Adentrei aquela pequena sala com certa desconfiança. Hm, isso não é normal em mim. Logo eu, que tenho tudo que quero, faço tudo que quero e nunca precisei arcar com as consequências. Como é bom ser eu, pena que ninguém mais o é. Ainda não entendo por que Matt obrigou-me a vir nesse lugar desprezível. Eu sou muito bom para terapia.

Mal tive tempo de continuar minha reflexão sobre como sou um ser realmente perfeito e aquele homúnculo entrou no local. Olhou para mim como se analisasse minha pessoa e apontou para um divã, pedindo que eu me deitasse.

Comecei a desgostar da ideia nesse momento. Matt levou anos para mandar eu me deitar (tá certo que ele já nem pede mais, simplesmente me joga na cama e pula em cima de mim, como se não pesasse uma grama). Ele simplesmente não era bom o suficiente para fazer isso.

– Então Mello, por onde gostaria de começar? – ele perguntou com um sorriso imbecil na face.

Como assim “Por onde gostaria de começar"?? Ele é o maldito terapeuta, eu não sabia que teria de decidir as coisas por aqui também. Humpf, homúnculo incompetente. Além disso, “Mello” é só para os íntimos (só para o Matt). Ele deveria se dirigir a mim como Mihael. Acabei abandonando meus pensamentos novamente e respondi:

– Digamos que é difícil achar um ponto inicial. Vejamos, que tal começar com meu irracional e sensual vício por chocolates caros? Ou talvez pelo irresistível amor que dedico ao homem que mora comigo. Também posso te contar como odeio essa humanidade podre. Você escolhe.

Ironia? Imagine, não tem nada a ver comigo. Bom, claro que o bastardo não tinha me entendido. Sua expressão era exatamente igual a de Near quando não conseguia resolver meus complexos dilemas – ah, mas que coincidência, eu sou um complexo (e sexy) dilema, faço questão de salientar.

–Seguiremos a ordem dos itens que citou então. – ele sorria um pouco sem graça – Explique a relação entre sensual e irracional quanto ao seu vicio por chocolates caros.

Ouvi uma risada tão debochada em minha mente que quase ri da mesma maneira, mas contive-me (afinal sou um homem muito educado).

–Ora, responda-me você. O quão bom seria se uma pessoa extremamente sexy te seduzisse com um chocolate caro? – fiz uma pausa para que ele pudesse imaginar. O homúnculo era um pervertido e já estava viajando em suas fantasias. – Seria bom, não? Entretanto, é um vício completamente irracional! De tanto seduzir com esses chocolates, eu acabaria transformando esse meu invejável físico em banhas nojentas e flácidas.

Pude perceber que a criatura ficara constrangida com a minha humildade. O que eu posso fazer, eu sou muito perfeito. Até aquele homúnculo sentado a minha frente me desejava.

–Por que não ir ao próximo tópico... Você mora com um homem, Mello? E ainda disse que tem um amor irresistível por ele. Como se sente sobre isso?

Mello novamente. Criatura abusada... Criatura abusada que tem um físico até que bonito para a estatura. De certo ângulo lembrava Matt.

–Você é um homem sexy.

Óbvio que era uma sátira. Jamais elogiaria outro homem que não Matt – e mal faço elogios a ele. A risada debochada vinha em minha mente de novo enquanto eu observava aquele ser. Ele tentava disfarçar a felicidade que sentia por ouvir um elogio da minha pessoa: olhava para os lados, ajeitava papéis em sua mesa, brincava com as próprias mãos... Nada adiantaria, a melhor sensação do mundo é ouvir meus elogios, por favor.

Apesar de toda a minha certeza o homúnculo começou a suar, se levantou de sua cadeira e pediu que eu me retirasse do recinto. Humpf, acho que sou sexy demais pra ele.