Adorável Depressão escrita por Cristina Abreu


Capítulo 1
1. Monstros


Notas iniciais do capítulo

Então... Primeira fic que escrevo sem nada de irrealidade e sobrenatural. Espero que gostem e por favor, deixem seus reviews.
Boa leitura.



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"Depressão é coisa muito séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou consigo mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem razão aparente - as razões têm essa mania de serem discretas".

Martha Medeiros

***

1. Monstros


Gostaria de começar essa história com suspense. Tipo, uma menina correndo por uma viela escura, olhando para trás de vez em quando, tropeçando, mas mantendo-se em movimento para fugir de um agressor, que pode ser desde um ratinho a um homem violento de sorriso macabro.

E então ela acaba batendo com tudo numa parede de concreto, que indicava que se esgotaram suas chances de se salvar. “Oh, e agora?” Ela se pergunta. E então os passos avançam ainda mais fortes e rápidos. Seu agressor tinha um objeto cortante na mão e não erraria o golpe. A faca sobe e com um movimento ligeiro, desce. O sangue escorre do pescoço pálido da garota e ela cai no chão frio e úmido. Sua vida está se esgotando e...

E nada. Gostaria que minha história fosse de terror, suspense, ou no mínimo, legal. Mas é somente a história de uma típica adolescente de 14 anos que enfrenta dificuldades, mesmo que essas possam estar apenas em sua cabecinha oca e fútil.

Então começarei com uma frase que estava lendo no meu mais novo livro de romance. Entediante para o dia de hoje, mas se eu o pegasse para ler quando estivesse toda “melosinha”, eu poderia até que acabar gostando. Como é dessa frase que vem minha mais recente filosofia... Vamos a ela.

“Nós paramos de procurar monstro embaixo da cama, quando percebemos que eles estão dentro de nós”. Uau! Tocante, pensei com amargura, revirando meus olhos. Com um mau-humor típico de uma adolescente, joguei o livro que tinha esses dizeres de lado. Bobo, infantil, mas verdadeiro. Não era preciso qualquer frase daquelas para insinuar que nós, seres humanos, somos os verdadeiros monstros e pesadelos uns dos outros. Era uma coisa que você deduzia assim que começava sua vida, vendo o que cada um era capaz de fazer, e quem era capaz de magoar.

Nisso, eu era expert. Todos os dias era obrigada a ver alguma cena e, puta que pariu, ela estava começando agora. Minha mãe e meu padrasto, magoando-se. Suspirei e tentei ignorar os gritos de acusações tão clichês que já as tinha decorado.

Sempre que começavam a brigar eu conseguia entender meu irmão. Tiago ficava fora o dia inteiro, voltando na calada da noite, isso quando vinha. Ele odiava o marido de mamãe, e eu não o culpava. O cara era legalzinho, mas nada que me fizesse morrer de amores por ele ou me comportar. Ambos queríamos alguém que não tínhamos: nosso pai, quem nos abandonara quando éramos pequenos.

No começo, eu tentava não o culpar. Minha mente inocente de criança dizia que papai voltaria e que seríamos felizes novamente, mas ele nunca mais retornou a não ser por visitas rápidas e esporádicas. Tiago há muito não o via. Meu irmão não via ninguém, a não ser que fossem seus amiguinhos marginais. Ou a mim. Ele costumava ficar comigo, e eu costumava vê-lo como meu porto seguro. Ah, mas isso foi antes de ele se envolver com essa sua gangue, e claro, com as drogas.

Qualquer um que não estivesse confinado em seu mundo próprio veria que me irmão andava se drogando. Pena que mamãe preocupava-se demais com ela mesma para sequer cogitar pensar em outro alguém.

Dei outro suspiro e me levantei. Os dois continuavam gritando e eu estava cansada disso tudo. Quis ir para o meu quarto, mas sabia que de lá ainda ouviria as blasfêmias, e como disse, estava cansada delas. Nenhum dos dois notou quando peguei meu casaco e sai, batendo a porta com força demasiada.

Eu tentava chamar a atenção desse jeito bruto, mas nunca conseguia. Acho que Tiago também queria, com todas as drogas que toma. Oh, meu irmão tão perdido... Queria poder agarrá-lo, mas também estava em queda.

Ficava triste e feliz que ninguém notasse. Não queria vê-los preocupados comigo, ao mesmo tempo em que queria ter esse gostinho que me fora arrancado muito tempo atrás. Isso era ridículo, eu bem sei, mas sou uma adolescente, e adolescentes geralmente são assim... Idiotas, estranhos, e por aí vai.

Funguei e sequei a única lágrima que havia caído. Ah, mas que merda, Kate! Não chore!

— O que foi, benzinho? – perguntou alguém às minhas costas. – Eu posso curar sua tristeza.

Bufei e me voltei para o cara muito mais velho que eu, arqueando uma sobrancelha. Quis xingá-lo de todas as obscenidades que conhecia, mas optei por um gesto tão educado quanto. Mostrei meu dedo do meio e saí pisando firme, irritada. Qual era o problema daquele rapaz? Sério, tipo, ele era cego? Minha beleza era uma questão bem simples: não existia. E meu peso, então? Eu devia ter pelo menos uns 150 quilos a mais que uma adolescente normal, nem gorda nem magra.

Certo, eu exagerava – mas não muito. O meu ponto é: os homens são tãããããão crianças. Digo, os meninos. E minha vida estava cercada deles, infelizmente. Hm... Quer dizer, ou não. Corei e desviei meus pensamentos do único menino com que eu queria ficar, esperando que ele fosse um homem, mas sinceramente, com ele... Bem, não me importaria com algumas idiotices aqui e ali. Aliás, eu não me importaria com nada.

Ok, Kate, agora seus pensamentos estão cheios de feromônios. Porque é disso que o amor, paixão ou sei lá o que, é consistido: um monte de hormônios agitados para dar “uns pegas”.

Oh, mas eu adoraria dar razão aos meus hormônios com o garoto que dominara meus pensamentos. Pena que o sentimento de loucura hormonal não é mútuo ou, eu juro, já teria o aplacado.

É... Esse negócio de precisar de alguém pode ser complicado.

Quando cheguei em casa, tudo estava em silêncio. Mas não era daquele tipo bom; era um silêncio que pesava. Assim que passei pela porta senti um peso anormal, e acho que já deveria estar acostumada a senti-lo. Bem, não estava e não sabia se um dia estaria ou se queria.

Mordi o lábio e subi as escadas, tentando manter o silêncio e passar despercebida. Não que minha mãe ou meu padrasto fossem notar, mas eu preferia não topar com um deles agora; muito menos com os dois. Tinha... Apreensão – seria isso mesmo? – ao vê-los. Há algum tempo estavam muito distantes um do outro; não tinham nada no olhar, nem mesmo raiva. E isso era o pior de tudo, não era? A ausência de qualquer sentimento indicava que ninguém mais se importava com o parceiro.

Você vai me dizer: “Ah, mas você nem gosta do cara!”, ou algo assim. Não nego, não gosto mesmo. Sempre fui contra ao casamento e tentara alertar minha mãe, fazer de tudo para que ela não fosse adiante com mais um de seus planos loucos, só que simplesmente, você não pode proteger algumas pessoas de certas coisas. Mas ela terminar o casamento não é o que me apavorava, e sim que eu, talvez, mais para frente, pudesse ter o mesmo destino de um casamento cansado e infeliz, onde nenhum sentimento fosse levado em conta. Ser fria... Não era comigo. Não com a verdadeira eu, sem essa camada de pó na cara que me mascarava. Por baixo dessa casca de menina bem consigo mesma tem outra, e ela se magoa muito facilmente, era sentimental de mais. Então, como eu, uma garota movida a sentimentos poderia abrir mão deles? Não achava que conseguiria.

E sim, sabia que tudo tem um fim. Mas você não pensa nele, só... Vive. Não pensa no dia da sua morte, no dia em que aquele garoto do colegial do qual você está a fim aparecerá com uma nova garota e partirá seu coração em pedaços por dois incontáveis dias, que envelhecerá e que um dia a pessoa que passou ao seu lado por muito tempo não lhe satisfaz mais. Amor é algo do momento, igual à vida ou à morte. Ele só é um pouco mais... Persistente. Aparece sempre que possível e desaparece sem aviso prévio. É só uma chama que um dia se esgotará. Isso é um fato, mas um que não gostamos de ver, porém não é porque você fecha os olhos que ele deixa de existir.

Faço minhas as palavras de Vinicius de Moraes: “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”.

***

Fiquei deitada o resto da tarde, encarando o teto branco e estéril. Não ouvi mais nem um pio até que meu irmão chegou todo espalhafatoso, rindo com os amigos drogados. Ah, mas que porra. Será que ele não podia ficar apenas um dia sem eles e sem o barato que usavam? Que idiota.

— Katie! – ele gritou. Revirei meus olhos e não respondi. Não gostava do meu irmão naquele estado, mas acho que ele não demoraria muito para me encontrar. – Ei, Kate!

A porta se abriu e ele entrou cambaleante.

— Que foi, Tiago? – perguntei de mau-humor. – Por que está na porra do meu quarto? Volte para seus amiguinhos. – indiquei os outros três que aguardavam na porta. Hm, pelo menos eles pensaram um pouco, pois mataria quem entrasse.

— Como está, irmãzinha? – Tiago me perguntou. Seus olhos estavam vermelhos, mas a tristeza era visível. Senti um aperto no peito ao vê-lo daquele jeito – sempre sentia – e tentei manter a máscara de raiva que colocara assim que ouvi a maçaneta girando.

— Ótima, obrigada. Agora sai daqui. – apontei para a porta.

— Não seja assim, Katherine. – Oh, como eu odiava meu nome! Com “K” e “th” ainda por cima. Será que minha mãe não poderia ter sido um pouquinho mais fresca? Meu rosto corou de raiva e fuzilei meu irmão com o olhar. – Estou preocupado com você.

Forcei uma risada de escárnio.

— Comigo? Você é mesmo um idiota do caralho, não é mesmo? – gritei. – Sai daqui, Ti! Volta pros seus colegas imbecis e drogados. – empurrei-o e tranquei a porta. Ouvi mais risos e eles se foram.

Meu pobre irmão idiota. Talvez esse fosse um defeito de família.

***

— E então, como foi o dia de vocês? – perguntou mamãe, numa tentativa de quebrar o gelo que se instalou. Estávamos jantando em silêncio, mastigando furiosamente, como se a comida fosse a culpada por nossas desavenças.

Dei de ombros como resposta e Tiago bufou. Ambos pensávamos a mesma coisa: “Como se você se importasse”.

— Vamos, garotos, deve haver algo... – ela estava se forçando. Decidir dar um crédito a mulher e abri um sorriso amarelo, que não chegava aos meus olhos e que parecia mais sarcástico do que uma tentativa de ser gentil.

— O mesmo de sempre. – falei. - Escola, casa, gritos, rua... Por aí.

Minha mãe ignorou minha indireta e passou os olhos para meu irmão, que olhava para seu prato. Dava para se ver que o efeito daquelas drogas não havia passado ainda.

— Tiago? O que você fez querido? – ela perguntou e eu torci os dedos para que olhasse mais afundo e notasse o olhar de garoto perdido. Não notou. Suspirei e cruzei os tornozelos.

— Nada, mãe. – respondeu, sua voz colocava um ponto final na conversa.

Olhei para meu padrasto, que fingia ou de fato não ouvia a conversa. Quis chutá-lo debaixo da mesa, mandar que ele levantasse aquela bunda gorda da cadeira e fizesse algo pela família que ele assumiu. Não foi por falta de avisos meus, nem de ameaças disfarçadas de Tiago, que Jorge não sabia onde estava se metendo. Ele nada fez e nem eu, além de me levantar e correr escada acima. O clima era insuportável e eu preferia ir para a Antártida a ficar naquela sala.

Lá em cima tomei um banho e vesti meu pijama improvisado: shorts largos e camiseta maior ainda, olhando-me no espelho logo em seguida. Hm, a palavra “estranha” vinha em minha mente toda vez que encarava meu reflexo.

Cabelo desfiado e negro, olhos grandes e cinzas e um rosto redondo. As roupas não deixavam perceber, mas se eu colocasse algo mais apertado, certamente ficaria marcada e não era algo positivo. Meu corpo era... Gordo demais para ser atlético, ou era assim como me via. Busto ainda pequeno, quadris largos e coxas grandes. É, definitivamente, não era alguém que poderia desfilar nas passarelas de Milão. Então quando alguém jogava uma cantada velha e sem graça ou me dizia “Você é linda” eu queria perguntar como ela era capaz de me ver daquele jeito, ou se tinha problemas de vista. Sério, porque eu simplesmente não consigo. Tudo em mim parece errado demais, não só por fora mas como por dentro também. Estava longe de ser perfeita e às vezes queria fugir de mim mesma, vagar por aí entre as nuvens, como se nada pudesse me atingir. Acredito que quando conseguisse fazer essa proeza, seria o meu fim.

Prendi meu cabelo em um coque e coloquei meus óculos para leitura, dando às costas para meu reflexo de garota destrambelhada. Fui até minha estante e apanhei o livro que estivera lendo de manhã, antes de ser interrompida pelos gritos acusatórios de meus pais e pelos meus próprios pensamentos traidores.

Meus olhos voavam pelas palavras, absorvendo o máximo delas, até que estes começaram a ficar mais pesados e acabaram se fechando, mas não sem antes que eu visse um último vislumbre da Lua banhando meu quarto com sua luz fraca. Não sei como, mas consegui apagar o abajur e embalei para a doce escuridão que me cercou.

Não visitei o mundo dos sonhos naquela noite. Uma vozinha dizia que ele já estava dentro de mim.

***

Quando acordei o costumeiro sentimento de não querer tê-lo feito apareceu. Gemi e rolei, tapando a claridade do sol com meu travesseiro. Merda, dormira de janela aberta.

Consegui mais alguns minutos de descanso antes que minha mãe entrasse no meu quarto aos berros, mandando-me levantar. Tipo, mãe, eu não sou surda!, pensei e cedi, jogando minhas pernas longas para fora da cama, sentando-me.

Tomei banho e me arrumei rapidamente. Não tomei café-da-manhã e nem queria. Meu estômago costumava se embrulhar de manhã, e se eu comesse, o mal-estar permanecia pelo restante do dia.

Cheguei ao Colégio assim que o sinal tocou, fingindo não ver os garotos que estavam perto de uma grade prensando outro e, por fim, tomando seu dinheiro. Nunca fazia nada quando via algo desse tipo, apenas passava reto. Isso sempre me fazia perguntar se não era eu o monstro mais do que aqueles garotos.

Não, sempre respondia, tentando me tranquilizar. Todos os seres humanos são cruéis de uma forma ou de outra afinal, mas ainda assim... Tinha certeza de que aqueles que fechavam os olhos para o que estava a sua frente são os que vão acabar com o mundo. Hm, eu fazia parte do grupo.

Corri para minha sala – agora seria aula de Matemática -, tentando me arrumar um pouco mais antes de entrar e procurar minha carteira. Bem, certo, não era nessa sequência, não exatamente. Eu geralmente entrava, procurava um garoto de tipinho marginal e me sentava. Nunca ficava satisfeita com o que via. Aquele garoto, o Alessandro, sempre estava com alguma vadia, parecendo se divertir com essa garota idiota e sem nenhum cérebro.

— Você é boa demais para ele, Kate. – ouvi uma voz a minha esquerda dizer. Sorri e voltei-me para minha melhor amiga, que notara a divagação dos meus olhos.

— Eu sei, Ana. – suspirei. – Mas eu gostaria de ter alguém ruim o suficiente para mim.

Ana revirou os olhos e balançou a cabeça. Não me entendia. Nem eu conseguia me entender, e isso era muito frustrante.

— Só tente alguém... Melhor. – disse, indicando um garoto no canto da sala. Seu olhar cruzou com o meu e ele sorriu. Rafael. Sorri de volta e acenei, depois voltei a encarar Ana.

— Rafael? – bufei. – Meeeeeeesmo?

— Qual é o problema, Kate? Ele é legal e parece estar doidinho por você. E é um gato também, melhor do que o Ale. Não custa nada tentar...

— Custa sim, sua besta. A amizade dele. Ele é seu concorrente, Ana. – pisquei e abri o caderno. – De qualquer jeito, não seria certo eu brincar com os sentimentos dele. Estou...

— Ah, por favor, Katherine! Não diga “apaixonada”. – Ana jogou seus cabelos loiros para trás e me encarou gravemente.

— O que tem de errado? – ora, o amor não aparecia toda hora? Tá. Tudo bem. Percebi meu erro. Mais uma vez estava pensando como uma adolescente imatura, igual a que estava quase agarrando Alessandro no fundo da classe. Tive nojo dessa imagem.

— Você sabe muito bem. Não se finja de besta. Puta merda, Kate, você só tem 14 anos, como acha que pode amar nessa idade?

Ainda tentei defender meu ponto de vista, mas era meio difícil quando nem eu acreditava nele.

— E amor tem idade? Não é o que falam...

— E desde quando você liga para o que os outros falam? – Ana balançou a cabeça negativamente.

Muito, quis responder mas mordi meu lábio e preferi colocar a figura de adolescente revoltada de volta. Fria e imbatível. Ri mentalmente de mim mesma.

O professor entrou na sala naquele momento e deu sequência a aula.

Olhei mais uma vez para Rafael, que se sentava perto da porta. Ele era amigo do Ale, mas em nada se parecia com ele. Era seu oposto. Mais legal e divertido. Talvez mais bonitinho também, já que o imbecil lá atrás não era lá essas coisas no quesito de beleza.

Porém, quando o olhei não senti nada demais. E era esse nada que me perturbaria para o resto da minha vida. Eu precisava de um tudo.

Será que era eu própria que não me dava a chance de obtê-lo?

No intervalo, deixei que Rafa passasse seus braços a minha volta e me apertasse contra seu peito. Sorri e ganhei seu sorriso de covinhas em resposta. Ele era mesmo adorável, como amigo, digo. Rostinho de bebê com olhos castanhos profundos e um cabelo que caía na sua testa, um pouco mais escuro que o olhar.

Suspirei e perguntei à Deus o porquê de não poder gostar daquele menino. Alessandro chegou como se fosse a resposta.

— Ei, e aí, Kate? – corei e meu sorriso se tornou mais bobo e atrapalhado. Notei que Ana revirava os olhos azuis e que Rafael franzia a testa.

Não disse nada, mas também não precisava. Ele começou a falar com meu melhor amigo, que deu um pouco de distância entre mim e ele. Droga, grunhi. Por que não conseguia não estragar tudo? Qual era o meu problema?

Caminhei até Ana, deixando os garotos falarem a vontade sobre seus jogos ou sei lá o que mais. Ela não parava de digitar no celular e mal olhou para mim. Ergui minha sobrancelha e tentei bisbilhotar sua conversa por mensagens. Consegui atrair sua atenção e rapidamente o aparelho foi para o bolso de sua calça de uniforme.

— Quem é? – minha curiosidade despertou.

— Um garoto que conheci em uma festa. – deu de ombros, desviando o olhar.

— Você gostou dele? – continuei perguntando.

— Não, Kate. – ela carregou a voz de sarcasmo. – Dei meu número pra ele porque o odiei. Garoto insuportável, sabe.

— TPM? – sugeri e ganhei um tapa. – Ai, não precisa me bater, sua vadia nervosinha.

Ana riu e enlaçou seu braço ao meu.

— Ele é legal e tudo o mais, só que não sei se quero alguma coisa com ele. – suspirou. – Nem conheço o moleque direito.

— Podem passar a se conhecerem. – falei. – Vocês ficaram?

— Não. Ainda não.

Ah, ainda não. Minha amiga estava louca por aquele menino. Sorri com o pensamento, ao mesmo tempo em que me preocupei. Ana muitas vezes acabava magoada e eu odiava isso. Ela era ainda mais sentimental do que eu, embora não acreditasse no amor. Não nessa idade, pelo menos.

— E em casa, Katie? Tudo bem? – seus olhos azuis se tornaram mais atenciosos. Imediatamente senti um desconforto, mas ela nunca me deixaria ficar quieta.

— O de sempre, Ana. Brigas, gritos e então o silêncio. Tiago quase não fica em casa e estou mesmo ficando preocupada com aquele idiota. Parece que ele está se drogando cada vez mais.

— Oh, Kate, sinto muito. – Ana me apertou mais. – Eu não ia querer ficar no seu lugar nem por um dia.

Aquilo não ajudava em nada, mas ela não precisava saber disso. Eu sabia que no fundo ela queria me ajudar, só não sabia como. Ninguém sabia, nem quem deveria.

— O pior – continuei. – é que minha mãe não percebe nada ou finge que está tudo bem. É outra idiota fodida. Por que ela não faz algo para melhorar a merda das nossas vidas?

— Não sei, querida. Você já falou com ela de novo? Quem sabe agora ela não te escute...

— Não adianta, Aninha. – resmunguei. – Minha mãe fechou os olhos e os ouvidos. Pensa que assim ficará tudo bem, mas só piora as coisas.

Suspirei. — Vem, vamos andar, não quero ficar parada.

Enquanto caminhava pelo pátio do colégio que conhecia muito bem, não pude deixar de me chamar de hipócrita. Eu estava me tornando uma mulher igual a minha mãe. Pensava que o que estava ao meu redor pouco importava.

Um erro comum entre muitos outros que me deixavam ainda mais próxima de poder trabalhar para a Monstros SA. Estava me tornando uma pessoa fodida.


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Notas finais do capítulo

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