Vida De Monstro - Livro Três - A Guerra escrita por Mateus Kamui


Capítulo 3
III - Michael


Notas iniciais do capítulo

Mais um capitulo saindo do forno para todos apreciarem e espero que gostem :)



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III – Michael

-Parabéns Michael, a partir de hoje você é um de nós

Senti a adaga tocando minha pele o desenho começou a ser traçado, cada movimento era extremamente doloroso, mas a dor nos faz crescer quando ministrada da maneira correta e quando era recebida pela mente e o corpo correto.

Após longos minutos de dor a sensação do toque da adaga sumiu, passei os dedos pela marca que fora desenhada, era a tatuagem do meu clã, mas diferente das tatuagens humanas aquela não era feita com agulha e tinta, mas sim com aquela adaga que era dita por muitos como mágica:

-Obrigado irmão Hector – disse encarando o meu novo líder que portava a adaga

Abracei meu líder e então um por um dos meus novos irmãos e irmãs, éramos vinte e quatro reunidos ali naquela tribo, podia ver o rosto de cada um ali, todos felizes por terem mais um irmão entre eles, mais um membro da tribo dos Filhos de Coahoma, os filhos do lendário Pantera Vermelha:

-Finalmente não é mesmo? – disse Peter me dando um tapa nas costas

-Finalmente? – ele só podia estar zoando comigo – Eu fiz em um mês algo que muitos passam cinco a seis ciclos da lua droga 

-Isso é verdade – disse Carl abrindo um sorriso – Você não deveria ter batido no grande prodígio Peter

Agora todos me chamavam assim, o grande prodígio, só porque eu completei em um ciclo lunar algo que dura muito mais tempo, por sinal um ciclo lunar demorava vinte e oito dias, de acordo com Hector apenas duas pessoas haviam completado o treinamento em um ciclo lunar, o grande líder Miakoda e aquela que é conhecida como a presa vermelha, a lendária Luna Sand:

-Não fiquem irritando e batendo no prodígio – disse Hector se aproximando de nós – O grande líder vai querê-lo inteiro, agora vamos apenas festejar a iniciação de mais um irmão e o retorno dos guardiões da floresta

-Eles viram hoje? – perguntei sentindo a marca vibrando

-Sim, eles querem vê-lo também e querem rever seu velho amigo – disse Hector tocando na sua tatuagem onde estava representando o espírito guardião dos rios

Todos começaram a preparar a festa, algumas ninfas começaram a aparecer da floresta acompanhadas de driades e alguns poucos sátiro, todos carregavam cestas cheias de frutas, peixes, alguns frangos e garrafas de algo que deveria ser vinho:

-Sejam bem vindos guardiões – disse Hector abraçando o mais velho dos sátiros

-Eu que agradeço o seu convite líder dos Filhos de Coahoma, onde está o puro sangue?

-Aproxime-se Michael Winchester

Corri rapidamente na direção do líder e do sátiro:

-É um prazer conhecê-lo guardião – disse fazendo uma referencia para o sátiro

-Eu que deveria baixar a cabeça perante um puro sangue e que ainda carrega o mesmo nome que a nossa salvadora – eu soube das historias de minha irmã, uma das salvadoras dos guardiões da floresta durante a batalha em Arcádia

-Eu sou apenas mais um como qualquer outro de meus irmãos independentemente do meu sangue e do meu nome

-Sua modéstia é sincera e pura Michael Winchester

O sátiro então começou a caminhar para perto do caldeirão onde alguns de meus irmãos preparavam os frangos e as minhas irmãs assavam os peixes. Fiquei conversando a festa inteira, nem mesmo comi nada, apenas fiquei conversando com todos, era muito bom fazer aquilo, mas então as conversas pararam para todos nós observávamos a aproximação dos grandes ents acompanhados de criaturas que a primeira vista pareciam animais, mas então percebi que eles não eram feito de matéria, mas sim de ectoplasma, eram os espíritos materializados nas suas formas primordiais.

Assim que eles se aproximaram a tatuagem no peito de Hector começou a brilhar e então ela sumiu do seu peito e se materializou na forma de uma enorme truta que começou a caminhar ao lado de seus velhos companheiros e então Hector começou a conversar com o líder dos ents.

Peguei um corno e enchi de vinho, depois peguei dois peixes espetados e caminhei para um canto. Comi e bebi sozinho e apenas observando aquelas criaturas festeiras e felizes, todas as tribos de lobisomens provavelmente também estavam daquele jeito, os guardiões haviam voltado depois de duzentos anos, uma excelente noticia quando já estávamos a meses em um clima pesado em que de uma hora para outra podia eclodir uma guerra.

Deitei e comecei a observar as estrelas, todas as constelações pareciam brilhar ainda mais hoje como se elas entendessem o que ocorria hoje. Contava estrela por estrela quando uma figura apareceu ao meu lado, um enorme lobo de pêlos prateados e olhos cinza, era um espírito:

-Olá – disse para o espírito que ficava apenas me encarando e tentei tocar nos pêlos, mas no momento em que minha mão se aproximou ela passou direto como se eu tivesse tentado tocar em névoa – Quem é você?

Perguntei buscando alguma resposta, mas a única coisa que o lobo fez foi se deitar ao meu lado e começou a encarar o céu. Simplesmente ignorei aquela ação e fiz igual ao lobo e voltei a contar as estrelas até adormecer.

Acordei com alguém tocando meu rosto, fui abrindo os olhos lentamente e pude ver a criatura que me acordou:

-Precisa mesmo me acordar Carl?

-Vamos logo preguiçoso o líder está chamando

Cocei os olhos e me espreguicei, minha barriga roncava bastante, eu deveria ter comido mais noite passada, mas pelo que parecia não havia sobrado nada da noite passada além de espinhas, ossos e cornos espalhados pelo chão. Entrei na barraca do líder e observei-o próximo de uma mesa no extremo da barraca:

-Prepare-se Michael – disse Hector mexendo na sua adaga – Ao meio-dia partiremos ao encontro do grande líder e depois partiremos para a reunião de guerra com os vampiros

-Eu sei líder, mas líder posso fazer-lhe uma pergunta?

-Faça irmão

-Ontem a noite um espírito na forma de um lobo se deitou ao meu lado, o senhor saberia qual ele era

-Não, mas talvez o grande líder saiba, questione-o quando chegarmos a cidade sagrada e ele lhe responderá com toda a certeza

-Obrigado líder, e onde está a sua tatuagem? – olhei para o peito do líder e o peixe havia sumido

-Ele se foi irmão, ele vai andar pela terra junto de seus espíritos-irmãos e vão ajudar os outros guardiões a proteger a natureza

-Entendo, desculpe o incomodo líder

Saí da barraca carregando aquela dúvida na minha cabeça e quem dera ela fosse a única. Andei na direção da minha barraca observando meus irmãos e irmãos limpando a tribo enquanto um bando de sátiros roncavam enquanto dormiam e babavam por todo o chão, eram boas criaturas, mas eram imundos e pervertidos e isso não era bom durante e depois de uma festa.

Entrei na minha barraca e peguei umas roupas limpas, após isso comecei a caminhar em direção a queda d’água que havia ali na floresta, ela era um encontro de cinco cachoeiras pequenas que ao se encontrem formavam uma lagoa, era um local calmo e pacífico, excelente parar exercícios de meditação como os que eu iria executar. Fiquei apenas de cueca e andei para baixo da maior entre a cinco cachoeiras, deixei a água cair e levar tudo de ruim com ela, precisava liberar todas as impurezas, fossem elas físicas, mentais ou espirituais, aquele era o primeira passo para se obter o total controle sobre a sua fera interior, o outro passo era aceitá-la como parte de você e ela aceitar-se como uma parte sua, aquela era a parte mais difícil e era a parte em que muitos passavam meses para dominar, eu passei três semanas.

Passei mais de meia hora debaixo da cachoeira apenas relaxando todo o meu corpo, mente e espírito, tentando buscar o equilíbrio e a paz interior, mas era difícil quando você tinha uma besta sedenta por sangue dentro de você, a criatura já havia aceitado sua sina, ela saiba como eu que nos dois éramos apenas duas partes de um tudo, mas nem por isso ela se controlava sempre, não eram raros os momentos em que eu tinha sede por sangue e quase tinha atacado meus próprios irmãos, mas todos sempre estavam ali e me paravam, me impediam de matar, mas não saciavam a sede, o único jeito de pará-la era meditando várias vezes ao dia e mesmo assim haviam momentos em que não funcionava. Mas eu tinha que dominar logo isso, tinha que me tornar o melhor entre os melhores, tinha que aprender a dominar a sede para poder finalmente voltar a tê-la comigo, para finalmente completar minha promessa e tê-la nos meus braços como eu tanto queria naquele momento, tê-la só pra mim, minha Ella, só minha.

Saí da cachoeira e comecei a trocar de roupa, sentia meu corpo mais leve e solto, minha consciência pesava bem menos agora, minha sede havia sumido e eu parecia ainda mais unido com minha besta interior, e como aquilo tudo era bom.

Caminhei rumo a tribo e todos já tinham arrumado tudo, o único vestígio que ali teve uma festa eram os pouquíssimos sátiros que ainda estavam ali, mas que já estavam sendo carregados pelos outros e pelas ninfas. Andei na direção do líder que já preparava sua mochila, a viagem não seria demorada, mas ele sempre andava com tudo imaginável, lembrava dos tempos de caçada a alguns anos atrás quando Amy levava tudo possível e me obrigava a carregar, no dia de hoje eu pelo menos não teria que carregar tudo, o orgulho do líder não permitiria isso:

-Vamos? – perguntei encarando o líder enquanto ele erguia sua mochila e a colocava nas costas, será que ele realmente sabia que a viagem não demorava nem mesmo algumas horas a pé

-Vamos rapaz, ao encontro dos nossos outros irmãos

-Certo líder

Demos as despedidas finais e começamos a caminhar pela floresta, se caminhássemos na velocidade em que estávamos chegaríamos à grande tribo ao final da tarde com a noite já caindo. Andávamos em meio aquelas inúmeras árvores e naquele solo que chegava a parecer pastoso em certos momentos, cada passo a caminha se tornava mais difícil, a floresta ficava mais densa, trepadeiras brotavam na altura de nossos peitos e pelo chão, e cada vez mais o solo parecia menos sustentável aos nossos passos:

-Não perca o foco – disse o líder sempre olhando para a frente – Eu não te contei sobre a caminhada não e mesmo?

-Só sobre a distância que percorreríamos e a direção que devíamos seguir

-Então ai vai uma nova informação, não se sabe o porque, mas essa droga de floresta parece ir se tornando cada vez mais intransponível dependendo do quão próximo o você está da grande tribo

-O que você quer dizer com intransponível? – esquivei de um galho que se materializou do nada e quase não tropecei em uma trepadeira

-Ela naturalmente vai se tornando mais difícil, a mata fica mais densa,a luminosidade diminui, plantas começaram a aparecer do nada tentando tirar você do caminho certo, o chão vai ficando menos firme, dizem até que em alguns pontos ela se torna algo parecido com areia movediça, mas bem mais mortal

-Você podia ter dito isso antes – puxei um facão da mochila do líder e comecei a cortar alguns galhos e algumas trepadeiras que a cada passo pareciam duplicar de tamanho e quantidade

-E qual seria a graça?

-Pra mim seria enorme

Cortei mais dezenas e dezenas de galhos, na verdade eu já devia ter cortado quase duas centenas deles, quando comecei a escutar alguns barulhos estranhos vindo do oeste:

-Diga que eu não sou o único que está escutando esses sons? – o que quer que fosse aquilo era barulhento e não parecia querer ocultar sua presença

-Receio dizer que não – disse o líder parando de andar e então da nossa esquerda surgiram duas criaturas, dois seres humanóides com algo em torno de dois metros e setenta de altura, peles verdes, carecas, com uma espécie de muco escorrendo entre seus enormes dentes, eles vestiam apenas cuecas de couro e carregavam porretes – Ogros

-Não me diga – girei o facão e ajeitei ele em mãos – Quem mandou vocês?

Os ogros não responderam com palavras e sim com gestos, eles avançaram na nossa direção e eu fui à direção deles. Um dos ogros tentou e acertar um ataque na lateral do rosto, mas eu me abaixei e rodei desferindo um rasgo no estômago da criatura, mas o facão não era afiado demais e não chegou a feri-lo mortalmente mesmo rasgando o abdômen e fazendo um sangue azul escuro escorrer do ferimento.

O ogro ferido grunhiu de dor e começou a atacar descontroladamente, esquivei perfeitamente daqueles ataques malucos que acabam só destruindo galhos e alguns troncos de árvores. Assim que o ogro parou sua sequencia de golpes sem nexo e abriu sua guarda, aproveitei aquela enorme brecha e perfurei a axila esquerda dele, o golpe acabou atravessando a omoplata e mais sangue azul escuro começou a escorrer. O ogro grunhiu de dor e se abaixou, assim que ele fez isso eu parti sua cabeça com um único ataque fazendo aquela horrenda face rolar no chão.

O ogro restante ficou me encarando e bateu o porrete na sua mão e me mandou um horrendo sorriso, aquilo nem devia ser considerado um sorriso já que a única coisa que havia dentro da boca dela era uma língua que parecia inchada e duas gengivas negras.

Testei o fio do facão antes e avançar e então parti para o ataque, por azar aquele ogro não era tão burro quanto seu parceiro, ele segurou meu facão facilmente com a mão esquerda mesmo isso causando um ferimento na palma da mão e então me acertou um golpe com seu porrete. Caí para o lado, dava para sentir que três costelas quebradas, mas isso não me impediu de levantar e avançar na direção do ogro.

Mais um golpe de porrete veio na minha direção e deslizei pelo chão estranhamente pastoso e desferi uma sequencia de socos no joelho esquerdo do ogro até ouvir ele se ajoelhando e grunhindo de dor, eu havia quebrado o joelho, ou feito algo próximo disso. A arma mais próxima da minha mão esquerda era o porrete então agarrei ela e acertei um golpe direto na têmpora do ogro fazendo ele cair no chão e então desferi mais um golpe que partiu o crânio da criatura:

-Ele já está morto – disse o líder se aproximando e eu assenti com a cabeça, ver todo aquele sangue azul escuro e toda a adrenalina subindo a minha corrente sanguínea me fazia sentir sede de novo – Libere a tensão, se acalme, diminua as batidas do seu coração e sua pressão sanguínea, respire fundo, concentre-se na nossa missão

Fiz tudo o que o líder pediu e acabamos perdendo vinte e cinco minutos só por culpa do tempo que passei para limpar a mente e ignorar a sede. Depois disso continuamos a andar, parecia que não haviam mais ogros, pelos menos não naquela região. Não haviam duvidas que aquilo devia ser obra dos the killers e que eles não parariam por ali para impedir a reunião de ocorrer.

A noite já havia caído, nós ainda nem havíamos descansado e nem comido nada, apenas andando e andando sem parar no meio daquela maluca floresta. Já devia ser por volta de sete da noite quando avistamos uma luz bem longe, um pequenino ponto de luz, mas era um sinal de que estávamos chegando perto.

Tentamos apressar o passo para chegar à grande tribo antes que o jantar fosse servido. O pequeno ponto de luz ficava cada minuto maior e já dava pra sentir o cheiro da comida, não sabia se aquele cheiro era real ou só fazia parte da alucinação que a gigantesca fome que eu sentia gerava, mas o importante era que estávamos perto do nosso alvo.

Cada passo a animação crescia, não precisaríamos dormir na floresta nem perder o jantar que deveria ser servido na grande tribo, quando já estávamos próximos o suficiente para distinguir silhuetas de algo que deveria ser humano e podíamos ver algumas cabanas a frente uma mancha negra avançou direto no meu peito.

Saí rolando pelo chão com aquela coisa negra tentando morder minha garganta enquanto eu tentava afastá-la usando minhas pernas e meus braços tentavam impedir a mandíbula dela de chegar até mim:

-Pare com isso Rebecca – disse Hector se aproximando e a coisa negra parou de se mover

Fiquei encarando aqueles olhos amarelos intensos e só então percebi que a coisa negra era um enorme lobo, ou melhor, uma loba. A loba ficou me encarando por mais alguns segundos e então se afastou de mim lentamente como se esperasse que eu fizesse algum ataque:

-Quem diabos é essa coisa? – perguntei sem tirar os olhos da loba que parecia querer avançar a qualquer segundo

-Rebecca não é uma coisa Michael, ela é uma lobisomem como todos nós – disse Hector acariciando a cabeça da loba

-Por que ela está transformada? E alguma espécie de sentinela ou algo de gênero?

-Ela não está transformada – disse Hector andando até a grande tribo com Rebecca do lado

-Ela é uma lobisomem, e está na forma de lobo, isso não e obvio?

-Não tanto quanto você pensa, eu já te falei sobre o caso dela não falei?

Enquanto andava, lentamente dessa vez, em direção a grande tribo tentei lembrar de alguma das aulas de Hector. Revisei uma por uma dentro da minha mente até conseguir lembrar de algo sobre Rebecca e foi no momento em que pisei no solo da grande tribo que a aula me veio na cabeça Rebecca.

Era lua nova e eu havia perguntado a Hector sobre a minha transformação na lua nova, quantos casos haviam sobre aquilo e quais as possíveis explicações e ele me contou que apenas com o auxilio de uma pedra da lua eu poderia me transformar quando a lua nova chegava ao ápice, nem mesmo o grande líder era capaz de se transformar sem ela. antes deu sair da tenda para indicar o fim da aula Hector pareceu ter uma epifania e ele mandou que eu me sentasse de novo.

Hector começou a me contar uma historia sobre os antigos lobisomens, que no passado nem todos os lobisomens eram humanos que se transformavam em lobos, mas que também existia um seleto grupo que era o total oposto, eram lobos que se transformavam em homens, alguns chegam a dizer que eles é que foram os primeiros lobisomens da historia. Esses lobisomens especiais nasciam quando um lobisomem tinha um filho com um lobo e não com um humano, a criatura era um lobo como qualquer outro, mas que quando ocorria a lua cheia se transformava em um humano. Conta-se que no passado eles eram a maioria na nossa espécie, mas por algum motivo os lobisomens começaram a se sentir mais atraídos mais por humanos do que por lobos e então esse grupo começou a diminuir.

Hector havia me dito por fim que esses lobos que viravam humanos diminuíram a tal ponto que apenas um deles ainda existia nos dias de hoje, e esse ultimo estava ali na minha frente, uma maldita fêmea que quase me matou, se todos fossem agressivos daquele jeito eu entendia porque eles agora eram quase extintos, ninguém ia querer ter uma coisa daquela como filha.

Já estávamos dentro da vila, dezenas e dezenas de lobisomens andando de um lado para o outro oferecendo cornos cheios de vinho e sucos gaseificados ou então trazendo bandejas cheias de frangos e peixes grelhados. Peguei um pedaço de frango e um corno com um suco de abacaxi gaseificado e segui Hector que caminhava em direção a uma enorme mesa que havia no centro da tribo, apenas treze pessoas estavam sentadas ali, treze pessoas que festejavam animadamente enquanto comiam e conversavam:

-Finalmente chegou Rivers, você é sempre o último a chegar – disse um homem se erguendo da sua cadeira e vindo na nossa direção, ele abraçou Hector como alguém abraçaria um irmão e então andou na minha direção, ele era alto, com um metro e noventa, pele branca avermelhada, um rosto quadrado com um longo queixo duplo, seus cabelos eram castanhos e caiam na sua testa formando uma estranha franja – Eu sou Steven Stone e você deve ser Michael não é mesmo? O filho da Luna?

-Sim sou eu – disse e o homem me deu um forte abraço que quase quebrou minhas costelas já fraturadas

-Ei seus bandos de bêbados, Hector chegou acompanhado do filhote da Luna

O silencio reinou, e não apenas na mesa, mas em toda a tribo, ninguém mais comia nada, nem se mexia, sequer deveriam estar respirando e então uma mulher se levantou da mesa e andou na minha direção. A mulher tinha um metro e setenta, cabelos negros curtos que chegavam um pouco abaixo das orelhas, olhos castanho escuro, pele morena, um rosto fino que lembrava algo entre um humano e um elfo e ela tinha lábios muito vermelhos, não sabia se eram naturais, por causa de algum batom ou talvez vinho:

-Sou Eleonora Flower – disse a mulher me oferecendo a mão e eu apertei – Quem diria que um dia eu veria o filho da Luna aqui

-Quem diria um dia que eu viria pra cá – falei e a mulher soltou um curto riso

-É verdade, sua mãe estaria orgulhosa de você

-E que mãe não estaria – disse um homem de um metro e setenta e cinco se aproximando, sua pele era branca e seus cabelos era ruivos e batiam um pouco abaixo do seu pescoço, seus olhos eram verdes e ele tinha um nariz que me lembrava um urubu – O garoto completou o treino em apenas um ciclo lunar Eleonora, ele é um gênio tão grande quanto a mãe, talvez até maior pelo que já escutei, eu sou Paul Water por sinal rapaz 

-Parem de encher o saco do rapaz um pouco está bem – disse Hector se aproximando – Vão ter os próximos dias inteiros para falar com ele, mas no momento existe alguém que deve conhecê-lo com prioridade

-É verdade – disse Steve – o grande líder é a prioridade

Todos os três abriram caminho e todos na mesa se levantaram deixando apenas uma pessoa lá sentada, um homem velho pelo que pude ver, mas ele estava no outro extremo da mesa e mal podia vê-lo direito.

Hector me deu um soco no braço como se mandasse eu andar e fiz isso. Caminhei ao redor da mesa e ainda bebei um gole a mais de suco, minha garganta por um momento pareceu mais seca do que deveria. Quanto mais próximo eu chegava do velho mais meu corpo tremia e mais eu queria correr, era quase como uma pequena formiga andando na direção de um gigantesco titã, na verdade eu acho que nem mesmo essa seria uma boa comparação, a situação nem chegava nem perto disso:

-Aproxime-se mais criança – disse o velho com uma voz decrépita, mas ao mesmo tempo forte e viva

-Aqui estou eu grande líder Miakoda – disse ficando a poucos centímetros daquela figura

O grande líder era um homem velho, devia ter um metro e quarenta de altura, quase careca, apenas míseros cinco fios teimavam em permanecer naquela cabeça cheia de manchas, pude perceber que seus olhos eram totalmente brancos, ele era cego. O grande líder era corcunda e não havia mais do que dois dentes na boca, ele também era magro e cheio de rugas, aquela aparência denunciava alguém que provavelmente já tivesse quase cem anos:

-Eu tenho cento e vinte e dois anos rapaz se isso lhe atormenta tanto – o homem disse e fiquei boquiaberto

-Cento e vinte e dois anos? – continuavam boquiaberto, era simplesmente impossível alguém chegar a tal idade e ainda mais naquele estado, alguém com mais de cem anos deveria estar bem pior do que aquilo

-É graças a vitalidade extra de nosso povo – disse novamente o grande líder como se pudesse ler minha mente – E eu posso rapaz, seus pensamentos são gritantes demais, apenas um surdo não os ouviria

-Mil perdões grande líder

-Por que perde perdão rapaz? Você cometeu algum erro que eu não percebi?

-Eu só pensei que....

-Eu escutei o que você pensou rapaz, já disse isso, mas no momento não são seus erros ou pensamentos que me interessam, mas sim a sua marca – como um cego sabia sobre a minha marca eu não tinha a mínima noção

-Todos os sand desde a primeira geração nascem com essa marca rapaz

-Então minha mãe e todos que vieram antes dela também tinham a marca

-Todos eles, todos os puros sangue que descendem do Pantera Vermelha, mas não é essa uma das suas muitas perguntas é?

-Não grande líder, mas não acho que esse seja o momento ideal para isso

-Não é mesmo, isso é uma festa e uma reunião de guerra ao mesmo tempo, não entendo essas mentes jovens, mas amanhã venha a minha cabana e terá suas respostas, ou parte delas

-Obrigado grande mestre

-E Michael deixe dizer que você lembra muito seu pai e sua mãe, ambos devem estar orgulhosos enquanto andam no paraíso

-Como pode dizer isso se seus olhos estão totalmente brancos? Isso não é sinal de cegueira?

-E que tipo de pessoa enxerga com olhos? Durma com esse pensamento por hoje rapaz

-Sim grande líder

Saí de perto do grande líder e então todos começaram a se sentar novamente e dessa vez me puxaram para uma cadeira. Quase que instantaneamente as conversas e bebedeiras recomeçaram e eu estava bem no meio daquilo. Conversas paralelas eram iniciados enquanto o pano de guerra era definido, nada daquilo era do meu interesse atualmente então saí de fininho e andei em direção a fronteira da tribo.

Andava apenas com um corno cheio até a borda na mão e metade de um frango na outra, detestava festas, eram barulhentas demais, era bem melhor ficar ali sozinho apenas comendo e observando as estrelas. Dessa vez não haviam guardiões da floresta ali, mas mesmo assim o negocio ali estava realmente animado.

Bebi um golpe do suco de tangerina gaseificado e dei uma mordida do frango enquanto olhava para o céu estrelado, ontem fiz a mesma coisa, mas por mais que repetisse aquilo mil vezes não ficaria enjoado. Dessa vez ao meu lado não apareceu um lobo feito de ectoplasma, mas sim uma loba negra de verdade:

-Se você prometer não tentar de matar eu divido o frango, que tal? – falei encarando aqueles olhos que me pareciam tão familiares e então a loba simplesmente balançou a cabeça assentindo

Parti o pedaço de frango ao meio e dei para ela. a loba devorou tudo em apenas duas bocadas e então ficou me encarando como se quisesse mais:

-Ei eu não tenho culpa de você comer tudo tão rápido assim – a loa soltou um uivo bem baixinho que parecia mais um choro – Certo pode ficar com um pedacinho do meu

Tirei um pedacinho da coxa e dei para a loba que pareceu sorrir de felicidade. Após isso bebi o resto do corno em algumas poucas goladas então me deitei no chão e observei as estrelas, a via láctea brilhava como eu nunca vi antes e não somente ela, mas todas as outras constelações também pareciam melhores do que na noite passada:

-Você é uma boa companhia Rebecca – disse encarando novamente aqueles lindos olhos amarelos que agora pareciam mais dourados

A loba simplesmente soltou um estranho barulho e deitou a cabeça dela sobre as minhas pernas. Fiquei acariciando a cabeça da loba enquanto observava o céu e pensava na minha vida, em tudo que havia acontecido até ali, de como eu fui de um caçadora cheio de ódio a um lobisomem que não mais conseguia se imaginar longe daqueles que um dia ele prometeu matar cego de ódio. Sentia saudades de Amy, John, Ella e de todo o resto, mas não podia mais viver longe da tribo, eu queria ficar com Ella, mas se ela também quisesse ficar comigo então ela teria que vir morar comigo na tribo, muitos humanos faziam isso quando se tornavam os parceiros de meus irmãos e irmãs, Ella também poderia se quisesse.

Aos poucos a loba começou a se ajeitar cada vez mais em cima do meu corpo e quando percebi ela já quase cobria meu corpo inteiro, ela era pesada, mas de algum jeito parecia ser muito leve, tão leve que mal me incomodava aquele fato. Já era a segunda noite seguida que eu ia para uma grande festa e acabava dormindo em um canto isolado e com a barriga razoavelmente cheia, mas dessa vez eu ao menos tinha a companhia de uma lobisomem, a ultima de seu tipo que escolheu a mim e aos meus cafunés como companheiros aquela noite.

Não sei se foi a companhia nova e estranha, mas naquela noite eu sonhei mais um sonho, estava de frente para alguém que eu não podia ver o rosto, ele segurava duas garotinhas pelas mãos, era noite de lua cheia e não havia estrela alguma no céu. O homem carregava as duas garotas pela mata fechada até chegar a um ponto onde se encontrou com um grupo de homens e mulheres, dois dos homens pegaram as meninas e então começaram a correr e no meio da correria as pessoas se transformaram em lobos.

Acordei com molhado e esponjoso se esfregando no meu rosto, me mexi e me afastei para o lado, abri os olhos com dificuldade de vi Rebecca na minha frente com a língua para fora, por sinal a coisa que molhou meu rosto só podia ser aquela língua:

-Você precisava me acordar assim? – perguntei limpando a baba de loba com meu braço e então limpei o braço na camisa suja de terra e pedaços de folhas secas

A loba uivou e começou a andar, ela queria ser seguida então comecei a segui-la pela tribo. Caminhávamos entre corpos adormecidos e víamos apenas alguns poucos acordados limpando tudo, algo que me lembrou da noite retrasada e o fato deu ter dormido ao lado de um espírito.

Rebecca me guiou até a entrada de uma enorme barraca coberta com peles de diversos animais diferentes e adornada com desenhos e palavras indígenas. Entrei na barraca sozinho e o grande líder Miakota me esperava sentando em cima de um monte de peles numa pose que lembrava de um homem budista meditando:

-Vejo que acordou cedo Michael Sand

-Eu sou Michael Winchester grande líder

-Sim eu me esqueci disso, você honra a memória de sua família adotiva e isso é memorável meu jovem, agora faça as perguntas que tanto anseia

-Grande líder – me aproximei de Miakota e tentei pensar na melhor pergunta para aquele momento então resolvi começar pela mais recente – Na festa passada, quando estava na minha tribo, um espírito em forma de lobo deitou-se ao meu lado, o que isso poderia significar?

-Muitos espíritos tem ligações conosco e com outras espécies, a prova disso são os espíritos que continuaram conosco mesmo após a fuga deles, por sorte todos voltaram, o lobo que se sentou ao seu lado devia ser o espírito do grande lobo, o espírito protetor da lua e de todos os lobisomens, mas o que isso significa apenas o espírito pode lhe dizer rapaz, mas garanto que isso só mostra o quão especial você é

-Já que o senhor falou na parte do especial em tão ai vai minha próxima pergunta grande líder, o que é essa sede de que sofro? – o grande líder pegou um enorme cachimbo que havia ao seu lado, aquilo deveria ser maior do que o braço, mas então assim que o grande líder o tocou ele acendeu e o grande líder deu um grande trago no cachimbo e depois cuspiu círculos de fumaça

-Eu nunca ouvi falar de nada parecido em todos esses meus anos rapaz, muito menos ouvi falar de um lobisomem que se transforma na lua nova, as duas esta obviamente conectadas e algo me diz que a chave para entender sua conexão está no seu passado

-Quando eu ainda vivia com minha mãe e pai verdadeiros?

-Não, num passado muito mais recente, mas esse seu passado mais antigo também tem respostas para suas perguntas

-Sim ele deve ter, mas não sei nada sobre ele, talvez nele houvesse as respostas para meus sonhos e desenhos

-Seus sonhos e desenhos são a mesma coisa só que manifestadas de maneiras diferentes – disse o grande líder dando mais um trago e fazendo mais círculos de fumaça, não devia ser bom fumar pra alguém da idade dele

-Como assim grande líder?

-Seus desenhos são apenas manifestações de seus sonhos enquanto você está acordado, já que você não pode dormir o dia inteiro seu corpo achou uma outra forma de mostrá-los

-Mas por que tenho sonhos tão estranhos?

-A resposta está no seu passado mais antigo

-Então conte-me sobre este passado de que não tenho lembrança alguma

-A pessoa certa para contar-lhe sobre seu passado não sou eu, mas não e preocupe, pois ela acaba de chegar

Nesse mesmo instante uma pessoa entrou na barraca, era Hector e ao seu lado estava Rebecca:

-Mandou me chamar grande líder? – perguntou Hector fazendo uma reverencia e pensei se eu também não deveria ter feito a mesma coisa

-Sim Hector, e dessa vez fique conosco jovem mocinha – Rebecca já ia sair dali, mas então deu meia volta e deitou-se ao meu lado – Hector e preciso que conte a história desse rapaz para ele, mas antes disso eu gostaria que você me contasse quem foi que iniciou o rapaz

-Bem meu grande líder eu não fui informado sobre isso, não que eu lembre, mas por que a curiosidade?

-Porque sinto que isso está mais ligado ao passado do rapaz do que todos aqui podem sonhar, e não apenas ao dele, mas o de todos nós aqui presentes, agora conte-nos Michael Winchester, quem o iniciou

Senti o medo me dominar, tudo era culpa de um único lobisomem, o único lobisomem por quem eu ainda nutria ódio e não tinha a mínima idéia do porque, mas eu o odiava:

-Seu nome é Ferdinand Alimovich – escutei todos ali dentro tremerem incluindo Rebecca e então senti os punhos de Hector me erguendo do chão

-Ferdinand Alimovich? Você não me contou que foi aquele desgraçado que te iniciou – dava pra ver o ódio nos olhos de Hector, um ódio tão intenso quanto o que queimava nos olhos de Rebecca

-Eu estava num trabalho – falei me livrando de Hector – E acabei lutando com ele, no meio da luta ele feriu minha marca e depois disso os lobisomens começaram a me procurar

-Como o mundo da voltas não é mesmo – disse o grande líder fumando novamente o cachimbo – Quem diria que de todos os lobisomens do mundo seriam logo Ferdinand que iniciaria o filho de Luna

-Os dois têm alguma relação não tem? – assim que perguntei todos os meus sonhos voltaram de uma vez e se misturaram, mas logo depois sumiram

-Mas é claro que tem, uma ligação muito forte não é mesmo Hector

-Grande líder me peça qualquer coisa, menos falar sobre aquele traidor maldito, foi por culpa dele que perdemos tantos dos nossos e entre eles estava Luna e a pequena Rachel – Rebecca uivou, mas foi um uivou triste e vi lágrimas escorrendo de seus olhos lupinos

-Rachel? – perguntei ainda encarando as lágrimas de Rebecca

-Sim, a irmã gêmea de Rebecca, ela está sumida desde a traição de Ferdinand e provavelmente foi morta pelos caçadores, pobre criança

-Vejo que não está em condições de continua bom amigo – disse o grande líder pondo o cachimbo de lado – Então acho que eu mesmo terei que fazer isso, agora sentem-se todos, pois como alguns devem saber sabe essa é uma longa historia

Antes de sentar toquei na minha tatuagem em busca de coragem, algo me dizia que coisas que eu não gostaria de saber viriam naquela historia e que eu precisava ser forte. Abracei Rebecca que ainda continuava a chorar e encarei o grande líder. Mas antes que ele começasse a falar toquei mais uma vez na minha tatuagem, na prova de que eu era um Filho de Coahoma, um Pantera Vermelha, toquei naquela tatuagem que está em todos os meus irmãos e irmãs a centenas de gerações, toquei naquele sol atravessado por uma lança.


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Notas finais do capítulo

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