O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 18
IV.4 No hospital.




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Vegeta reconheceu-a assim que a viu. Era aquela intrometida da amiga de Trunks… Que faria ali? Como soubera? O filho tinha muitas amigas naquela dimensão, que ele não conhecia, nem queria conhecer. Esbarrara com algumas delas, mas não fixara o rosto de nenhuma. A não ser daquela, porque resolvera fazer-lhe frente naquela praia, onde encontrara Trunks que perseguia nessa noite com uma ira capaz de o desfazer. Mas aquela maldita cruzara-se no caminho da sua ira e Trunks acabara inteiro, contra todas as probabilidades

Viu Gohan falar com ela. Tinha vindo com o filho de Kakaroto e fez uma careta. Não estava a gostar do aspeto daquilo. A intrometida conhecia Trunks, conhecia Gohan, devia conhecer também Videl e Pan. Ela estava claramente a abusar. Conhecer um deles, ainda se engolia; agora conhecer mais do que um, a coisa complicava-se.

O médico apareceu, finalmente, depois de os fazer esperar mais do que Vegeta estava disposto a esperar e aproximou-se de Bulma. Esqueceu a intrometida, até porque ela já se ia embora. Sentiu-se menos nervoso, não gostava de a ter por perto, e pôs-se a escutar o que o médico vinha dizer.

- A senhora é a mãe do Tiago?

- Sim… Sou eu.

- Boa noite, minha senhora. Chamo-me Meireles.

- Boa noite, doutor Meireles. O meu nome é Belisandra.

O médico franziu a boca, como se tivesse acabado de trincar um limão azedo. Apesar de ela lhe estar a falar em castelhano, o médico continuou a falar em português.

- Como é que está o meu filho?

- O diagnóstico ainda é muito reservado. Continua nos cuidados intensivos, em coma. Digamos que o seu estado implica muitos cuidados.

- A situação é grave?

- Muito grave. Neste momento, não lhe consigo dar uma indicação clara e inequívoca que a situação irá evoluir positivamente nas próximas horas. Tudo dependerá da fortaleza do seu filho, da sua força de viver. Está a compreender o que lhe estou a dizer?

Bulma vacilou com uma tontura.

- É um milagre que o seu filho ainda esteja vivo, depois de um acidente daquela dimensão. Teve de ser desencarcerado do veículo, sofreu duas paragens cardíacas na ambulância, a caminho do hospital. Para além disso, os exames toxicológicos indicaram que tinha uma quantidade anormalmente elevada de álcool no sangue, acompanhado de estupefacientes. Por outras palavras, o seu filho tinha bebido demais e tinha tomado drogas, nessa noite, o suficiente para o deixar inconsciente. Nem sei como conseguiu enfiar-se num automóvel e pô-lo numa estrada.

Contra aquele relatório arrasador não havia argumentação possível e, tendo compreendido cada palavra, Bulma descaiu os ombros e fez uma cara de quem não tinha seguido metade do que lhe tinham dito. Havia sempre a desculpa da diferença de idioma. O médico perguntou-lhe:

- Não se importa de me acompanhar? Para ver o seu filho?

E involuntariamente, perdida no pânico de estar a assistir a algo irreversível, Bulma respondeu em japonês:

- Hai.  

O médico voltou a franzir a boca.

Os dois entraram por uma porta dupla, o médico segurando numa das metades para que Bulma passasse primeiro e sumiram-se no interior do hospital. Ao mesmo tempo, chegavam Gyumao e Chi-Chi, que estendeu os braços na direção do filho.

- ’Kaasan!

- Gohan-kun! – Chamou, agarrando-lhe as mãos. – Kuririn-san telefonou-me há pouco, a contar-me o que tinha acontecido. Como é que ele está?

Gohan abanou lentamente a cabeça.

- Ainda não recebe visitas… O que o médico acabou de dizer a Bulma-san, não é animador.

- É assim tão grave?

- Está em coma.

Chi-Chi tapou a boca, olhos abertos. Amargurado, Gyumao comentou:

- É terrível! Uma coisa destas não podia ter acontecido.

Kuririn juntou-se a eles. Cumprimentou os recém-chegados, partilhou da consternação, Videl também se juntou ao círculo que se formou. Kuririn enfiou as mãos nos bolsos e revelou um pormenor daquela imensa novela que era o acidente de Trunks do passado sábado:

- Isto meteu a polícia, sabiam?

- Polícia? – Admirou-se Chi-Chi.

- Hai. Foi a polícia que descobriu quem eram os pais de Trunks e onde moravam. A polícia foi bater à porta da casa de Bulma no final desta tarde, a contar o que tinha acontecido e a pedir que os acompanhassem até cá.

- Bulma-san e Vegeta-san vieram para o hospital com a polícia? – Quis saber Videl.

- Hai – confirmou Kuririn. – Fizeram algumas perguntas, pediram documentos de identificação…

- Isso poderá ser um problema – disse Gohan.

- Concordo. Já estamos referenciados, por isso, muito cuidado.

- São eles que estão referenciados, não nós – corrigiu Chi-Chi. – Será Bulma-san quem deverá ter muito cuidado.

- Ora, não fazemos todos parte do mesmo grupo estranho que não pertence a esta dimensão?

- Não acredito que a polícia seja inteligente até esse ponto – disse Videl –, descobrir que somos um grupo de gente esquisita. O acidente de Trunks não me parece um motivo suficientemente válido para dar início a uma investigação que leve a essa conclusão. No entanto…

- No entanto, o quê? – Perguntou Chi-Chi.

- Este acidente está a expor-nos demasiado – disse Kuririn muito sério. – Não nos podemos esquecer que devemos passar despercebidos nesta dimensão, passar por este lugar e não deixar memória. Um processo na polícia irá deixar um rasto que, não sei até que ponto, nos poderá prejudicar no futuro. Ou implicar indiretamente numa ação que nos leve a interagir com eles.

- No entanto, o quê? – Insistiu Chi-Chi.

- No entanto – explicou Videl –, a polícia poderá descobrir que não temos identificação, que não temos passado e poderão perseguir-nos, à procura de respostas. E é como Kuririn-san está a dizer: não nos devemos expor demasiado. Estar aqui, neste hospital, é demasiada exposição para o meu gosto.

- Pelo menos, isto não é interagir, senão já nos tínhamos ido embora – observou Chi-Chi.

- Eu quero ir-me embora. Para casa – resmungou Videl. – Não gosto de estar aqui, misturada com eles.

- Eles são pessoas como nós – disse Gohan, repetindo a frase que utilizara numa discussão recente, mas conseguia perceber o incómodo da mulher.

Cansado e de pernas pesadas, Gyumao sentou-se numa das cadeiras de plástico laranja, que se encostavam nas paredes, fileiras irregulares onde se contavam baixas causadas pelo permanente corrupio do lugar – algumas das cadeiras estavam partidas, outras nem sequer existiam, na barra metálica que as juntavam em grupos de seis.

O ruído característico das urgências de um hospital martelava-lhes nos ouvidos. Vegeta, encostado à parede, fechou os olhos.

- Não acham que Vegeta-san está muito calmo? – Perguntou Videl.

- Só aparentemente – respondeu Kuririn. – Tenho a certeza que deve estar tão preocupado quanto Bulma.

Gohan fixou o príncipe dos saiya-jin que sentiu o seu olhar e abriu os olhos. O seu afastamento era desconcertante, mas Vegeta não era daqueles que exteriorizava facilmente os seus sentimentos. Continuava fiel a si próprio, até naqueles momentos em que não era preciso ser tão rígido. Chi-Chi, também cansada e de pernas pesadas, foi sentar-se ao pé do pai. Gyumao mexeu-se e a cadeira de plástico rangeu como se se fosse partir em duas.

- O nii-chan vai morrer?

A pergunta de Bra gelou Maron, que continuava de mão dada com ela, confortando-se no calor daquela mão pequenina, oferecendo também conforto à miúda que se mantivera estranhamente calma e obediente naquele ambiente tenso.

- Não, Bra-chan – sossegou, a tentar parecer sincera, mas a voz tremia-lhe. – O nii-chan vai ficar bom.

- Mas nós estamos nesta dimensão.

- Nesta dimensão também se curam pessoas.

Bra apertou a mão dela com mais força e Maron calou-se, deixou-se ficar, mais uns minutos de conforto, dado e recebido, um ciclo autoalimentando-se, saboroso, mesmo naquela ocasião, o que era possível ser e estar, ali, naquele hospital.

Vegeta sentou-se e a cadeira de plástico laranja rangeu. Gohan, que o observava discretamente, foi sentar-se ao pé dele, fazendo ranger também a sua cadeira. Vegeta abriu os olhos só para ver quem tinha ousado sentar-se com ele e depois tornou a fechá-los.

- Estás bem, Vegeta-san?

A resposta demorou algum tempo. Veio seca.

- Estou.

- Eu sei… – Gohan hesitou. Falar com Vegeta com franqueza era arriscado. – Eu sei que deves estar muito preocupado com Trunks. Lembro-me quando, durante o Cell Games, mirai Trunks foi atingido mortalmente pelo monstro. A forma como reagiste…

- Eu estou bem!

Gohan calou-se. Vegeta não era homem de desabafos e de certeza que não o iria fazer com ele, o filho do seu anterior maior inimigo. As memórias apareceram vindas do nada, encheram-lhe a mente de imagens coloridas, fragmentos animados. Gohan disfarçou um sorriso. Naquele instante deu-se conta que passara uma boa parte da sua vida ao lado daquele orgulhoso saiya-jin.

A porta dupla abriu-se e Bulma apareceu, a limpar a cara chorosa com uma mão. Vinha sozinha, o médico ficara lá dentro. Vegeta levantou-se, Gohan também, as cadeiras de plástico rangeram outra vez, aliviadas do peso dos seus ocupantes. Chi-Chi foi ajudada por Videl, também se levantou, a sua cadeira de plástico também rangeu, Gyumao equilibrou-se no seu assento periclitante, como se não o pudesse abandonar ou causava mais uma vítima laranja naquelas urgências. Juntaram-se a Bulma, ansiosos. Ela atirou-se para Vegeta, abraçou-o. Hesitante, ele levantou os braços, sem saber se devia ou não corresponder. Demonstrações públicas de afeto não condiziam com a sua natureza arisca. Não conseguiu abraçá-la, porém, apesar de ela precisar, de o exigir, de suplicar por esse abraço.

Perguntou-lhe ao ouvido.

- Como é que ele está?

Ela respondeu num murmúrio:

- Não vai sobreviver.

Vegeta deixou-se ficar, qual estátua de pedra, a olhar para lado nenhum. Bulma deslizou as mãos da nuca para o peito dele, soltou-o, afastou-se. Sacudiu a cabeleira para trás, respirou fundo. Nada de lágrimas, nada de desesperos. Cabeça fria para raciocinar, precisavam arranjar uma solução para aquele problema. Olhou para todos. Com uma voz analítica, confirmou o estado muito grave de Trunks e revelou o seu maior receio. Apesar de o médico ter tentado dar-lhe esperanças numa evolução positiva do estado do filho, ela sabia que ele iria morrer naquele hospital. Poderia acontecer dali a dias, ou dali a horas, mas iria acontecer.

Chi-Chi ficou pálida, Videl amparou a sogra. Gohan e Kuririn entreolharam-se. Vegeta continuava a olhar para lado nenhum. Gyumao escutava, Maron apertava a mão de Bra com quanta força tinha.

Bulma disse:

- Só há uma maneira de salvar Trunks.

Agarrou nos ombros de Kuririn, abanou-o e exigiu:

- Deves ir imediatamente falar com Son-kun para que vá pedir ao mestre Karin um feijão senzu.

- Um… um feijão senzu?

- Hai.

- Mas… não sabemos se os feijões senzu vieram connosco para a Dimensão Real. As cápsulas hoi-poi não vieram.

- Kuririn, estás a perder tempo! – Explodiu Bulma largando-o com um empurrão.

- E porquê eu? E porquê Goku?

- Porque tu sabes onde mora o meu pai – respondeu Gohan.

- E porque Kakaroto encontra Karin num instante com a Shunkan Idou – respondeu Vegeta.

Todos se voltaram para o príncipe, que já não olhava para lado nenhum.

Kuririn concordou.

- Conto não me demorar.

E, correndo, desapareceu na noite.

Bulma fixava calada a porta da rua por onde Kuririn tinha saído. Matutava noutro pormenor e revelou:

- Espero mesmo que ele não se demore. O médico disse-me que voltava a falar comigo. Existe uma ficha qualquer para preencher, com os dados de Trunks. Identificação. Ainda não está completa, afinal o doente não pode falar e tem estado como anónimo neste hospital.

- Nós não vamos preencher ficha nenhuma – disse Vegeta irritado.

- Não devemos… 

- Não vamos!

- Eu também não quero preencher essa ficha.

- Ah… Por momentos, pensei que tinhas concordado com essa treta.

- Fugir do esquema da Dimensão Real está cada vez mais difícil – suspirou ela.

Vegeta fungou desagradado, cruzou os braços, voltou-lhes costas.

Gohan disse:

- Estive a pensar, Bulma-san… Não podemos utilizar as bolas de dragão para salvar Trunks-kun?

Chi-Chi espevitou-se.

- As bolas de dragão não existem na Dimensão Real – respondeu Bulma.

- Como é que sabes? As bolas de dragão estão ligadas ao meu pai.

- Apenas pessoas ligadas a Son-kun fizeram a viagem entre dimensões, não objetos. Sei que não estão aqui, porque o radar do dragão veio comigo. Estava no bolso da bata que vestia no momento em que fui transportada para a Dimensão Real. Despi a bata, arrumei-a com outras roupas. Mas quando voltei a vesti-la, para trabalhar na máquina das dimensões, encontrei o radar. Acionei-o e não apareceu nenhum sinal no mostrador. O que significa que as bolas de dragão não existem na Dimensão Real.

- Mas se existissem… – divagou Videl – Se existissem, podíamos pedir a Shenron dois desejos. Um desejo seria o de curar Trunks. O outro seria regressar à Dimensão Z.

- Mas se utilizássemos as bolas de dragão, já não as poderíamos tornar a utilizar – disse Bulma. – As bolas de dragão ficariam adormecidas durante um ano e depois passaria o prazo que temos para ressuscitar Goten… que é precisamente um ano.

- Nani?! – Exclamou Chi-Chi, dividindo a sua atenção entre Bulma e Videl.

- Mas o tempo na Dimensão Real corre de maneira diferente na Dimensão Z – alegou Videl. – Enquanto para nós já se passaram sete meses, na Dimensão Z passaram-se apenas sete dias. Ora, se usássemos as bolas de dragão na Dimensão Real e se esperássemos um ano na Dimensão Real, apenas se passavam doze dias na Dimensão Z.

- Mas se um dos desejos seria regressar à Dimensão Z iríamos esperar um ano nessa dimensão e não na Dimensão Real. E mesmo que um de nós, por hipótese, continuasse na Dimensão Real para esperar um ano aqui, para que valesse apenas por doze dias, já não regressaria à Dimensão Z porque o prazo para estarmos nesta dimensão já tinha terminado. As bolas de dragão ficariam presas na Dimensão Real para sempre.

- Nem pensem! – Exclamou Chi-Chi agitada, esbracejando, lançando cada palavra como uma pedra. – As bolas de dragão serão utilizadas na Dimensão Z e para ressuscitar o meu filho! Ele é ainda demasiado jovem para ficar no Outro Mundo. Para Trunks, temos o feijão senzu.

Videl apontou num tom calmo, para serenar a sogra de quem, entretanto, Gohan se tinha aproximado e colocado as mãos sobre os ombros:

- Mas se apenas pessoas vieram com Goku-san para a Dimensão Real e não objetos, se as bolas de dragão não estão aqui, o que nos garante que os feijões senzu também tenham vindo?

- A minha esperança é que tenha acontecido como ao radar do dragão. Que tenham vindo no bolso de alguém.

- Ah… Estou a ver.

- E se não aconteceu? – Arriscou Gohan a perguntar.

Bulma voltou para ele os seus expressivos olhos azuis.

- Sempre irei precisar do teu pai, Gohan-kun. Com a Shunkan Idou ele traz-nos Dende que tem o dom da cura. E Trunks estará salvo!

***

Havia luz numa das janelas da casa de Goku e Kuririn suspirou aliviado. Pelo menos estava em casa. Seria muito azar se, precisamente naquela noite, tivesse saído com Ubo para uma sessão de treinos em parte incerta.

Bateu na porta de madeira, dois toques apenas. Encontrou-a encostada e destrancada. Abriu-a chamando:

- Goku? Estás aí? Sou eu, Kuririn.

Encontrou-o a comer. Sobre a mesa estava um prato, ao lado uma panela quente a fumegar, meio tapada, de onde saía o cabo de uma colher e ainda um candeeiro antigo, alimentado a gás, que iluminava a tarefa. Goku levantou-se, a dizer com alegria:

- Kuririn-kun! Vieste visitar-me.

Levou-o até à mesa, puxou a outra cadeira.

- Vem comer comigo, acompanha-me aqui… Tens de provar isto. É fantástico! Chama-se caldeirada, é feita com muitas variedades de peixe. Foi um dos pescadores. Ubo esteve a ajudá-lo com as redes e ele, para agradecer a ajuda, trouxe-nos esta panela. A comida acabada de fazer. Não te cheira bem?

Kuririn travou o entusiasmo do amigo.

- Goku, desculpa… Mas não estou aqui para te visitar. Aconteceu uma coisa terrível.

- Nani?

Em poucas palavras, porque não podia perder tempo, Kuririn contou o que tinha acontecido, que estavam todos no hospital, que Trunks lutava entre a vida e a morte e que precisavam de um feijão senzu.

E quando era preciso agir, Goku agia sem hesitar, mesmo que tivesse que interromper uma refeição saborosa. Uniu dois dedos na testa e disse:

- Agarra-te ao meu braço. Vamos viajar.

Goku concentrou-se no ki de Karin e, em poucos segundos, estavam junto do mestre com a ajuda da Shunkan Idou.

O aspeto que a Dimensão Real conferia a Karin era, no mínimo, bizarro. Continuava a ser o de um felino branco, mas falar com um gato felpudo, atarracado e barrigudo, que se erguia nas curtas patas traseiras, era algo surreal. Kuririn, que já se sentia esquisito naquele corpo, achou que Karin devia sentir-se muito mais esquisito.

Goku inclinou ligeiramente a cabeça.

- Karin-sama

- Goku-san. O que te traz por cá?

O mestre, nem por um instante, se mostrou surpreendido por vê-los aparecer, de um momento para o outro. Dir-se-ia que os aguardava.

A torre Karin não existia na Dimensão Real. O mestre e Yajirobe viviam numa casa escondida numa mata qualquer, num sítio tão misterioso e inacessível que era impossível encontrar. A casa tinha paredes redondas, como a torre original, dividia-se em dois espaços, um em cada metade. Um átrio, ladrilhado a mármore, de paredes brancas e nuas, e um quarto interior, vedado por uma cortina vermelha.

- Precisamos de um feijão senzu.

- Oh? Um feijão senzu?

Agora, contra o esperado, Karin mostrava-se surpreendido.

- Olá! Temos visitas?

O bonacheirão Yajirobe apareceu, afastando a cortina.

- Olá, Yajirobe – cumprimentou Goku erguendo uma mão. Sorria. – Já há muito tempo que não nos víamos.

- Nunca apareces por estes lados. Nem onde pertencemos, de verdade, nem aqui neste sítio estranho onde estamos agora, que me dá cá umas fomes... Apareces só quando precisas de alguma coisa.

- Tenho o tempo ocupado.

- Ah, sim! Já me esquecia que agora és um sensei.

Kuririn impacientou-se.

- Não estamos aqui para conversar.

Goku coçou a cabeça com um dedo.

- Kuririn tem razão. Karin-sama, o feijão senzu?

O felino deu meia-volta, andou alguns passos, a segurar no seu inseparável bordão de madeira.

- A cultura dos feijões senzu não veio para a Dimensão Real.

- Nani? – Gritou Kuririn.

- Quer dizer que não há feijões senzu? – Perguntou Goku.

- Não foi isso que eu disse.

Yajirobe espetou a enorme barriga e riu-se. Kuririn e Goku olharam para ele ao mesmo tempo. Ao levantar um braço, notaram que exibia entre os dedos uma pequena semente acastanhada.

- Eu tenho aqui um feijão senzu – disse com displicência, como se falasse numa simples guloseima igual a milhares de guloseimas. – Por acaso, ia comê-lo, porque estou a sentir uma fraqueza. E como já tinha dito, esta dimensão dá-me cá umas fomes…

Kuririn largou um berro.

- Não!!!

Yajirobe congelou naquela posição, boca aberta, braço levantado, dedos e semente acastanhada apontados à garganta. Kuririn saltou para cima dele e arrancou-lhe a semente da mão. Yajirobe perdeu o equilíbrio com o empurrão, mas apesar de ter vacilado e de ter trocado as pernas, conseguiu manter-se de pé.

- Eh! Mas o que foi que deu neste?

Kuririn olhou para o feijão na palma da mão, a contemplá-lo embevecido qual tesouro raro. Goku explicou:

- Nós precisamos muito de um feijão senzu, Yajirobe. Podes sempre comer outra coisa qualquer para acalmar a fraqueza… Ouve lá, já ouviste falar de caldeirada?

Yajirobe cruzou os braços amuado.

- Isso é só um feijão senzu!

- A planta não está na Dimensão Real – apontou Kuririn irritado. – E tu ias utilizar o feijão senzu para satisfazer a tua gula, quando nós estamos aqui, no meio de uma emergência…

- Mas não é o último, baka!

Do cinto que lhe prendia a túnica castanha às riscas, Yajirobe retirou outra semente acastanhada e mostrou-a a Goku e Kuririn. Este engasgou-se.

- A cultura não veio para a Dimensão Real, mas vieram alguns feijões senzu que Yajirobe tinha com ele no momento da nossa viagem – explicou Karin. – Pelo que sei, eram cinco. E se já só existem dois, é porque esse glutão andou a comê-los às escondidas.

- E depois? Esta dimensão dá-me cá umas fomes! – Repetiu Yajirobe arrogante. – E quando quero comer, ninguém tem nada a ver com isso. Sejam feijões senzu ou outra coisa qualquer!

Goku riu-se. Kuririn não achava tanta piada.

- Por pouco o teu estômago não ia provocando uma desgraça – observou com desdém.

- Para que raios precisam de um feijão senzu? Quem estão a combater, desta vez?

- Ninguém, Yajirobe. É para salvar Trunks – explicou Goku.

- Ah…

Yajirobe descruzou os braços, olhou para Karin. Mais uma vez, estivera a consultar os potes que, estranhamente, continuavam a funcionar na Dimensão Real, apesar de as imagens serem mais confusas e menos frequentes. O mestre sabia o que se passava. Torceu o nariz, o sacana do gato continuava a esconder-lhe coisas.

Goku despediu-se.

- Até à próxima, Yajirobe. Prometo que te venho ver, um dia destes, e trago-te uma caldeirada. Até à próxima, Karin-sama. Thank you!

A concentração encheu-lhe o rosto, uniu dois dedos, levava-os à testa. Kuririn agarrou-se à túnica, preparado para a viagem. Perguntou:

- Para onde é que vamos agora, Goku?

- Para junto de Bulma.

- Nani? – Os olhos de Kuririn arregalaram-se. – Não! Espera!

Foi tudo muito rápido. Num pestanejar, o átrio redondo de Karin tinha sido substituído pela sala de espera das urgências do hospital.

Gohan balbuciou:

- Otousan

Goku sorriu-lhe. Bulma apareceu no seu campo de visão, tapando Gohan. Furiosa perguntou-lhe:

- Mas o que é que pensas que estás a fazer?

Goku perdeu o sorriso.

- Bulma… Trouxemos o feijão senzu.

- Perdeste o juízo, ou quê? Apareceres aqui, sem mais, nem menos, vindo do nada! – Voltou-se para Kuririn, espetando-lhe um dedo na testa. – E tu não o soubeste avisar?

Kuririn encolheu os ombros, gaguejou:

- Eu tentei, mas já não fui a tempo.

Bulma acabou por se acalmar, ajeitou uma madeixa de cabelo. Moderou o tom da voz:

- Bom, acho que ninguém te viu a chegar assim, pelo que a sorte continua do nosso lado.

Vegeta disse, impaciente:

- Kakaroto, se tens o feijão senzu, vai ter com Trunks e faz o que tens a fazer. Está na hora de deixarmos este maldito lugar.

- Hai.

Bulma conseguiu agarrar-lhe no braço a tempo, Goku olhou para a mão dela que lhe travava o gesto costumeiro que acionava a técnica da transmissão instantânea.

- Não queres fazer isso desde outro sítio? Tens pessoas a olhar para ti.

- Ah… Se achas que é melhor…

- Não acho. Tenho a certeza.

- Está bem.

E foi só depois de Goku ter concordado com ela, com a sua habitual ingenuidade e candura, é que lhe soltou o braço.

Saíram do hospital e refugiaram-se num recanto escuro, debaixo de umas árvores, atrás dos carros estacionados. Bulma pediu a Kuririn que acompanhasse Goku e ele juntou-se ao amigo.

- Estamos aqui à vossa espera – concluiu ela. – Tragam-no são e salvo.

O sorriso que Goku esboçou deu-lhe esperança.

Com a Shunkan Idou, Goku e Kuririn sumiram-se na escuridão, deixando uma aragem quente no ar, que combinou com o suspiro de Bulma.

O próximo cenário, um quarto de hospital mergulhado na penumbra. Nas máquinas ligadas piscavam luzes vermelhas, linhas ondulavam em pequenos monitores verdes. Ouviam-se apitos ritmados e o sopro das bombas dos ventiladores. Existiam três camas, separadas por cortinas brancas penduradas por argolas num varão junto ao teto. Só uma delas estava ocupada, aquela que ficava junto à janela. Pelo vidro entrava um cone de luz azulada, muito suave.

Goku arrepiou-se ao vê-lo. Kuririn disfarçou uma careta de horror. Trunks estava praticamente irreconhecível. Do corpo ferido saíam um sem fim de tubos e fios que o ligavam à garrafa de soro e às máquinas que ladeavam a cama. Os membros desapareciam debaixo de gesso, de compressas e de ligaduras, mesmo o braço onde se espetava a agulha que o alimentava, por onde corria antibióticos e analgésicos. A cabeça estava ligada até aos olhos, tinha um penso volumoso na face direita. O nariz estava desfeito numa papa e a boca abria-se num rasgão para o lado esquerdo, as bordas unidas com agrafos. O torso estava coberto por pensos, celofane, mais ligaduras. Viam-se manchas de sangue tisnando o branco. Estava destapado, deitado de costas sobre a cama, exibindo sem pudor o corpo ferido e desmanchado, a consequência brutal da loucura de uma noite de sábado.

- Dá-lhe o feijão senzu, Kuririn. Depressa.

- Hai.

Kuririn acenou com a cabeça. Segurou o feijão entre os dedos, inclinou-se para Trunks. Hesitou, perguntou em surdina:

- Como é que lhe dou o feijão senzu, se ele está inconsciente?

- Mete-o dentro da boca e ajuda-o a mastigar.

- E se lhe parto alguma coisa?

- Ele já está todo partido! Vá lá, não te preocupes… Se partires, o feijão conserta. Despacha-te, Kuririn. Não gosto deste sítio.

Kuririn apanhou os tubos que saíam da boca de Trunks.

Passos.

Goku olhou imediatamente para a porta entreaberta do quarto. Rodeou a cama, dirigiu-se para a porta mas parou a meio.

Passos e cada vez mais perto.

- Vem aí alguém – murmurou.

Kuririn puxou os tubos. Houve uma máquina que soltou um apito agudo. Abriu a boca de Trunks e enfiou lá para dentro o feijão senzu.

Uma enfermeira entrou no quarto com um tabuleiro metálico nas mãos. Goku ficou pregado ao chão.

- Quem é você? O que está aqui a fazer?

- Eu… eu…

A cortina branca escondia Kuririn. Goku espreitou por cima do ombro e viu o amigo, debruçado sobre Trunks. Ele também servia de escudo e a enfermeira não conseguia perceber o que se estava a passar na cama junto à janela.

- Vamos, vá-se embora daqui – ordenou a mulher com rispidez. – Você não pode estar aqui, nos cuidados intensivos. Aqui não são permitidas visitas. Como é que entrou?

- Eu… perdi-me. Estava à procura das… das casas-de-banho! – E riu-se.

A enfermeira franziu a cara.

- À procura das casas-de-banho?

Avançou dois passos. Goku avançou um e travou-a.

- Não estou a gostar da sua história – disse ela.

- Ah, não? Porquê?

- E saia da minha frente.

Com um movimento de rins, a enfermeira rodeou-o, com uma agilidade tal que Goku foi apanhado de surpresa. Não esperava aquele desembaraço. Ela afastou a cortina branca, encontrou Kuririn e gritou.

- O que é que vocês estão a fazer?

Kuririn, que amparava o queixo de Trunks, levantou a cabeça.

- Cala essa mulher, Goku! Senão, temos o hospital em peso dentro deste quarto!

Goku passou um braço pela cintura da enfermeira, tapou-lhe a boca com uma mão. Ela tentou soltar-se, sem nunca largar o tabuleiro.

Kuririn empurrou o queixo de Trunks, ouviu o feijão estalar entre os dentes, sentiu o osso do maxilar ranger, mas não se deteve. Retirou os tubos do nariz, tapou-lhe as narinas para o obrigar a engolir.

Os olhos da enfermeira esbugalharam-se quando o corpo do doente se agitou num espasmo, saltando na cama, encolhendo-se de seguida com um gemido angustiante. A cara crispou-se, começou a tremer, voltou-se da esquerda para a direita. A enfermeira falava qualquer coisa, mas a mão de Goku sobre a boca tornava-lhe as palavras impercetíveis.

Trunks acordou a pestanejar furiosamente. Estava perplexo por se descobrir curado, sem a mais pequena dor, sem a mais pequena ferida. Completamente são e consciente, em plena forma física. Confuso, olhou para o lado.

- Kuririn-san?

Kuririn sorriu-lhe.

O tabuleiro metálico caiu no chão com estrondo. Kuririn e Trunks voltaram a cabeça.

- Goku-san?

- Vamos embora! – Disse Kuririn.

Goku soltou a enfermeira que levou as mãos à boca a gritar descontrolada. Kuririn apontou um dedo nervoso à mulher.

- Trata dela!

Ouviram-se passos agitados no corredor.

Goku atingiu a enfermeira na nuca com a mão. O golpe foi preciso e indolor, a mulher desmaiou no instante. Deitou-a na cama do centro.

- Trunks, levanta-te daí – ordenou Kuririn.

Com um pequeno aumento de energia, Trunks rebentou o gesso e desfez-se dos agrafos. Depois rasgou as ligaduras e arrancou os pensos. Saltou da cama, a mão de Kuririn tocou-lhe no ombro.

- Estás pronto, Trunks-kun?

Goku preparava-se para usar a Shunkan Idou.

- Eh, Esperem! Eu… não tenho nada vestido!

Os passos estavam na porta.

- Enrola-te no lençol – apontou Kuririn.

- Qual lençol?

Kuririn lançou as unhas à cama onde Trunks estivera deitado.

Goku percebeu que o tempo se tinha esgotado. Alguém ia entrar no quarto.

- Agarra-te a ele – ordenou ao amigo, apanhando-lhe o braço.

Kuririn, de braços cobertos por um pano branco, decorado com um logotipo azul a espaços regulares, voltou-se para Trunks, atirou-se para cima dele. Na porta do quarto surgiram um, dois vultos. A luz acendeu-se, a claridade cegou-o.

Depois, a luz esgotou-se, Kuririn sentiu um breve coice e estavam no recanto escuro, debaixo de umas árvores, atrás dos carros estacionados, onde tinham deixado os outros.

Trunks tentou equilibrar-se, ajeitando o lençol, decorado com o logotipo do hospital, à volta do corpo, tapando, pelo menos, o que era urgente ser tapado. Mas ainda não tinha recuperado da confusão dos últimos acontecimentos, ainda não tinha tapado a parte traseira, quando foi estrangulado por alguém que se atirava ao seu pescoço num abraço espalhafatoso.

- Trunks-kun!

- ’Kaasan

Bulma segurou no rosto dele com as duas mãos, olhou-o feliz:

- Dai jô cá, Trunks? Sentes-te bem?

- Hai, ‘kaasan – respondeu envergonhado, tentando puxar uma terceira ponta para lhe tapar as costas.

Descobriu, no meio daqueles que olhavam para ele, os rostos de Videl e de Chi-Chi e corou. Descobriu Maron e corou mais ainda. A sua irmã dava a mão à filha de Kuririn e sorriu-lhe.

- Nii-chan

- Bra.

- Que bom, já estás curado! Vais brincar comigo agora, não vais, nii-chan?

O seu olhar viajava entre Bra e Maron. Sentia-se exposto, o lençol estava todo torcido, embrulhado, não estava a tapar nada e ele a puxar cada ponta que lhe fugia dos dedos, e teve vergonha por ter a Maron a olhar para ele, com um ar sério, mas os olhos, que não mentem, expressavam um cristalino alívio e um apaixonado enlevo. Trunks tinha um nó na garganta e a estranha sensação de que precisava ser salvo, outra vez, agora dali e dos olhos de Maron. Olhou para o lado esquerdo e viu o pai.

A reação de Vegeta foi típica. Confirmou que ele estava bem, um olhar de relance. Voltou-se para os outros e tomou as rédeas da situação, dizendo:

- Vamos embora. Já estivemos demasiado tempo neste maldito sítio.

Trunks reparou que o pai evitava encará-lo.

- Amanhã à tarde, quero-vos a todos na minha casa. Vamos ter uma conversa muito séria!

Goku assumiu a resposta da maioria:

- Hai. Estaremos lá.

E como ninguém acrescentou mais nada, a reunião ficou decidida.

Bulma disse:

- Arigato, Son-kun. Mais uma vez, ajudaste-me num assunto delicado.

- Podes sempre contar comigo, Bulma. Eh, Trunks…

Trunks apertou o lençol com força.

- Mantém-te longe de sarilhos. Já não há mais feijões senzu na Dimensão Real.

- Hai – respondeu, num sussurro.

Gohan avançou para o pai.

- Queres que te leve a casa? Fica no caminho…

- Hai, Gohan. – Reparou na mulher e sorriu-lhe. As faces de Chi-Chi enrubesceram e Goku adorou esse pormenor. – Vem comigo.

- Não, Goku-san – gaguejou, apertando as mãos. – Vou voltar para casa com o meu pai.

- Gostava que viesses e que ficasses comigo esta noite. Ubo não vai estar em casa, porque foi treinar e só deve regressar depois de amanhã.

- Ela vai contigo – apressou-se a dizer Gyumao. – Volto sozinho para casa.

- Otou’… – Chi-Chi tornou a corar.

- Bem, está decidido – disse Gohan. – Também vens connosco, ’kaasan.

Separaram-se com despedidas breves, prometendo que se voltariam a encontrar no dia seguinte, na casa de Bulma, tal como combinado. Vegeta fungou, o que indicava que se faltassem à promessa iria buscá-los onde quer que estivessem.

Fim de uma aventura que todos desejavam nunca ter acontecido.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O cerco aperta-se.



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