O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 47
IX.2 Raiva.




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Quando despertou, não reconheceu o sítio onde estava. Uma sombra espessa despegava-se da alma, devolvendo-lhe a personalidade aos poucos, pingo a pingo. Não a afastava totalmente, porém. Queria a sombra e o poder que esta lhe dera, uma energia incomensurável que ele nunca tinha experimentado antes, negra como a maldade. Talvez fosse essa a sua famosa herança, a reencarnação de algo poderoso que existira há muitos anos atrás e que ameaçara o Universo, como lhe tinha contado o sensei.

A lembrança do mestre agoniou-o. Esfregou os olhos, descobrindo que estava sentado junto a um monte de entulho, que acumulava madeiras velhas, pedaços retorcidos de ferro enferrujado, plástico esburacado e vidros partidos.

Levantou-se e começou a atravessar a ruela com cuidado, pois estava descalço. A sombra insinuava-se dentro dele, transtornando-lhe a razão, tentando-o de uma maneira que ele não desgostava inteiramente. Saboreara e gostara daquele poder tão espesso como a sombra.

O nome do feiticeiro misterioso irrompeu-lhe pelo cérebro, como se fizesse parte da sombra, uma franja tão fina quanto um cabelo. Zephir saberia ser amigo dele, acompanhá-lo e estimá-lo, muito diferente do mestre que não tinha sido sincero com ele, que lhe mentira e que continuava a mentir-lhe. A raiva misturava-se com a desilusão, as lágrimas salgadas enchendo o vaso interior, assomando-se aos olhos castanhos e nublados.

- Olha, um preto.

- O que é que faz um preto sozinho por estes lados?

Ubo parou.

Dois rapazes, grandes, barravam-lhe o caminho. Vestiam blusões negros com aplicações prateadas, calças também negras, botas de solas altas de borracha. Tinham a cabeça rapada, lisas como bolas de bilhar.

- Ouviste, preto? Estou a falar contigo. O que é que fazes por estes lados sozinho?

- Não tens língua, escarumba?

Ubo franziu a testa, não estava a entender as ameaças. A sombra começou a crescer, a maldade esticando-se como um plástico a ser desenrolado.

Juntaram-se outros dois rapazes, que se colocaram atrás, rodeando-o.

- O preto não quer responder.

- Que falta de respeito. Temos de lhe ensinar boas maneiras.

Riram-se.

Ubo analisou-os. Eram desajeitados e fáceis de abater.

- Andas à pesca, preto? ‘Tás longe do mar, preto.

- Olhem só a pinta do preto. Tem penteado giraço e tudo.

Deram-lhe uma palmada na parte de trás da cabeça. Ubo arreganhou os dentes.

Riram-se outra vez, mas houve um deles que reparou na reação dele.

- Eh lá… Não estás a gostar, preto?

- O que foi que o preto fez?

- Mostrou os dentes.

- Eh, pá! Temos mesmo de lhe ensinar boas maneiras.

Uma mão agarrou-o pelo ombro, voltou-o. Ele dobrou ligeiramente o pescoço e evitou o murro, que lhe raspou o penacho de cabelo. O rapaz admirou-se com a forma como ele conseguira esquivar o golpe.

- Merda! Como é que o preto fez isso?

Outra mão agarrou-o pelo outro ombro, voltou-o tão depressa que Ubo sentiu-se tonto. Não por causa do gesto, mas por causa da sombra que tinha dentro dele, daquela raiva toda, da lembrança amarga do sensei a mentir-lhe.

- Eh, preto. Pensas que és melhor que os brancos?

Não percebeu o discurso.

Recebeu segunda palmada.

Já estava farto de aturar aqueles gabarolas.

Inclinou a cabeça para o lado direito, sorrindo com um esgar maléfico, algo que a sombra lhe ensinara a fazer, que vinha das profundezas de uma memória sepultada. Depois, atacou.

Duas cotoveladas nos dois que estavam atrás, um salto com um pontapé violento que desfez os maxilares dos dois que estavam à frente. Os quatro rapazes caíram inconscientes, o sangue escorria dos narizes e da boca. Não fora com muita força, o que era uma pena, pois a energia dele crescia sem parar, a lava inchando dentro de um vulcão prestes a entrar em erupção. Mas não podia utilizar toda a sua força, senão matava os quatro rapazes e ele não os queria matar, apesar de a sombra apenas se satisfazer com esse desfecho. Enxotou a sombra, assustado com os sentimentos espessos que ela lhe dava.

Ubo afastou-se, num andar vagaroso. Tinha um peso no coração, uma sombra maldita a engoli-lo, a voz de um feiticeiro que nunca vira a incomodá-lo.

Porquê, Goku-san?


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A joelhada no estômago.



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