O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 38
VII.5 Os segredos revelados.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo narrado na primeira pessoa.



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A claridade incomodava-me, mas recusava-me a abrir os olhos, dormitando naquele limbo entre o sono profundo e a espertina. Sentia-me cansada, com uma dor que me moía o fundo das costas. Gemi, quis afastar a claridade, encontrar outra posição que fosse menos incómoda.

Passado uns minutos, rendi-me e perdi a guerra com o sol. Pisquei os olhos, tentando situar-me. Tinha vontade de urinar, a boca sabia-me mal.

Vi um vidro embaciado, um espelho retrovisor. Vi o painel de instrumentos e uma luz acesa de onde saía música. Pareceu-me um carro… Mas o que fazia eu num carro, de madrugada?

Lembrei-me de repente e abri os olhos. O Tiago dormia, encostado à janela da porta. Tapei a boca com as mãos. Tinha passado a noite com ele, a dormir no banco de trás de um carro, no meio de nenhures.

Ele roncava ligeiramente, apesar de toda aquela luz a entrar pelo carro adentro. Como conseguia ele dormir como se estivesse numa cama, era um mistério, porque eu tinha a sensação que não tinha dormido nada. Os ossos estalaram quando me espreguicei.

Encolhi-me com um arrepio. Estava com frio. Tentei abrir a porta e verifiquei que estava trancada. Sim, o Tiago tinha trancado as portas para aquela viagem. Rastejei até ao assento do condutor, carreguei no botão do fecho centralizado situado na porta desse lado. Quando regressei ao banco traseiro, encontrei o Tiago a esfregar os olhos. Notei que tinha rastos brancos na cara, onde as lágrimas tinham corrido. Adorei esse detalhe e a boca, que já me sabia mal, ficou seca como um cato.

- Ohayo, Ana.

- Ohayo.

- Hum… Que horas são?

- Não sei, mas deve ser muito cedo.

- Então, podemos dormir mais um pouco.

- Sim.

Puxei o manípulo, abri a porta, uma aragem fresca entrou no habitáculo.

- Onde vais?

- Vou fazer xi… Vou… Tenho de ir lá fora.

- Ah, eu também quero.

- Eh… Eu vou sozinha!

Ele riu-se.

- Está bem, vai lá primeiro.

Quando regressei vinha enregelada. Encolhi-me no banco. Ele saiu pela outra porta, mas não se afastou tanto como eu. Voltou-se para uma árvore perto do carro. Eu corei e desviei o olhar. Aquela intimidade confundia-me.

Enrosquei-me num canto, estava cheia de frio. Quando ele entrou, enroscou-se em mim e eu fiquei imóvel, deixei de conseguir reagir normalmente. Aquilo não era suposto estar a acontecer, certamente, mas também não queria que ele me soltasse. Naquela posição, com ele a abraçar-me por trás, aquecia-me e confortava-me.

- É mesmo muito cedo – disse-me.

- O sol nasceu…

- Hum… A noite de ontem já acabou.

Estava tão fatigada que adormeci pouco depois, com ele a respirar para cima dos meus cabelos.

Despertei estremunhada. Sacudi-o.

- Tiago, que horas são?

Ele também tinha adormecido. Resmungou, de olhos fechados.

- Estás a ouvir-me? Temos de ir embora! Hoje é dia de semana, tenho de ir trabalhar.

Ele levantou uma pálpebra.

- Trabalhar?

- Tiago, acorda. Leva-me para casa.

- Ainda é cedo…

- Estou com fome e quero ir tomar banho e tenho de ir trabalhar.

Ele concordou, de olhos fechados.

- Hum… Fome. Também tenho fome.

Esperei. Mas ele não se mexia. Sacudi-o outra vez.

- Para com isso, nena. Estás a deixar-me tonto.

- Tiago, vá lá. Vamos embora!

Contrariado, abriu os olhos. Bocejou com espalhafato, espreguiçou-se ocupando a parte de trás do carro com os braços abertos, obrigando a baixar-me. Passou vagarosamente para o assento do condutor.

- Primeiro, vamos comer. Existe um lugarejo aqui perto. Vou buscar qualquer coisa para trincarmos.

Não o contestei. Naquela altura já me tinha entregado incondicionalmente nas suas mãos.

Subimos um pouco mais na serra. Eu olhava para a cidade pelo espelho lateral, quando esta ficava visível entre as encostas, junto à faixa de mar que era azul forte àquela hora da manhã. Estávamos a afastar-nos, mas não me importei, porque significava que ficava mais uns minutos com ele.

Estacionou o Toyota à porta de um café de uma aldeia que se constituía por casas de um lado e do outro da estrada que subia. Entrou e passado um pouco trouxe três sandes de queijo, um leite achocolatado e um sumo de laranja. Levou o Toyota até outro refúgio, colado a um enorme penhasco recortado num cerro e foi aí que comemos. Antes de eu conseguir chegar a metade da minha sandes, já ele tinha devorado as suas duas sandes e amolgava o pacote do sumo de laranja. Ele comia realmente muito depressa.

Olhou para mim e o leite ficou-me atravessado na garganta.

- Vamos embora – anunciou e começámos a descer a serra, em direção à cidade e ao mar.

Fizemos a viagem calados.

Espreitei o relógio digital do carro, situado por cima do autorrádio. Eram quase dez horas, a manhã de trabalho estava perdida. Achei que o dia inteiro também. Não me conseguiria concentrar e fazer o que quer que fosse depois de uma noite como aquelas, tão mal dormida. Espreitei-o. E passada com o Tiago. Apesar de não ter acontecido as coisas normais que acontecem entre duas pessoas que se gostam, fora inédito e especial ter partilhado sono, baba e fazer xixi de manhã com ele. Sorri.

De repente, empalideci. Lembrei-me do André.

Estava metida numa grande trapalhada! O que diria ao André? Não, o André não poderia saber daquela noite. E iria eu mentir ao meu namorado? Comecei a roer as unhas.

O Toyota branco estacionou em frente ao meu prédio. O Tiago desligou o motor do carro.

- Bem, espero que os meus pais não me façam muitas perguntas.

- Foi a primeira noite que passaste fora de casa?

- Não. Mas foi a primeira vez que não disse para onde ia.

- Diz-lhes que foste raptada.

Ri-me.

- Quem diz a verdade, não merece castigo. Não é?

- Acho que sim, nena.

Saí do carro, fechei a porta. Ele abriu a janela, a convidar-me para a despedida formal, para umas últimas palavras. Enfiei a cabeça pela janela e disse-lhe:

- Até qualquer dia, Tiago.

- O meu nome não é Tiago.

- Mas eu não sei o teu nome verdadeiro. Lembras-te?

- Chamo-me Trunks.

- Trunks?

- Hai.

Desenfiei a cabeça da janela, endireitei as costas.

A boca sabia-me mal, precisava desesperadamente de um banho. Um duche morno para me acalmar, para me limpar, para me envolver num relaxamento que me atirasse para o sofá onde levaria o dia inteiro a relembrar a noite anterior.

Ele tinha-me contado como se chamava e eu nada, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Pois, era apenas um nome…

Lembrei-me do pai dele, que tantas vezes me tinha baralhado o raciocínio e evitado uma conclusão lógica, mas que agora parecia-me absolutamente fundamental para quebrar o último selo.

O pai do Tiago era um homem de estatura baixa, de cenho franzido, cabelos muito pretos espetados para cima, dono de uma força impressionante, sabia lutar. O pai do Tiago, não. O pai de…

Um relâmpago cruzou-me a mente.

“Dragon Ball”.

O professor Gomano tinha uns olhos negros que sorriam atrás dos óculos e tinha um rosto simpático e tinha uma biblioteca recheada de livros e tinha uma filha que se chamava Paula. Não! Chamava-se… Pan!

As imagens passavam com a velocidade de balas no meu cérebro entontecido. A cabeça estalou e comecei a ver tudo enevoado.

O homem vestido de vermelho, a atirar para o laranja. Aqueles cabelos negros espetados em dois tufos e a cara… Aquela cara inocente, terna, admirada, a olhar para mim.

E, quando o vira, balbuciara:

- Goku…

“Dragon Ball”.

E Trunks e Pan e, muito provavelmente, Gohan e Videl e Vegeta e…

E eu a cair no passeio, engolida por uma náusea.

Desmaiei.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
A intrometida.



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