Ella - A Verdade Por Trás Da História escrita por Ayelli


Capítulo 16
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Bem, nesse capítulo saberemos um pouco mais sobre a misteriosa Évenice. Pobre Amaril, como se os problemas que já possuiu não fossem o bastante! Espero que gostem. Bjokas♥



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O dia estava especialmente gelado naquele 12 de janeiro de 1966, aniversário da morte de Francis Jarry Chandezon. No caminho de volta para casa, após a visita anual ao cemitério, Amaril lembrava-se de como havia sido difícil conseguir trazer o corpo do marido da França para a Suécia, quando resolveu deixar para trás todas as más lembranças dos acontecimentos que levaram àquele terrível final. Sua primeira parada, na vinda da França, havia sido em Götemburgo, onde enterrara seu marido e onde viveu por dois anos.

O carro dirigido por Affonso seguia por uma alameda de árvores perfiladas, seus troncos marrom-escuros com seus galhos e folhas brancas estavam totalmente cobertos pela neve e davam um ar de paisagem de cartão postal de natal, não se tratasse justamente da rua Källtorps-gatan, que ladeava todo o cemitério Ostra - Kyrkogarden. Mais à frente, no cruzamento da Poppelmans-gatan com Källtorps-gatan, Amaril deparou-se com uma cena inusitada que lhe chamou a atenção para em seguida causar-lhe perplexidade.

Mas, o que era aquilo que passara por eles?

- Afonso, me diga o que você viu passar por nós?

- Um carro funerário, senhora!

- Era impressão minha ou havia uma garotinha correndo atrás dele?

- É o que também me pareceu, senhora! – Affonso era um homem da idade de Amaril, discreto, poucas palavras e extremamente fiel, que viera da França com ela.

- Dê meia volta rápido! - apesar de saber o que havia visto e ouvir a confirmação de Affonso, ainda não podia acreditar naquilo. Um carro funerário, uma criança pequena correndo atrás e absolutamente ninguém atrás da criança, que absurdo! Mas, espere, pode ser também que a criança tenha saído sem que alguém percebesse. Um momento como esses deixava as pessoas um tanto aéreas, por assim dizer, e Amaril sabia muito bem disso!

Ao fazer a curva mais à frente a fim de retornar e ver o que estava de fato acontecendo, Amaril pôde ver com clareza o carro funerário que se afastava em direção ao portão principal que ficava do outro lado contornando a rua e a menina que, sem sucesso, tentava alcançá-lo. Seguiu-a por um tempo até que ela não agüentasse mais correr, já a poucos metros da entrada do cemitério. A menina vestia roupas muito surradas e um tanto encardidas, não propriamente sujas, porém, encardidas, logo supôs que se tratava de pessoas extremamente pobres.

Estacionado o carro, Amaril desceu a aproximou-se da menina que rendeu-se, sem que se possa dizer se o real motivo seria a falta de fôlego ou o desejo de não saber que fim levaria a caixa grande que guardava sua mãe. Entregando-se à sarjeta, chorava abraçada a um urso de pelúcia, que em algum momento poderia ter sido de uma cor aproximada ao champagne. Ela o abraçava com força, o protegia com firmeza, como se ele pudesse trazer dentro de si um grande tesouro. Relutava em sequer erguer a cabeça e quando o fez, seus olhos azuis estavam completamente marejados a ponto de embaçar a visão, as palavras não conseguiam se libertar por entre os soluços.

- Como se chama, garotinha? - perguntou Amaril, e levou um tempo até que a menina reunisse forças para libertar as palavras.

- Évenice, senhora!

- Por que está correndo atrás desse carro? Está sozinha na rua? Teus parentes, onde estão?

- Mamãe disse que não temos ninguém, senhora! Ela está naquele carro, não acordou hoje quando o dia nasceu, depois vieram uns homens e a levaram. Eu fugi, porque pensei que eles queriam me pegar e colocar em uma caixa como aquela onde está minha mãe.

- E onde você mora? Onde você e sua mãe moram?

- Agora nossa casa é aquela grande e azul!

A menina se referia, provavelmente, ao abrigo municipal. Bom, agora Amaril sabia que ela não tinha um lar para onde voltar, a não ser um orfanato. Olhando para a garotinha, teve a nítida impressão de que aquilo, um dia, seria uma baita encrenca, mas o que podia fazer? Ela não podia deixar aquela menina ali, desamparada. Oh, mon Dieu, por que não seguiu seu caminho? Agora que sua vida seguia um rumo mais tranqüilo! Solitário, é verdade, mas tranqüilo.

- Venha cá, menina! Entre no carro, vamos até lá. Vou saber o que aconteceu, não se preocupe, não deixarei que a levem!

Entraram no carro e seguiram para o cemitério. Ao buscar informações, esclareceram a Amaril que a mulher, por não ter parente algum que reclamasse o corpo nem jazigo familiar, seria cremada. Oh! Que coisa horrível, pensou ela. Como assim, sem parente que reclamasse o corpo? Ninguém estava levando em conta que a mulher tinha uma filha, embora pequena, oh mon Dieu! Mon Dieu!

Amaril explicou à administração do cemitério que desejaria enterrar a mulher no jazigo de sua família, pois estava entrando com os papéis de adoção da menina e queria que ela pudesse visitar o túmulo da mãe posteriormente. A burocracia foi vencida, até mesmo em países de primeiro mundo é possível se dar um jeito em algumas coisas com algum “incentivo”. Ela realmente solicitou a adoção da garotinha, o que também não foi tão difícil conseguir, tendo em vista que a menina já tinha uma idade fora dos padrões pretendidos pelos casais que recorriam à adoção e provavelmente ficaria em algum orfanato até a idade adulta. Outro fator decisivo estava relacionado ao fato de Amaril fazer parte da classe privilegiada de Götemburgo, poderia proporcionar àquela criança educação adequada e uma criação dentro dos padrões estabelecidos pela sociedade local.

Évenice começou a freqüentar uma boa escola, porém teve dificuldades de adaptação. Era uma realidade totalmente nova para ela e, além do mais, todas as dificuldades que enfrentou nos últimos tempos como a falta e recursos, de moradia e de dignidade que culminaram na morte da mãe, ainda lhe causavam grande tristeza, sem falar na saudade que sentia.

Sensível a tudo isso, Amaril tomou a decisão de se mudar. Precisavam encontrar um lugar agradável e livre de todas aquelas más recordações. Após algumas pesquisas, concluiu que o melhor seria dirigir-se à Gävle, onde encontrariam boas escolas e a oportunidade de uma vida nova para ambas.

Em Gävle, Amaril proporcionou à menina tudo o que havia de melhor em educação e cultura, tratava-a como a uma verdadeira filha. Com o passar do tempo, as tristezas foram se amenizando, mas Évenice era, por natureza, uma pessoa calada.

Ela cresceu e tomou para si a função de coordenar a casa. Na verdade, embora protegesse por vontade própria a vaidade de Amaril, não deixando que todos soubessem, era ela quem comandava os negócios da mãe adotiva, com grande competência, diga-se de passagem.

Todas essas lembranças invadiam a memória de Amaril enquanto esvaziava mais um copo de vodka na saleta, à espera das explicações da filha adotiva.

- Eu acho que a senhora já bebeu demais para alguém da sua idade! – disse Évenice fazendo menção de pegar o copo de suas mãos, gesto esse que se recolheu imediatamente ao olhar imponente da mãe contrariada.

- Vamos lá, mocinha! Eu sei que você me esconde um segredo. Na verdade, eu acho que sempre soube, eu tinha era medo porque certamente sei que isso irá me remeter a tempos passados, quiçá em novas e grandes encrencas, mas que fazer se esse parece meu destino, por mais que eu tente fugir dele?

- Bem, detesto rodeios, então vou direto ao ponto. Um pouco antes de morrer, minha mãe me disse que cuidasse daquele ursinho como um presente precioso e só quando fosse adulta o suficiente eu deveria procurar o que ele guardava. Durante muito tempo fiquei pensando no que isso queria dizer, mas, na verdade, quando ficasse adulta a resposta chegaria por si só e o segredo do urso seria apenas um atestado. Eu sei que você sabe o que é uma “I”.

Nesse momento, toda a vodka consumida parecia querer desesperadamente fazer o caminho inverso, sua cabeça rodou, sentiu arrepios e um pavor crescente, podia ver sua filha morta bem diante de seus olhos e o sorriso cruel de Alexsander. Não, isso não podia ser verdade, embora ela já desconfiasse, naquele momento queria que tudo fizesse parte da embriaguez, mas, infelizmente, não havia bebido tanto assim.

- Quando completei 21 anos, naquela mesma noite, pude sentir a diferença. Primeiro, era algo no meu interior, uma irritação que ia e vinha como se eu estivesse em uma montanha russa, tinha a impressão de ler ou ouvir seus pensamentos, quase podia ouvir seus passos do outro lado da casa, mas não sabia se isso era coisa da minha cabeça, se estava tendo algum tipo de mal estar... Tive suores, senti um frio congelante, tudo ao mesmo tempo. Foi uma noite péssima! Já era de madrugada quando, não sei explicar muito bem como, a imagem de minha mãe surgiu no meu pensamento e era como se eu ouvisse sua voz me falando sobre um urso de pelúcia. Dei um salto na cama e achei que estivesse sonhando, mas me lembrei do ursinho e não sabia onde o havia guardado. No dia seguinte, fui ao sótão e abri meu velho baú, onde guardo todas as coisas de minha infância. Tinha que estar lá, pois não haveria outro lugar onde procurar, e lá estava ele. Então eu o trouxe para baixo, foi quando notei que havia uma costura, numa cor de linha diferente, mas nada me fez suspeitar que dentro dele pudesse haver alguma coisa. Mesmo assim eu o abri e havia! Minha mãe, inteligentemente escreveu tudo o que queria me dizer em pedaços de pano e colocou como se fosse o enchimento do urso, pano! Dá para acreditar?

Amaril agora estava estática, olhos fixos em algum ponto do cômodo. Claro que dava para acreditar, pensou, se eu tivesse uma filha assim, também pensaria em algo do tipo para guardar um segredo como aquele. Mas, espere! Ela tinha uma filha! Adotiva, é verdade, mas uma filha a quem amava! E, pior, ela carregava consigo um grande segredo, “aquele” segredo! Mon Dieu! Mon Dieu! Sentiu vertigens, tudo rodava, e de repente era como se estivesse em queda livre, num abismo sem fim.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram?
Dedico esse capítulo a todas as Liesels e Rudys, vcs estiveram em meu pensamento por toda essa semana.



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