Quando escuto a palavra oráculo, geralmente me vem à cabeça uma anciã com longos cabelos brancos, vestes centenárias e ornamentadas, talvez até um cajado maneiro. Ao invés disso encontro uma garota de aparentemente 17 ou 18 anos com cachos ruivos até os ombros, muitas sardas e grandes olhos verdes. Ela vestia um jeans manchado de tinta enquanto organizava uns quadros em aquarela na prateleira.

– Oh, você chegou rápido aqui em cima, Cloé Stone - disse ela, deixando a última pintura no lugar e vindo em minha direção com um sorriso no rosto - Prazer, meu nome é Rachel Elizabeth Dare. Sou a portadora do espírito do Oráculo de Delphis. Pode me chamar de Rachel.

– Er.. Olá, Rachel. Você é o Oráculo? - perguntei surpresa. Será que eu nunca deixaria de me surpreender naquele lugar?

– Não acabei de falar que sim? - ela revirou os olhos, mas não de uma forma antipática - Mas não faz muito tempo. Para ser sincera, ainda não me acostumei direito com isso. Agora mesmo estava pintando quando deixei meu pincel cair ao recitar a profecia em voz alta. Eu podia ter borrado meu trabalho!

– Rachel - falei, hesitante - Por acaso essa profecia tem alguma coisa a ver comigo? Por isso me chamou?

Eu estava hipernervosa e queria acabar logo com aquilo.

– Mas é claro! - disse Rachel - Eu apenas queria que nos conhecêssemos um pouco melhor antes de eu sair falando o seu futuro. Até porque assim posso interpretar melhor o que o Espírito de Delphis me revelou. Está pronta para ouvir, então?

Apreensiva, fiz que sim com a cabeça. Rachel começou a recitar:

Eram três irmãs, o coração de uma se calou

O desejo de sangue é acendido pela vingança

Encontrará as cobras no Templo do Sol

Para evitar a tragédia três são necessários na aliança.

Eu pisquei. Não havia entendido muita coisa, mas de algo eu tinha certeza: haviam problemas a vista.

Rachel não saía de seu transe. Seus olhos continuavam mortos, sem se mover. Comecei a ficar preocupada. Quando ia tomar alguma atitude - sacudí-la, beliscá-la, chamar por ajuda ou qualquer coisa do gênero - ela voltou a si e arregalou os olhos.

– Você está bem? - perguntei - Aconteceu alguma coisa?

– Sim - disse ela - Acabei de ter mais uma visão ao terminar de recitar a profecia. Está relacionado a você. Um dos membros… Você terá desentendimentos com um dos membros da aliança…

Ahn? O quê? Rachel estava me dando mais intruções? Mas eu mal tinha captado a primeira parte da missão!

– Desentendimentos com um dos membros… Momentos difíceis… Um sentimento profundo e arrebatador pode por tudo a perder… - Rachel murmurava, hesitava, murmurava e hesitava de novo, como se as imagens que ela recebera pelo Espírito de Delphis fossem voltando lentamente à sua memória e ela estivesse tentando conectar uma coisa à outra. Em um momento ela colocou uma das mãos sobre a têmpora, fechando bem os olhos - Os deuses estão envolvidos… Não, não todos… AH!! - Rachel gritou de repente, abrindo os olhos novamente e me fazendo pular de susto - Outra visão! Eu vejo um homem no templo do sol! Muitos, muitos livros…

E então ela caiu numa poltrona próxima, sua testa coberta de suor.

– Ai, que dor de cabeça… - Rachel murmurou.

Continuei em pé de frente para ela, sem saber o que dizer ou fazer. Enfim ouvimos lá fora um som que interpretei como toque de recolher, pois ouvia dezenas de pés lá fora se afastando da Casa Grande em direção aos chalés. Rachel se levantou nesse momento, parecendo exausta.

– Acho que devemos ir para cama, Cloé. Ainda tenho que estudar para as provas dessa semana na escola e você deve tentar juntar as peças do que eu lhe falei. Se eu tiver qualquer outro insight que possa ser de alguma utilidade para você, entrarei em contato. Boa noite! E seja bem vinda ao Acampamento meio-Sangue!

Só posso dizer que mal consegui dormir essa noite. Eu não fazia ideia de como funcionava uma missão para semi-deuses, mas pelo visto tínhamos alguns versos que rimavam, outras frases sem muito sentido e nossa imaginação para adivinhar o que tudo aquilo queria dizer.

Três irmãs? O coração de uma se calou? Certo, isso quer dizer que uma delas morreu. Pobrezinha. Ou então as três irmãs podem ser alegorias, alusões a uma infinidade de possibilidades, e sua "morte" seria ainda mais simbólica. Melhor continuar considerando que são três irmãs de verdade.

Tem também a parte do desejo de sangue e vingança. Isso não é coisa boa. Significa que eu estou no meio de um encrenca daquelas.

A parte do encontro das cobras no templo do sol é o que menos faz sentido. Templo do Sol? O que é isso?! Sol me faz pensar em Apolo… Será que é em algum templo dedicado a ele? E o que são essas cobras? Os inimigos que querem se vingar?

Acho que dessa forma faz sentido. São três irmãs, uma morreu, e elas querem se vingar. Estão escondidas no Templo do Sol, seja lá onde for, para onde três semi-deuses devem ir para completar a missão. Devo formar uma equipe com mais duas pessoas.

O pior de tudo é saber que teremos desentendimentos na equipe. "Um sentimento pode por tudo a perder", dissera Rachel. Provavelmente teremos que tomar cuidado com o ódio e o rancor gerado por desavenças.

Alguns deuses estão envolvidos… E há um homem rodeado por livros no tal Templo do Sol. Será que ele é um dos inimigos? Peguei no sono nesse momento, com o cérebro latejando com tantas incertezas.

Acordei com o nascer do sol cegando minha retina. Que falta não faz uma parede no chalé de Poseidon… Poder ver a água a qualquer momento é legal, mas eu não imaginei que o sol viria direto para o meu rosto! Franzi os olhos e virei para o outro lado. Eu tinha pego no sono bem tarde, não queria acordar agora!

– Cloé… - uma voz doce sussurrou em meu ouvido - Não esquça: hoje, ao pôr-do-sol, no campo de morangos.

Apolo!!!

Levantei de um pulo da cama só para ver um Apolo muito dourado acabando de desaparecer do chalé, e então o quarto voltou a ter uma claridade normal que não feria os olhos.

Droga!!! Eu perdi a chance de falar com Apolo logo de manhã! Agora teria que esperar o dia inteiro para vê-lo novamente enquanto ele conduzia o nascer do sol por aí! Apesar disso, só de vê-lo por alguns segundos eu já acordei de bom humor e disposta a qualquer coisa. Percy roncava em uma das camas, completamente apagado e alheio a tudo. Quase tinha me esquecido dele! Que estranho que era dormir com um garoto no quarto… Mesmo que esse garoto fosse meu irmão, ainda era um completo estranho para mim.

Encontrei o banheiro e fui lavar o rosto. Meus deuses!! Espero que Apolo não tenha reparado nas minhas olheiras! Eu ia tomar um banho logo cedo, mas mudei de ideia, coloquei meu maiô de natação e entrei na água do lago.

Ela era fria e límpida. Perfeita. A água me ajudava a pensar. Pena que me distraí fazendo uma escultura de água de Apolo debaixo d'água… Logo depois voltei a me concentrar, desfazendo aquilo antes que alguém visse.

Eu não conseguia me lembrar, mas sabia que tinha sonhado com algo importante. Fechei os olhos e tentei desocupar a mente - o que era difícil, com a imagem de apolo tão lindo e brilhante ainda fresca na memória. Finalmente, lembrei com o que havia sonhado: com meu padrasto. Ele estava rodeado por livros, como sempre, porém parecia assustado. Seu rosto mostrava exaustão e ele parecia não dormir há uns dois ou três dias. Os livros não eram livros normais, mas livros incrivelmente grandes, com desenhos de mapas, escritas antigas e uma imagem do que parecia ser um castelo submarino. Imediatamente me lembrei do filme da Pequena Sereia, pois o castelo me lembrava Atlântida. O lugar onde meu pai humano estava era esquisito, parecia um templo…

E foi então que a resposta me atingiu como um raio. O homem da profecia é meu padrasto!!! Eu sei para onde levaram ele!! Ele está preso no templo do sol!!! E alguém está obrigando-o a conseguir informações, com certeza. Informações sobre… Atlântida?

Engoli em seco.

"Os deuses estão envolvidos."

Alguém quer informações sobre Poseidon.

Meus dois pais correm perigo.