O Feiticeiro Parte II - A Dimensão Z escrita por André Tornado


Capítulo 14
III.6 Limite.




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A discoteca estava cheia, a abarrotar. As pessoas comprimiam-se em todos os cantos, em qualquer espaço livre, quer fosse nas passagens, na pista, junto aos bares. A música imprimia ao ambiente um ritmo contagiante. Os corpos ondulavam, cabeças para cima e para baixo, braços no ar, rostos brilhantes e sombrios agitavam-se no espaço dançante.

Os copos de álcool vertiam-se na garganta, um atrás do outro. Quantos tinham sido, já tinha perdido a conta, mas tinham sido muitos. Provavelmente demais, até para ele que aguentava a bebida. Deixou mais um copo em cima do balcão do bar do piso inferior da “Kadoc”. Pediu outro vodka com limão. Trunks fechou os olhos e sentiu que estava a ser levado na crista de uma onda.

Havia mais de uma semana que não punha os pés em casa. A mãe devia estar preocupada. O pai devia estar furioso. Mas não tinha vindo à procura dele, estava a falhar. Talvez estivesse cansado do jogo e desistira de o perseguir.

– Ora, Vegeta. Assim não tem piada – suspirou, abrindo os olhos.

Agarrou no segundo copo de vodka com limão e saiu da confusão do bar. Era quem mais conseguia acotovelar o outro para conseguir a miséria de uma imperial.

A música era sempre igual e dava-lhe sono. Bebeu de um trago quase metade do vodka. Procurou pelo João. Onde estaria metido aquele gajo?

Um braço passou pela sua cintura. Voltou-se e descobriu o sorriso lascivo da Manuela daquela cidade do norte do país que ainda não tinha conseguido decorar.

– Tiago, andas a fugir de mim?

– Não, nena. Fui buscar… combustível.

Ela colou o seu escultural corpo moreno ao dele, esfregando-se descaradamente. Beijaram-se e enquanto sentia a língua dela enrolar-se na dele, teve aquela sensação de vitória a inflar-lhe o espírito. Tinha-a conquistado, a Manuela era dele. Sempre fora dele, desde a primeira noite em que se tinham conhecido no “Académico”.

O aroma do corpo dela entrou-lhe pelo nariz. Cheirava a especiarias e a praia, a verão. Também a Candy cheirava assim, a beldade dos olhos azuis e do cabelo preto que era da turma de Son Goten e que ele, um dia, tinha convidado para sair, quando deixara o Bob a dormir no passeio de cimento.

– Son Goten…

A música abafou-lhe as palavras. Estremeceu.

– O que foi que disseste?

Empurrou a Manuela com brusquidão. Ela ficou espantada.

– Mas o que foi que te deu, filho da pu…?

Afastou-se, com a cabeça zonza, a tropeçar nas próprias pernas, fugindo do fantasma que o assombrava, da verdade dolorosa que lhe furava o coração. E porque estúpida razão se lembrara do amigo, quando beijava a Manuela? Era raro pensar nele na Dimensão Real.

O som da música prolongava-se para o infinito. Duas raparigas passaram por ele e olharam-no dos pés à cabeça. Trunks sorriu-lhes, elas gostaram. Bebeu o vodka até ao fim, deixou o copo vazio numa das mesas de pé alto. Estava cada vez mais embriagado e não lhe parecia suficiente. Naquela noite iria beber até ficar inconsciente para se esquecer de tudo o que havia para esquecer. Dirigiu-se ao bar. Pelo caminho deu um encontrão num rapaz. Levantou os braços, desculpando-se de forma desajeitada.

A vista nublava-se. As pessoas e os objetos que via tomavam contornos redondos. O seu pensamento também estava redondo. Apontou para o bar, iria a descair até ao balcão, como um avião sem motores a planar até à pista, quando sentiu uma mão no ombro. Voltou-se e sentiu uma tontura tão forte que quase o atirou ao chão.

– Maron?

Ela ficou parada a olhar para ele.

O barulho era demasiado para que pudessem conversar em condições. Agarrou na mão dela e levou-a até um dos pátios exteriores que os frequentadores da discoteca usavam para se refrescar com o ar da noite, juntamente com uma bebida bem fornecida de gelo.

Tentou parecer sóbrio, mas tinha realmente bebido demasiado. As palavras encalharam nos dentes e a pergunta saiu aos soluços:

– O que é que fazes aqui?

– O mesmo que tu.

– Não devias estar aqui.

– Nem tu.

Uma aragem fresca agitou os cabelos loiros dela. A Maron estava muito bonita naquela noite. Goten soubera escolher a rapariga que queria para sua parceira. Trunks sacudiu a cabeça. Outra vez Goten. Amaldiçoou-se em silêncio por insistir em pensar no amigo que abandonara do outro lado da porta dos mundos. Teve de se apoiar na parede para não cair.

– O teu estado é lamentável.

– Porque é que dizes isso. Só bebi uns copos…

– Bebeste mais do que uns copos. Não te quero ao pé de mim, Trunks.

– Chamo-me… Tiago, nena.

Maron torceu o nariz.

– Não me venhas com essas tretas que aprendeste na Dimensão Real.

– Quais tretas?

– Eu conheço-te. Não tentes ser comigo o idiota que gostas de ser com esses teus amigos desta dimensão.

– E qual foi o nome que a minha mãe arranjou para ti?

– Não precisas de me chamar por esse nome horroroso.

– Já me lembro! Tu és a Madalena.

– Detesto esse nome, para que saibas. Não me chames isso ou arriscas-te…

Ele animava-se com as reações dela. Gostava de raparigas que se voltavam com as unhas afiadas, porque depois acabava por domá-las, pequenas leoas que caíam sob o seu domínio, suspirando com os beijos dele, amolecendo, recolhendo as unhas. O álcool corria-lhe nas veias, misturando-se perigosamente com o seu sangue saiya-jin.

– Arrisco-me a quê?

– Arriscas-te a levar na cara!

A gargalhada que deu foi tão espalhafatosa que quem estava no pátio olhou para eles. A voz saiu-lhe entaramelada:

– Continuas… com o mesmo espírito, Maron-san!

Ela estendeu um braço, abriu os dedos da mão. Trunks colocou-se instintivamente em posição defensiva, como se ela fosse disparar um ataque energético.

– Não me sigas – avisou ela, com um sorriso, percebendo que, por segundos, o assustara. – Vou divertir-me, esta noite. E não quero um bêbado atrás de mim, a vigiar-me como se eu não soubesse cuidar-me.

– Não te… metas com rapazes.

– Não tens nada a ver com isso.

– Os rapazes não prestam.

Ela encolheu os ombros, desdenhosa, outro dos trejeitos herdados da mãe. Deixou o pátio, entrou na confusão da discoteca, perdeu-se no escuro e na música.

Trunks sentiu-se tonto. Não podia deixá-la ir assim, teria mesmo que segui-la, apesar do aviso, evitar que ela fizesse alguma asneira. O Luís interpelou-o:

– Estás aqui? O João anda à tua procura.

– Sim?

Retornou ao interior. As luzes coloridas piscavam com a música, alternando escuridão com rasgos brancos, vermelhos, azuis, verdes, amarelos. Como já não havia mais espaço na pista, havia quem dançasse nos corredores e assim aumentava a confusão, porque entravavam aqueles que queriam passar. Trunks esgueirou-se entre um grupo de rapazes, houve alguém que o conheceu, mas ele não soube quem era. O rapaz tinha um pequeno comprimido redondo entre os dedos. Trunks abriu a boca e o outro atirou o comprimido lá para dentro. Estendeu-lhe uma garrafa de água, Trunks bebeu-a até ao fim. Precisava de mais combustível. Encontrou o João a caminho do bar.

Ao princípio, não percebeu nada do que lhe dizia o João. A discoteca estava a dissolver-se em cores e em sons, numa massa borbulhante e fervente, a papa primordial do início dos tempos, lentamente, como se a velocidade ainda não tivesse sido inventada. Depois, aos poucos, a boca do João começou a mover-se normalmente e ele percebeu a frase gritada:

– A Manuela está muito zangada contigo.

– Ah… Essa. Viste a Maron?

– Quem?

– Esquece. Vai lá acalmar a Manuela por mim.

– O que é isso, espanhol? A gaja quer-te é a ti!

– Faz-me esse favor.

A cara do João tinha uma expressão engraçada, como se ele tivesse acabado de enlouquecer. Precisava de outro comprimido daqueles, gostara do pontapé que levara no cérebro. Voltou-se, à procura do rapaz. Fê-lo tão de repente, que encalhou num gigante musculado, derrubando-lhe a imperial, molhando-o com a bebida de cevada. Com uma mão enorme, o gigante agarrou-o pela t-shirt.

– Estás morto!

Trunks riu-se.

– Já te vou tirar a vontade de rir, lindinho.

O João tinha-se evaporado. O gigante tinha dois amigos iguais, gigantes como ele, que se juntavam à festa. Tinham pinta de porteiros de bares de alterne. Uma cara feia, cabelo rapado, gestos deselegantes, uma presença imponente.

– Vamos lá para fora!

Alguém apareceu ao pé dele assim que o gigante lhe largou a t-shirt.

– Precisas de ajuda?

– Maron?!

Tentou endireitar-se, tomar o comando da situação, mas estava demasiado bêbado, tonto e dopado para ser convincente.

– Vai-te embora daqui – pediu. – Isto não te diz respeito.

– Não vais conseguir desembaraçar-te deles, nesse estado.

– Consigo desembaraçar-me deles a dormir. Não preciso de ti.

– Mas eu quero participar.

O primeiro gigante soltou uma gargalhada.

– Olhem, o lindinho trouxe a namoradinha para defendê-lo.

Saíram para o parque de estacionamento. Trunks deu por si no chão. Estava tão aturdido pelo álcool que não se aguentou nas pernas. Talvez a Maron tivesse razão e ele precisasse de ajuda. Era um sítio escuro, longe da entrada principal. Deviam ter saído por alguma porta lateral, daquelas escondidas, para as emergências. Ele não se lembrava como é que tinha saído da discoteca.

Os três gigantes postaram-se diante dele. Levantou-se. A Maron ocupou o seu lugar, ao lado dele. Tentou focar os olhos, pareciam-lhe mais do que três gigantes, uma multidão de gigantes, cópias borradas uns dos outros enchendo o parque de estacionamento.

Mas que fossem três, ou mil, não o conseguiriam parar naquele estado de excitação, um único pensamento em mente: destruir tudo. Estava disposto a dar espetáculo, uma grande exibição do filho do príncipe dos saiya-jin!

O primeiro gigante avançou.

– Vou começar com a gaja – disse, a fazer estalar os nós dos dedos.

– Vê lá. Não a deixes demasiado partida. Pode servir para que a gente se divirta com ela.

– Está caladinho, Dinis! Quero bater-lhe, não a quero comer.

– Se me conseguires acertar – desafiou Maron.

Trunks perguntou-lhe:

– Tens a certeza que te aguentas? Este corpo é diferente daquele que temos na Dimensão Z.

Não recebeu uma resposta. Ela foi rápida e precisa. Pelos vistos, não lhe apetecia brincar. Atingiu o gigante com um soco no estômago. Este nem gritou. Revirou os olhos e caiu desmaiado, com um baque seco.

Houve um gigante que ainda hesitou, ao ver a forma fulminante como Maron despachara o amigo. Mas avançou, não estava sozinho e sentiu-se confiante. Socou Trunks com toda a força. Ele perdeu o equilíbrio e estatelou-se no chão, de costas. Levou a mão aos queixos, a analisar mentalmente a potência daquele soco. Fraco.

Uma mão agarrou-o pela t-shirt, a outra mão esmurrou-o. O nariz explodiu em sangue e em dor. Deitou a cabeça na terra. Os dois gigantes ladearam-no. Ele gostou de estar deitado, a mente a rodopiar sem fim. Ficaria ali se não tivesse recebido um pontapé nas costelas que o despertou. Outro pontapé e mais outro.

Abriu os olhos, reagiu. Rasteirou os dois gigantes, varrendo-as com as pernas, transformando o corpo numa ventoinha. Levantou-se, pouco seguro, a vista nublada, os ouvidos surdos.

Os gigantes também se levantaram. Um deles alçou o braço, dentes cerrados. Não havia tempo, nem vontade, para mais brincadeiras. Trunks gritou. Debaixo dele, a terra tremeu.

Maron quedou-se admirada.

Trunks estava dourado. Os seus cabelos eram agora loiros, os seus olhos verdes, emitia calor e energia. Tinha-se transformado em super saiya-jin!

Os gigantes estacaram petrificados, como se estivessem a observar um fenómeno do outro mundo. Não era propriamente do outro mundo, mas de outra dimensão.

Mas o que estás a fazer, baka? – Zangou-se Maron.

Estou a divertir-me.

– O que é isto? – Gaguejou um dos gigantes.

– Não sei – gaguejou o outro.

A rapidez dos golpes foi estonteante, até Maron teve dificuldade em vê-los. Trunks moveu-se como um raio entre os gigantes, derrubando-os, deixando-os inconscientes com um par de murros certeiros.

Voltou ao seu estado normal e riu-se. Maron olhou-o séria.

– Apesar dessa demonstração, continuas bêbado.

– Nunca se deve subestimar um super saiya-jin bêbado.

E conseguiu que ela se risse. Trunks fez alguns alongamentos, respirando fundo.

– Soube-me bem acabar com eles. Estava a ficar enferrujado.

– Não lhes bateste com muita força, pois não?

– Só lhes encostei um dedo.

– O que será que irão contar amanhã?

– Que foram atacados por um extraterrestre que brilhava.

– Ou um demónio!

– Não estavam à espera de uma tareia destas.

– Se Goten estivesse aqui connosco, seria perfeito. Três contra três!

Trunks engasgou-se. Sentiu-se triste e pesado quando olhou para Maron.

– Por que é que falaste nele? Não sabes que não podes falar nele?

Ela pediu-lhe, numa voz doce e calma, tentando confortá-lo:

– Não sintas essa culpa, Trunks.

Mas ele não queria conforto.

– Porque não, se sou culpado?

E desatou a correr, deixando-a a gritar pelo seu nome, chamando-o por cima das vagas que o engoliam, no naufrágio eterno da sua alma depois daquele dia no Templo da Lua.

Entrou no Toyota vermelho com um salto, ligou o motor. Agarrou no volante, carregou furiosamente o pé no acelerador. Os pneus chiaram, o carro derrapou, entrou na estrada.

Fugia. Para longe. Para o fim do mundo. Quis desaparecer, transformar-se em ar e deixar simplesmente de existir. Dentro dele não havia ninguém. Dentro dele não havia nada.

O carro deslizava no asfalto negro. O ponteiro do velocímetro ia galgando números, a chegar depressa ao fim do mostrador. O asfalto, tão negro como o que ele entendia dentro dele. Ninguém. Nada.

As árvores passavam rapidamente pelo carro. As casas, os postes de eletricidade, os carros na faixa contrária. Mais velocidade! Trunks pressionava o acelerador com ganas, até sentir que não podia pressionar mais, chegado ao fundo. Dentes apertados, ouvia o coração bater na cabeça que girava como um pião.

Porque tinha ele entrado no jogo maldito de Zephir? Porque tinha ele sido tão descuidado ao ponto de se ter deixado enfeitiçar? Piccolo-san bem o tinha avisado.

Nunca mais iria ver o seu amigo. Nunca mais… As saudades eram insuportáveis porque se misturavam com os remorsos. Sabia que nunca mais regressariam à Dimensão Z e que não iriam procurar pelas bolas de dragão e que Goten não voltaria à vida. Não… nunca mais.

Goten estava no Outro Mundo. Será que o via, desde o Outro Mundo, mesmo ele estando naquela dimensão?

O seu maior desejo era pedir-lhe perdão.

– Perdoa-me, Goten-kun. Perdoa-me.

Trunks tinha de falar com ele, cara a cara, para lhe dizer… Para saber…

Encostou-se no banco do automóvel, as mãos escorregaram do volante, fechou os olhos. Os pés resvalaram dos pedais. O corpo amoleceu, descontraído e inerte. Apelou ao sono, um sono forçado e fingido, louco, desejado. O mundo deu uma pirueta. Onde era chão era céu, onde era céu era chão.

A estrada desapareceu. O Toyota vermelho voava pelo mundo, a desafiar todas as leis da física. Trunks sorriu. Quase, quase… Sentia a velocidade, o inevitável, a mão gelada que o puxava.

As árvores, as casas, os postes de eletricidade dissolveram-se numa mancha negra. Corriam sem parar nos vidros da janela do carro e depois…

Estrondo. Dor. E nada.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Nunca desistir.



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