Um Sonho Inesperado escrita por Miss Swen


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Ficou imenso, mas fiz questão de explicar um pouco sobre esse passado da Maura, ah é claro, tive alguns problemas com as falas dela, mas eu tentei.
Me avisem se algo estiver sem sentido.
Enjoy!



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Rachel Jones, esse era o nome da mulher com quem eu havia me envolvido no passado.

Eu me lembrava dela, alta, cabelo castanho escuro e liso, olhos cor de mel.

O que tivemos foi bom, uma espécie de experiência, eu era jovem, recém chegada na faculdade e uma coisa levou a outra.

Eu estava em casa sentada no sofá, em silêncio, apenas com a lembrança do rosto chocado de Jane quando falei sobre essa parte da minha vida.

Só não fiz isso antes porque nunca pensei que precisasse, não foi por mal. Até porque eu não me arrependo de nada.

Porém devido as últimas revelações, acreditei que era a hora perfeita para tocar nesse assunto, afinal, se Jane soubesse que eu entendia o que ela estava passando, as chances de falar mais abertamente comigo aumentariam muito.

Me levantei do sofá e fui para o quarto, já tinha feito tudo o que podia naquele dia, agora só me restava esperar.

***********************************************************************************

O dia amanheceu e com isso minha rotina seguiu seu mesmo caminho de sempre, tomei banho, troquei de roupa, dei comida para Bass e fui para o trabalho.

Ao chegar no prédio, avistei Jane falando com um dos policiais e fui até ela.

– Bom dia Jane.

Ela se virou rapidamente para mim, seus olhos fixos nos meus por pouco tempo, para em seguida fitarem o chão.

– Bom dia.

Mas ela não me olhava.

Por quê?

– Tudo bem?

– Claro. E com você?

– Estou bem. Tive uma ótima noite de sono, ao contrário de você.

– Como sabe que eu não dormi bem?

– Sua postura está incomum, está fazendo um leve porém perceptível esforço para manter os olhos focados e tem olheiras... Bem aqui! - coloquei o dedo suavemente logo abaixo dos olhos dela, e sorri.

Nossos olhos se encontraram, a escura mas ao mesmo tempo viva cor nos dela se chocaram com o brilho claro mas intenso dos meus.

Nós estávamos perto, não tanto quanto já estivemos outras vezes, mas aquele contato significou muito mais do que os outros para mim.

Abaixei minha mão rapidamente, não era hora nem lugar para analisar meus sentimentos.

– É, nada passa por você. - tentou sorrir, mas logo assumiu uma feição preocupada – Eu tenho que ir agora, Frost me chamou e... Bom, eu vou.

Saiu rapidamente na direção oposta.

– Quer tomar um café mais tarde? - perguntei.

– Eu não sei, mas se decidir ligo pra você.

– Certo.

De novo não!

Ela estava se afastando outra vez.

Mas por qual motivo agora?

Hora e lugar errado Maura! Lembre-se disso!

Caminhei até a lanchonete e vi Frankie sentado em uma das cadeiras.

Eu o cumprimentaria, mas ele foi mais rápido.

– Hey Maura, bom dia.

– Bom dia.

– Você já viu a Jane hoje?

– Sim, acabei de falar com ela na verdade, por quê?

Ele mastigou um pedaço de panqueca e depois respondeu:

– Por nada, eu só queria saber se vocês duas estão bem, sabe, uma com a outra.

– Sim, nós estamos.

– E vocês conversaram?

– Sim, eu até estava disposta a dar o tempo que ela pediu até estar pronta para me falar quem é a pessoa por quem ela se apaixonou, mas não foi preciso, eu descobri.

– Descobriu?

– Isso. Frankie, você sabe que a sua irmã está...

– Apaixonada por uma mulher? - eu assenti – Sim, eu sei.

– Ela te contou aquela noite no Dirty? - eu entenderia se ele tivesse me escondido essa informação inicialmente.

– Não, no dia seguinte eu a procurei e nós conversamos. Foi um pouco difícil, mas eu consegui que ela falasse comigo.

– É eu também tive que ponderar minhas palavras pra não obriga-la a dizer mais do que queria, e então quando menos esperei aconteceu.

– Simples assim?

– Eu não diria simples, mas sim inesperado.

– E ela falou abertamente com você sobre isso?

– Não, ela nem quis me contar de quem se trata.

– Maura, isso ainda é muito novo pra ela, a Jane... Bom, você sabe como ela é, nunca foi do tipo feminina, toda vez que a nossa mãe queria que ela usasse um vestido as brigas iam longe. Eu vou te contar uma coisa, mas ela não pode saber que eu contei, ok?

– Contanto que ela nunca me pergunte se eu sei, porque nesse caso eu não poderia mentir.

Desconsiderando a minha última frase, ele continuou:

– Quando nós éramos adolescentes muitas pessoas comentavam que ela era, você sabe...

– Lésbica?

– Isso. E então ela brigava, xingava, enfim, foi desse jeito durante um bom tempo, e aí ela cresceu e as coisas mudaram porque ela parou de se importar tanto, ou pelo menos aprendeu a fingir que não se importa... Mas o que eu acho é que agora que tudo isso está se tornando algo real, ela ainda não consegue lidar porque seria quase como...

– Admitir que todas aquelas pessoas estavam certas. - completei.

– Exatamente.

– E eu não quero força-la a nada, estou fazendo o melhor que posso para deixa-la confortável, não quero que ela pense que eu a recrimino.

– Eu sei que não.

– Por isso que eu disse algo ontem a noite, tenho certeza de que isso fará ela se abrir comigo em breve.

– E o que você disse?

– Algo que fez com que ela veja que eu já passei pelo mesmo tipo de situação.

– Passou? Quer dizer, você já...

– Interessante, ela gaguejou do mesmo modo depois que eu falei.

– Isso é um sim?

– Sim Frankie, eu já me envolvi com uma mulher, só nunca falei sobre isso antes porque não precisei, esse assunto nunca veio a tona e eu não senti necessidade de fazê-lo vir, mas está evidente que as coisas mudaram.

Como já mencionei várias vezes, sempre fui boa em analisar as pessoas, e tudo na expressão tanto corporal quanto facial de Frankie indicava que ele estava muito surpreso com o que eu havia dito.

– Oh, isso é... Ótimo! - exclamou.

– Tudo bem, é normal ficar em choque, Jane reagiu de um jeito muito parecido aliás.

– É, eu imagino... - e fitou o vazio.

Meu celular alertou uma chamada, e eu atendi.

– Drª Isles... Sim, ótimo, estou indo, obrigada. - desliguei o telefone – Eu tenho que ir, os resultados de alguns exames sobre o caso ficaram prontos.

– Está bem, até logo.

– Até.

Me levantei e saí rumo ao elevador.

O dia se seguiu como de costume, a investigação teve seu desfecho e o assassino foi preso.

Eu esperei o dia todo por qualquer sinal de Jane, qualquer que fosse apenas dizendo que nós estávamos bem.

Ela disse que ligaria caso quisesse tomar um café, mas não ligou.

Os únicos contatos que tivemos foram estritamente profissionais.

A tarde já havia desparecido a algum tempo, dando lugar a noite, e eu estava na minha sala organizando alguns documentos quando meu celular despertou minha atenção.

Oi, desculpe por hoje mais cedo. Sei que prometi avisar se quisesse tomar um café mas fiquei muito concentrada nesse caso. Enfim, agora que tudo está resolvido, pensei que talvez você pudesse passar no meu apartamento mais tarde. Pode ser? :)

Jane.

Aquele convite me fez sorrir, recusar não era uma opção, e se fosse eu definitivamente não a escolheria.

Tudo bem, eu entendo. E sim, aceito seu convite. Nos vemos mais tarde.

Maura.

Terminei o que estava fazendo e por volta das 20:00 hrs parti para o apartamento de Jane.

Bati algumas vezes na porta mas nenhum sinal dela, já me preparava para ir embora quando ouvi o barulho das trancas sendo desfeitas, e ela apareceu do outro lado com um sorriso no rosto.

– Desculpe a demora, eu estava no banho.

Sim, isso era fácil de notar, já que ela ainda estava com a pele levemente umedecida e as roupas amarrotadas, porque foram colocadas com pressa.

– Tudo bem.

Ela abriu passagem e eu entrei.

Coloquei minha bolsa em cima do sofá como sempre.

– Você quer pedir comida? - perguntou.

– Eu adoraria. O que você prefere?

– Sei lá, tanto faz. Os folhetos estão em cima do balcão.

– Ok. - comecei a folhear procurando por algo aproveitável e encontrei um restaurante de comida natural – Achei um, entregam em até meia hora.

– Parece bom, que tipo de comida tem?

– Natural. - falei com certo cuidado, sabia como Jane era relutante com alimentos saudáveis.

– Não faz muito o meu tipo, mas tudo bem.

– Mesmo? - ela confirmou – Você não vai implicar?

– Eu vou se você não ligar logo, estou morrendo de fome.

– Está bem. - peguei meu celular e disquei o número, enquanto esperava para ser atendida a vi andar em direção ao corredor.

– Eu vou dar uma olhada no meu quarto, deixei tudo uma bagunça com a pressa de atender a porta.

Eu assenti e a vi sumir do alcance da minha visão.

Pedi a comida e me sentei no sofá.

– Quer beber alguma coisa? - a voz dela me assustou, eu estava distraída.

– Oh, você me assustou. Eu não te vi. - disse me virando um pouco para olhar para ela que estava na cozinha.

– Essa é parte boa em ser detetive, você aprende a ser extremamente silenciosa e sorrateira.

Eu ri.

– Percebi. Mas, em resposta a sua pergunta... Eu beberia algo, mas teria que ser vinho.

– Pode deixar, eu ainda tenho aquela última garrafa que você me deu totalmente cheia.

– Você não bebeu? Por quê?

– Porque eu não sou do tipo que bebe vinho Maura, a não ser quando estou acompanhada. E como passo a maior parte do tempo sozinha...

– Poderia ter me avisado, eu teria feito companhia a você sem o menor problema. - falei ao me levantar e caminhar até ela.

– Eu sei, e agradeço por isso. Mas não posso recorrer a você sempre, eu sei que tem sua própria vida.

– Claro, assim como você tem a sua e nenhuma de nós invade o espaço da outra.

– O que eu quis dizer foi... Vamos só beber o vinho está bem?

Assenti.

Ela pegou a garrafa, separou duas taças e derramou o liquido em cada uma delas com cuidado.

Eu peguei a minha e então Jane ergueu a dela.

– Um brinde a... Aos momentos, principalmente aqueles que fazem com que a gente acorde a tempo de entender o que quer e poder lutar pra conseguir.

– Embora o significado não faça muito sentido... - ela sorriu para mim – Sim, um brinde aos momentos!

Nossas taças se encontraram gentilmente e nós duas bebemos um gole, colocando as taças sobre o balcão quase que ao mesmo tempo.

– Então... Pediu a comida?

– Sim, e de acordo com informação do folheto eles entregarão logo.

– Ok, quer ver um filme?

Ela passou por mim e foi rumo a sala, começou a vasculhar a estante em busca de algum DVD.

Sua postura estava rígida, a respiração pesada.

Ela queria me perguntar algo, e eu já sabia o que era, mas não perderia a chance de fazê-la falar.

– Eu prefiro conversar. - falei pegando as duas taças de vinho e fazendo o meu caminho até o sofá.

– E sobre o que? - perguntou ao se juntar a mim.

– É o que eu quero saber. - entreguei a taça a ela.

– Como assim?

– Você quer me fazer uma pergunta Jane, ou várias, francamente eu não me importo em respondê-las, seria um prazer inclusive.

– Maura eu não...

– Está tudo bem, pode falar.

Ela tomou um gole de vinho e voltou a olhar para mim.

– Aquilo que você disse ontem... Realmente aconteceu?

– Sim, mas faz muito tempo.

– Certo... Ah, e com quem foi?

– Uma garota da faculdade, ela...

– Não precisa me contar se não quiser, eu vou entender.

– Oh não, eu posso falar sobre isso, não tem problema.

– Tem certeza?

– Tenho. Eu só estava buscando na minha memória o jeito certo para descrever como tudo aconteceu.

– Estou ouvindo.

– Eu tinha acabado de entrar na faculdade, tinha 19 anos e não fiz amigos facilmente, a não ser os do grupo de estudo, mas esses eram o que eu chamava de colegas, já que só estavam comigo durante as aulas e depois disso éramos completos estranhos uns com os outros. E então eu conheci a Rachel.

– Rachel?

– Esse era o nome dela, Rachel Jones, ela cursava a faculdade de direito, era popular, todos a idolatravam, eu podia esperar tudo, menos que um dia nos tornássemos amigas, mas aconteceu.

– Como?

– Eu fui convidada pra uma festa de uma fraternidade, eu não ia mas mudei de ideia, resolvi arriscar. Chegando lá nada foi como eu pensava que seria, tinha muitas bebidas, música alta e jovens fazendo coisas não muito corretas.

– Coisas que se fazem na faculdade Maura, não sei porque ainda se surpreende.

– Talvez eu nunca me conforme, mas o ponto é que eu queria muito ir embora então uns garotos me cercaram me impedindo de sair e a Rachel apareceu, mesmo com todo aquele jeito delicado ela conseguiu fazer com que eles se afastassem de mim, e desde daquele dia nós não nos separamos por quase um ano.

– E o que aconteceu depois?

– Foi quando nós decidimos tentar algo mais do que amizade.

– Decidiram? E foi fácil?

– Não Jane, não foi nem planejado.

– E como foi então?

– Eu tinha uma prova importante, quero dizer realmente importante, que definiria se eu iria passar de ano ou não, estava muito preocupada e a Rachel tentou me convencer de todas as formas que tudo daria certo e que eu ia tirar uma nota ótima, só que ela viu que eu estava irredutível e se ofereceu pra estudar comigo, e eu aceitei. Ela apareceu no meu dormitório como já tinha feito muitas outras vezes e começou a me ajudar, fazia as perguntas e eu respondia. Ela conseguia fazer com que eu me divertisse mesmo sob pressão, e as horas foram passando e quando eu menos esperei...

– O que? O que aconteceu?

– Nós nos beijamos.

– Onde?

– No chão. Estávamos sentadas uma ao lado da outra, rindo sobre alguma teoria que ela leu da forma errada e então o riso foi cessando, nos olhamos por alguns segundos e aconteceu.

– E depois do beijo como vocês reagiram?

– Essa parte foi difícil, porque nenhuma de nós entendia o que tinha acontecido, ficamos sem falar uma com a outra por uma semana, tanto que eu fiz a tal prova, tirei uma nota excelente por sinal, e nem sequer podia agradecer a ela porque não sabia como não falar sobre o que tínhamos feito.

– Mas vocês se acertaram, não é?

– Sim, conforme essa semana passou, eu estava no laboratório realizando alguns testes e todo mundo começou a ir embora, menos eu. Quando me dei conta a Rachel estava atrás de mim, nós conversamos e resolvemos ver aonde aquilo iria dar.

– Assim? Desse jeito? Sem diálogos demorados nem nada?

– É, assim. Acredito que foi por isso que tenha dado errado.

– Sinto muito, eu não devia ter feito você falar sobre isso.

– Tudo bem, ficou no passado, e eu não me arrependo de nada.

– Não?

– Não Jane, não deu certo mas o que vivemos juntas foi bom enquanto durou.

– Você sabe o quão meloso isso soa não sabe?

– Sei sim.

Nós rimos.

– E por quanto tempo vocês ficaram juntas?

– Cinco meses. Foram ótimos cinco meses, mas ninguém sabia de nada, seria um escândalo que duas alunas estivessem namorando, então mantivemos segredo.

– Você a amava?

– Como uma amiga. Sabe, aquele beijo mexeu mesmo comigo e com ela também, nós éramos jovens, totalmente opostas e acabamos criando um vínculo, e com a contribuição dos nossos hormônios pensamos que poderia ser amor.

– Mas não era.

– Não. Quer dizer, eu me importava com ela, muito, e tínhamos aquela atração física só que não era o bastante. Nossas vidas ainda estavam se definindo, estávamos construindo os nossos sonhos aos poucos e eles eram tão diferentes, que isso acabou destruindo tudo, até mesmo a nossa amizade. Tivemos muitos problemas porque os pais dela descobriram e ela não fez nada pra defender a nossa relação, então nós brigamos eu disse que ela era fraca e não estava disposta a lutar pelo que tínhamos, mas no fundo nem eu estava.

– Como sabe?

– Porque eu também não enfrentaria os meus pais se precisasse, pelo menos não naquela época, eu não tinha força suficiente pra isso. Só que foi mais fácil dizer que somente ela era covarde, então quando eu cheguei ao meu limite, que foi depois de dias separadas, nós conversamos e chegamos a mesma conclusão.

– Que foi...

– Que era melhor rompermos antes que essa tentativa de criar algo acabasse destruindo tudo aquilo que mais queríamos.

– Suas carreiras?

– Sim.

– E ela concordou com isso?

– Ela pensava a mesma coisa Jane, só que diferente de mim ela não conseguia dar o primeiro passo, mesmo depois de pensar muito, ela simplesmente não conseguia.

– Acho que tinha medo de te magoar.

– Nós nos magoamos quando decidimos ir além do que boas amigas devem ir.

– Você disse que não se arrependia.

– E é verdade.

– Ok, mas e o que aconteceu depois?

– Alguns dias após isso ela foi aceita em uma faculdade em Londres, uma das melhores do mundo e foi embora.

– Deve ter sido difícil. Quero dizer, na hora da despedida vocês devem... Ah Maura, sinto muito.

– Mas não precisa, isso já tem muito tempo. E também quando ela foi nós já não nos falávamos mais.

– O que? Por quê?

– Porque a nossa amizade tinha acabado.

– Mesmo terminando com ela?

– Nunca volta a ser o que era antes, por mais que você tente, nunca é a mesma coisa depois que se envolve sexo.

Então a campanhia tocou, Jane abriu a porta para o entregador do restaurante.

– Oi, quanto é? - ela perguntou.

– US$30,00.

– Eu pago Jane.

– Nem pensar, eu te convidei e ainda te obriguei a fazer a ligação, então eu pago.

Ela disse enquanto abria a carteira.

– Mas...

– Sem mas, isso não está em discussão.

Ela entregou o dinheiro para o rapaz, fechou a porta e serviu a comida.

Nos sentamos uma em frente a outra.

O silêncio estava agradável, mas ela permanecia inquieta.

– O que mais você quer saber?

– O que?

– Sobre a minha aventura na faculdade.

– Oh nada, tudo bem.

– Eu te conheço, fale.

– Eu só não entendo o porquê de vocês terem começado isso mesmo sabendo dos riscos de não dar certo.

– Como eu disse, nós éramos jovens e embora realistas, ainda acreditamos que podia dar certo, se bem que pra ser sincera o fator físico contou muito mais.

– Quer dizer...

– A atração, ela era realmente muito bonita. Foi mais forte do que eu.

– Ah Maura! - ela largou o garfo, fazendo cara de nojo.

– O que foi? Você tem que se acostumar com essas coisas minha amiga, já que pretende ingressar nesse novo mundo.

Não disfarcei a amargura em minha voz ao pensar na mulher misteriosa por quem Jane estava apaixonada.

Por quê tanto segredo?

– Sim eu pretendo, mas isso não significa que eu queira detalhes da sua vida sexual lésbica.

– Lésbica?

– É, como mais você chamaria?

– Não sei, mas essa palavra é muito forte. Eu não me defino assim, já que também sinto atração por homens.

– Então o que você é?

– Aberta a novas possibilidades.

– Olha quem está citando uma expressão vaga agora!

– Não é vaga, é sincera e real. Além de descrever perfeitamente como eu me sinto.

– Isso quer dizer que mesmo você não tendo mais 20 anos ainda estaria disposta a...

– Sim.

– Sério?

– Não vejo porque não. Sem falar que as chances de dar certo agora seriam bem maiores, já que eu tenho uma vida estabelecida e totalmente independente.

– E isso faz diferença?

– Claro que faz. Jane quando eu me envolvi com a Rachel eu era apenas uma garota experimentando algo novo, e eu gostei. Mas não deu certo por vários fatores, o principal deles foi a época em que aconteceu.

– Fala da sua idade?

– Também. Hoje tudo é diferente, hoje não preciso da aprovação de ninguém, hoje não vivo por aí preocupada com as provas ou algo do tipo. Isso era um fardo e tanto.

– Pensei que você gostasse de ser Maura Dorothea Isles, o gênio! - exclamou sorrindo.

Eu ri.

– E gostava, ou melhor, ainda gosto. Mas até para a pessoa mais inteligente do mundo, aquela idade é um período que mexe com a nossa cabeça e nos faz tomar decisões precipitadas.

– E estaria disposta a arriscar uma amizade por atração? Sabe, fazer tudo de novo?

Por quê isso agora Jane?

Eu não me importava em responder as perguntas, mas ela já havia feito tantas e certamente não apenas por curiosidade.

– Não por atração, mas por amor sim.

– E acha que seria capaz de amar uma mulher?

– Eu nunca suponho, lembra?

– Sim, é que você falou que o que sentia pela Rachel não era amor, e também houve outros fatores pra que não funcionasse, mas já que agora está em uma posição diferente... Não sei, fiquei curiosa.

Só curiosa?

Aquilo não foi convincente.

– Entendi. Bom, sim, eu seria perfeitamente capaz de amar uma mulher!

– Considerando que você não supõe, então isso foi uma afirmação?

– Foi.

– Simples assim? Você não tem mesmo o menor pudor sobre isso né?

– Não. Por quê deveria?

– Nada, é que eu ainda não consigo lidar muito bem com essa situação.

– A minha ou a sua?

– Ambas.

Segurei a mão dela, que inicialmente se assustou com meu toque, mas então relaxou.

– Jane, eu sei o quão clichê isso vai parecer, mas a verdade é que você não tem que se importar se a pessoa que ama é do mesmo sexo ou não, você só tem que ama-la e nada mais.

Ela sorriu, removeu a mão da minha delicadamente e retomou a concentração no prato.

– Você e Frankie são bons nisso.

– Em que?

– Na teoria. Ele me disse a mesma coisa.

– E está certo.

– Provavelmente sim, mas eu só não consigo ver isso ainda.

– Mas vai conseguir, eu só gostaria de saber quem é a sortuda pra quem todo esforço está sendo dedicado.

– Ela é alguém muito especial.

Eu tinha que fazer uma pergunta, a resposta era meu maior medo.

– E você a ama?

– Amar eu já amava a um bom tempo, só que esse amor foi mudando e quando eu menos esperava me descobri apaixonada também, de todas as formas possíveis.

– Bom pra você. - foi tudo o que eu consegui dizer.

– É, bom pra mim.

Tentei continuar comendo mas não conseguia, um nó se formou na minha garganta, algo que até aquele momento para mim era completamente impossível.

Eu já sabia que qualquer resposta que Jane desse iria me magoar, mas nunca pude medir a intensidade.

Era tão irônico.

Eu havia contado sobre meu passado para que ela se sentisse confortável e falasse comigo.

Meu plano deu certo e isso era o pior, eu realmente não estava pronta pra ouvi-la falar sobre seus sentimentos.

Afastei o prato.

– Estou satisfeita.

– Eu também.

Ela levantou e recolheu os pratos, colocando-os na pia.

Fui recolher as taças de vinho mas uma delas virou e derramou o pouco que ainda restava na minha blusa.

– Ah não! - reclamei.

– O que? - Jane me olhou – Como conseguiu fazer isso?

– Como conseguiu derramar cerveja na sua blusa aquele dia na minha casa?

– Isso é diferente, eu estava bêbada, você mesma disse que foi culpa do meu organismo reagindo ao álcool ou algo assim, mas no seu caso você fez a besteira estando sóbria, então...

– Eu me distraí, só isso.

– Acho que eu tenho algo pra te emprestar, venha comigo.

– Não, eu posso dar um jeito nisso.

– Como?

– Se importa? - fiz menção de tirar a blusa.

– Você vai tirar?

– Sim.

– Por quê?

– Porque essa é uma das melhores blusas que eu tenho Jane, foi difícil encontrar um tecido tão raro e ainda sim tão confortável e bonito, não posso simplesmente deixar que e o vinho a manche.

Sem mais explicações tirei a peça rapidamente do meu corpo.

– Vai lavar?

– Apenas um pouco de água fria e tudo ficará bem.

Andei em direção ao banheiro.

Abri a torneira e calmamente comecei a esfregar o tecido ao mesmo tempo em que o molhava.

A mancha estava praticamente eliminada quando decidi me olhar no espelho.

Perdi o controle sob o que fazia, pois encontrei os olhos de Jane fitando algo sem piscar, e esse algo era o meu corpo.

Ela não percebeu que eu tinha notado, então continuou olhando.

Seus olhos me percorriam dos pés a cabeça enquanto ficou parada na porta.

A vi morder o lábio inferior e suspirar levemente.

Já tinha visto isso antes, já tinha olhado para alguém da mesma forma antes, e esse alguém... Esse alguém era ela.

Sim, aquele olhar e aquela expressão eram idênticos a como eu fiquei quando a vi em peças íntimas na minha casa.

Mas por quê Jane olharia com desejo pra mim?

E a tal mulher por quem ela estava apaixonada?

Certamente esse novo interesse pelo mesmo sexo a deixou confusa.

Era isso não era?

Eu queria que fosse?

Oh, quando foi que me tornei tão indecisa?

– Jane. - falei virando rapidamente para ela, que mudou sua expressão ao constatar que havia sido pega em flagrante.

– Oi... Eu queria saber se você conseguiu tirar a mancha de vinho...

– Ah, sim, consegui.

Peguei a peça que estava sob a pia e mostrei a ela.

Estávamos tão perto e eu sem minha blusa.

Segundos torturantes, e o olhar de Jane mostrava que para ela também não era fácil.

Mas por quê?

– Que bom! Mas ela está molhada, você não vai poder usa-la assim então vou te emprestar uma minha.

– Certo.

– Bom, já conhece o meu armário, fique a vontade pra escolher. - disse andando de costas.

– Aonde você vai?

– Andar um pouco...

– Por quê?

– Eu preciso de ar! - já estava no fim do corredor – Quando sair tranque a porta com a chave que ficar debaixo do tapete, pego ela com você amanhã.

– Você está bem? - dei alguns passos para frente.

– Não, mas eu vou ficar.

Colocou uma jaqueta cumprida, pegou o celular e saiu rapidamente, não me dando mais tempo para processar os últimos minutos.

O que a fez ficar tão nervosa?

Me ver sem blusa?

Mas já havia trocado de roupa na frente dela algumas vezes e nunca a vi reagir daquele jeito.

Se bem que eu também já a tinha visto com poucas roupas mas isso não me impediu de sentir atração por ela naquela noite.

E lá estava eu comparando minha reação com a de Jane mais uma vez.

Mas não podia fazer nada se nossas expressões foram tão parecidas.

Será que ela sentiu a mesma coisa?

Se fosse verdade, o que eu podia fazer a respeito?

Se mencionasse o quesito “atração pela sua melhor amiga em roupas íntimas” sabia que não daria certo, pois como não posso mentir acabaria contanto a ela o que senti.

Eu deveria contar?

Isso só a deixaria ainda mais confusa!

Mas eu também estava confusa, eu sentia ciúmes de alguém que ela nem ao menos revelou o nome.

Tudo estava tão diferente em tão pouco tempo.

Era a hora de colocar o meu cérebro de gênio pra pensar em uma solução rápida e eficaz, eu me conhecia, e do jeito que tudo estava caminhando, não aguentaria muito mais.


Continua...



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Notas finais do capítulo

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