia sempre dizer que não. Mas como, se ele estava tão convencido do seu prémio? Até me mostrara triunfante a chave do apartamento do primo de Évora.

O melhor seria apagar as luzes, fechar os olhos, apagar-me.

Ainda bem que o Marco tinha chegado, proporcionou-me uns minutos de alívio. Ausentei-me daquela mesa, perdi-me em pensamentos diferentes, para ver se me acalmava.

Gostava do André, não gostava? Não tinha sonhado tantas vezes com os beijos dele, com mais do que só beijos, com aquilo que as pessoas que se gostam costumam fazer? Juntas, sem forçar nada?

Só que agora havia um elemento novo a baralhar o jogo e eu estava cheia de medo de perder o rasto de Trunks. Tinha-o encontrado, contra todas as probabilidades, um rapaz tão real quanto o André e já tínhamos um punhado de momentos colecionados, o penúltimo no banco de trás do automóvel dele, o último, um almoço com a família dele.

Mas por que razão persistia no engano? Eu já o tinha perdido. Ele não era para mim. Ele era apenas… Sorri com a observação descabida, porém tão verdadeira como o copo gelado que agarrava com a mão esquerda. Ele era apenas um desenho animado!

O bar “Conselheiro” era famoso entre a população universitária e começava a reunir uma pequena multidão à porta, perto da esplanada do “Cofre”. Distraí-me a ver os frequentadores do bar, reconheci alguns rostos, costumava vê-los na universidade. Os batuques monótonos da música rave do bar “Binómio” coloriam a noite com algum ritmo. Bebi outro gole da água gaseificada, ou melhor, limitei-me a molhar os lábios.

E então descobri-o, entre a multidão que se aglomerava debaixo do letreiro do “Conselheiro”. Estava sozinho, segurava um copo de imperial quase cheio, a cabeça voltava-se de um lado para o outro à procura de alguém, os olhos perscrutavam cada pessoa que passava como se lhes vasculhasse o esqueleto.

Observei-o, oscilando entre o calor e o gelo, sorvendo todos os detalhes da linguagem corporal dele, analisando cada curva perfeita da silhueta, onde não se encontravam erros, nem linhas coloridas que denunciassem a sua verdadeira natureza, um milagre, tão espantosamente ao meu alcance e tão miseravelmente longínquo, que senti vontade de chorar. Apertei os lábios.

Trunks encontrou-me. Os olhos azuis focaram a minha imagem, absorvendo toda a cena ao pormenor. Uma mesa, dois rapazes, um deles agarrava na minha mão. Bebeu um grande trago da imperial. Continuou a olhar para mim e chamava-me dessa maneira muda.

Engoli em seco, nervosa. A mão do André abafava a minha e eu queria gritar porque estava a arder e doía, mas era o olhar de Trunks que me queimava, não era a mão do André. Insistia em chamar-me e eu não resisti àquele apelo. Primeiro, puxei pela mão. O André conversava com o Marco e não se admirou com o meu gesto. Depois, levantei-me e foi então que chamei a atenção dele.

- Onde vais?

Menti:

- Vou ali falar com uma amiga… da Patrícia. Já venho.

- Está bem.

E regressou à conversa com o Marco, sobre assuntos de trabalho.

Trunks seguiu os meus passos com o mesmo olhar dissecador, um azul que se incendiava à medida que eu me aproximava. Escondi-me parcialmente atrás de dois rapazes que se postavam junto à entrada do bar, de costas para a mesa onde estava o André.

- Komba-wa, Trunks.

- Komba-wa, Ana.

Não me sorria, eu também não lhe sorria.

- Gohan disse-me que não podia encontrar-me com vocês.

- Ele disse isso? Nunca julguei que Gohan-san conseguisse ser tão malvado. Presumo que as aulas de japonês terminaram de vez.

- Disse-me que estavas avisado para não te encontrares mais comigo.

- É verdade, tenho essas ordens. Mas estou sempre a desobedecer. Um grande problema…

A ironia dele estava a irritar-me.

- Gohan também me disse que o Universo está em perigo. E eu ponho o Universo em perigo por falar contigo, por entrar na casa dele, por vos conhecer?

Bebeu um gole de imperial e acenou com a cabeça.

- Hum-hum.

- Isso não faz sentido nenhum.

- E falares comigo, sabendo de onde venho e que não é do Japão, nem de Espanha, faz sentido?

O meu coração batia tanto que conseguia abafar a música do “Conselheiro”. Contemplei-o. Sabia que o amava e soube-o naquele instante.

Suspirei.

- Sabes uma coisa? Acho que Gohan deve ter razão. Devo afastar-me…

Ele ficou incomodado com a minha afirmação.

- Porquê? – Indagou brusco, baixando o tom de voz a seguir: – Porque agora tens um namorado?

- Eu pertenço a este mundo. Tu, Gohan e todos os outros, não. Quando te fores embora, o que é que vai acontecer?

- Não queres vir comigo?

 O convite abanou-me. Respondi num sussurro:

- Não posso…

Trunks endireitou as costas.

- Diz-me isso a olhar para os meus olhos, Ana. Diz-me que te vais afastar e que não me queres ver mais.

 Olhei-o perplexa.

- Diz-me e prometo que também me afasto.

Apartei o olhar, cruzei os braços com outro dos arrepios que começavam a ser frequentes naquela noite.

- Consegues ser tão cruel.

- E desprezível?

- Não me apetece brincar, Trunks.

Ele replicou, querendo soar indiferente:

- Eu também não estou a brincar.

Arrastei um pé no pavimento, respirando fundo, incomodada porque me mantinha ali mais tempo do que devia, o magnetismo dele aprisionando-me, quando era prisioneira de outra pessoa, naquela noite.

O silêncio aconteceu naturalmente, não por falta de assunto, mas porque uma pausa era necessária. Gostei de estar com ele, no silêncio.

Acabou com a imperial, pousou o copo numa mesa próxima.

- Não te preocupes. Já olhou duas vezes para cá, mas continua a falar com o amigo.

- Quem?

- O teu namorado.

- Ah…

Seria a deixa para me ir embora? Deveria ser. Continuava a mirar os meus sapatos, que arrastava devagar pelo pavimento, como se tivesse uma pastilha elástica colada na sola e precisasse de me livrar dessa coisa nojenta. Via as botas dele, as calças, o cinto, a blusa escura, as abas do blusão, o fim dos bolsos do blusão, a ponta dos dedos das mãos, não lhe via mais nada. Desejei um abraço, um beijo arrebatado e desfaziam-se todos os mal-entendidos. Todos… Para que a chave do apartamento do primo de Évora deixasse de tilintar no meu cérebro, um espanta-espíritos maléfico que afastava os anjos e não os demónios.

- Tenho de me ir embora – murmurei, encostando-me inconscientemente a ele.

- Não precisas.

Um berro com sotaque fez-me estremecer.

- Espanhol do carago! É aqui que te estás a esconder?

Apareceu uma rapariga morena, com uma longa cabeleira preta encaracolada a oscilar sedutoramente pelas costas, vestida com umas calças justas de cabedal que refletiam as luzes da rua e calçando uns sapatos de salto alto finos como agulhas. Enfiava as mãos nos bolsos de uma jaqueta vermelha que lhe acentuava a figura. Trunks olhou-a de cima a baixo.

- Andas a fugir de mim, espanhol?

Vi-o transfigurar-se no rapaz que eu tinha conhecido naquele verão e que dizia chamar-se Tiago. Sorriu para a rapariga.

- Não, nena. Mas, como vês, estou acompanhado.

Ela deitou-me um olhar desdenhoso, de soslaio.

- Esta coisinha aqui? Não me faças rir.

Mastigava uma pastilha elástica, que mostrava às cambalhotas entre os dentes.

- Então, não me pagas um copo? – Perguntou ignorando-me, intrometendo-se entre mim e ele.

- Nena, mira

- Não me venhas com essa do nena, carago. Já te esqueceste do meu nome?

- Não, Manuela.

Ela passou os braços pelo pescoço dele, beijou-o na boca sem qualquer pudor. Fechei os olhos, recuei um passo. Não imaginei uma despedida daquelas. Deveria ser diferente, mais privada, já que era um adeus para sempre, mas nunca o conseguiria na rua dos bares e fora ingénua em julgar que aconteceria como nos filmes. E eu estava acompanhada, não devia demorar-me mais.

Ele retirou os braços dela do pescoço.

- Nena, pago-te o copo. Mas tenho de dizer-te uma coisa.

- O quê?

- Já não há mais nada entre nós, nena. Acabou.

- Querido… Leva-me para a cama e depois voltamos a falar.

- Estou a falar a sério. Pensando melhor, acho que não te vou pagar copo nenhum.

Ela enfureceu-se.

- Espanhol de merda! Pensas que brincas comigo?

Ele apagou a expressão ligeira do rosto. Ela gemeu, com os pulsos estrangulados nas mãos dele. Protestou com veemência:

- Solta-me! Solta-me ou faço um escândalo.

- Já estás a fazer escândalo, nena.

Ele soltou-a. Ela gemeu outra vez, a esfregar os pulsos. Olhou-me ainda com maior desdém.

- É por causa desta coisinha? Estás a ficar sem gosto, espanholito.

- Se quiseres companhia, o João está à tua espera.

- Qual João, carago?

- Adeus, Manuela.

Ela rugiu, cuspiu para os pés dele e afastou-se praguejando. Torceu um pé quando prendeu o salto alto fino como uma agulha entre a calçada, continuou a andar quase a fugir, a cabeleira preta encaracolada agitando-se atrás.

Trunks não lhe dispensou um segundo olhar. Perguntou-me, como se fosse a coisa mais natural do mundo:

- Queres beber alguma coisa?

Olhei-o atarantada.

- Não fizeste aquele espetáculo por causa de mim, pois não?

- Já devia ter despachado aquela rapariga há mais tempo, mas nunca pensei que ela insistisse tanto. Andava a perseguir-me… Bem, queres beber alguma coisa, ou não?

- Eu não estou sozinha. Já te esqueceste?

- Não brinques comigo.

- Também me vais apertar os braços até que grite por socorro?

- E achas que o teu namorado está à minha altura?

Corei indignada, mas deu-me vontade de rir. Tapei a boca para que ele não percebesse o meu sorriso.

- Anda, pago-te um copo…

Afastou-se da parede do bar, contornou o par de rapazes que me tinham servido de barreira, passou as mesas da esplanada do “Conselheiro”. Segui-o.

- Espera! Não posso aceitar.

Ele parou, desiludido.

Nisto, o olhar endureceu. Assustei-me quando se dirigiu a mim e me empurrou. Tirava-me do caminho.

Um vulto cruzou-se à minha frente com tanta rapidez que mal o vi, senti apenas a brisa aquecida que provocou ao deslocar-se.

O que sucedeu a seguir foi tão rápido como o vulto. Ouvi um urro, um baque, o ar aqueceu mais. Algumas mesas saltaram pelo ar, o som de vidros a se partirem. Um grito, um corpo a cair.

- Ve-Vegeta?! – Exclamei incrédula.

Vegeta estava de costas para mim e tinha Trunks aos pés, sentado no chão, volvendo os olhos irados para a figura orgulhosa do pai.

- Vamos, levanta-te!

- Por que raios me bateste? Não estava a fazer nada de mal!

- Tomas-me por algum idiota? Acabaram-se as folgas. A partir de agora, vou andar em cima de ti e nem te vou deixar respirar. E não vou tolerar que passes nem mais um segundo com esta maldita intrometida.

O instinto falou mais alto, apesar de ter escutado aquela breve troca de palavras, apesar de saber que era a maior estupidez que iria ser cometida naquela cidade nos últimos duzentos anos.

No momento em que Vegeta ia avançar para Trunks, coloquei-me entre os dois.

As pessoas começaram a juntar-se à volta, para ver o que é que se estava a passar, atraídas por um acontecimento diferente que alterava a ordem das noites típicas de sexta-feira.

Trunks ergueu-se com um salto.

- Ana, o que é que tu estás a fazer?

- Eu…

Humedeci os lábios.

Eu não sabia. Achava que o protegia, mas não podia fazer grande coisa contra um saiya-jin. Era como na praia, contudo, naquela primeira noite em que nos tínhamos conhecido. Sentia uma necessidade imperiosa de o defender, mesmo que ele realmente não precisasse, ou desdenhasse dessa minha presunção. Uma maneira estúpida de mostrar que me importava com ele, que gostava dele, como se ele já não o soubesse e tinha-o sabido, que eu gostava dele, precisamente desde essa primeira noite, na praia.

Mantive estoicamente a minha posição.

- Desaparece! – Rosnou Vegeta.

- Ana, faz o que ele te diz - pediu Trunks. – Vai-te embora.

Abri os braços, a reforçar o que fazia ali, caso ainda não fosse claro. Abanei a cabeça e disse:

- Não quero que lhe batas por causa de mim. Já sei que me devo afastar. Son Gohan pediu-me que o fizesse. E eu vou-me afastar… Estava a despedir-me.

- Cala-te! Isto não te diz respeito, sua intrometida!

Teimosa, tornei a abanar a cabeça. A minha voz tremia:

- Só saio quando te fores embora.

Vegeta acercou-se de mim. Zangado, perguntou-me entre dentes:

- Estás a desafiar-me?

Não consegui responder. Os olhos dele eram negros como dois carvões. Trunks insistiu:

- Ana, vai-te embora. Sou eu que te estou a pedir.

Baixei os braços.

- Promete-me que não lhe voltas a bater.

- Nani?!!

- Promete-me…

- Desaparece, intrometida. Ou vais arrepender-te.

- Ah… - E fingi-me corajosa. – Vais bater em mim, agora? Não serias capaz.

- Estás a mexer com os meus nervos, intrometida!

- Tenho nome, sabias?

- Se queres um adversário, estou aqui!

Aquela voz interrompeu-nos. Espreitei por cima do ombro de Vegeta que se virou para ver quem tinha acabado de chegar.

Perdi a força nas pernas.

- Goku?

- Kakaroto?

Dissemos ao mesmo tempo e depois entreolhámo-nos. Eu porque não estava à espera de ouvi-lo chamar pelo nome saiya-jin de quem chegava e ele porque não estava à espera que eu o reconhecesse. Mas a figura de Son Goku era inconfundível.

- O que é que tu queres?

- Já te disse. Se queres um adversário, estou aqui.

Vegeta mostrou um punho. Começou a falar em japonês:

- Isto é assunto meu e não consinto que interfiras, Kakaroto.

Goku respondeu na mesma língua:

- Se o teu problema tem a ver com Trunks interagir com alguém desta dimensão… então, é problema nosso.

- Desde o início que Trunks tenta interagir com alguém e nunca te vi preocupado.

- Nunca esteve tão perto, como agora.

- Precisamente! Por isso, a minha vigilância tornou-se mais apertada. – Vegeta apontou-me um dedo e só então reparei que calçava as habituais luvas brancas. Estava pronto para combater. – E não o quero por perto daquela intrometida. Nem que para isso tenha de o deixar inconsciente e arrastá-lo comigo para casa.

Goku inclinou a cabeça, espreitou por cima do ombro de Vegeta, olhou para mim e disse, em castelhano:

- Ah… Ela é a famosa Ana.

O olhar doce de Goku intrigou-me. Não condizia com aquela cena com os nervos à flor da pele.

Vegeta observou irritado, em japonês:

- Queres uma apresentação formal? Já agora, ela também te pode conhecer e fazemos um piquenique amanhã, todos juntos, já que esta intrometida também conhece o idiota do teu filho e toda a família do teu filho!

Goku replicou, em japonês:

- Deves acalmar-te. Ouvi o que ela disse. Vai afastar-se e não devemos aumentar ainda mais o problema. Deixa-a afastar-se.

- E estando aqui com o palerma do meu filho é sinal de que se está a afastar? Não me parece!

Ouvi Trunks a rosnar atrás de mim.

- Estás a atrair as atenções com todo este espetáculo, Vegeta. Não devias ter atacado Trunks no meio de uma rua da Dimensão Real.

- Agora… és tu que me estás a irritar!

As pessoas cada vez se juntavam mais à nossa volta e o burburinho crescia.

Vegeta projetou o peito para diante. Anunciou em castelhano:

- Aceito o desafio. Enfrento-me a ti!

Goku ripostou, aborrecido, na mesma língua:

- Preferia que não o fizéssemos. Está demasiada gente à volta.

- Não sejas cobarde.

Goku sorriu. Dobrou os braços, fechou os punhos, também projetou o peito para diante e anunciou:

- Quando quiseres. Começa tu!

Trunks deu um passo em frente.

- Não. Esperem!

Sustive a respiração.

A investida de Vegeta foi repentina. Goku perdeu o equilíbrio e estatelaram-se os dois no chão. A multidão que assistia movimentou-se, abriu o perímetro da arena. Vegeta esmurrou Goku. Eu desviei o olhar, arrepiada, quando vi o sangue espirrar. Trunks gritou:

- Parem!

Goku aparou o segundo murro. Rebolaram pela calçada, separaram-se. Puseram-se de pé. Vegeta lançou um pontapé, Goku defendeu o golpe com um braço. Houve palmas.

- Eh, pá! Isto mete Karate e tudo.

O ataque seguinte foi de Goku. Uma simulação, alguns socos que falharam o alvo, Vegeta dobrou-se com uma cotovelada abaixo do esterno. Um intervalo, para retomar as posições, para preparar nova estratégia.

O combate era estranho, porque parecia-me demasiado lento e vulgar, quando sabia que aqueles dois eram guerreiros dotados de faculdades fantásticas. Escutei assobios, comentários jocosos, enquanto os dois lutadores se lançavam num terceiro confronto. Goku defendeu um pontapé de Vegeta, Vegeta derrubou-o com um pontapé à meia-volta. Mais palmas, mais assobios.

A assistência dividia-se entre os dois oponentes, começando a apoiar ora Goku, ora Vegeta. O primeiro deu uma cambalhota para trás, para escapar de um ataque rápido, Vegeta tomou balanço e lançou-se como um míssil, cabeceando o torso de Goku, derrubando-o outra vez. Trunks hesitava, balançando entre intervir e deixar-se ficar.

Puxaram-me pelo braço. A multidão movimentou-se e alguns rapazes ocuparam imediatamente o meu lugar privilegiado de primeira fila, deixei de ver a arena, deixei de ver os lutadores. Era o André.

- Ana, vamos embora. Já se armou confusão e não é bom estarmos aqui.

- Mas, eu… Mas…

O André arrastou-me pela rua, na direção contrária à das pessoas que acorriam ao lugar da ação, que cada vez congregava mais gente. Escutei o ruído de socos, um urro. Mais palmas.

- Vamos embora – insistiu. – Ouvi alguém dizer que meteram uma bomba no “Aliança”, aquilo está tudo destruído. Estão a passar-se coisas esquisitas, esta noite. Está a ficar perigoso.

- André…

- O que é?! – Exclamou enervado.

Paramos. Não me soltava o braço.

Olhei para a multidão, que se agitava com o espetáculo. Assobios, observações, piadas, mais e mais palmas.

- Quem era aquela gente? Conheces?

Não sabia que resposta haveria de dar.

- Vi-te a falar com aquele rapaz loiro. Quem era?

- Um amigo da Patrícia – murmurei. – Disse-te que ia falar com um amigo da Patrícia, não disse?

- Acho que percebi amiga.

- Percebeste mal.

Continuou a arrastar-me pela rua, até chegarmos ao automóvel dele. Só quando me deixou sentada no lugar do pendura é que me soltou o braço, estava com medo que eu lhe fugisse. Recordei-me que não me iria forçar a nada.

Olhei pelo vidro da janela. A rua ficava mais adiante, onde se combatia e creio que o faziam por causa de mim. O automóvel arrancou e eu sem conseguir desfitar a rua ao fundo, pelo vidro da janela. O André ligou o autorrádio, num volume alto, a música a criar um muro entre mim e ele, ou entre mim e o ruído do espetáculo improvisado da rua dos bares. Assobios, observações, piadas e muitas palmas.

Irritada, desliguei o autorrádio. Ele irritou-se comigo. Discutimos, ele queria saber quem era o amigo loiro da Patrícia, por que é que estava a esfregar-me nele. Irritei-me mais, disse-lhe que queria ir para casa, disse-lhe que já não me apetecia passar a noite com ele, nem o fim-de-semana, nem mais dia nenhum, se ele pretendia desconfiar de mim daquela maneira tão sórdida.

O automóvel aumentou a velocidade, fez curvas em contramão, passou um semáforo fechado. Parou diante da casa dele, eu saí, fechei a porta com força, apanhei a mala no porta-bagagens. Fiquei no passeio, a mala a pesar-me no braço, à espera que ele reconsiderasse. Que saísse do automóvel e me pedisse desculpas, como se a culpa tivesse sido dele, como se eu fosse inocente.

O André não se foi logo embora. Esperava que eu fizesse o mesmo. Que reconsiderasse, que enfiasse a cabeça pela janela aberta e que lhe pedisse desculpas.

Não me mexi, ele também não. Ao fim de algum tempo, um minuto ou menos, o automóvel arrancou devagar, para possibilitar que eu fosse capaz de ir atrás, reconsiderar, enfiar a cabeça pela janela aberta e chamar por ele.

Mas eu, provavelmente, não queria. E o André também não.

Entrei no meu automóvel e desatei a chorar.

Tinha acabado o namoro com o André.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Combate na rua.



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