Thalia:

O colchão da minha cama me parece bem confortável nesse momento. Até porque eu sei o que me espera se eu me levantar e sair pela porta desse chalé.

O maldito baile de Halloween.

O maldito baile de Halloween da Drew.

Encaro meu reflexo no espelho perto da porta. Meu vestido aperta minha cintura de um jeito que me lembra muito um abraço apertado, e meu rosto está pálido, exceto pelos olhos cobertos de sombra preta, rímel e delineador e minha boca vermelho-sangue.

Começo a pensar se devo mesmo ir á droga do baile, e sei que é inútil cogitar a ideia de não ir, porque ele estará me esperando na porta, como sempre esteve.

Nico. O único garoto que eu posso chamar de “meu”, e o único que eu quero chamar assim.

Calço meus tênis pretos. O vestido cobre completamente meus pés, então não preciso sofrer para ficar de pé num salto alto agora. E não é como se fosse usar um se a situação fosse diferente... Eu nunca usaria salto alto de qualquer forma.

Suspiro. Crio coragem suficiente para  levantar minha bunda da cama e caminhar até a porta do anfiteatro. E ele está mesmo ali, com sua capa negra de forro vermelho, uma calça preta em conjunto com uma blusa branca e lisa. Perfeito.

Ele não me viu ainda, e está olhando os ponteiros do relógio de pulso, preocupado.

Eu rio da cena, o que o faz dar meia volta e encarar meus olhos.

- Me esperando, perdição? – pergunto, ironicamente. Ele balança a cabeça negativamente enquanto me admira dos pés a cabeça.

- Você gosta de me provocar, não é mesmo?

Meu sorriso permanece em meu rosto quando respondo.

- Não é como se você não gostasse...

Ele agarra minha cintura e me puxa para perto, me fazendo arfar de surpresa. Ele sorri.

- Está fazendo um jogo muito perigoso, Thals... Mas para sua sorte – ou azar – ele se aproxima do meu ouvido e completa, num sussurro. – Esse é um jogo para dois.

Faço um muxoxo baixo de reprovação assim que ele se afasta, lentamente, e então respondo.

- Devo entender isso como um desafio?

Ele me oferece um braço, e estica uma das mãos para apoiar a porta de madeira.

-Entenda como quiser.

Eu bufo. Vai ser divertido ver sua cara quando EU ganhar...

- Então, que o melhor vença. – e agarro seu braço esticado enquanto ele empurra a porta para dentro.

Deuses, aquilo estava meio caótico!

Campistas dançavam descontroladamente, rebolando e descendo até o chão no ritmo da música, seja lá qual estava tocando naquele momento.

E, por incrível que pareça... Tudo isso parou quando nos viram entrando.

Devo descrever aqui a expressão de surpresa e incredulidade de todos eles, e os sussurros de “Aquela não é a Thalia, Filha de Zeus? Com um filho de Hades? Não é possível...”? Ou a ceninha que Drew fez logo depois de eu conseguir localizá-la no palco, com o microfone na mão, quando ela de um gritinho histérico, bateu o pé no chão, e saiu marchando pela porta da frente com seus saltos 15 cm., levando seu “glamour” e seus peitos siliconados para longe das vistas de todos?

Não, não sou tão má assim... Vamos continuar a história a partir daí.

Eu gargalhei da cena ridícula. E então começou.

A minha música.

(COLOQUE ESSA MÚSICA PARA TOCAR: http://www.youtube.com/watch?v=s1tAYmMjLdY )

Nico me abraçou por trás, pegando minha cintura, e começou a cantar junto com o vocalista do Blink-182:

- Hello Dear, / The angel from my nightmare/ The shadow in the background of the morgue…

-The unsuspecting victim / of darkness in the valley / We can live like Jack and Sally if we want… - completei, e só então percebi o quanto nossas fantasias estavam erradas.

Deveríamos ter vindo de Jack e Sally Esqueleto.

Volto a mim quando ele termina o verso por nós dois.

-Where you can always find me / And we'll have Halloween on Christmas / And in the night we'll wish this never ends /We'll wish this never ends…

Sua voz é perfeita. E só me dou conta do quão verdade as palavras são quando elas saem da minha boca.

- Sinto sua falta.

Nico me observa confuso, e me gira em seus braços, me fazendo encará-lo enquanto passo os braços por seu pescoço.

-Mas eu nunca saí daqui, Thals.

É verdade. Ele nunca saiu de perto de mim.

Então... Porque diabos eu sinto a falta dele?

E, de novo, as palavras certas me aparecem.

Eu não sentia a falta dele. Porque ele sempre esteve ali pra mim quando eu me senti sozinha. A diferença é que agora eu dou valor a sua presença...

Eu sinto falta da minha presença ao lado dele quando ele se sentia sozinho e sem saída. Eu nunca o apoiei tanto quanto ele me apoiou, e sinto agora que nunca vou ser capaz de retribuir isso a ele.

Respiro fundo.

- Eu sei... Mas eu não percebi isso antes. Eu saí de perto de você. A culpa disso é minha...

-Cala a boca! – me interrompeu, e me beijou, desesperadamente.

Deuses, aquele cheiro... Aquele maldito cheiro impregnava todo o meu corpo. Todo o meu chalé. Tudo o que eu sentia era aquele cheiro viciante, que me fazia sentir como uma verdadeira drogada.

Nos separamos, e ele nem se dá ao trabalho de abrir os olhos enquanto fala.

- Nada mais importa. Você está aqui agora, certo?

- Certo. – fungo.

- E eu vou te beijar de novo agora. E você vai retribuir como se sua vida dependesse disso. Certo?

- Você gosta de mandar em mim, não é? – pergunto, ironicamente, tentando me livrar das lágrimas. Ele sorri de canto.

- Não é como se você não gostasse...

Seu cheiro invade minhas narinas de novo, mas dessa vez a única coisa que consigo processar é o fim de uma das minhas músicas favoritas tocando nos alto-falantes do baile mais perfeito que já fui... E não me importo se esse foi o único ao qual compareci...

I miss you, miss you…
I miss you, miss you…