A Ovelha e o Porco-espinho escrita por Silver Lady


Capítulo 17
Papéis Invertidos




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Papéis Invertidos


—Ha! Ha! Haaa!

A imensa rocha cobriu-se de marcas arredondadas, umas sobre as outras. Cada golpe a soltava cada vez mais do lugar onde estava presa. Finalmente, ela se soltou e começou a rolar pela borda do penhasco, como se tentasse escapar do seu atacante, mas ele a seguiu de perto sem parar de golpeá-la. O último soco reduziu o bloco de pedra a uma chuva de farelos que caíram sobre as ondas. Kuririn respirou fundo, enxugou o suor do rosto e olhou para as mãos: em um ser humano normal os delicados ossos estariam esmigalhados, mas elas só tinham alguns arranhões.

—Acho que posso fazer uma pausa" disse para si mesmo, olhando o mar lá embaixo.

Nos últimos meses, havia relaxado muito nos treinos. Era cinema pra cá, passeios pra lá. Estava na hora de começar a se preparar de verdade, se quisesse ser mesmo útil durante a chegada dos androides. Mestre Kame decidiu que precisavam ficar em um lugar mais amplo, por isso, se mudaram novamente para a enseada onde Kuririn e Goku haviam treinado quando eram meninos. Apesar de agradecido, o monge às vezes pensava que teria sido mais fácil se concentrar em um lugar que não trouxesse tantas lembranças. Era engraçado agora, lembrar a maneira como competira com Goku quando eram crianças, sempre tentando ser melhor do que ele. Que perda de tempo havia sido!

Os livros e filmes estão cheios de histórias sobre pessoas que superam limites impossíveis apenas com esforço e determinação. O que ninguém diz é que há barreiras que nem toda a determinação do mundo pode ultrapassar. No caso dele, barreiras físicas, causadas pela genética. Talvez fosse por isso que se sentia tão desmotivado.

—Nem sei por que eu ainda insisto—suspirou—Nunca serei tão forte quanto o Goku ou Vegeta... e nem sei se vou servir para alguma coisa contra aqueles androides.Talvez eu devesse procurar alguma garota pra me casar, enquanto ainda sou jovem.

Uma sombra se derramou sobre ele.

—Duvido que você consiga—escarneceu uma voz áspera—A não ser que encontre alguma garota que precise de um apoio para tomar sopa.

Antes mesmo da frase terminar, Kuririn já havia se virado. Embora seu interlocutor já fosse bem conhecido e estivesse (mais ou menos) do seu lado agora, o rapaz não pode evitar que seu estômago se contraísse de pavor. Segurou a respiração, sem entender aquele medo,e só então reparou a maneira estranha como o visitante estava vestido. Claro, a roupa havia lhe lembrado aqueles dias de terror em Namek. Então fora para isso que Bulma lhe pedira seu traje emprestado?

—Credo, Vegeta! Quase me matou de susto!

Vegeta mediu o rapaz de cima a baixo:
—Está ficando descuidado. Se eu quisesse, já teria transformado você em cinzas minutos atrás.

Kuririn ficou furioso, ainda mais porque era exatamente o que estava pensando:

—Veio até aqui só pra me insultar?

Vegeta soltou o ar dos pulmões, como se fosse dizer algo contra a vontade:

—Aquela informação que você deu à mãe de Bulma, sobre que a filha saiu atrás do doutor Gero. Era verdade?

O monge pestanejou, a princípio sem entender. Depois uma luzinha de reconhecimento acendeu em seus olhos:

—A-Aquilo? Ah, sim... Não, não, de jeito nenhum! —abanava a cabeça e as mãos enfaticamente, como se isso fosse tirar qualquer dúvida do Saiyajin sobre a verdade —Olha... eu e os outros fomos ao aniversário dela e descobrimos que a Bulma não estava lá. A mãe dela pensava que Bulma estivesse em uma missão, e eu... eu apenas enfeitei um pouquinho a mentira dela. Não podia culpar a Bulma por não querer ficar na festa, com toda aquela gente chata lá, você sabe como a mãe dela é...—uma coisa horrível passou pela cabeça de Kuririn e seus olhos, que já eram grandes, ficaram do tamanho de rodas_Você... Você feriu a Bulma por causa dessa história?

—Ela está viva—Vegeta virou-se na direção do penhasco e olhou por cima do ombro—Mas se disser qualquer palavra dessa conversa a alguém, não só você mas aqueles dois tarados vão morrer.

E decolou, descendo sobre o mar num rasante. Sua energia abria um profundo sulco entre as ondas.

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—Só porque eu não pedi pra guardar segredo não quer dizer que precisem contar o que eu faço até pro padeiro da esquina!

O doutor Briefs recuou contra a parede, quase esmagando seu pobre gatinho. Sabia que não devia ter cedido aos apelos chorosos da esposa para servir de mediador. Fazia cinco dias desde aquela noite horrível em que Vegeta deixara a Corporação Cápsula. Também fazia cinco dias que Bulma não falava com a mãe. E a senhora Briefs insistia em tentar fazer a filha falar com ela, pois continuava não entendendo (ou não queria entender) qual era a sua culpa em toda aquela confusão. O marido a encontrara com um prato de doces na mão tentando persuadir o segurança-robô a deixá-la entrar no laboratório. E agora lá estava ele, já mais que arrependido de tentar trazer paz para a família.

—Eu sei que mamãe não agiu por mal, ela SEMPRE fala com a melhor das intençõesl! Que nem quando eu tinha cinco anos e fiz xixi na cama. Ela contou pra todas as mães dos meus coleguinhas porque achou "engraçadinho", não lembra? Vocês até tiveram que me mudar de colégio porque todo mundo só me chamava de mijona!— a voz de Bulma tremeu só de lembrar.

Apiedado, o doutor Briefs afastou-se da parede.

—Nunca entendi por quê—disse inocentemente—Toda criança faz xixi na cama...— encolheu-se de novo, porque Bulma parecia crescer diante dele:

—E toda vez que eu e Yamcha brigávamos, as filhas das nossas vizinhas davam um jeito de aparecer aqui com presentinhos e decotes até o umbigo!—o berro dela chegou a fazer o velho se curvar para trás, e Scratch enterrou as unhas em seu ombro para não cair—Como elas ficavam sabendo, hein? E a mamãe ainda teve o topete de me censurar porque guardei segredo sobre Vegeta e eu!! Contar para quê? Para que ela pudesse contar ao mundo inteiro que sua filha finalmente desencalhou e eu perca todos os meus amigos?

—S-Seus amigos odeiam Vegeta tanto assim?

Bulma ignorou a pergunta:

—E além de mamãe não ter respeito nenhum pela minha privacidade, pode acabar colocando a todos nós em perigo com as suas indiscrições. Qualquer espião da Red Ribbon pode obter as informações que quiser, é só aparecer aqui disfarçado de entregador ou eletricista e bater um papinho com ela. Se o doutor Gero descobrir que estamos preparando uma recepção de boas-vindas para seus andróides daqui a três anos, com certeza vai tomar providências.

O doutor Briefs empalideceu:

—Realmente... não havia pensado nisso. Vou conversar com sua mãe. Só gostaria que você tivesse me falado antes sobre esses androides, assim eu poderia ter preparado alguma coisa.

Com a mudança de assunto, Bulma acalmou-se um pouco e voltou a sentar junto ao computador. Distraidamente, tocou um pontinho ainda dolorido no pescoço, causado por um estilhaço de louça.O pai postou-se atrás dela.

—Tem certeza de que o tal remédio do futuro vai funcionar?

—Pra ser honesta, não, porque Goku escondeu o remédio e eu não me lembrei de pedir um pouco para fazer uma análise. Estou pesquisando sobre vírus que atacam o coração, mas não achei nada...—lançou um olhar cansado para a tela do computador e suspirou—Acho que ele realmente só vai ser descoberto daqui a alguns anos.

Até para o doutor Briefs era evidente que o abatimento da filha não se devia ao insucesso de sua pesquisa.

—Tem certeza de que não quer mandar nosso pessoal atrás de Vegeta? Podemos tentar localizá-lo com nossos satélites.

Bulma não pode evitar um sorriso. Seu pai era realmente muito ingênuo. Depois de ter visto o que Vegeta era capaz, ainda pensava em arriscar a vida dos pobres rapazes!

—Obrigada, mas não vale a pena. Vegeta não quer ser incomodado, e se tentássemos rastreá-lo ele ficaria ainda mais furioso. Ele vai ter de voltar. Está sem dinheiro, não tem nenhum amigo - e, mais importante, treinar com a gravidade da Terra não é a mesma coisa—ficou em silêncio por alguns segundos, como se pensasse em algo. Lentamente, pontinhos de luz surgiram no fundo dos olhos azuis, e seu queixo se endureceu —Além disso, eu também tenho meu orgulho.

Olhou para a mesa atrás deles e acrescentou, para encerrar o assunto:
—Pode levar esses doces daqui, papai? Estou de regime.

O velho assentiu e deixou o laboratório com a bandeja nos braços e o eterno gato sobre o ombro:

—Sabe, Scratch, eu não entendo o que havia de errado com o Yamcha... ou com aquele garoto simpático, o Goku. As mulheres tem um gosto muito estranho.
—Miau.

—Eu posso dizer por experiência própria. Minha mulher, por exemplo. Ela sempre gostou de homens bonitos e musculosos e mesmo assim casou comigo. Nunca entendi o que ela viu em mim, ainda mais que naquela época eu ainda não havia inventado as cápsulas que nos deixaram ricos!

Bulma havia herdado a queda da mãe para homens musculosos, é verdade. Mas Yamcha e Goku também o eram, e ainda assim... Não, o doutor Briefs suspeitava que a escolha da filha se devia a alguma outra razão, bem mais profunda.

A grande paixão do doutor Briefs, mais até do que os inventos, eram os animais abandonados que recolhia. Gatos, cachorros, dinossauros... Depois que ficara rico, uma de suas alegrias fora finalmente ter espaço e condições de cuidar de tantos bichos. Muitos deles haviam sido maltratados, e levavam meses e até anos para confiar em alguém de novo. E, embora Bulma criticasse a sua mania, no fundo tinha aquele ponto em comum com ele, só que em vez de bichos preferia acolher pessoas sem lar. Em parte era por isso, pela alegria de ver que ela herdara isso dele, que o velho sempre aceitava que a filha trouxesse estranhos para casa, até mesmo aquele terrível Vegeta.

No fundo, animais não eram assim tão diferentes das pessoas. Os seres humanos também ficavam traumatizados devido a maus tratos. E Vegeta, que aos olhos do doutor mais lembrava um animal selvagem que um ser humano (um tigre, ou um lobo solitário), estava cheio de cicatrizes, físicas e psicológicas. Talvez fosse por isso que Bulma se sentia tão atraída pelo Saiyajin, e tivesse com ele mais paciência do que tinha com a própria família e com seus amigos. A frase que a filha gritara aquela noite terrível havia ficado gravada na cabeça do doutor:
"
Ele estava começando a confiar em mim... e agora você pode ter acabado com tudo!"

Se já era difícil conquistar a confiança de um animal traumatizado, pior ainda com os seres ditos como racionais(incluindo os humanos), que eram muito mais complicados. Apesar de otimista por natureza, o velho não acreditava muito que Bulma conseguisse recuperar a confiança do Saiyajin, se é que ele realmente confiara nela alguma vez.

O doutor Briefs só esperava que, ao se meter com um homem tão marcado, a sua alegre garotinha também não ficasse profundamente marcada.

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Era uma da madrugada quando um zumbido insistente tirou Bulma de um não muito profundo sono. Praguejando, derrubou no chão o despertador junto com quase tudo que estava sobre mesinha de cabeceira, mas nem assim o barulho parou.Somente quando ela estendeu o braço para acender o abajur percebeu que o barulho vinha de seu alarme de pulso. Totalmente acordada agora, desligou o aparelhinho, saltou da cama e olhou pela janela. Uma luz avermelhada piscava pela janela da espaçonave no quintal:
—Já?

Dois dias depois da briga com Vegeta, Bulma havia reativado o alarme da câmara de gravidade (o mesmo alarme que havia usado quando ele insistira em treinar não tendo condições). Só não esperava que ele voltasse tão rápido.

Ah, isso era com ele. Talvez algumas coisas estivessem acima de seu orgulho, afinal. Pelo menos poderia dormir melhor agora. Apagou a luz, voltou a se deitar e virou-se para a parede, puxando os cobertores. Depois de alguns segundos, seu corpo se virou para o lado da janela. Contra a vontade, seus olhos se abriram, como que forçados por dedos invisíveis, e se voltaram automaticamente naquela direção.

—Pare com isso_resmungou—Se Vegeta pode bancar o orgulhoso, eu também posso.

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Vegeta girou no ar e desferiu uma série de chutes. O treinamento na câmara fizera falta durante aqueles dias afastado. Não se virou quando sentiu a tela holográfica acender atrás dele. A auto-estima daquela mulher tinha mais altos e baixos que um elevador. Mas, em vez dos gritos e reprovações que esperava, só ouviu o barulho da máquina de gravidade funcionando. Estranho. Mesmo sem olhar, sabia que a tela estava acesa. O que ela estaria tramando?

Bulma havia preparado um belo discurso no caminho para o laboratório. Antes mesmo de ligar a tela de comunicação, cada frase fora cuidadosamente ensaiada, mas agora, nada do que preparara lhe parecia adequado. Ficou olhando as costas bronzeadas e musculosas que se contraíam, reluzentes de suor. A pele exposta lhe lembrou as duas noites loucas passadas no campo, seu toque desajeitado, porém quase gentil, como o de um adolescente na primeira v...

—O que quer?!—Vegeta virou-se com tanta rapidez que ela nem percebeu o movimento—Fale logo e vá embora, não consigo me concentrar com você me olhando!

Bulma quase caiu da cadeira. Aquele homem tinha olhos nas costas, por acaso?

—Como você é cara de pau! Quer dizer que não pode falar comigo, mas usar a nave que MEU pai fabricou você pode!

—Uma coisa nada tem a ver com outra. Não foi o seu pai quem eu pensei que tivesse me traído.

—Quer dizer que... o quê?!—Bulma quase se engasgou quando entendeu bem a última frase. Vegeta deu uma risadinha:

—Que pena, hein? Estraguei a defesa que você teve todo o trabalho de fazer.

—M-Mas... como? Quer dizer... como você percebeu... Ah, entendi —seu rosto se iluminou —Descobriu finalmente que era um absurdo eu fazer uma coisa dessas com você por causa do que aconteceu entre nós, não foi?

Vegeta não sabia se ria ou se esbravejava com a imbecilidade da mulher. Às vezes, era tão esperta; outras, dizia umas besteiras que fariam até Kakaroto cair de costas! Pensou com cuidado no que ia responder, de modo a não mencionar seu interrogatório a Kuririn. Saber da verdade não lhe trouxera nenhum alívio, pelo contrário. Precisara de muito autocontrole para não pulverizar aquele nanico intrometido.

—Errou de novo. O que aconteceu foi que, logo que esfriei a cabeça percebi que a história que sua mãe contou não podia ser verdade—fez uma pausa, percebendo a atenção dela, e continuou —Sua mãe disse que Kakaroto tinha ido com você. Eu sabia que era impossível, porque lutei com ele horas antes de nos encontrarmos naquela festa. Depois, Kakaroto não saiu mais de perto da família. Se ele tivesse lutado com alguém, ou ido a outro lugar, eu teria sentido.

Bulma estava boquiaberta. Aquele maluco era um verdadeiro Sherlock Holmes. Satisfeito com a reação (ou falta desta) que produzira, Vegeta permitiu-se um sorriso.

—Era só isso? Ótimo.Não precisa voltar mais aqui. E também não espere por mim. Não creio que estarei em condições quando terminar—voltou-se e começou uma nova série de socos.

Às suas costas, ouviu a respiração ficar pesada, mas isso não o alertou.

—Era só isso? —Bulma repetiu devagar, naquele tom falsamente calmo que anuncia tempestade. Vegeta fuzilou-a por cima do ombro.

—É só isso?—ela explodiu —Você... deduziu que eu não ameacei a vida de Gero pela suas costas, então tudo bem, veio treinar aqui de novo, e espera que eu esteja depois à sua disposição, como não tivesse acontecido nada? Como se você não tivesse quase matado a mim e aos meus pais de susto, e destruído uma parte da nossa cozinha? Olhe aqui, um caco de louça chegou a se enfiar no meu pescoço!_apontou qualquer coisa pontinho invisível na pele—Eu poderia ter ficado com uma cicatriz!

Ele finalmente se virou:

—O que mais quer que eu faça? Que me ajoelhe e peça desculpas? Eu não vou fazer isso! Já é humilhante demais admitir que cometi um engano! Engano, aliás, que foi SUA culpa! Nada disso teria acontecido se você não fosse tão covarde e mentido aos seus pais para sair de casa, em vez de mandá-los se f... !

Bulma corou ligeiramente, mas se manteve firme:

—Não estou falando em pedir desculpas. Seria o mínimo que poderia esperar de qualquer pessoa decente, mas esse não é o seu caso. Estou falando da sua falta de consideração comigo. Sabe o que eu passei nesses dias em que você sumiu de casa, Vegeta? Eu quase não dormi, tenho de aplicar gelo todos os dias pra disfarçar as olheiras! Pior, eu me senti péssima porque... você ficou magoado por minha causa, mesmo que eu não tenha a culpa. E quando você finalmente voltou, veio direto pra cá, sem sequer se dar ao trabalho de vir me procurar! Custava tanto pro seu orgulho vir me dizer: "Bulma, pensei melhor e acredito quando você diz que não faria nada pelas minhas costas. Agora vou treinar"? —imitou o jeito seco dele.

"Claro que custava, não é óbvio? Se eu não precisasse tanto da sua ajuda nem teria voltado aqui. Achei que me entendesse. Ou será que esta é outra maneira de jogar todo o meu débito com você na minha cara? Maldição... a verdade é que, tirando o fato de eu não ser mais torturado, minha vida não mudou muito. Continuo morando de favor em um lugar que não é meu, e sendo lembrado disso o tempo todo. Pensei que se fizesse de você minha amante, tomaria posse de tudo isto aqui, mas o que fiz foi apenas me afundar mais."


Apesar de egoísta e extremamente injusta, a interpretação de Vegeta sobre a reação magoada de sua amante estava de acordo com sua mentalidade e experiência de vida. Como não entendia os sentimentos humanos, interpretava o afeto de Bulma por ele como uma mistura de piedade e desejo sexual. Já estava acostumado às broncas e cobranças dela e até mesmo à sua irritante solicitude maternal, quando ele se machucava. Mas a situação que experimentava agora era completamente nova. Em seu passado, o máximo que lhe acontecera fora receber advertências por não apresentar-se imediatamente quando convocado. Jamais alguém ficara aflito com a sua ausência. Todas as criaturas vivas do universo ficariam felizes se ele desaparecesse para sempre!

E certamente ninguém jamais havia se preocupado antes com seus sentimentos. Tudo aquilo o perturbava, ainda mais porque ele mesmo não compreendia porque ficara tão magoado. Já fora traído muitas vezes, e sempre ficara furioso com isso, mas a raiva era por ser feito de bobo. Traição e mentira faziam parte de seu mundo, e ele não se cansava de usar ambas em seu proveito. Por exemplo, quando estava ajudando Kuririn e Gohan em Namek, havia planejado matá-los assim que não precisasse mais deles, e tinha certeza de que os dois sabiam disso. Mas quando eles e o moleque namekiano tentaram fazer os desejos pelas suas costas alguma coisa se remexeu dentro dele. Foi uma sensação diferente, quase uma dor física. Quando suspeitou de Bulma, a sensação voltou ainda mais forte, fazendo-o sentir-se como se tivesse sido cortado por dentro. Ainda por cima ela tinha percebido! "Desgraçada..." Procurou alguma frase bem cortante para feri-la, para extravasar aquela inquietação. A oportunidade foi fornecida pela própria Bulma, que continuava falando, sem perceber o que se passava dentro dele:
—Quando é que você ia me contar? Quando precisasse de uma nova invenção ou de um corpo quente na cama?

"Mulher vulgar... depois não quer ser chamada de vagabunda!" Vegeta disfarçou o embaraço com um de seus sorrisos perversos:

—Continuo não entendendo a razão de tanto escândalo. Você deveria estar acostumada a ser esquecida o tempo todo. Não é assim que Yamcha e seus pretensos amigos sempre a trataram?

Os olhos de Bulma acusaram o impacto. Diferente do que Vegeta esperava, porém, a resposta foi à altura:
—Você se acostumou a ser torturado quando trabalhava pro Freeza?

O silêncio disse tudo por ele.

—Ninguém se acostuma a ser maltratado ou negligenciado, Vegeta. Você, mais do que ninguém, deveria saber. Achei que você fosse diferente. Não, não me interrompa. Sei que você é egoísta, mesquinho, cruel, mas mesmo assim... achei que me desse algum valor. Mas você é igual os outros... um brutamontes que só pensa em brigar.

"Eu estava enganado: você é igualzinha ao Kakaroto e ao resto dos santinhos hipócritas." Vegeta ouviu a própria acusação ecoar em sua mente. Sem saber porquê, sentiu uma sensação desagradável no estômago.

—Estou cansada de ficar em último plano—Bulma fungou, apertando os olhos para conter as lágrimas—Quero alguém que me dê atenção e carinho, em vez de só me procurar quando precisa e depois me largar num canto como uma ferramenta velha. Não se preocupe que não vou mais interromper os seus treinos. E não tente entrar no meu quarto, ou vou botar Goku atrás de você—começou a se levantar e estendeu o braço para onde deveria estar o teclado do computador.

A voz de Vegeta ainda a alcançou:
—Se queria um homem que a mimasse, nunca deveria ter se metido com lutadores como nós.

Porém ela já havia desligado. Vegeta deu de ombros.Daqui a alguns dias ela estaria no seu pé de novo.

Sem aviso, tudo escureceu e a gravidade voltou ao normal. Pego de surpresa, Vegeta não conseguiu parar e bateu com a cara no teto, quase abrindo um buraco na parede da nave.

—@#$% *&*(¨¨% VAGABUNDA MISERÁVEL FILHA DA @#$%!!!!!



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Notas finais do capítulo

Parece que, à medida que a história se encaminha para o desfecho, os capítulos se tornam cada vez mais difíceis de escrever. Tive de pensar muito para resolver esse pedaço, porque, sem fazer spoiler posso dizer que essa não é outra daquelas briguinhas bobas. O que vocês acham? Bulma tem razão ou está exagerando e deveria tentar entender Vegeta melhor? Pessoalmente, eu ficaria magoada se alguém me acusasse de alguma coisa e depois não pedisse desculpas ao ver que errou.