Shadows - Encontro escrita por Lana Lewis


Capítulo 2
Capítulo 2 - Destino




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Julia caminhava pelo caminho de cascalhos brancos, arrastando com certa dificuldade a mala de rodinhas, as pedrinhas brancas travavam as rodas vez ou outra e ela tinha que se abaixar para destravar.

O breve diálogo com o segurança havia sido um tanto quanto estranho, tão desacostumada ela estava a falar com pessoas desconhecidas, até mesmo o quanto ela estava desacostumada a falar.

A demora em responder fez com que o homem acreditasse que ela não entendia bem ao francês e seu sobrenome estrangeiro apenas confirmava as suspeitas dele. Ele perguntou o nome dela novamente, de forma pausada.

- Me chamo Julia Grigorev - ela respondeu num tom baixo, sem olhá-lo nos olhos. Aquele era outro tipo de contato que temia, afinal ele poderia saber de algo, ele poderia acusa-la.

Houve um segundo de silêncio enquanto ele se virava e apanhava uma prancheta, checando o nome da garota. Julia ergueu o olhar para o rosto bronzeado, tentando imaginar qual seria a expressão por detrás dos óculos escuros. Ela sentiu um arrepio.

- Você é a nova aluna, estávamos esperando - ele sorriu de modo simpático, quase profissional - Siga por este caminho em direção aquele prédio, consegue ver? - ele apontou para o primeiro prédio, o que tinha a arquitetura mais antiga - A inspetora de alunos a aguarda, ela se chama Indaline. Um funcionário levará suas bagagens para o dormitório depois que a encontra-la. Seja bem-vinda! - ele desejou e logo seu sorriso desapareceu enquanto ele tornava a se virar para a entrada, cruzando as mãos em frente ao corpo.

Só então Julia reparou na arma presa ao coldre na cintura do homem, fazendo-a estremecer. Homens armados, policiais, ela não pode evitar a sensação de mal estar.

Julia estava abaixada mais uma vez ao lado da mala, retirando pedrinhas da roda, começando a cogitar a ideia de leva-la nos braços quando uma sombra surgiu diante dela.

- Senhorita Grigorev? - um homem franzino com um uniforme cinza que lembrava muito o uniforme de carregadores de hotel estava diante dela, o cabelo preto preso sob um quepe.

Ele tinha uma expressão agradável, um sorriso genuíno no rosto.

- Eu sou Jacques, ficarei responsável por sua bagagem a partir de agora. Desculpe não tê-la encontrado no portão, na verdade não esperávamos que chegasse tão cedo - ele se inclinou e estendeu a mão para que Julia lhe entregasse a bagagem - essas pedrinhas sempre prendem, mas não se preocupe com isso - ele disse, estendendo a mão para ajuda-la a levantar-se.

Julia olhou para a mão estendida, hesitando por um momento, mas aceitou a ajuda.

- Você entende o que eu digo? - ele perguntou - É que sua expressão agora pouco, parecia um pouco perdida, achei que não estivesse me entendendo bem, mas nãos e preocupe, isso é comum por aqui, muitos de nossos alunos não são franceses, por isso temos aulas, professores, em pouco tempo você estará familiarizada - Jacques parecia ser o tipo de pessoa que gostava de falar, o que era bom, pois Julia não tinha uma real necessidade de respondê-lo.

Julia sorriu, talvez fosse melhor que ele achasse que Julia não o entendia, assim ela não teria que dar muitas respostas, somente alguns sorrisos e acenos com a cabeça.

- Eu devia saber, seu sobrenome, Grigorev! É russo, não é? Ah sim, eu já visitei a Rússia uma vez, há alguns anos. É um país muito belo, mas eu sinceramente prefiro minha França. Não se ofenda, é apena suma questão de gosto. O inverno lá é muito rigoroso! - Jacques continuava a tagarelar e Julia pensou que, se tivesse o conhecido em outro momento, estaria feliz em conhecer alguém tão cheio de vida.

Em poucos minutos, enquanto caminhavam lado a lado, Jacques carregando suas duas malas como se estivessem cheias de ar, o funcionário passou por diversos assuntos, como gastronomia e música, tentando falar devagar mas logo tornando as e empolgar, parando de repente quando chegaram a uma bifurcação do caminho.

- Senhorita Grigorev, daqui seguirá sozinha - ele fez uma pequena reverência - eu levarei suas malas ao seu quarto e cuidarei de tudo para que quando acabe o tour pelas instalações possa se vestir e participar do segundo período de aula - outra breve reverência - Agora basta seguir até o prédio ali adiante, Indaline certamente a esta esperando. Ela não é como eu, ela não se atrasa - ele brincou - Foi um prazer conhece-la, seja bem-vinda! - Jacques então virou-se, seguindo para os prédios com a arquitetura mais moderna, cheios de janela. O prédio dos dormitórios.

Julia ainda o acompanhou por alguns segundos com a visão, ouvindo-o assobiar alguma canção que ela não conhecia, certamente algo francês, até que ele sumiu em uma depressão do terreno e ela virou-se para o prédio a poucos metros dela.

Agora a alameda de grama baixa dava espaço para um amplo jardim, repleto de arbustos floridos, ainda cobertos pelo orvalho do amanhecer, o sol fazendo as minúsculas gotinhas cintilarem.

Havia diversos bancos de madeira pintados de branco em meio ao jardim, inclusive uma fonte. A água escorria por uma escultura em forma de flor, com pétalas grandes, fazendo uma sintonia agradável com os pássaros que piavam próximo.

“Mamãe teria adorado isto” - Julia pensou com pesar, desviando os olhos para a entrada do prédio.

Uma grandiosa varanda cercava a parte frontal da construção, a grama verde dava lugar aos três degraus de mármore claro, que se estendia até dentro do prédio.

Na ampla varanda havia mais bancos e algumas cadeiras ao lado de mesinhas de ferro, ambas pintadas de preto. O lugar mais lembrava uma casa de fazenda do que qualquer outra coisa.

Luminárias triplas de ferro também pintadas de preto pendiam, presas à parede de pedras de mármore polidas da mesma cor do chão.

Uma grandiosa porta dupla de madeira escura estava aberta, dando para um corredor de chão de mármore e paredes cruas, onde grandes janelas iluminavam de modo natural.

Julia passou pelas portas, entrando no longo e largo corredor.

O chão de mármore bege agora ganhava uma passadeira vermelho escuro por toda a extensão do corredor.

Diversas portas de madeira fechadas guardavam placas, indicando as salas como laboratório, arquivo, etc. Alguns bancos de madeira estavam encostados à parede do lado esquerdo, onde estavam as portas.

As paredes do lado de dentro do prédio eram pintadas de  bege, seguindo o mesmo tom do mármore no chão, com uma textura frisada, alguns quadros de antigos diretos, prêmios e até fotos antigas do local estavam pendurados.

O corredor fazia uma curva para a esquerda alguns metros adiante, havia também uma escada de madeira escura que levava para o segundo piso, onde provavelmente eram as salas de aula já que se podia ouvir o burburinho dos alunos vindo dali.

Julia caminhou, dobrando a esquina. Nessa parte do corredor era possível ver a sacada do segundo andar, algumas portas das salas estavam abertas e ela podia ouvir alguns dos professores lecionando. Já fazia tanto tempo desde que ela estivera num lugar como aquele.

Julia suspirou, lembrando das amigas, do antigo colégio. A vida delas havia mudado tanto depois daquela noite, parecia ter acontecido há tantos anos.

Mais alguns passos, agora ela podia ver uma porta dupla na parede direita. Estava aberta e dava para o lado de fora, boa parte da iluminação daquela parte do corredor vinha dela. Será que Indaline estaria ali?

Julia andou em direção à porta aberta, tendo que piscar diversas vezes para se acostumar novamente a luz clara da manhã. Alguns alunos estavam ali fora, sentados na grama ou nos bancos, uma professora parecia explicar algo sobre uma espécie de planta que tinha em mãos, mas eram poucos que prestavam atenção à suas palavras.

- Julia? - ela virou-se, seu ombro esbarrando contra o peito de um rapaz que estava atrás dela. Ele era loiro, o olhos tão ou mais azuis do que os dela, os cabelos perfeitamente penteados. Era alto, seu uniforme alinhado se diferenciava dos demais apenas por uma faixa branca no braço direito - Você é Julia Grigorev? - ele perguntou e ela recuou um passo assentindo.

Ele pareceu examiná-la por um minuto, franzindo a sobrancelha como se achasse algo estranho na garota. Talvez fosse a expressão perdida, o olhar assustado.

- Indaline já está terminando a reunião com o diretor, ela pede desculpas pela demora - ele estendeu a mão - Sou Ryan Thompson, presidente do grêmio estudantil. Se precisar de alguma coisa pode me procurar.

Julia olhou a mão estendida, apertando a palma da própria mão que estava dentro do bolso de seu casaco.

- Tudo bem - um sorriso debochado surgiu nos lábios de Ryan e ele deu de ombros - Você pode esperar aqui ou então na porta da sala do diretor, agora se me der licença - ele apontou o grupo que estava no jardim com um gesso de cabeça, passando então por ela.

Julia virou, mordendo o lábio, ainda apertando a própria mão dentro do bolso. Estava sendo ainda pior do que ela pensara, havia começado mal, justo com o presidente do grêmio. Ele certamente falaria para os demais alunos o quão antipática ela era.

Talvez fosse um tanto quanto melhor desse modo. Afinal quanto menos pessoas falassem com ela, menos risco ela correria de descobrirem sobre ela e seu passado.

Ela olhou para o jovem presidente, ao contrário dos demais ele permaneceu em pé, próximo a professora, os olhos fixos nas mãos dela enquanto ela cortava a planta em pedaços e explicava mais detalhes.

Uma das garotas levantou-se, lançando um olhar para Julia e então parando ao lado de Ryan, falando alguma coisa em seu ouvido.

Era magra, o corpo delicado de uma bailarina, pálida, com cabelos ainda mais escuros que os de Julia.

Os dois se voltaram para Julia e ela desviou o olhar, a tempo de ver a mulher loira sair por uma das portas, com uma prancheta nas mãos, uma pasta azul sob a prancheta.

- Senhorita Grigorev? - ela perguntou, parando diante de Julia - desculpe a demora, tive uma reunião de emergência com o diretor - ela correu os olhos pela menina - Ainda não está com o uniforme? Tudo bem terá tempo para se vestir antes do segundo período - Indaline deu um rápido sorriso, ajeitando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha - Vamos,  nosso diretor não tem muito tempo, mas gosta de conhecer todos os alunos.

A mulher anotou alguma coisa na prancheta e voltou para próximo da porta de onde havia saído, dando duas pequenas batinhas antes de abrir.

Julia alcançou a mulher, lendo a placa que estava na porta, indicando que aquele era o escritório do diretor.

O lugar tinha uma aparência sóbria, as paredes eram pintadas de verde escuro até a metade e a outra metade eram cobertas por folhas de madeira escura. O chão era de carpete marrom.

Havia uma mesa de ébano com duas cadeiras de encosto alto à frente e mais uma com o encosto anda mais alto atrás. O diretor estava sentado nessa última.

Era magro, os cabelos pretos como piche assim como seus olhos e estavam presos num rabo de cavalo curto.

- Está é nossa nova aluna senhor Stuart, Julia Grigorev. Ela veio de Paris - a inspetora começou - Está matriculada para nosso primeiro ano - ela continuou a dizer enquanto lia alguma coisa na prancheta. Ela é órfã, os pais morreram recentemente num acidente de carro - Julia sentiu uma pequena pontada no peito quando ouviu a última frase.

Órfã. Ninguém a havia chamado daquele modo. Sua expressão encheu-se de dor por um momento.

- Senhorita Grigorev, eu me chamo Edgar Stuart. Não se preocupe ou se sinta ofendida, muitos de nossos alunos estão aqui por esse motivo, por terem perdido os pais. Sabemos que passou por momentos difíceis, mas fique tranquila. Aqui você encontra pessoas jovens como você, pessoas que com certeza lhe entenderão muito melhor do que nós - ele sorriu e de uma forma estranha aquele sorriso a acalmou. Talvez pelo fato de saber que não era a única que havia perdido alguém querido ali - Prometo ser breve, sei que após conhecer o colégio participará do nosso segundo período de aulas, é bom começar já, assim não perderá ainda mais tempo.

Ele se levantou e foi até uma mesa próxima a estante que havia atrás de sua cadeira, retirando um charuto de uma caixa, mas mudando de ideia em seguida. Fumar diante dos alunos não seria uma boa impressão.

- Seu tutor Kairen Dimedenko nos informou que teve aulas particulares durante um bom tempo por conta das viagens que seus pais frequentemente faziam por conta dos negócios, correto? - Julia assentiu, tentando ignorar a sensação ruim quando alguém mencionava algo sobre seus pais e focar-se no que o diretor Stuart lhe dizia - Talvez esteja um pouco mais adiantada em algumas matérias, pelo que pudemos checar  pelo histórico da antiga escola tem excelentes notas. Isso é muito bom.

- Não sei se chegou a ver, mas temos muitos troféus por participarmos de competições intercolegiais. Mesmo sendo um internato participamos de muitos eventos, inclusive fora de Toulouse - Indaline interrompeu o diretor por um momento - Temos alguns clubes específicos, nossa mais recente conquista foi o título do time de basquete. Muitos alunos do primeiro ano participaram desse time.

- Além disso temos algumas matérias extracurriculares, alguns cursos de idiomas, basta procurar Indaline e algum funcionário da secretária para se inscrever. Até mesmo nosso presidente do grêmio pode lhe ajudar com isso - Stuart retomou a palavra - Ryan Thompson, Indaline irá apresenta-lo.

Ryan. Julia lembrou-se do jovem loiro que encontrara a pouco, assentindo com a cabeça, sem mencionar que já o conhecia. Talvez uma segunda apresentação fosse melhor depois do começo um tanto quanto estranho.

Stuart deu uma breve olhada no relógio e então coçou a cabeça, ajeitando o rabo de cavalo em seguida.

- Creio que por hora seja apenas isso, como disse, seria breve. Gosto de conhecer cada aluno que chega ao colégio, às vezes ler as fichas não é o bastante - ele olhou para Julia por um momento - está dispensada. A senhorita Indaline a guiará até o dormitório para colocar o uniforme e depois seguirão por um tour pelo colégio. Seja bem-vinda senhorita Grigorev, espero que este lugar a ajude - ele sorriu e fez um gesto de cabeça em direção à saída.

Indaline já estava parada ao lado da porta aberta. Julia forçou um sorriso e então virou-se, saindo da sala.

Indaline fechou a porta e então virou-se para Julia.

- Agora vamos colocar o uniforme. Tirando os finais de semana, você sempre deverá trajar o uniforme, com todos os itens ao andar pelas dependências do internato - Indaline abriu a pasta azul que tinha sob a prancheta e entregou um caderno grampeado para Julia. Era o manual de regras do internato - Aqui tem as principais regras do internato. Os horários das aulas estão num quadro em seu quarto - Indaline tornou a andar - Vamos, vamos conhecer o dormitório primeiro, está quase vazio a essa hora e você poderá se trocar com calma.

Elas saíram do prédio e caminharam até a bifurcação onde Julia havia deixado Jacques, agora ela seguia pelo caminho por onde o outro havia ido.

As duas andaram por cerca de dez minutos,  as elevações do terreno exibiam arbustos floridos conforme se aproximavam dos dois prédios que ficavam atrás do principal.

Olhando por cima do ombro, Julia podê ver as janelas de algumas das salas de aula e alguns alunos apoiados nela, olhando-a de volta, ou talvez fosse só uma impressão causada pelo reflexo do sol. Ela teve que apressar o passo para alcança Indaline.

Elas seguiram para o prédio da esquerda. A arquitetura um pouco mais moderna do que o primeiro prédio.

Era cercado por um muro não muito alto, com portões de grades de ferro.

A entrada era do mesmo tipo de mármore do primeiro, mas as portas eram no mínimo duas vezes maiores, também de madeira escura.

A pequena sacada não tinha bancos e era sustentada por duas grossas pilastras, três degraus levavam a porta de entrada.

Indaline subiu rapidamente, os saltos de seu sapato ecoando no mármore. Ela abriu a pesada porta com facilidade e então deu passagem à Julia.

O primeiro andar do dormitório parecia dividido em diversas salas, algumas separadas por parede.

Da entrada onde estava Julia via a maior delas, sem ficar a admirada com a decoração quase antiquada, muito semelhante ao escritório do diretor.

O chão de mármore guardava diversos tapetes em cores escuras que variavam do vermelho, verde e marrom.

Poltronas e divãs estavam espelhados por todo o ambiente, alguns em volta de mesas baixas e redondas, de pura madeira. Alguns quadros adornavam as paredes pintadas de vermelho, dando uma sensação quente ao ambiente.

Julia não pode deixar de achar estranho aquele tipo de decoração para um lugar onde jovens estudavam. Era pesada, um tanto quanto sufocante, embora fosse claro que, mesmo sendo antigos, os móveis eram de luxo.

Janelas altas com grades de ferro iluminavam o ambiente o suficiente para que nenhuma luz estivesse acesa àquela hora do dia.

- O primeiro andar do dormitório é dividido em diversas salas, onde os alunos podem ficar em suas horas vagas e antes do toque de recolher. Todos devem estar em seus quartos após as dez da noite ou serão punidos com tarefas extras e trabalhos no próprio colégio - Indaline começou, caminhando para o centro da sala, parando próximo à primeira mesa de centro, uma das maiores.

Havia algumas revistas sobre a mesa, todas atuais, alguns jornais daquele dia e algumas anotações que alguma aluno parecia ter esquecido.

- Essa é uma das salas mais usadas, a maior - Indaline continuou a caminhar, apontando então para uma das paredes, um aparelho de televisão estava preso ali - Todas as quartas e todos os sábados à noite são exibidos filmes, geralmente ligados ao conteúdo das aulas, principalmente às quartas.

Julia viu seu reflexo na tela apagada, parecia ainda menor em seu casaco vermelho e seus jeans e tênis, o cabelo preso num rabo de cavalo frouxo. Era realmente a imagem de uma menininha perdida.

- Por aqui temos outras salas, são menores, geralmente os alunos a utilizam para fazer os deveres - elas passaram para uma sala mais clara, as paredes pintadas de branco, tapetes verdes e felpudos, as janelas igualmente com grades de ferro, diversas poltronas em tons de verde estavam espelhadas próximo a mesas. Havia também dois terminais de computadores, todos com descansos de tela diferentes, certamente colocado pelos alunos.

O ambiente era bem mais leve e agradável do que o primeiro, sem aquela atmosfera sufocante.

Elas passaram então para o próximo ambiente, mais uma sala, com cores que variavam do branco ao vermelho, parecia um ambiente mais feminino, até mesmo pelos enfeites e vasos de flores.

Nessa sala havia um televisor menor, estava ligado e exibia algumas estáticas, uma propaganda do colégio.

Um novo ambiente, dessa vez diferente dos demais. Era uma espécie de copa, com dois refrigeradores, uma bancada de mármore bege  madeira clara, alguns bancos, mesas presas à parede. Tinha um ar de lanchonete e também tinha um televisor em uma das paredes, exibindo a mesma propaganda do da sala anterior.

- Esse local é utilizado pelos alunos para fazerem lanches antes de dormirem, você pode pegar algo no refeitório e trazer para cá, lembrando que esse ambiente também só pode ser usado até as dez da noite. Alguns alunos preferem tomar o café da manhã aqui também, por ser um pouco mais vazio que o refeitório. De manhã, tanto esse televisor quanto o da outra sala exibem os principais noticiários. Como você pode ver também trazemos os jornais matinais todos os dias. É importante que vocês se mantenham atualizados - Indaline encostou-se num dos balcões e retirou um celular do bolso - Vamos ver qual o seu quarto - ela disse enquanto digitava alguns números.

Julia deixou seu olhar correr em volta, realmente o lugar estava vazio e isso a fez se perguntar quantos alunos estudariam ali.

- Seu quarto é o 210, é um bom quarto, venha - Indaline a chamou, começando a andar, passando novamente pelos ambientes que havia apresentado à pouco, alcançado a escada que ficava à direita., próximo à entrada principal. Julia sequer havia notado a escada.

Elas subiram os degraus que levavam ao segundo andar, com Indaline à frente. A escada era de madeira encerada, quase era possível ver o reflexo no chão.

O segundo andar eram composto de um corredor largo, as luzes estavam acessas pois não haviam janelas. Diversas portas numeradas seguiam até o corredor dobrar a esquina, á esquerda.

Indaline foi até uma das portas, quase no meio do corredor e então abriu.

- Este será seu quarto - ela deu espaço para que Julia pudesse ver o ambiente.

O quarto não era grande, mas havia espaço o suficiente para se sentir confortável. As paredes eram pintadas num tom claro de lilás, uma janela grande dava vista para praticamente todo o campus, cortinas brancas estavam presas por puxadores de madeira.

A cama era grande e confortável e ficava na parede que fazia ângulo com a parede da janela. Um guarda roupas grande o bastante ficava praticamente de frente à janela e na parede próximo à porta havia uma escrivaninha com um notebook sobre ela.

Ao lado do guarda roupas havia uma porta para um banheiro particular.

“Uma suíte...” - Julia não pode deixar de ficar admirada. Qual seria o nível aquisitivo de seus colegas? Sabia que seus pais ganhavam bem, mas ela não conseguia imaginá-los pagando aquele tipo de lugar para ela.

- Como você pode ver, você tem um notebook com acesso à internet. Le é seu a partir de agora para fazer suas anotações e organizar seus trabalhos. O acesso à internet só é permitido em nossos laboratórios de informática, com o uso de senha - Indaline explicou, tocando no aparelho e depois apontando para um quadro de cortiça preso à parede logo acima - Aqui estão os horários das aulas, seus livros estão no armário, bem como seus uniformes e suas roupas. Jacques já desfez suas malas, depois das aulas você poderá organizar tudo a seu modo caso queira.

Julia olhou em volta, realmente suas malas não estavam ali. Só então ela notou que o retrato dos pais que havia trazido estava sob um abajur em um criado mudo ao lado da cama. Ela desviou o olhar rapidamente da foto do casal Grigorev.

- Vou deixa-la à vontade para se vestir, estarei esperando lá embaixo na sala de estar - Indaline então deu uma olhada em volta, como se quisesse checar que estava tudo realmente em ordem - Não demore, por favor, ainda tenho que leva-la ao refeitório.

Julia assentiu, esperando a mulher sair do quarto para então praticamente se jogar sobre a cama e alcançar o retrato dos pais.

Ela encarou a foto por alguns segundos, os dedos deslizando pelo vidro do retrato, até que finalmente fechou os olhos.

Havia trazido a foto, mas não pretendia deixa-la exposta. Não sentia-se preparada para deixar exposta a imagem dos dois, para olhá-los todos os dias assim que acordasse e antes de dormir.

Julia abriu a gaveta do criado mudo e depositou o retrato ali, ao lado de uma bíblia e um rosário de madeira.

“Um colégio religioso?” - ela deixou o pensamento a distrair do retrato dos pais, tocando as bolinhas do rosário com os dedos.

Dentro da gaveta também havia um relógio despertador e um par de pilhas.

Julia fechou a gaveta e então levantou-se da cama, indo até o guarda-roupas e abrindo-o.

Os cabides guardavam casacos pretos e camisas brancas. As gavetas estavam cheias com as meias longas e negras e as gravatas vermelhas organizadas.

As saias estavam na gaveta de baixo e os três pares de longas botas pretas estavam numa parte do guarda-roupas reservada a elas.

Suas roupas pessoais estavam do outro lado do guarda-roupas, dobradas e organizadas de modo caprichoso.

Julia separou cuidadosamente as peças, lembrando-se do aviso de Indaline sobre usar o uniforme de modo correto.

Ela foi até o banheiro, onde retirou as peças que usava e vestiu as novas, encarando-se no espelho.

Estava com olheiras fundas e sua pele não tinha o brilho de meses atrás. Também estava um pouco mais magra e seus cabelos não apreciam tão sedosos.

Ela desejou poder tomar um banho, mas sabia que não tinha tempo, então lavou o rosto e escovou os dentes com a própria escova que estava dentro de um copo colorido sobre a pia de mármore escuro do banheiro.

Decidiu deixar os cabelos soltos, penteando-os com cuidado, ajeitando do melhor modo que pode.

Uma nova olhada no espelho lhe deu a visão de alguém mais humana, não muito melhor, mas ao menos parecia ter vida.

Ela respirou fundo, pegando as roupas que estava usando e dobrando-as, deixando-as sobre o cesta de palha trançada que havia ao lado da pia.

Ela foi até o quarto, aproximando-se do quadro de cortiça e vendo os horários das aulas. Tinha que saber quais livros levaria ou não, como o diretor havia dito, não seria bom perder mais tempo.

“Matemática, português, física...” - ela tentou decorar as matérias, voltando então ao armário ainda aberto. Havia uma mochila ali e seus livros estavam empilhados ao lado, bem como três cadernos em branco.

Julia pegou os livros referente as matérias e um dos cadernos, colocando-os com cuidado dentro da mochila.

Ela encontrou um estojo com lápis e canetas dentro de uma gaveta na escrivaninha e quando julgou que estava pronta, após finalmente calçar as botas, saiu do quarto.

As botas novas incomodavam o pé e amochila estava um pouco mais pesada do que ela esperava, mas agora uma sensação de ansiedade havia encontrado espaço dentro dela, uma quase euforia.

Ela sorriu sozinha, caminhando para a porta do quarto e abrindo-a. Assim que o fez seu sorriso sumiu.

A porta do quarto a frente estava entreaberta e parado diante dela, ainda com a mão na maçaneta, alguém a encarava de volta.

A expressão do garoto não esboçava nenhuma reação, talvez um pouco de surpresa tenha passado por seus olhos, mas fora muito breve.

Ele encarou Julia por alguns segundos, sem nada dizer e então abaixou a cabeça, negando alguma coisa em seus pensamentos, fechando a porta e saindo dali com o livro que carregava na outra mão, em direção à escada.

Julia continuava paralisada dentro do quarto, suas pernas pareciam pesar tanto quanto chumbo embora todo o resto de seu corpo parecesse mole como gelatina.

Sua mente girava e seu estômago comprimia-se de forma violenta, enchendo sua boca de saliva, fazendo com que seu corpo fosse tomado por um intenso mal estar.

Ela apoiou-se no batente, levando uma das mãos ao rosto. Estava fria, gelada.

Julia tentou andar, mas tudo o que conseguiu foi cair sobre os próprios joelhos. A mochila agora parecia pesar uma tonelada, esmaga-la, mas não mais do que o que estava sentindo por dentro.

Ela tentou se levantar, erguer o rosto, mas sua visão se desfez em milhares de pontinhos, as lágrimas fazendo seus olhos arderem, caindo por sua pele gelada.

Julia não conseguia acreditar, não podia acreditar. Torcia para que fosse um pesadelo, ou qualquer coisa assim, mas não era. Era real, cruelmente real.

O garoto que estivera à frente dela poucos segundos antes era ninguém menos que o mesmo garoto que estivera com ela naquela fatídica noite.

Ela tinha certeza, jamais esqueceria aquele rosto. Aquele era Lewis Gianni.


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